quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Portugal. O ASSALTO



Pedro Ivo Carvalho – Jornal de Notícias, opinião

Esta é a história de um susto. De um plano que, por ser um plano, não é uma certeza. De uma seta envenenada que, no final, até pode atingir o alvo errado. Esta é a história de uma empresa pública que tinha uma bomba guardada numa gaveta que só agora se abriu. No estertor de um governo que se foi, no dealbar de um governo que começa. Esta é a história do regresso das portagens a uma zona proibida. Pacificada desde 1995. Sem alternativa. Esta pode bem ser a história de um assalto. Ou então não. São só hipóteses. Era para ver se pegava. É apenas uma folha de excel. Um "documento de trabalho interno com carácter preliminar negocial".

Do princípio: o Plano de Atividades e Orçamento da Infraestruturas de Portugal (IP) prevê a reintrodução de portagens já no verão de 2016 no troço da A3 entre Águas Santas e a Maia e no troço da A4 entre Águas Santas e Ermesinde. Significa isso que nas contas da empresa que resulta da fusão entre a Estradas de Portugal e a Rede Ferroviária Nacional já estão "acomodados" os 15 milhões de euros anuais resultantes desta receita. O negócio foi feito pelo anterior Governo e devidamente "autorizado" pelo ex-secretário de Estado dos Transportes, o omnipresente Sérgio Monteiro.

Eu sei que a decisão não tem o tamanho mediático ou o peso económico da anulação da sobretaxa do IRS, mas mesmo assim foi habilmente ocultada dos eleitores antes das legislativas. Se a maioria PSD/PP ganhasse, teria tempo suficiente para amaciar o discurso e apoiar os "parolos" do Norte na dolorosa missão de entranhar mais um sacrifício. Se a maioria PSD/PP perdesse, quem viesse que descalçasse a bota, assumindo o ónus de deitar milhões pela janela.

Tudo isto foi feito nas costas das populações e dos autarcas. Mais: na transição de pastas entre governos, de acordo com fontes do atual Executivo não desmentidas, esqueceram-se de mencionar esta prenda no sapatinho.

É bom ter em conta do que falamos. De 140 mil pessoas diretamente afetadas, mas de três ou quatro vezes mais portugueses indiretamente apanhados por uma medida que deixaria concelhos como Maia e Valongo delineados por estradas onde só anda quem paga.

Circulam por dia 62 268 veículos entre Águas Santas e a Maia, na A3, e 77 096 viaturas entre Águas Santas e Ermesinde, na A4. Se estes troços fossem portajados, a mobilidade na região recuaria 20 anos. A Infraestruturas de Portugal garante que não está "nada decidido", mas acreditar nisso é quase tão arriscado como crer no fim das tensões religiosas no Médio Oriente.

Dos poderes que representam uma região que está cercada por portagens espera-se que esperneiem. Do Governo da nação que não quer patrocinar erros do passado exige-se que seja coerente.

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