Thierry
Meyssan*
Com
uma mão, o governo francês mobiliza todos os seus média para focar a atenção da
sua população sobre os atentados de 13 de novembro. Com a outra, ele lança com
Israel uma nova guerra no Iraque e na Síria. O seu objectivo não é, mais, o de
derrubar o regime laico sírio, nem o destruir o seu exército, mas, agora, o de
criar um Estado colonial a cavalo sobre o Iraque e a Síria, gerido pelos
Curdos, afim de prender em tenaz os Estado árabes. O sonho de uma potência
israelita do Nilo ao Eufrates está de volta.
No
G20, Moscovo e Washington impõem corte de financiamento do Daesh
A
cimeira do G20, em Antalya (Turquia), preocupou-se é certo com a economia, mas,
sobretudo, com a situação no Próximo-Oriente. No decurso da cimeira tiveram
lugar numerosas negociações bilaterais, e, nós ignoramos os detalhes do que foi
discutido e concluído durante estas conversas particulares.
Entretanto,
o presidente russo Vladimir Putin denunciou, sem os nomear, os Estados
participantes na conferência que patrocinam o Daesh. Ele mostrou aos seus
colegas fotografias de satélite de comboios de camiões-cisterna atravessando a
Turquia para vender o petróleo roubado pela organização terrorista no Iraque e
na Síria [1]. Publicamente posto em causa o seu financiamento do Daesh (E.I.), o presidente
turco, Recep Tayyip Erdogan acusou o golpe, pelas suas violações das resoluções
do Conselho de Segurança. De acordo com o Partido Socialista turco, Bilal
Erdoğan (o filho do presidente) dirige pessoalmente este tráfego [2].
Os
presidentes Putin e Obama puseram-se de acordo para destruir os camiões-cisterna
da família Erdoğan e pôr assim um fim ao tráfico petrolífero. No próprio dia, o
U.S. CentralCommand bombardeava, pela primeira vez desde há um ano e meio, os
camiões-cisterna no Iraque, enquanto o exército russo destruía uma enorme
quantidade deles na Síria [3].
A
Rússia e os Estados Unidos forçaram a França a juntar-se a esta operação.
Fingindo reagir aos atentados de Paris, o presidente Hollande anunciou, sem
corar, que dava ordens aos seus exércitos para bombardear o Daesh na Síria,
enquanto o presidente Putin dava, publicamente, instruções aos exércitos russos
para se coordenarem com a França e para a tratar «como» um aliado [4].
O presidente francês irá, dentro em breve, reunir-se com os seus homólogos
norte-americano e russo.
Parece
que foram tomadas disposições efectivas para isolar os 24 estabelecimentos
bancários que o Daesh utiliza a partir do Iraque para transferir o dinheiro;
disposições que o Sub-secretário de Estado dos E.U., David S. Cohen tentava, em
vão, impôr desde há meses [5].
A
França e os «falcões liberais» organizam uma nova guerra
Apercebendo-se
que deveria retirar o Daesh da Síria, o grupo de Estados, de multinacionais e
de personalidades dos EU que organizam a guerra decidiram, então, lançar uma
terceira.
A «Primavera
Árabe» (fevereiro de 2011 a janeiro de 2013) fora lançada pelo Departamento de
Estado dos EUA. Tratava-se de derrubar os regimes árabes seculares, quer fossem
aliados ou resistentes aos EUA, e de substituí-los por ditaduras dos Irmãos Muçulmanos.
Depois de terem derrubado os presidentes tunisino e egípcio durante as
«revoluções» de Jasmin e de Lótus, foi declarada guerra à Líbia e à Síria (tal
como previsto pelo Tratado de Lancaster House, de novembro de 2010), mas as
potências coloniais não chegaram a atacar a Argélia (tomada de reféns de In
Amenas)
A Segunda guerra da Síria (julho 2012 a outubro de 2015) fora lançado pela França, os «falcões liberais» dos E.U. (Hillary Clinton, Jeffrey Feltman, David Petraeus, etc.) e Israel, financiada por um grupo de Estados (Turquia, Catar, Arábia Saudita, etc.) e multinacionais (Exxon-Mobil, KKR, Academi, etc.). Já não se tratava tanto de mudar o regime, mas, sim, de «fazer sangrar» o país e de destruir o seu exército (mais de 100. 000 soldados sírios já morreram lutando contra o terrorismo). Ela chegou ao fim com a intervenção militar da Rússia.
A Terceira
guerra da Síria (desde 20 de novembro de 2015) está a ser desencadeada por
alguns membros do mesmo grupo, desta vez tendo em vista criar um novo Estado no
Norte da Síria e do Iraque, de maneira a colocar entre tenazes os Estados
Árabes que resistem a Israel [6].
Tendo
os organizadores da guerra tomado consciência que não lhes será mais possível
continuar a agir contra a Síria acordaram em retomar e continuar o programa que
levou à criação do Sudão do Sul, em 2012. Este projecto corresponde ao plano de
Alain Juppé (Março de 2011) e ao que foi publicado por Robin Wright (Setembro
de 2013), o qual previa que, depois de terem apoiado o Daesh para criar um
Sunnistão, conviria criar um Curdistão [7].
Não
se trata, mais, nem de uma guerra pretensamente ideológica (Primavera Árabe),
nem pretensamente religiosa (Segunda Guerra da Síria), mas, sim, pretensamente
étnica.
As
operações secretas no terreno
Para
fazer isso, eles conseguiram desviar o partido curdo sírio marxista-leninista
YPG (agora chamado de «Forças democráticas da Síria») e aliá-lo ao clã Barzani
do Iraque. É certo que os dois grupos são curdos, mas, não falam a mesma
língua, mataram-se entre si durante a Guerra Fria, e reclamam-se de ideologias
diametralmente opostas [8].
De
passagem, lembremos que, no momento, o Governo Regional Curdo do Iraque é uma
ditadura. O seu presidente Massoud Barzani, um agente da Mossad, colocado no
poder pelo Reino Unido e pelos Estados Unidos, se agarra ao poder desde o fim
do seu mandato, em junho de 2013 [9].
Eles
pressionaram as «Forças democráticas» (sic) a “curdizar” à força as populações
não-Curdas do Norte da Síria (Outubro de 2015), provocando o levantamento de
árabes e de cristãos assírios, e a ira de Damasco, mas nenhuma indignação
internacional [10].
Também não houve nenhuma reacção, a propósito, aquando da captura dos campos
petrolíferos de Kirkuk pelo Governo regional Curdo do Iraque (Verão de 2014),
com os olhos da opinião pública internacional só virados para a limpeza étnica
praticada pelo Daesh. À época, não só as grandes potências não haviam condenado
a guerra de conquista do Governo regional Curdo do Iraque, mas tinham,
inclusive, proposto fornecer-lhe directamente armas, sem passar pelo governo
central de Bagdad, para pretensamente lutar contra o Daesh.
As
partes envolvidas no conflito não confessaram fazer a guerra para criar um Estado
colonial de Israel e envolver os Estados árabes resistentes numa tenaz, mas,
desde que seja necessário declararão lutar por um Curdistão independente; uma
posição grotesca uma vez que o território em causa jamais pertenceu ao
Curdistão histórico e que os Curdos são aí largamente minoritários (menos de
30% da população).
A
5 de novembro, a França anunciou o envio do porta-aviões Charles de Gaulle para
a zona, alegadamente para lutar contra o Daesh, na realidade para tomar posição
tendo em vista a Terceira guerra da Síria [11].
A nave deixou Toulon, o seu porto âncora, a 18 de novembro.
De
13 a 15 de novembro, o Governo regional do Curdistão Iraquiano, apoiado pelas
«Forças Democráticas da Síria» expulsaram o Daesh do Monte Sinjar (Iraque). Na
verdade, os soldados do Daesh tinham-se retirado deixando apenas 300 homens
face a uma coligação de várias dezenas de milhares de soldados. A zona
libertada(liberada-br) não foi restituída ao governo iraquiano, mas, sim,
anexada pelo Governo regional Curdo do Iraque.
Muito
embora finja não apoiar esta operação, e condená-la, a Turquia aprovou-a aquando
do Tratado secreto Juppé-Davoutoglu de 2011. Se o pseudo-Curdistão fosse
criado, ela não deixaria de para lá expulsar os militantes do PKK.
A
resolução 2249 autoriza de facto a nova guerra
A
20 de novembro, a Rússia tentou fazer aprovar, novamente, o projeto de
resolução que tinha redigido para a sessão de 30 de setembro, e que ela tinha
sido forçada a retirar [12].
Ela modificou o seu texto, quando muito aí incluindo referências aos atentados
no Sinai, em Beirute e em Paris, e também mencionando nele o artigo 51 da Carta
(direito à legítima defesa). Uma segunda vez ela teve que desistir da sua redacção,
e deixar passar uma proposta francesa legalizando toda a intervenção militar
contra o Daesh na Síria e no Iraque, o que o Conselho aprovou por unanimidade
(Resolução 2249) [13].
Muito embora possa ser interpretada de várias maneiras, a resolução escamoteia
de facto a soberania nacional do Iraque e da Síria. Ela autoriza as grandes
potências a imiscuir-se lá, desde que elas pretendam estar lutando contra o
Daesh [14].
Trata-se, evidentemente, de libertar o Norte da Síria do Daesh, não para o
restituir à Síria, mas, sim, para lá proclamar um Estado independente sob
autoridade curda.
A
Rússia não se opôs a esta resolução e votou-a. Parece que ela deseja, de
momento, aproveitar o plano franco-israelita para empurrar o Daesh para fora da
Síria sem, no entanto, aceitar o princípio de um pseudo-Curdistão. A criação de
um tal Estado não goza de nenhuma legitimidade no Direito internacional (os
Curdos da Síria não são oprimidos, gozam, aliás, dos mesmos direitos que os
outros cidadãos). Isto reabre a questão dos direitos das minorias já colocado
pela criação do Kosovo, pela Otan. Ela encoraja de facto qualquer grupo étnico,
qualquer que seja a sua situação política, a reivindicar um Estado independente,
o que implica, por consequência, a dissolução da maior parte dos Estados do
mundo –-aí incluída a França--- e o triunfo da «globalização».
A
reter:
O Kremlin e a Casa-Branca puseram-se de acordo para cortar os financiamentos do Daesh. Eles bombardearam no Iraque e na Síria os camiões-cisternas da sociedade de Bilal Erdoğan e isolaram os bancos do Daesh.
Após a captura dos campos petrolíferos de Kirkouk. em junho de 2014, Israel e a França conseguiram prosseguir com a extensão do território do Governo regional curdo do Iraque (captura dos Montes Sinjar), e, em lançar a conquista de território não-Curdo do Norte da Síria pelo YPG, agora nomeado de «Forças democráticas da Síria». Pensam, a prazo, realizar a fusão das duas entidades e proclamar a independência de um Estado pretensamente Curdo.
A criação de um pseudo-Curdistão, em territórios não-Curdos, não tem qualquer suporte legal no Direito internacional. Ela visa unicamente, junto com a do do Sudão do Sul, prender em tenaz os principais Estados árabes (Egipto, Síria e Iraque) para concretizar o sonho de uma potência israelita do Nilo ao Eufrates.
-
No mapa, publicado por Robin Wright no New York Times, em 2013, distingue-se o
Sunnistão que o Daesh criaria, em junho de 2014, e onde ele proclamaria o
Califado, e, o Curdistão que a França e Israel querem agora criar. Deve
notar-se que este mapa não prevê nada para os cristãos, os quais deveriam ser,
ou transferidos para a Europa, ou exterminados.
Thierry Meyssan* - Voltaire.net - Tradução Alva
*Intelectual
francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace.
As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe,
latino-americana e russa. Última obra em francês: L’Effroyable
imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand,
2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y
desinformación en los medios de comunicación(Monte Ávila Editores, 2008).
Notas
[1]
“President Putin
Responses to journalists’ questions following the G20 summit” («Respostas
do Presidente Putin às questões dos jornalistas a seguir à cimeira do G20»-
ndT), Kremlin, November 16, 2015.
[2]
“O papel da família
Erdoğan no seio do Daesh”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 3 de Agosto
de 2015.
[3]
«L’armée
américaine a détruit 116 camions-citernes de l’EI» («O exército americano
destruiu 116 camiões-cisternas do E.I.»- ndT), Robert Burns, Associated
Press, 16 novembre 2015.
[4]
«Syrie
: Poutine ordonne d’établir un contact direct avec la France et de la traiter
comme un allié» («Síria : Putin ordena estabelecer um contacto directo com
a França e de a tratar como um aliado»- ndT),Russia Today, 17 novembre 2015.
[5]
“Why
Is Money Still Flowing to ISIS?” («Porque Continua o Dinheiro Fluindo para
o Daesh?»- ndT), The Editorial Board, The New York Times Sunday Review,
October 10, 2015.
[6]
“Como Israel pretende
relançar a guerra no Levante”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede
Voltaire, 11 de Maio de 2015.
[7]
“Imagining
a Remapped Middle East” («Imaginando um Redesenhado Mapa do Médio-Oriente»-
ndT), Robin Wright, The New York Times Sunday Review, September 29, 2013.
[8]
“O Curdistão e o Califado”, “O «Curdistão», versão
israelita”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Al-Watan (Síria), Rede
Voltaire, 7 e 14 de Julho de 2014.
[9]
« Les Kurdes
d’Irak s’opposent à la reconduction de leur président » («Os Curdos do
Iraque opõem-se à recondução do seu presidente»- ndT,Réseau Voltaire, 20 août
2015.
[10]
« Les États-Unis
et Israël débutent la colonisation du Nord de la Syrie» («Os E.U. e Israel
iniciam a colonização do Norte da Síria»- ndT), Réseau Voltaire, 1er
novembre 2015.
[11]
«Le
porte-avions « Charles-De-Gaulle » déployé contre le groupe État islamique»,
Le Monde avec AFP, 5 novembre 2015.
[12]
“Russian draft
resolution on Counterterrorism”, Voltaire Network, 1 October 2015.
[13]
“Resolution 2249 on
combating ISIS”, Voltaire Network, 20 November 2015.
[14]
«Le
Conseil de sécurité adopte une résolution appelant à la lutte contre Daech»
(«O Conselho de Segurança adopta uma resolução apelando à luta contra o Daesh»-
ndT), Centre de Nouvelles de l’Onu, 20 novembre 2015.
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