A
defesa quer que o Tribunal do Huambo apure o que originou os confrontos mortais
de abril de 2015 entre a polícia e membros da seita "A Luz do Mundo",
acusados de homicídio. O julgamento começa na segunda-feira (18.01).
"Particularmente
vamos falar das causas, porque até agora só se falou dos efeitos. Mas porque é
que aquilo aconteceu? Durante a audiência espero que se chegue às causas",
disse esta sexta-feira à agência de notícias Lusa o advogado de defesa David
Mendes.
No
banco dos réus sentam-se a partir de segunda-feira (18.01) José Julino
Kalupeteka, líder da Igreja Adventista do Sétimo Dia "A Luz do
Mundo", de 46 anos, e dez fiéis da seita, com idades entre os 18 e os 54
anos.
Estão
indiciados pela co-autoria material de um crime de homicídio qualificado
consumado, um crime de homicídio qualificado frustrado e ainda crimes de
desobediência, resistência e posse ilegal de arma de fogo.
Na
origem do caso estão confrontos
entre fiéis da seita e agentes no monte Sumi, município da Caála, província
do Huambo, a 16 de abril de 2015, que terão começado quando a polícia tentou
prender José Kalupeteka e outros dirigentes da seita não reconhecida pelo
Estado angolano.
Segundo
a versão oficial, morreram nove polícias e 13 fiéis. Relatos não oficiais dão
conta de centenas de vítimas mortais. Fernando Kalupeteka, um dos filhos do
líder da seita e testemunha ocular dos acontecimentos no Huambo, disse ao
jornalista angolano William Tonet que morreram
700 pessoas. "Eu estava no Sumi. Vi a tropa a massacrar as mulheres
grávidas", relatou em julho passado.
Na
altura, a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), o
principal partido da oposição angolana, falou em mais
de mil mortes de civis e pediu a abertura de um inquérito parlamentar
sobre o caso, além de uma investigação internacional – pedido igualmente feito
por várias associações de defesa dos direitos humanos, nacionais e
estrangeiras.
Também
o Escritório do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos (ACNUDH) em
Genebra, na Suíça, pediu que fosse nomeada uma comissão independente para
investigar os confrontos no Huambo, tendo em conta os "factos por
esclarecer" e "grandes diferenças no número de vítimas".
A
eurodeputada socialista Ana Gomes, autora de uma resolução
sobre abusos dos direitos humanos em Angola aprovada em setembro de
2015 no Parlamento Europeu, visitou
Luanda em julho e insistou na necessidade de investigar com
"urgência" o massacre no Sumi. "Temos de apurar exatamente o que
é que se passou, quantas vítimas, quem é responsável", disse à DW África.
Estas
pretensões e todas as acusações foram sempre refutadas pelo Governo angolano.
Luanda repudiou as declarações das Nações Unidas, que considerou não serem
"sustentadas por quaisquer provas", e chegou a exigir um pedido de
desculpas. vários membros do Governo e figuras ligadas ao partido no poder, o
Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) acusaram Ana Gomes deinterferência
em assuntos internos.
Dificuldades
na recolha de provas
"Este
julgamento poderá facilitar, ajudar a descobrir também o que aconteceu nessa
matéria, apesar de não nos ter sido [à defesa] permitido ir ao local dos
confrontos. Mas até agora não se fala das mortes dos civis, a polícia não nos
deu o relatório - que disse que ia fazer - sobre essas mortes, não se fala
sobre os seus autores", disse ainda à Lusa o advogado de Kalupeteka.
Numa entrevista
recente à DW África, o advogado já tinha criticado os obstáculos impostos à
defesa na recolha de provas. "Durante a primeira audiência, vamos insistir
na necessidade de reconstrução do crime e da ida ao terreno, porque não podemos
aceitar que o Ministério Público, isto é, a acusação, teve acesso ao espaço, a
todos os meios disponíveis de provas e a defesa não. Isto torna a defesa
desequilibrada".
No
despacho de acusação, o Ministério Público do Huambo refere que as mortes dos
agentes decorreram essencialmente de agressões com objetos contundentes, como
paus, punhais e catanas, às quais alguns polícias responderam com disparos.
Sobre esses disparos, a acusação refere apenas que causaram "a morte de
alguns dos seguidores da seita".
No
acampamento onde aconteceram os incidentes de abril do ano passado estariam
concentrados milhares de seguidores da igreja angolana, que é conhecida por
travar a escolarização e a vacinação dos fiéis e que advogava o fim do mundo em
2015.
David
Mendes integra a equipa
de três advogados que a associação Mãos Livres, de defesa dos direitos humanos,
mobilizou para assegurar a defesa dos membros desta seita e do seu líder, de
forma a garantir um "julgamento justo". "Porque a ideia que se
criou na opinião pública, na altura, é que já estava condenado", disse
ainda à Lusa David Mendes. Por isso, considera que se parte agora "para
uma fase mais séria do que a anterior", quando todos já imputavam
responsabilidades a Kalupeteka".
Madalena
Sampaio / Lusa – Detsche Welle
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