As
divergências que se registam entre os titulares dos órgãos da soberania
continuam a ganhar proporções cada vez mais inquietantes. As últimas trocas de
mimos através de discursos cruzados entre o Presidente da República, José Mário
Vaz e o presidente de Assembleia Nacional Popular, Cipriano Cassamá, demostram
claramente a existência de um profundo mal-estar reinante no cimeiro do xadrez
político da Guiné-Bissau. Fontes bem colocadas e atentas à crise institucional
vigente no país, acreditam que o impasse já atingiu quase a fase crítica. No
“braço-de-ferro” com o Presidente José Mário Vaz, o Primeiro-Ministro e
igualmente líder do PAIGC, entrou numa “aliança de circunstância” com o
presidente do Parlamento guineense, Cipriano Cassamá, em guerra aberta com a
Presidência da República desde a retirada, por JOMAV, de motorizada e de uma
parte de agentes de segurança enquanto efectuava o seu périplo pelo norte do
país.
O
incidente suscitou tensão e, de acordo com uma das fontes d’O Democrata,
Cipriano Cassamá não conseguiu engolir a tamanha humilhação e queria reagir
bruscamente. Terá sido acalmado por alguns diplomatas estrangeiros acreditados
no país. Desde então, a sintonia entre Cipriano e Domingos Simões Pereira
intensificou, embora tendo cada um a sua própria agenda, a médio prazo.
O
casamento do Cipriano com a prematura é interpretado no Palácio presidencial
como tentativa de fragilização do Presidente, político sem grande base no
partido. O suporte do Braima Camará, rival do actual primeiro-ministro, é desde
logo indispensável na estratégia do Presidente Jomav em contornar a influência
do chefe do governo com quem as relações foram sempre tímidas e de muitas
reticências. Aliás, em jeito de recordação, nas primárias realizadas pelo
Comité Central do PAIGC, DSP tinha como candidato preferido, Mário Lopes da
Rosa. A indigitação do Jomav só possível graças a combinação de apoios
circunstanciais de Carlos Gomes Júnior (Cadog0) que viu a sua candidatura
invalidada pela Comissão de Jurisdição por alegada falta de um registo
criminal, e do Braima Camará. Durante a campanha eleitoral, embora concorrendo
para cargos distintos, a sintonia entre JOMAV e DSP foi escassa, senão
inexistente. Mas, a vontade popular obrigou os dois homens, com perfis opostos,
a uma difícil coabitação.
O
“tumulto” registado na última reunião do Conselho de Ministros, entre o próprio
Primeiro-ministro, Domingos Simões Pereira e o responsável pela pasta
ministerial da Presidência do Conselho de Ministros e Assuntos Parlamentares,
Baciro Dja, é mais um episódio na longa telenovela de impasse que tem vindo a
abalar os titulares dos órgãos da soberania. Apesar de pertencerem a mesma
família política, o desentendimento deixou de ser uma novidade.
Segundo
alguns observadores atentos à vida política nacional, o actual clima de
conflitos tem em parte a ver com as “feridas” do Congresso de Cacheu ganho por
Domingos Simões Pereira face ao Braima Camará (Bâ Quecuto). As diferentes fases
que se seguiram, nomeadamente as eleições, a constituição do elenco governamental
(no qual a ala de Braima Camará não faz parte), a nomeação da equipa de
conselheiros do Presidente da República, dominada por elementos pertencentes ao
perímetro de Bâ Quecuto, foram sempre marcadas tensão e desconfiança. Segundo
os nossos informadores, estas situações, associadas a défice de diálogo entre a
Presidência e a Prematura, foram a acumulando e começaram a deixar sinais
visíveis de choque. A exoneração inesperada de Botche Candé (pedra angular na
estratégia de DSP) do Ministério da Administração contribuiu a deteriorar o
clima de desconfiança entre o Chefe de Estado e líder do PAIGC.
Um
autro elemento de polémica no eixo – Presidência e Primatura – tem sido o
ministro Baciro Dja, tido no “entourage” do Primeiro-Ministro como menos fiel e
acima de tudo um homem de confiança de JOMAV no governo. Segundo as nossas
fontes, Dja não conseguiu esconder a sua preferência pelo pelouro dos Negócios
Estrangeiros. Não queria a Presidência de Conselho de Ministros, mas nada podia
fazer face à oposição do chefe do governo que preferiu Mário Lopes da Rosa.
“Outro
foco de tensão tem a ver com os ataques do Presidente da República contra o
governo em quase todos os discursos públicos”, informou uma fonte próximo do
círculo da Primatura. De lado do Palácio, a impaciência é justificada como
“arrogância e falta de consideração do Primeiro-Ministro em relação ao
Presidente”. Sem confirmar a eventualidade da destituição por JOMAV do governo,
a nossa fonte reconhece que a situação é de “impasse profundo”.
A
actual situação de braço-de-ferro está aquecer as diferentes correntes do
PAIGC, onde o Presidente da República está a tentar mudar relações de forças
como ilustra bem a recente nomeação dos membros do Conselho de Estado, na sua
maioria veteranos do partido em ruptura com DSP na sequência de alegado corte
de subvenções a que eram pagos.
O
Democrata soube que os veteranos estão divididos face a situação da divergência
entre as figuras de Estado. A divisão dos próprios veteranos torna o partido
impotente na resolução do problema e por pertencerem a diferentes
sensibilidades dentro do partido.
JOMAV
RETICENTE, PONDERA PLANOS EM
CASO DA QUEDA DE DOMINGOS SIMÕES PEREIRA
O
clima de tensão vivido no seio dos governantes leva o Chefe de Estado a pensar
numa solução mais extrema, ou seja, a exoneração do executivo liderado por
Domingos Simões Pereira. O Democrata soube que no momento o Presidente da
República está a ponderar tácticas que possam garantir a sustentabilidade de um
governo após a destituição de Simões Pereira. “O Presidente sabe muito bem que
essa via tem riscos e consequências imprevisíveis. A tentativa do Presidente
tem pouca probabilidade de ter o apoio da população guineense, muito sensível
ao derrube de governos”, analisa uma fonte. E mais, permanece intacta a
incerteza sobre a capacidade do Presidente em conseguir uma maioria sólida no
Parlamento que possa viabilizar a governação. Seja qual for a pessoa indigitada
dentro PAIGC para chefiar o governo, a tarefa é complicada na medida em que uma
parte importante dos deputados libertadores está com o actual
Primeiro-Ministro.
Outra
equação desconhecida tem a ver com a posição do segundo maior partido da
oposição, o Partido da Renovação Social (PRS, participante do actual executivo)
na eventualidade da queda do governo. Um alto dirigente desta formação política
disse ao jornal O Democrata que é “muito pouco provável que o partido aceite
juntar-se a um governo no meio de uma crise política”. De acordo com a mesma
fonte, o PRS não quer ser parte de “problema, mas de solução”. Sem pretender
ser categórico, a nossa fonte afirmou que a eventualidade da queda do governo
pode mergulhar o país numa crise política profunda.
Perante
a impossibilidade de viabilidade de um novo governo, a nossa fonte interroga
qual será a alternativa. Um governo de iniciativa presidencial? Dissolução do
Parlamento e marcação de novas eleições e financiadas por quem? Da parte da
comunidade internacional, os sinais são, de momento, muito escuros.
O
Democrata (gb)
*JOMAV
é José Mário Vaz, Presidente da República