sexta-feira, 16 de outubro de 2015

ÁFRICA: BUROCRACIA E FORMALISMO NO SEIO DO MOVIMENTO DE LIBERTAÇÃO NACIONAL



Rui Peralta, Luanda

O pilar de sustentação das lutas de libertação nacional dos povos africanos foi constituído pelos camponeses. Claro que este facto não impediu o movimento de libertação nacional de recrutar militantes e combatentes em todos os sectores sociais, principalmente nas camadas populares urbanas (trabalhadores e intelectuais), nos diversos sectores da burguesia nacional (principalmente na pequena e media burguesia, por muito incipiente que esta fosse) e, inclusive, nos sectores da aristocracia tradicional, remanescente da época pré-colonial. Foi, no entanto, no campesinato que os movimentos de libertação nacional encontraram o seu principal combatente e o seu mais leal aliado.

Os conflitos no seio do movimento de libertação nacional expressavam o conflito social na sociedade africana. Estas contradições internas eram abafadas e caso se agudizassem (em consequência das dinâmicas da luta) a necessidade de manter uma postura unitária anticolonialista sobrepôs-se, em inúmeras ocasiões, às contradições, resolvidas de forma mais ou menos consensual nas estruturas dirigentes, ou adiadas para momento mais oportuno, ou – em casos excepcionais – através do afastamento das facções minoritárias.

As pretensões burocráticas eram caladas pelas dinâmicas das lutas, mas não aniquiladas, desenvolvendo-se silenciosamente no interior da estrutura organizativa, manifestando-se pelo formalismo, pelos procedimentos acima dos princípios, pelo “zelo regulamentar”, pelas regras para as reuniões, a cadeia hierárquica assumindo a hierarquia vertical ao invés da hierarquia funcional, etc. É certo que as guerrilheiras (de base camponesa, essencialmente) não eram “atrativas” para as camadas burocráticas, que preferiam o “exilio dourado” e as “tarefas no exterior”. A guerra popular de libertação e a luta clandestina nas cidades nunca foram os palcos operacionais das camadas burocráticas.

A burocracia acompanha a formação do Estado. Após as independências as camadas burocráticas fazem sentir a sua influência de forma directa. Encontram-se numa posição favorável e ocupam, paulatinamente o aparelho político-militar, acabando por dominar todo o aparelho de Estado. Habituadas a esperar, sabem ter chegado o seu momento. Apropriam-se das riquezas proporcionadas pelos recursos naturais, transformando a propriedade pública em propriedade do Estado, administrada por zelosos burocratas, que desta forma geram o seu cofre-forte.

Organiza-se o culto do Estado e do Partido. A economia hierarquiza-se e cristaliza com a destruturação do mercado interno. O Estado incha e a Nação estagna. Eis o ponto limite do domínio burocrático. Está concluída a primeira fase do processo de acumulação. Seguem-se os mecanismos da segunda fase: o usufruto da usurpação.

Através do movimento de libertação nacional os “povos correram com o colonialismo pela porta da saída” mas a burocracia deixou a “janela aberta para o neocolonialismo entrar” (as expressões sublinhadas são do camarada Carlos Dilolwa, um combatente patriota e intelectual angolano, já falecido).
  
Leituras aconselhadas
Amin, S. Os desafios da mundialização Ed. Dinossauro, 2000, Lisboa
Rizzi, B. A burocratização do mundo Ed. Antigona,1983, Lisboa

ESTADO PORTUGUÊS TEM CONTAS BANCÁRIAS A ZERO E SÓ UM IMÓVEL EM SEU NOME



O IMÓVEL JÁ FOI PENHORADO

Um cidadão quis cobrar uma dívida ao Estado Português e descobriu que este tem contas bancárias a zero e apenas um imóvel em seu nome. Este imóvel, o Tribunal da Boa Hora, em Lisboa, está agora penhorado.

Esta circunstância deixa o Estado sem quaisquer fundos próprios, nomeadamente para responder à cobrança de dívidas coercivas.

O caso, reportado pelo Jornal de Notícias, foi descoberto quando o advogado do empresário Bernardo Macambira, que esteve detido ilegalmente durante 51 dias, tentou cobrar ao Estado a indemnização que lhe foi atribuída pelo erro da Justiça.

O empresário pagou a multa de 435 euros pelo crime de aproveitamento de obra usurpada que deveria ter servido como “pena de substituição”, mas acabou, mesmo assim, na cadeia durante 51 dias.

O Supremo Tribunal de Justiça acabou por condenar o Estado pelo erro judiciário, atribuindo ao empresário uma indemnização que ascende a cerca de 97 mil euros, incluindo os juros de mora.

Como o Estado não pagou, o empresário procedeu às diligências burocráticas com vista à cobrança coerciva da dívida.

Foi quando um agente de execução descobriu que o Estado Português tem apenas duas contas bancárias, na Caixa Geral de Depósitos e no Novo Banco, ambas sem saldo.

E que, além disso, tem apenas um imóvel registado em seu nome, nomeadamente o Tribunal da Boa Hora, em Lisboa, que agora se encontra penhorado, como garantia de pagamento da dívida a Bernardo Macambira.

“O cumprimento da lei que responsabiliza o Estado por actos ilícitos está esvaziado, pela quase inexistência de património em nome do Estado”, constata o advogado do empresário, Pedro Mendes Ferreira, em declarações ao Jornal de Notícias.

O diário acrescenta que o Estado Português era proprietário de vários imóveis, mas que os transferiu para outras empresas e institutos públicos.

O que é o mesmo que dizer que ficou sem património próprio e que, a haver um processo contra o Estado, não há quaisquer garantias de pagamento.


Portugal. ESQUERDA AFINA ÚLTIMOS DIAS DE PASSOS E PORTAS



Sem a presença de qualquer dirigente do PS, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa admitiram um ambiente de "determinação" e "confiança" que guia a Esquerda.

Naquele que foi o primeiro encontro entre o BE e o PCP, Catarina Martins voltou a frisar que os bloquistas viabilização "um Governo PS" e que decorrem "neste momento conversações para se perceber pontos de convergência". Contundo, a porta-voz do BE recusou revelar se uma plataforma governativa à Esquerda é para cumprir quatro anos de mandato.

Disse Catarina, que "pelo Bloco de Esquerda não faltará um acordo" que dite o fim do Governo de Passos Coelho e Portas. "Estamos perante três partidos [PS, BE e PCP] que se destacaram por defender a constituição", fez questão de salientar.

Já Jerónimo de Sousa sublinhou que "o PCP apresentará uma moção de rejeição a um Governo PSD/CDS" assim que o Parlamento arrancar em funções. Questionado pela evolução das negociações com o PS, o líder comunista adiantou que "é um processo que continua em andamento". "Não está nada fechado. Da nossa parte não desistimos de procurar soluções conjuntas", admitiu, acrescentando que se trata de "um caminho que não é fácil, tendo em conta que partimos de pressupostos diferentes".

António Costa tinha apontado esta sexta-feira como o prazo para que existisse à Esquerda uma alternativa à governação da coligação PSD/CDS-PP, mas Jerónimo garantiu que "não foi colocado nenhum prazo" na reuniões técnicas que já decorreram.

Recorde-se que a reunião foi pedida pelos bloquistas há dois dias. Do lado do BE, sentam-se à mesa a porta-voz do partido Catarina Martins, o líder parlamentar Pedro Filipe Soares e Adelino Fortunato, da comissão executiva nacional, em substituição de Jorge Costa. Já pelo PCP, estão o secretário-geral Jerónimo de Sousa, o líder parlamentar João Oliveira e Jorge Cordeiro, do Comité Central.

Este encontro ocorreu quando ambos os partidos já desenvolviam, de forma isolada, reuniões técnicas com os socialistas há vários dias. Porém, foi o PCP que deu o tiro de partida, logo na terça-feira depois das legislativas.

O JN apurou que, até este momento, não está previsto nenhum encontro que junte PS, PCP, BE e Verdes (PEV).

No total, comunistas e socialistas estiveram reunidos duas vezes. Já os bloquistas teriam a sua segunda reunião com dirigentes do PS quinta-feira, que acabou adiada para esta sexta-feira, depois deste encontro.

O secretário-geral do PS, António Costa, admitiu em Bruxelas, junto da família socialista europeia, que este conjunto de conversações à Esquerda apontam para a possibilidade de existir um governo alternativo à coligação Portugal à Frente.

Nuno Miguel Ropio – Jornal de Notícias – foto Jorge Amaral / Global Imagens

Sócrates libertado. Ministério Público diz que já não há risco de perturbar investigação



O ex-primeiro-ministro já pode sair de casa mas fica proibido de sair do país. Igual medida de coação para Carlos Santos Silva

As medidas de coação aplicadas a José Sócrates e a Carlos Santos Silva, arguidos na investigação na Operação Marquês, foram hoje alteradas de prisão domiciliária para proibição de ausência do território nacional, informa a Procuradoria-Geral da República (PGR) em nota à comunicação social.

Segundo a PGR, "o Ministério Público considera que se mostram consolidados os indícios recolhidos nos autos, bem como a integração jurídica dos factos imputados. Pelo que, na atual fase da investigação, diminuiu a suscetibilidade de perturbação da recolha e da conservação da prova".

A investigação, no entanto, ainda não está terminada. Após o fim do Segredo de Justiça agora decido pelo Tribunal da Relação, "o que implica o acesso de todos os arguidos aos autos, subsiste a necessidade de conformação de versões e justificações dos arguidos, bem como a possibilidade de conformar factos desenvolvidos noutros países".

O Tribunal da Relação que confirmou o fim do segredo de justiça interno o que permite que João Araújo e Pedro Delille possam consultar os autos da Operação Marquês. O Ministério Público vai recorrer desta decisão para o Tribunal Constitucional, mas este recurso não é suspensivo, pelo que a defesa do ex-primeiro-ministro poderá consultar o processo a partir de segunda-feira.

Diário de Notícias

Portugal. SÓ A DIREITA PODE GOVERNAR?



José Soeiro – Expresso, opinião

1. A aversão dos conservadores à democracia

Primeiro foram as capas de jornal sobre o alegado afundamento da bolsa, em pânico com Catarina Martins – e afinal, era tudo mentira. Depois foi o coro de comentadores sistémicos que repetiram até à exaustão os estereótipos do costume sobre o “arco da governação” e o perigo da esquerda. Alguns dirigentes socialistas vieram a terreiro para garantir, como defendeu Francisco Assis, que o PS não deve governar: os votos que teve seriam assim o seguro de vida de um Governo de Direita. José Manuel Fernandes, o antigo diretor do Público, foi mais longe: aceitarmos a mera possibilidade de a Esquerda negociar com o PS uma solução alternativa de governo seria sinal de que “a democracia amolece-nos”. Supõe-se, portanto, que seria o tempo de um novo vigor que, ao contrário da democracia, fosse capaz de nos restituir a força. A direita dos interesses está a perder a cabeça. Mas é bom que não se esqueça de uma coisa: ficou em minoria nas eleições.

2. Que se lixem os votos: a minoria deve governar porque é tradição

Os resultados finais deram ao PSD e ao CDS 38,34% dos votos e 107 deputados. PS, BE e PCP totalizaram 50,87%, ou seja 122 deputados. A Direita tem menos 15 deputados que os partidos que se lhe opuseram e menos 675 mil votos. É legítimo achar que um governo de Direita é a melhor solução para o país. Mas a maioria dos portugueses achou o contrário.

Os argumentos apresentados para a Direita governar são dois. Um é da ordem do futebol: a coligação Portugal à Frente foi “a equipa que ganhou”. O raciocínio é duplamente falacioso. Primeiro, porque isso significaria que um partido que tivesse 20% dos votos, mas que fosse o mais votado, deveria formar Governo, mesmo contra a opinião de 80% dos eleitores. Segundo porque significaria também que os votos e os deputados dos outros partidos (e foram deputados que foram eleitos, não governos) não apenas não servem para formar governo, como também não podem servir para fazer oposição, dado que têm a obrigação de viabilizar um Governo em minoria no Parlamento. Qualquer semelhança entre isto e democracia é pura coincidência.

O outro argumento é o da tradição. A Direita tem de governar não porque seja legítimo politicamente ou requerido pela Constituição mas porque é tradição. Por toda a Europa, há governos sustentados em acordos entre partidos. Na Bélgica, Dinamarca, Noruega, Luxemburgo e Letónia, os partidos mais votados não tiveram maioria e por isso não formaram governo. Mas isso são modernices europeias. Em Portugal quem manda é o costume e o costume diz que não pode ser. Acontece que não há tradição nenhuma para lidar com a situação que hoje temos porque é a primeira vez que acontece.

3. Um outro governo é possível?

Nos últimos quatro anos, o PSD e o CDS governaram contra a Constituição, criaram uma imensa instabilidade na vida das pessoas e desrespeitaram a palavra dada, deitando ao lixo os compromissos que tinham feito em campanha. Pelo modo como governaram, queimaram as pontes com todos os outros partidos. Talvez por isso Costa tenha dito em campanha, no dia 18 de setembro, que “a última coisa que fazia sentido é o voto no PS, que é um voto de pessoas que querem mudar de política, servisse depois para manter esta política. É evidente que não viabilizaremos, nem há acordo possível entre o PS e a coligação de direita”. Mais claro é impossível. Quando os eleitores votaram, já sabiam.

Também sabiam das condições dos outros partidos. Catarina Martins foi cristalina e mantém a sua palavra. Desafiou o PS apresentando três condições prévias para chegar a um acordo. Não congelar as pensões, porque isso significaria uma diminuição do seu valor real, depois de todos os cortes. Não precarizar as relações laborais por via do “regime conciliatório” que é o despedimento facilitado. Não descapitalizar a segurança social dando uma borla aos patrões pela diminuição da TSU, porque isso seria uma transferência brutal de rendimento do trabalho para o capital. As três condições estão longe de serem todo o programa do Bloco. São apenas três princípios básicos, subscritos por qualquer social-democrata, sem os quais não existem os fundamentos para uma alternativa.

Ninguém sabe os resultados das negociações entre o PS, o Bloco e a CDU, nem se haverá acordo. Mas uma coisa é certa. Está a haver um esforço para romper o ciclo de empobrecimento dos últimos anos. Esse esforço é uma boa notícia. Que isso assuste a Direita, só é bom sinal.

Portugal. Fecho de centro de emprego obriga 5 mil desempregados a gastar 10 euros



O centro de emprego de Sacavém encerra esta sexta-feira, obrigando os cinco mil desempregados ali inscritos a gastar, a partir de segunda-feira, cerca de 10 euros para se deslocarem ao centro de emprego de Loures.

O centro de emprego de Sacavém, que serve 130 mil pessoas da zona oriental do concelho de Loures, encerra portas esta sexta-feira, transferindo os utentes para as instalações localizadas na cidade de Loures.

Ao final de manhã, dezenas de utentes que se encontravam nas instalações manifestaram-se surpresos e indignados, alegando que a decisão irá implicar "custos elevados", uma vez que uma viagem de ida e volta poderá chegar aos 10 euros.

"É uma situação inadmissível. Num momento em que o desemprego continua a aumentar. Tratarem assim os desempregados. Se neste momento não existem condições neste edifício, imagine ir agora toda a gente para Loures", perspetivou à agência Lusa Luís Migueís, do movimento de trabalhadores desempregados de Loures.

Uma das utentes do centro de emprego de Sacavém, Eliana Andrade, disse à Lusa estar "muito preocupada" com a ideia de passar a ir a Loures, referindo não ter dinheiro para suportar as despesas de deslocação. "É lamentável. Para já, não temos dinheiro para pagar e, depois, é incompreensível a decisão uma vez que vamos entupir um serviço [em Loures] de forma desnecessária", atestou.

O presidente da Câmara de Loures, Bernardino Soares (CDU), também esteve nas instalações e aproveitou para tranquilizar alguns utentes e manifestar a sua oposição a esta decisão de encerramento.

"Manifesto o meu total repúdio por esta decisão criminosa. A população que recorre a este serviço é geralmente a mais carenciada. O que o Governo está a fazer é votar ao abandono estas pessoas", afirmou à Lusa o autarca comunista.

Bernardino Soares ressalvou que o executivo "fez tudo o que era possível para demover" a tutela, mas que esta nunca mostrou abertura para arranjar uma alternativa: "Nunca houve uma intenção de relocalizar estes serviços, por exemplo. O argumento é que cada município só poderá ter um centro de emprego", lamentou.

O encerramento do centro de emprego de Sacavém é também encarado com preocupação por Elsa Villa, comerciante que possui um café dentro das instalações e que agora vê em risco o seu trabalho: "Vai-me afetar a mim e à minha família. Tenho uma filha desempregada e uma neta a estudar. Não sei o que nos vai acontecer", disse.

Segundo dados de agosto, no concelho de Loures estão inscritas 9500 pessoas no centro de emprego, cinco mil destes na unidade de Sacavém.

Além de Sacavém, este centro de emprego servia também as localidades de Camarate, Prior Velho, Moscavide, Portela, Bobadela, São João da Talha e Santa Iria da Azoia.

Jornal de Notícias

20% DOS POBRES EM PORTUGAL SÃO POBRES HÁ PELO MENOS TRÊS ANOS



Na véspera do Dia Internacional da Erradicação da Pobreza, o INE divulga mais dados sobre pobreza em Portugal em 2013. Crianças são há sete anos grupo mais afectado.

Em 2013, 19,5% das pessoas a viver em Portugal estava em risco de pobreza. Destas, uma em cada cinco já não era pobre pela primeira vez. Repetia esta condição pelo terceiro ano seguido.

Os dados foram publicados hoje pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), actualizam informações anteriores já divulgadas em Janeiro deste ano, e surgem na véspera do Dia Internacional da Erradicação da Pobreza, que se assinala este sábado. 

Para aferir o risco de pobreza referente a 2013 o INE calcula o limiar de pobreza - que nesse ano se situou em 411 euros mensais. As pessoas com rendimentos abaixo deste montante são consideradas como estando em risco de situação de pobreza.

"Com este limiar, 19,5% das pessoas encontravam-se em risco de pobreza em 2013, ou seja, mais 0,7 pontos percentuais do que em 2012", lê-se na publicação do INE.

Este é um dados que já tinha sido conhecido em Janeiro deste ano e reflecte a situação da pobreza em Portugal, num ano em que o Governo aplicou o "enorme" aumento de impostos.

No entanto, entre algumas pessoas em risco de pobreza a difícil situação já não era nova. O INE revela que "destas, uma em cada cinco encontrava-se também em pobreza em pelo menos dois dos três anos anteriores".

Ou seja, é com base no cálculo do indicador de persistência que o INE conclui que 20,4% dos pobres já o eram em pelo menos dois dos três anos anteriores.

Além disso, o INE volta a referir que as crianças são o grupo populacional mais afectado pelo aumento da pobreza: 25,6% das pessoas até aos 17 anos está em risco de  pobreza.

Mas mais. O instituto estatístico acrescenta que desde 2007 as crianças são o grupo da população mais atingido.

Factura com habitação ao nível mais alto de sempre

O inquérito feito pelo INE às famílias a viver em Portugal foi realizado em 2014 e incide sobre os rendimentos de 2013.

No entanto, o INE aproveitou o inquérito às famílias para fazer mais questões, entre elas sobre a factura com as despesas de habitação, no caso já referente a 2014.

E, nesta matéria, os resultados mostram que em 2014 o peso destas despesas no rendimento disponível bateu um recorde.

A carga mediana das despesas em habitação aumentou em 2014 para 13,4%, "o que corresponde ao valor mais elevado da série iniciada em 2004".

O INE avaliou ainda as famílias que estão sobrecarregadas com esta despesa, verificando quais destas pagam uma factura que excede 40% do rendimento disponível (retirando as transferências sociais relativas à habitação).

Em 2014, estavam nesta situação 9,2% da população activa, mais 2 pontos percentuais do que em 2011.

Outra das questões avaliadas é a sobrelotação das habitações, que compara o número de divisões disponíveis com a dimensão e composição da família. O INE estima que 10,3% das pessoas viviam em insuficiência de espaço habitacional em 2014, uma percentagem menor do que em 2013, quando nesta situação estavam 11,4%.

5,5% da população precisou de cuidados médicos e não teve

No inquérito, o INE questionou ainda as famílias sobre o acesso aos cuidados de saúde, já que este constitui uma variável "importante" para a avaliação da inclusão social e bem-estar das pessoas.

"Em 2014, 5,5% da população com 16 ou mais anos referiu que, em pelo menos uma ocasião, necessitou de cuidados médicos e não os recebeu, e 18,8% necessitou de cuidados dentários e não os recebeu", revela o instituto.

O instituto justifica que "a falta de disponibilidade financeira foi a principal razão apontada para a não realização dos exames e tratamentos médicos (53,5%) ou dentários (82,5%) necessários".  

Marta Moitinho Oliveira - Económico

Portugal. PROVA DE AVALIAÇÃO DOS PROFESSORES DECLARADA INCONSTITUCIONAL



A Fenprof anunciou esta sexta-feira que a prova de avaliação dos professores foi considerada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional.

A Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades (PACC) estava marcada para dia 18 de dezembro, na componente comum, decorrendo a parte específica a partir de 1 de fevereiro, de acordo com o calendário publicado em Diário da República.

Às 15 horas, a Federação Nacional dos Professores realizará uma conferência de imprensa, na qual "divulgará os termos desse Acórdão, as consequências desta decisão e as medidas que serão tomadas para que nenhum professor possa sair prejudicado", diz em comunicado.

A prova tem periodicidade anual e aplica-se aos professores contratados com menos de cinco anos de serviço. A classificação da prova expressa-se através da menção "Aprovado" ou "Não Aprovado", com base numa escala de zero a cem.

Considera-se aprovado, nas componentes comum e específica, o candidato que tenha pelo menos 50 por cento da cotação.

Os candidatos têm de pagar 20 euros para realizar esta prova, incluindo a componente comum e a específica.

Se o candidato quiser concorrer a mais do que um grupo de recrutamento, pagará outros 15 euros pela inscrição em cada componente específica adicional.

A prova foi criada durante a governação socialista de José Sócrates, mas nunca chegou a ser aplicada devido à forte oposição dos sindicatos, que alegam estar em causa uma avaliação eliminatória, depois de os docentes terem feito sua formação académica com sucesso.

Nuno Crato decidiu avançar com este exame, defendendo a necessidade de escolher os melhores professores para o sistema.

No período de campanha eleitoral, o líder do PS, António Costa, admitiu suspender a prova.

Jornal de Notícias

Portugal. Jorge Lacão compara Francisco Assis a “ortodoxos de origem cubana” e cita Maquiavel



O dirigente socialista, escreve hoje, na edição em papel do "Diário de Notícias", uma carta aberta a Francisco Assis.

Jorge Lacão, dirigente socialista, escreve hoje, na edição em papel do "Diário de Notícias", uma carta aberta a Francisco Assis, opondo-se à posição crítica assumida pelo eurodeputado numa recente entrevista à RTP1 em relação ao processo de negociação do secretário-geral António Costa com os partidos à esquerda do PS para eventual formação de uma plataforma de Governo.
"Arrogância", "desistência", "abdicação", "subordinação aos ditames da direita" são qualificativos com que Lacão mima a posição assumida por Assis.

Recorde-se que na passada quarta-feira Francisco Assis, na "Grande Entrevista" a Vítor Gonçalves, na RTP1, mostrou-se contra um eventual Governo socialista, apoiado por Bloco de Esquerda e PCP, defendendo que cabe a Passos Coelho ser o próximo primeiro-ministro, e que este deveria esforçar-se para fazer entendimentos pontuais com os socialistas.

Reagindo a esta posição numa extensa carta aberta, Jorge Lacão, membro da Comissão Política do PS, critica Francisco Assis, dizendo que "a tua posição releva do manifesto preconceito que emana recorrentemente do pensamento doutrinário que perfilhas - o de que todo o posicionamento político formalmente à esquerda do PS decorre tendencialmente de uma atitude irresponsável".

Perante esta posição, Jorge Lacão questiona hoje: "para a esquerda ou, se preferires, para as esquerdas, é ou não legítimo e politicamente pertinente que se interroguem sobre a possibilidade de conferir corpo a uma alternativa de governo?".

Daí, o dirigente socialista parte para críticas mais fortes a Francisco Assis, acusando de "pertencer-te a ti a posição menos construtiva, face a um eleitorado que quis maioritariamente a mudança".

"Insustentável posição pelo que representa de desistência e de subordinação aos ditames da direita", acusa Jorge Lacão na mesma carta aberta a Francisco Assis.

"(...) Para fazer compromissos é necessário revelar maturidade e capacidade políticas. Acontece, meu caro Francisco Assis, que desta vez a arrogância, pelo menos à cabeça, está do teu lado quando inviabilizas qualquer esforço de superação de um dos maiores traumas da esquerda portuguesa, o seu desentendimento crónico", ataca Jorge Lacão.

Este membro histórico do PS entende que "fechar a porta a quem finalmente dá sinais de a querer abrir consistiria num erro histórico, salvaguardando as proporções e a longitude, semelhante ao dos ortodoxos de origem cubana que nos Estados Unidos se manifestam contra a abertura de Cuba e o fim do bloqueio, prisioneiros do passado e sem visão de futuro".

Jorge Lacão insiste: "Falemos com total franqueza: deixar de colocar essa possibilidade significa, à partida, uma abdicação".

Voltando a dirigir-se a Francisco Assis, o dirigente socialista considera que "o resultado das tuas opções é claro: no contexto histórico que vivemos, por efeito do teu pensamento, ao PS estaria aberta a ambição eleitoral (que, por agora, consideras falhada) de ser alternância de poder, mas nem pensar ter ambição de se constituir como alternativa de orientações políticas fundamentais para o país".

"Meu caro Assis, a motivação para te escrever esta carta aberta, para além da evidente divergência com a posição que vieste sustentar, no momento mais crítico dos processos negociais, que só pode ter contribuído para encorajar os adversários políticos do PS, radica ainda num aspecto pessoal, ligado à memória de ambos", evoca Jorge Lacão na referida carta aberta a Assis.

Jorge Lacão recorda que a primeira investidura de Francisco Assis na presidência do grupo parlamentar do PS "ocorreu na sequência imediata da minha demissão de tal cargo quando, incluindo sob a tua orientação, os deputados do grupo parlamentar foram pela direcção do partido dispensados de se pronunciar sobre o mérito do acordo de revisão constitucional por mim então assinado com o PSD e que viria a dar lugar à IV revisão constitucional, em 1997".

Depois de invocar este episódio, Jorge Lacão, "como corolário", cita Maquiavel: "as letras seguem as armas e os capitães seguem à frente dos filósofos".

"Hoje, como sabemos, os capitães são os da finança e da indústria. E os filósofos que os seguem quem serão, meu caro Francisco Assis?", interroga Jorge Lacão, assinando "teu camarada e amigo".

Nuno Miguel Silva - Económico

ALIANÇAS PARTIDÁRIAS PARA GOVERNAR SÃO EXCLUSIVO DA DIREITA EM PORTUGAL



A manhã já lá vai. Boa tarde. Trazemos na mesma o Expresso Curto exposto aos seus olhares e entendimentos. Hoje servido por Valdemar Cruz. A abertura tem que ver com o sabido Cavaco que ainda vai ficar por mais uns 4 meses alapado em Belém naquele casarão mesmo ao lado dos Pastéis de Belém, ou de nata. Nata, o que Cavaco não tem. Espreme-se e deita somente números e cifrões. Adiante, que ele já nem merece mais converseta.

O direito exclusivo de a direita se aliar e governar Portugal, governando-se, foi o que aconteceu durante décadas. Atualmente a esquerda alia-se para constituir uma maioria declarada no Parlamento e desse modo dar sustentabilidade a um governo PS. NÃO pode. O exclusivo de alianças para governar são pertença da direita e do PS se se aliar à direita. À esquerda o PS não se pode aliar.

E agora digam lá que estes sujeitos da direita são democráticos. E que a sabujeira de Belém não vai comunicar ao país exatamente esse mesmo princípio e deixar  Portugal nas mãos da sua PàF em detrimento de uma aliança de esquerda maioritária que pode garantir a estabilidade Parlamentar e governativa. Aquelas cabeças têm uma venenosa dose de reacionarismo, de revanchismo, de saudosismo fascista, por mais que se digam democráticos ou os queiram vender por tal. Quando chega a hora eles mostram quem são. A escória do antigamente salazarista transmudado, em parte, para a modernidade hipócrita de uma pseudo-democracia que nos têm imposto.

Sem mais considerações, que a conversa está a ficar azeda, antes de chegarmos à conclusão de que o país é uma quinta do bando de Cavaco.

O Expresso Curto fora de horas, mas sempre útil para alguns de nós, nesta ânsia de conhecimento.

Redação PG

Bom dia, este é o seu Expresso Curto 

Valdemar Cruz - Expresso

O Síndroma de John Cage

Para outono, tem estado um verão bem quente. O país sobrevive submetido a altas temperaturas noticiosas e ninguém quer ficar mal na fotografia. Desde logo Cavaco Silva. O Presidente da República, cansado de ver tanta gente a assenhorar-se dos seus silêncios, viu-se obrigado a vir esclarecer o óbvio e garantir ser alheio aos cenários construídos nos últimos dias pela imprensa.

O ritmo noticioso e opinativo tem sido frenético. O país, em particular os seus alicerces morais, éticos e políticos, estão sob ameaça. Nem sou eu quem o diz. Basta ouvir e ler os discursos editoriais hegemónicos. Estamos a caminho do caos e constroem-se as mais diversas teorias da conspiração, quase sempre assentes na consagração, recordou-o Augusto Santos Silva, de um direito divino da direita a governar em Portugal, mesmo quando não consegue ter a maioria eleitoral.

Com os acontecimentos a atropelarem-se ao minuto, vivemos uma nova era comunicacional. Depois do jornalismo opinativo, passamos pelo jornalismo interpretativo, e estamos agora na fase do jornalismo adivinhativo, ontem explorado pelo jornal I, entre outros, e hoje retomado pelo Sol com o seu "Cavaco deve dar posse a Passos". Vale a pena, por isso, tomar atenção ao artigo assinado por António José Teixeira no Expresso Diário, pelo seu equilíbrio e ponderação.

Costa anda agastado com quem, no PS, fala sem conhecimento de causa. Não por acaso, creio, a foto escolhida pelo Expresso para acompanhar esta notícia mostrava Francisco Assis, cuja oposição aos entendimentos à esquerda têm gerado muitos comentários, a favor e contra, em particular nas redes sociais. Apostado numa batalha de esclarecimento, Costa quis ser ele próprio a entregar o retrato da situação aos seus congéneres socialistas europeus e deixar garantias quanto às balizas das negociações encetadas à esquerda.

A situação é complexa e ecos do que por cá se passa já chegaram ao estrangeiro, como reporta a revista francesa Marianne, ao assegurar que o PS encontrou pontos de convergência com o PCP "e o partido de esquerda".

Por cá, Passos Coelho, que lá por fora recebeu o apoio da família política do PPE, aguarda com natural ansiedade o início e o fim das conversas de Cavaco Silva com os partidos, agendadas para as próximas terça e quarta-feira, e, diz o Público hoje em chamada à primeira página, espera ser indigitado primeiro-ministro.

Uma das singularidades das duas últimas semanas passa por uma constatação: os principais dirigentes políticos têm procurado falar pouco e, pelo contrário, nos jornais, nas rádios e nas televisões, há infindáveis oráculos em atividade frenética. O quadro pintado é de susto. Vêm aí os saneamentos, presume-se que também o Gulag, é preciso ter cuidado com as criancinhas, os mercados vão entrar em transe. Depois há a Nato, como muito bem lembrou o Presidente da República no início do processo. Pois é, a Nato. Esquecíamo-nos da Nato e da importância histórica da Nato na opção de voto dos portugueses.

Costa tem tentado uma hipótese de governo diferente da habitual, mas até o representante de Deus em Lisboa acha pouco natural o que o secretário geral do PS anda a fazer. Costa está a esquecer-se do respeito pela tradição tão caro a uma instituição milenar como a igreja católica. E a tradição diz que um partido como o CDS, a quarta força do Parlamento, tem direito a estar no Governo, mas o BE, terceira força, não tem. Muito menos o PCP, é claro. De resto, e é uma dúvida que me assalta e não vi ainda ninguém lançar para cima da mesa, pelo menos desta forma tão assertiva: não deviam estes partidos ser proibidos por inúteis e inviáveis no quadro democrático construído na Europa? Um partido que só serve para enfeite, não é um partido. É uma jarra.

Com todos estes devaneios e comportamentos tão histriónicos, talvez ganhássemos todos se irrompesse por instantes uma espécie desíndroma de John Cage capaz de levar a uma geral audição de um dos seus mais impactantes concertos para piano: 4' 33''. Assim se chama uma peça onde se mostra como até o silêncio pode ser subversivo. Não há qualquer nota. Não há qualquer movimento. Apenas o silêncio. Faz-nos falta um pouco de silêncio. Já Eugénio de Andrade glorificava o fascínio do silêncio em "Obscuro Domínio": "Quando a ternura/parece já do seu ofício fatigada,//e o sono, a mais incerta barca,/inda demora,//quando azuis irrompem/os teus olhos//e procuram/nos meus navegação segura,//é que eu te falo das palavras/desamparadas e desertas,//pelo silêncio fascinadas".

OUTRAS NOTÍCIAS

As presidenciais têm ficado para segundo plano, embora ontem os candidatos tenham dado sinal de vida. Dois - Rui Rio e Alberto João Jardim- para se afastarem da corrida, com o ex-presidente da Câmara do Porto a ficar à espera do futuro, e jardim a garantir não pretender fazer o papel de D. Quixote. Marcelo Rebelo de Sousa já tem o primeiro comício marcado para manhã, no Porto. Edgar Silva, o ex-padre madeirense apresentado pelo PCP quer chegar à segunda volta e Sampaio da Nóvoa cruzou-se ontem com Marcelo num evento da Universidade de Lisboa.

Através do JN ficamos a saber que o Estado dá como garantia contas bancárias a zero. Segundo o jornal, o edifício do Tribunal da Boa Hora servirá para pagar dívida por prisão ilegal.

O tema do dia no Público inclui uma grande foto de Yanis Varoufakis na capa, com o ex-ministro das finanças grego a assegurar quePortugal está tão falido como a Grécia.

José Sócrates perdeu espaço noticioso. Porém, o Diário de Notícias de hoje revela que, não obstante o Tribunal da Relação de Lisboa ter rejeitado o pedido de nulidade do Ministério Público e determinado o fim do segredo de justiça no processo judicial, o ex-primeiro ministro "só terá acesso ao processo depois do OK de Carlos Alexandre".

Lá fora

O drama dos refugiados continua a alimentar-se de vítimas mortais.Mais uma tragédia salta para o espaço noticioso com a morte de sete pessoas (sim, são pessoas) na sequência do choque de uma embarcação da guarda costeira grega contra um barco com dezenas de emigrantes. O acidente ocorreu ao largo da ilha de Lesbos e os primeiros cadáveres recuperados foram os de uma mulher, duas meninas e um bebé.

Numa decisão passível de gerar polémica, o tribunal europeu dos direitos do Homem optou pela liberdade de expressão e confirmou acondenação da Suíça por ter sancionado penalmente o nacionalista turco Dugu Perinçek devido aos seus discursos revisionistas sobre o genocídio de que foram vítimas os arménios.

Em Santiago do Chile acaba de abrir um novo museu integralmente dedicado a Violeta Parra, autora de "Gracias a la Vida" e porventura um dos mais universais símbolos da canção de autor. É um museu à altura de um mito, diz o mexicano La Jornada.

Não passe à frente sem espreitar este ensaio fotográfico do Guardian. O fotógrafo norte-americano Eric Pickersgill convidou pessoas comuns a posarem e a seguir retirou-lhes os telemóveis ou tablets. O resultado é fantástico e mostra o que perdemos quando estamos mais conectados com os telemóveis do que uns com os outros.

FRASES

"O que António Costa anda a fazer é um verdadeiro golpe de estado".Manuela Ferreira Leite na TVI 24

"A candidatura de Maria de Belém foi propiciada, empurrada e desenvolvida pela coligação". José Pacheco Pereira na SIC Notícias

"Governo de esquerda terá a mesma legitimidade mas risco maior".Adriano Moreira na Antena 1

"Homeland é racista". Grafiti pintado em árabe por três artistas contratados pela série "Segurança Nacional" e visto no episódio ontem transmitido a par de outras mensagens denunciadoras do modo como a série olha para os conflitos do Médio Oriente

O QUE ANDO A LER E OUVIR

Entrei há dias em "Astronomia", o novo romance de Mário Cláudio. É uma autobiografia ficcionada, o que desde logo sugere um novo e estimulante desafio para o leitor. Após a exaustiva biografia de Tiago Veiga, um poeta imaginário, o escritor aventura-se agora pelo mundo do real, mas através de uma construção narrativa toda ela ancorada em processos ficcionais para os quais, pelo menos na primeira parte, a que estou a ler, são convocadas as histórias do Romanceiro, contos e ditos populares, ou as personagens fantásticas criadas por escritores como Hans Christian Andersen, os irmãos Grimm ou Charles Perrault.

Também esta semana, e induzido pela entusiástica crítica lida no Babelia, suplemento literário do El País, iniciei a leitura de "Capitalismo Canalla", do sociólogo César Rendueles. Apresentado como "uma história pessoal do capitalismo através da literatura", o livro, além de estar bem escrito, revela uma grande densidade cultural do autor e aparece carregado de ironia e originalidade. Constrói-se a partir das leituras de algumas grandes e outras menos conhecidas criações literárias, que vão de Robinson Crusoé a textos de Dickens ou Joseph Conrad, Dostoievsky ou Rimbaud. Rendueles, para lá de estabelecer permanentes pontes com a atual situação política e económica, tenta, como se diz no El País, seguir o "rastro do capitalismo como personagem 'canalha' na literatura, que conseguiu aparecer na mesma como um sistema aparentemente invencível, frente ao qual uma sociedade em crise adotou uma docilidade paralisante, e uma atitude de ceticismo a respeito dos processos de transformação social".

Porque há mais mundos para lá dos mundos a que nos acomodamos, ouço o programa de Raquel Bulha na Antena 3. Chama-se "Planeta 3"e viaja pelo mundo à procura das músicas que o mundo gera. É fascinante descobrir sonoridades inesperadas, opções estéticas e musicais imprevisíveis. Passa aos sábados e domingos, mas grande parte das emissões estão disponíveis para serem ouvidas em qualquer altura.

E já está. Tenha um bom dia e aproveite o fim de semana para, se estiver em Lisboa, visitar a exposição antológica de António Costa Pinheiro, na Galeria São Roque. No Porto, no Museu de Serralves, pode ver a partir de amanhã a exposição de Helena Almeida ou uma mostra de obras da 31ª Bienal de São Paulo. Em Braga não perca os Encontros da Imagem.

E SE O “EGOÍSMO HUMANO” FOR UM MITO INTERESSEIRO?



Novas pesquisas sugerem: nossa espécie é majoritariamente colaborativa, altruísta e solidária. Ideia da ganância coletiva pode ser projeção ideológica dos que concentram poder e capital

George Monbiot – Outras Palvras - Tradução: Inês Castilho - Imagem: Marcos Alves

Você se debate contra os sinais de indiferença e egoísmo humanos? Sente-se oprimido pela sensação de que se preocupa com o mundo, ao contrário de muitos outros? Julga que a indiferença de pessoas iguais a você está esvaziando o que resta da civilização e da vida na Terra? Se assim é, você não está sozinho. Mas também não está certo.

Um Estudo da Fundação Causa Comum, a ser publicado em novembro, revela duas descobertas transformadoras. A primeira é que a grande maioria das 1000 pessoas pesquisadas – 74% – identifican-se mais fortemente com valores altruístas do que com valores egoístas. Significa que estão mais interessadas em gentileza, honestidade, perdão e justiça do que em dinheiro, fama, status e poder. A segunda é que uma maioria semelhante – 78% – acredita que os outros são mais egoístas do que realmente são. Ou seja, cometemos um terrível erro sobre o comportamento das outras pessoas.

A revelação de que a característica humana dominante é, digamos, a humanidade, não é surpresa para quem acompanhou o recente desenvolvimento das ciências sociais e do comportamento. As pessoas, sugerem essas descobertas, são basica e intrinsecamente boa gente.

Um artigo de revisão  no jornal Fronteiras em Psicologia (Frontiers in Psychology) afirma que nosso comportamento em relação a membros de nossa espécie que não são nossos parentes é “espetacularmente incomum, comparado ao de outros animais”. Enquanto chimpanzés aceitam partilhar comida com membros do seu próprio grupo, embora geralmente só depois de importunados por pedidos agressivos, com estranhos eles tendem a reagir violentamente. Chimpanzés, observam os autores, comportam-se mais como o Homo economicus da mitologia neoliberal do que as pessoas.

Humanos, ao contrário, são ultrassociais. Possuem elevada capacidade de empatia, sensibilidade sem paralelos para as necessidades do outro, um nível incomparável de preocupação com o bem-estar deste e capacidade de criar normas morais que generalizam e fazem valer essas tendências.

Esses traços emergem tão cedo em nossas vidas que parecem inatos. Ou seja, parece que evoluímos para nos tornar assim. Por volta dos 14 meses, as crianças começam a ajudar umas às outras — por exemplo pegando coisas para aquelas que não as conseguem alcançar. Quando chegam aos dois anos, passam a compartilhar objetos que valorizam. Aos três, começam a protestar contra a violação das normas morais por outras pessoas.

Um texto fascinante do jornal Infância (Infancy) revela que isso não tem nada a ver com recompensa. Crianças de três a cinco anos mostram-se menos propensas a ajudar alguém pela segunda vez se foram recompensadas ao fazê-lo na primeira. Ou seja, recompensas externas parecem minar o desejo intrínseco de ajudar. (Pais, economistas e governos, anotem, por favor.) O estudo descobriu também que crianças dessa idade são mais inclinadas a ajudar pessoas que percebem estar sofrendo, e desejam ver tal pessoa amparada, seja ou não por elas próprias. Isso sugere que são motivadas por um interesse genuíno no bem-estar da outra pessoa, ao invés do desejo de posar de benevolentes.

Por que razão? Como a árdua lógica da evolução produziria tais resultados? A questão é objeto de debates acalorados. Uma escola de pensamento defende que altruísmo é a resposta lógica à vida em pequenos grupos de parentes próximos, e a evolução, distraída, não foi capaz de perceber que agora vivemos em grandes grupos, a maioria composta por estrangeiros. Uma outra argumenta que grandes grupos, com grande número de altruístas, irão superar grandes grupos com grande número de egoístas. Uma terceira hipótese insiste em que a tendência à colaboração melhora a  sobrevivência de cada um, independentemente do grupo em que se encontre. Qualquer que seja o mecanismo, o resultado é motivo para celebrar.

Se é assim, por que conservamos uma visão tão sombria da natureza humana? Em parte, talvez, por razões históricas. Filósofos, de Hobbes a Rousseau, Malthus a Schopenhauer, cujo entendimento da evolução humana limitava-se ao Livro de Gênesis, produziram relatos persuasivos, influentes e catastroficamente equivocados sobre o “estado de natureza” (nossas características inatas, ancestrais). Suas especulações sobre esse assunto deveriam há muito ter sido colocadas numa prateleira alta, etiquetada de “curiosidades históricas”. Mas de alguma forma elas ainda parecem exercer controle sobre nossas mentes.

Outro problema é que – quase por definição – muitos daqueles que dominam a vida pública têm fixação incomum em fama, dinheiro e poder. Seu extremo autocentramento faz deles uma pequena minoria. Mas, como estão em todo lugar, achamos que são representativos da humanidade.

A mídia idolatra riqueza e poder, e às vezes lança ataques furiosos contra pessoas que se comportam altruisticamente. Vale atentar para o espaço dado, nos jornais e TVs, a pessoas que falam e escrevem como se fossem psicopatas.

As consequências desse pessimismo indevido sobre a natureza humana são notáveis. Como revelam as entrevistas e a pesquisa da Common Cause Foundation, os que têm visão mais sombria da humanidade são os que tendem a votar menos. Por que razão o fariam, raciocinam, se todos os outros votam apenas segundo seus próprios interesses egoístas? De modo interessante, e que pode alarmar pessoas da minha sensibilidade política, também descobriram que as pessoas de ideias libertárias tendem a ter uma visão das outras pessoas mais sombria que a dos conservadores. Você quer que a transformação social avance? Se assim é, espalhe a notícia de que as pessoas, em sua grande maioria, são bem-intencionadas.

A misantropia abre campo para a minoria gananciosa, alucinada pelo poder, que tende a dominar nossos sistemas políticos. Se soubéssemos quanto são anormais, estaríamos mais inclinados a rejeitá-los e buscar líderes melhores. Isso contribui para o perigo real que enfrentamos: não um egoísmo generalizado, mas uma passividade generalizada. Bilhões de pessoas decentes balançam suas cabeças enquanto o mundo pega fogo, imobilizadas pela convicção de que ninguém mais quer saber de nada.

Você não está só. O mundo está com você, ainda que não tenha encontrado sua voz.

OS CRIMES COLATERAIS



Rui Peralta, Luanda

Em Kunduz, uma cidade afegã, no norte do país, sitiada pelos Taliban, a força aérea norte-americana atacou um hospital da ONG Médicos Sem Fronteiras (MSF), causando 22 mortos (12 membros da ONG e 10 pacientes, 3 deles crianças) e mais de 36 feridos. O ataque durou cerca de 30 minutos, continuando mesmo quando ao fim de 10 minutos as forças afegãs e norte-americanas forma avisadas de que tinham bombardeado o Hospital. A MSF exigiu um inquérito internacional independente.

Segundo algumas testemunhas o avião sobrevoou o Hospital por 4 ou 5 vezes, bombardeando e metralhando em cada passagem, durante cerca de 30 minutos. O Hospital fora construído á 4 anos e ocupava uma área superior ao de um campo de futebol. As coordenadas eram conhecidas pelas forças militares e de segurança e o Hospital era considerado o principal da cidade. Por outro lado o tempo que durou o ataque e a forma como foi efectuado levou a MSF a não aceitar a comunicação efectuada pelos comandos militares afegãos e norte-americanos que consideraram o caso como um “dano colateral”, num primeiro comunicado governamental.

Para a MSF trata-se de um crime de guerra e como tal, apenas pode ser alvo de um inquérito internacional independente, sendo insuficiente o inquérito interno que o comando militar norte-americano diz que vai efectuar. Alguns oficiais afegãos alegam que os Taliban estavam a usar o Hospital, o que agrava ainda mais a questão e leva a concluir que estamos, efectivamente, na presença de um crime de guerra. O que leva á inutilidade do comunicado norte-americano que considerava que o caso como “dano colateral”. No entanto o Pentágono prometeu uma “investigação completa” e o Secretário para Defesa, falou no seu “engajamento na procura da verdade sobre o que se passou em Kunduz”.

A verdade é que estamos na presença de um acto bárbaro, absolutamente contrário á Convenção de Genebra. O grave é que este não é um caso único isolado, bem pelo contrário. E estes actos bárbaros não são apenas cometidos em situações de guerra (Afeganistão, Paquistão, Iraque, Síria, Líbia, Líbano, Palestina estão ensanguentados com crimes de guerra). Os crimes contra a humanidade tornaram-se uma realidade do nosso tempo e da actual desordem internacional. Não apenas sobre os Povos vítimas da guerra, mas também sobre a parte da Humanidade vítima da fome e sobre os Homens e Mulheres vítimas da proibição de assumirem a condição de imigrantes. Tornou-se ilegal ser imigrante (também nunca se compreendeu muito bem o que levou a estabelecer uma condição legal para o percurso do Homem sobre a Terra, em busca de uma vida melhor).

No fundo, muito provavelmente, o que tentam ilegalizar é a condição humana… Se é que existe contexto jurídico para tal.

Leituras aconselhadas
Kathy, K. Enough! A Campaign to End War and Focus on Food and Health in http://www.huffingtonpost.com

Brasil. CAMPANHA FALSEIA HISTÓRIA E TRANSFORMA ESCRAVO EM IMIGRANTE



Brasília – Uma campanha lançada pelo Ministério da Justiça tenta falsificar a história e apresentar os milhões de negros que foram escravizados por quase 4 séculos em imigrantes. O tema da campanha não poderia ser mais direto: “Eu também sou imigrante”. Ao lado da frase um jovem negro, que se assina Mateus Gomes, 18 anos, diz: “Meu avô é angolano, meu bisavô ganês. Brasil, a imigração está no nosso sangue”.

Angolanos e ganeses, assim como vários outros povos do continente africano, ao contrário do que tenta fazer crer a campanha do Governo Federal, vieram para o Brasil não como imigrantes, mas escravizados nos navios negreiros.

A campanha diz ainda que “há cinco séculos, imigrantes de todas as partes do mundo ajudam a construir nosso país”. Depois de uma saraivada de críticas de ativistas do movimento negro e antirracista, uma Nota do Minstério tenta se explicar e diz que “o objetivo da campanha é enfrentar a xenofobia e toda forma de ódio, preconceito e a intolerância, inclusive o racismo.

A tentativa de falsficação histórica, propõe que a população esqueça os quase quatro séculos de escravismo. 

Para Reginaldo Bispo, do Movimento Negro Unificado (MNU), a campanha é “uma manipulação histórica, falsa, desonesta, rasteira e criminosa”. “Isso não pode ser deslize, é contextual, ideológico e uma fraude criminosa. Não sou imigrante, meus avós foram escravizados. Quero meus direitos, minha reparação histórica.

Bispo acrescenta que trata-se de demagogia pura. “Começou a campanha oficial [de Dilma e do PT] contra a reparação histórica. Fomos sim “imigrantes” forçados, que não receberam passagem de uma viagem digna, viemos pelados, amontoados, esfomeados para trabalhar de graça, sob a violência de torturas e nossos filhos são assassinados pelo Estado e pelas elites que se beneficiou e se beneficia até hoje do nosso suor e sangue.

Pior que o soneto

Diante da enorme repercussão negativa, o Ministério divulgou uma Nota em que afirma que "o foco da campanha é enfrentar a xenofobia e toda forma de ódio, preconceito e a intolerância, inclusive o racismo, e também mostrar que a sociedade brasileira é composta de descendentes de migrantes de todas as partes do mundo".
Veja abaixo:

"O Ministério da Justiça agradece as contribuições dos comentários e apoia a importante discussão sobre a escravidão na nossa história. Esclarecemos que o foco da campanha é enfrentar a xenofobia e toda forma de ódio, preconceito e a intolerância, inclusive o racismo, e também mostrar que a sociedade brasileira é composta de descendentes de migrantes de todas as partes do mundo.

A campanha contra a xenofobia abordará várias histórias de brasileiros e brasileiras que são descendentes de nacionalidades as mais diversas – incluindo africanas, latino-americanas, europeias, asiáticas. São pessoas que ajudaram a construir o país que conhecemos hoje. Queremos mostrar que o encontro de culturas é a riqueza de nosso país, e desestimular qualquer manifestação discriminatória.

De todo modo, é muito importante lembrar que o governo promove diversas medidas de inclusão para reverter essa triste herança, como é o caso das políticas de ações afirmativas e de enfrentamento ao preconceito, como o Disque 100. Além disso, o Ministério da Justiça participa da coordenação da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas."

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