Martinho Júnior, Luanda
1
– A África do Sul acolheu a cimeira África – China em reforço de sua integração
nos BRICS, mas também aberta, com a administração de Jacob Zuma, a encontrar
denominadores comuns em matérias que vão para além dos relacionamentos recíprocos
já em curso, estendendo-os por África.
É
a primeira vez que esta cimeira ocorre no continente africano e pela primeira
vez vão-se discutir questões que se prendem sobretudo à paz no continente-berço
da humanidade, algo que passa a ser encarado pela China como uma questão
inadiável, de forma a encontrarem-se denominadores comuns de segurança e
prevenção, levando em consideração a proliferação do caos e a disseminação do
jihadismo terrorista, assim como as evidências relativas às vulnerabilidades
dos muito frágeis estados africanos.
Também
em relação a África, a República Popular da China não perde de vista os
relacionamentos humanos com os factores físico-geográficos-ambientais;
efectivamente a abordagem chinesa em relação a África passa a colocar ênfase
especial na África Austral (SADC), tirando partido do papel da África do Sul
enquanto um dos BRICS, constituindo a Nigéria o maior agregado mais a norte da
região Sub Sahariana.
A
China diminui a intensidade de seus investimentos no Sahel (no rescaldo das
experiências traumatizantes da Líbia, do Sudão e ainda do Mali) em benefício da
África Sub Sahariana.
2
– Desde a última cimeira que a evolução da situação global tende a agravar-se
no âmbito duma IIIª Guerra Mundial não declarada, mas que evidencia o facto do
mundo se ter tornado numa muito desequilibrada “casa comum”, ou numa “aldeia
global”, onde os fenómenos dizem respeito a todos e a cada um, como nunca
antes.
Face
a face está uma concepção de globalização promotora de hegemonia unipolar,
alicerçadas nas culturas anglo-saxónicas versus uma globalização emergente e
multipolar que se estende a um conjunto muito alargado de culturas
A
China em África sentiu os efeitos pontuais dos acontecimentos no Sudão (em
especial no Sudão do Sul) e na Líbia, mas não pode perder de vista o grau de
influência neo colonial, adstrito ao complexo NATO/AFRICOM, ou ao “pré
carré” francês que decorre em toda a transversal Oeste-Este, do Senegal a
Djibouti, tirando partido tacitamente da instrumentalização jihadista…
A
China não pode perder de vista ainda o facto da expansão do jihadismo
terrorista ter a ver com o reforço neo colonial, pois as potências ocidentais
estão nesse sentido a justificar o aumento das capacidades resultantes da sua
presença em termos de serviços de inteligência e militares, com esse tipo de
ameaças e de riscos, que elas próprias ou por interpostas entidades (Turquia,
Arábia Saudita, Qatar e Paquistão) vêm financiando.
A
dialéctica do caos, advogado desse modo pelas potências da NATO (com a simbiose
conseguida via AFRICOM), está mais visível que nunca, o que obriga ao
fortalecimento das medidas consentâneas com o reforço da paz no continente
africano.
O
domínio dos 1% sobre a restante humanidade, é feito recorrendo ao materialismo
dialéctico, utilizado como um instrumento de acção por parte da aristocracia
financeira mundial, bem como pelas oligarquias e elites afins, algo que o
relacionamento África – China não pode ficar agora mais que nunca, indiferente.
Na
perspectiva dos 99% da humanidade, com base na emergência multipolar e nas
potencialidades de relacionamento justo entre os estados, as nações e os povos,
obriga-se o relacionamento África – China à acção materialista dialéctica fiel
à paz e ao renascimento de África, numa plataforma de entendimentos que tem de
ser assegurada e consolidada, face à dialéctica de caos que está também a ser
imposta ao continente africano.
3
– A África do Sul, Angola e a SADC são factores de paz, de segurança e de
desenvolvimento sustentável no actual ambiente profundamente tocado pela
dialéctica de caos com que a hegemonia unipolar, via integrantes da NATO /
AFRICOM e seus aliados arábicos têm inculcado nas relações internacionais e
particularmente em África.
A
África do Norte e o Sahel estão profundamente tocados pela expansão jihadista e
contrapõem-se até sob o ponto de vista físico-geográfico à África do Sul, onde
se realizou a Cimeira de Joanesburgo sobre a Cooperação China-África.
A
África Austral dá assim mais garantias à China para enquadrar os factores
estruturantes e integradores: a construção de ferrovias, de rodovias, de
gasodutos e de oleodutos tão necessários a África.
Para
o efeito os planos trianuais correspondem melhor aos interesses recíprocos,
havendo a necessidade de impor um maior rigor aos contextos económicos e
financeiros.
Isso
não quer dizer que a China não advogue a unidade africana, quer dizer, isso
sim, que a China vai proteger melhor seus investimentos em África,
resguardando-os de golpes que já experimentou, sobretudo na Líbia (onde teve de
evacuar 36.000 cooperantes em 2011) e no Sudão do Sul (em 2014, devido às
sangrentas disputas internas) e resguardando-os de desvios nos programas de
aplicação.
4
– Angola terá de realizar muito mais esforços para melhor poder corresponder ao
novo triénio de relacionamentos, em termos de rigor na aplicação dos recursos,
gestão do estado e responsabilidade em relação à “res publica”.
A
influência da era Bush em Angola, alicerçada no “lobby” do petróleo,
provocou desregramentos consideráveis sob os pontos de vista económico,
financeiro e social, com uma parte das elites angolanas a deslumbrarem-se e a
tornarem-se egocêntricas nos seus propósitos e nas suas intervenções,
esbanjando e delapidando as capacidades que deveriam ter outra abrangência,
provocando assim o aumento do fosso de desigualdades e desequilíbrios humanos.
Chegou-se
ao ponto contraditório da implantação dum visível “apartheid social”,
efectivamente contra a natureza do Movimento de Libertação em África!
O
rigor do novo relacionamento de Angola com a China, encontra essa parte das
elites angolanas ainda em estado de entorpecimento, pelo que as tensões
internas em Angola poderão tornar-se mais evidentes, face à implementação das
acções do estado com impactos na economia, nas finanças e na sociedade.
É
por essas brechas que fermentam tendências, algumas delas correspondendo
claramente a ingerências e manipulações externas.
No
que ao MPLA diz respeito, a questão do rigor está intimamente associada à
história do Movimento de Libertação em África, após a consumação do seu
Programa Mínimo: hoje dá-se sequência na luta contra o subdesenvolvimento às
décadas de luta contra o colonialismo, contra o“apartheid” e contra as
suas sequelas e isso implica identidade e responsabilidade para com todo o povo
angolano (e não para com grupos elitistas de ocasião) e por tabela rigor,
responsabilidade e coerência no âmbito do estado angolano.
Há
trinta anos (em 1985) que esse rigor foi grandemente posto de parte, face aos
impactos que o país veio a sofrer: ingerências, manipulações, sangrenta
desestabilização e globalização segundo a hegemonia unipolar, influíram sobre
as fileiras do MPLA, mas agora o retorno ao rigor sem ferir o estado
democrático e de direito, torna-se um imperativo em resposta à crise e
correspondendo ao novo relacionamento que a República Popular da China estende
a África.
A
paz em Angola, na SADC, no Golfo da Guiné e nos Grandes Lagos, bem como noutras
regiões do continente africano (recorde-se por exemplo a República Centro
Africana), vai merecer uma longa luta face à expansão jihadista no Sahel e a
partir do Sahel.
Para
aquela parte das elites alienadas e egocêntricas, fermentadas na era Bush,
deve-se lembrar que não há caminho se não se respeitar a história e ela própria
não se converter ao rigoroso trabalho em prol de todo o povo angolano, mais
ainda quando a diversificação da economia se impõe!
O
estado não pode ser uma “cosa nostra” e terá de ser respeitado como o
foi nos dez primeiros anos de independência!
Figuras:
-
Mapa AFRICOM da expansão islâmica na África Sub Sahariana e acções dos
dispositivos norte americanos de Inteligência, Vigilância e Reconhecimento;
- Cimeira
de Joanesburgo sobre a Cooperação China-África.