quinta-feira, 3 de setembro de 2015

AS DINÂMICAS DA PAZ (6)



Rui Peralta, Luanda

Angola: a Paz e o Estado Democrático de Direito

Observe-se um exemplo: Angola. O país sofreu 5 séculos de colonização, marcadas por um longo processo de resistência popular anticolonial, que culmina a 4 de Fevereiro de 1961 com a proclamação da luta armada de libertação nacional contra o colonial-fascismo, que conduziu o país á independência, aos 11 de Novembro de 1975, por sua vez início de uma nova guerra de defesa da soberania e da integridade territorial, que desembocou, na década de 90, num processo de guerra interna de desestabilização, que prolongou-se até ao início do seculo XXI. Resistência, Guerra de Libertação nacional, guerra de defesa da soberania, guerra provocada por desestabilização (e originadora de um processo de acumulação de capital que revelar-se-ia um obstáculo ao desenvolvimento, por razões que analisaremos mais á frente) e, finalmente, o processo de Paz. Em todos estes processos as dinâmicas internas e externas cruzaram-se de forma permanente.

A proclamação da independência foi um desses momentos de dinâmicas cruzadas. A defesa da independência nacional assentou numa opção socialista de desenvolvimento (uma via não capitalista de desenvolvimento). Essa opção foi, objectivamente, a única que viabilizou a soberania nacional, manteve a unidade e a integridade territorial. Qualquer outra opção que fosse decidida na época teria conduzido o país ao neocolonialismo e á submissão. O contexto externo não era propício a opções consensuais, mas também as dinâmicas sociais internas, com tensões fortes acumuladas durante a guerra de libertação nacional contra o colonialismo e transportadas para o interior do movimento de libertação nacional, não permitiam que fossem possíveis situações de compromisso. Socialismo ou neocolonialismo eram as opções que se apresentaram. A independência nacional e a soberania popular apenas podiam ser mantidas pela opção socialista.

No plano externo esta opção era condicionada pelos dois blocos concorrentes: o “bloco socialista”, em torno da URSS e o “bloco ocidental, capitalista”, em torno dos USA. O não alinhamento obrigava a um alinhamento com o bloco socialista e não havia margens para uma política “desalinhada” em relação aos dois blocos.

Por sua vez a guerra e o seu desenrolar impediram o livre desenvolvimento das dinâmicas internas e estas desenvolveram-se nos subterrâneo e nos corredores do aparelho político e militar. Com o desenvolvimento das dinâmicas externas, onde passaram a ser notórios os efeitos dos novos mecanismos de acumulação e reprodução de capital, tornando desnecessários os mecanismos da concorrência entre “socialismo real e economia de mercado”, que tinham dominado os processos de desenvolvimento da economia-mundo após a II Guerra Mundial, tornaram-se possíveis e necessários consensos, apenas possíveis num processo de Paz.

Este processo sofre um impulso quando em 1991, a Assembleia do Povo consagra, através da aplicação da Lei nº 12/91, a democracia multipartidária, os garantes dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e a “economia de mercado”, medidas aprofundadas, posteriormente, pela Lei da Revisão Constitucional nº 23/92. Foi, assim, implementado, um modelo institucional, que tinha como objectivo a conquista da Paz e que permitisse novas premissas de desenvolvimento. Esta implementação estava, no plano interno, intimamente ligada á necessidade que as novas camadas geradas durante a guerra tinham de se autonomizar em relação ao aparelho politico mas, obviamente, sem perder a sua influência no seio do aparelho. Por outro lado, o próprio aparelho político concluiu que a situação de guerra não conduziria o país a lado algum. A situação tinha de alterar-se para tornar possível a sua existência como aparelho política, mas também como garantia da independência nacional. Apenas a Paz poderia garantir uma nova politica que iniciasse uma era de desenvolvimento económico e social. Esta necessidade interna cruzava-se com as dinâmicas externas na economia mundial. Os anteriores processos de acumulação (interno e externo) tinham concluído a sua função. Novos processos de acumulação e de reprodução avistavam-se no horizonte. E estes apenas podiam desenvolver-se em situações de Paz e estabilidade…

(continua)

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