O
analista Rui Verde considera "perigoso" o novo regime jurídico que
prevê revistas, buscas e apreensões em Angola, que diz conter
"armadilhas". O catedrático Eduardo Vera-Cruz Pinto afirma que a lei
era "necessária".
O
novo Regime Jurídico das Medidas Cautelares em Processos Penais e das Revistas,
Buscas e Apreensões permitiu, em dezembro último, transferir
para prisão domiciliária os 15 jovens ativistas angolanos que foram
levados a julgamento sob acusação de prepararem uma rebelião.
Para
o analista Rui Verde, professor de Direito, trata-se de uma medida preventiva
face a eventuais atos futuros que possam pôr em causa a segurança do Estado em
Angola. "É uma medida que vem no sentido de outras que estão anunciadas
sobre a internet e devem aparecer mais algumas um destes dias sobre a liberdade
de manifestação e expressão, no sentido de haver legislação que permita às
autoridades angolanas fazerem o que querem. No passado, foram acusadas de serem
contra lei. Por isso, estão a mudar a lei para coincidir com os seus desejos".
Para
este professor doutorado pela Universidade de New Castle (Inglaterra), o caso
dos 15+2 vai ser um marco na história judicial angolana. A alteração
do regime jurídico, por ele elogiada, era necessária porque a lei angolana
ainda data do tempo de António de Oliveira Salazar (1929). Embora a lei tenha
sido adaptada em 1992, mesmo assim ela estava muito antiquada.
Detenções
indefinidas
Não
há dúvidas que a alteração introduzida no ano passado leva a detenções
indefinidas de opositores ao regime angolano, refere Rui Verde. "Esta lei
vem muito no seguimento de outras leis angolanas feitas agora, que são leis que
parecem muito avançadas e depois têm muitos pormenores que as tornam
retrógradas e que fazem com que o Governo e a justiça de Angola possam
arbitrariamente continuar a deter e a prender pessoas".
Aliás,
acrescenta, essa tem sido uma característica da legislação angolana.
"Parece tudo muito bonzinho à primeira vista e depois está cheia de
armadilhas nos detalhes".
O
analista aponta ainda duas armadilhas que considera perigosas. "A primeira
é que possibilita, com uma mera ordem do Ministério Público, a entrada em casa
de qualquer pessoa a qualquer hora, de dia ou de noite. E isso é muito
perigoso", sublinha. A segunda é que "permite prender ou libertar uma
pessoa várias vezes, desde que se lhe coloquem vários processos". No caso
dos 15+2, por exemplo, terminado o prazo "pode aparecer um processo qualquer
por terem lido mais um livro e podem prendê-lo outra vez".
"Lei
necessária"
O
catedrático Eduardo Vera-Cruz Pinto interpreta a nova lei como um enquadramento
jurídico no âmbito do processo penal. "Se me pergunta se um caso concreto
pode determinar uma medida legislativa, a resposta será sempre que sim. Isso
acontece em muitos outros países, faz parte da produção legislativa".
tento
ao que se passa em Angola, o professor de Direito na Universidade de Lisboa
reconhece haver sempre casos mediáticos como este que expõem as debilidades dos
sistemas jurídicos. No entanto, louva a iniciativa. "Não só louvo a
medida, porque é uma medida adequada e correta, existente noutros países. É uma
lei que era necessária".
Para
o académico, "o processo em concreto obedece a todas as características
legais". Reconhece que "há aspectos políticos à volta disto, mas os
juristas devem procurar fazer uma análise muito objetiva".
Fragilidades
da justiça
Quinze
dos 17 jovens ativistas angolanos estiveram em prisão preventiva entre junho e
dezembro do ano passado, acusados, em co-autoria, de atos preparatórios de uma
rebelião e de atentado contra o Presidente angolano, José Eduardo dos Santos,
entre outros crimes menores.
O
processo dos 15+2, alvo de fortes críticas externas, está a pôr a nu as
fragilidades da justiça angolana, que exige reformas profundas, segundo Rui
Verde. "Claramente, está-se a ver que a lei não servia, que a magistratura
não está preparada para estes casos tão complexos e que a opinião pública
angolana mudou".
Para
Angola "alcançar verdadeiramente a democracia", defende, "tem
que ter um poder judicial independente".
O julgamento
dos 17 ativistas foi suspenso esta terça-feira (12.01) pela falta de
comparência das dezenas de declarantes convocados e será retomado no próximo 25
de janeiro.
João
Carlos (Lisboa) – Deutsche Welle
Sem comentários:
Enviar um comentário