quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

AMIZADE? QUE AMIZADE?



EVOLUÇÕES RÁPIDAS NO ÂMBITO DA IIIª GUERRA MUNDIAL

Martinho Júnior, Luanda 
  
1 – Os analistas angolanos mais atentos não perderam a oportunidade de se debruçarem sobre o tema da amizade e do potencial dos relacionamentos bilaterais entre Angola e a Rússia, muitos deles em estado latente, ou circunscritos a pontuais sectores de actividade.

Para além do que foi já por mim adiantado, reconheço a necessidade dum balanço em relação ao passado, mas também em relação ao presente, já que no ressente, tem havido a tendência, por efeito do capitalismo neo liberal de orientação global, para valorizar as questões económicas e financeiras, aquelas que dão lucros não olhando a meios, subvalorizando as questões sócio-políticas e, por tabela, mais ainda as questões doutrinais e ideológicas que permitiram as pequenas-grandes vitórias do Movimento de Libertação em África!

O elemento redutor no sentido de se analisar tudo em função da ilusão da reciprocidade de interesses no âmbito do “mercado global” é no meu ponto de vista e por si uma tentação para indexar todas as apreciações que se façam aos factores capitalistas neo liberais de que se têm servido os processos de hegemonia unipolar e assim os analistas “alinhados” tornam-se funcionais agentes de processos que vão estimulando a disseminação do caos e do terrorismo “nos rincões mais obscuros do mundo”, no sul…

… Só que isso ocorre numa altura em que os preços do petróleo baixaram exponencialmente duma forma artificiosa e manipulada e enquanto a moeda parasita de expressão global, o dólar, está a ser rejeitada pelos decisórios de outras moedas de alguns empertigados emergentes e substituída resolutamente nos negócios internacionais por outras, os mesmos operadores aumentam suas reservas de ouro com os olhos no futuro.

A entrada do yuan na cesta básica das moedas transaccionáveis no FMI, começa a emprestar outro fulgor a essa tendência.

No presente, para países de ultra periferia fornecedores de matérias-primas como Angola, as opções começam a colocar-se com toda a acuidade face ao grande embate que ocorre entre os distintos jogos financeiros que ocorrem na profundidade: continua-se com os processos financeiros parasitários, ou inicia-se o ciclo da multipolaridade?

Continua-se com o capitalismo neo liberal que vulnerabilizou de há mais de trinta anos o MPLA e o estado angolano, ou aproveita-se insofismavelmente a crise para assumir um caminho coerente de democracia, de paz, de reconstrução nacional, de reconciliação nacional, de reinserção social, de inteligência em relação à equação homem-ambiente, a trilha capaz de garantir desenvolvimento sustentável, tudo isso plenamente identificado com as mais legítimas e históricas aspirações de todo o povo angolano?

2 – A amizade recíproca entre a Rússia e Angola tiveram uma tarimba salutar no passado, pois o socialismo real duma forma geral e a URSS em particular, estiveram sempre próximos, ou mesmo mesclados em muitos aspectos, em relação ao Movimento Não Alinhado, em especial da sua parte mais consequentemente activa, onde se inscreveram as vanguardas, entre elas o Movimento de Libertação em África (que integrou a perspectiva de libertação do MPLA)       .

Ao socialismo real e à URSS, foi possível, em função das lições históricas elaboradas a partir da IIª Guerra Mundial, fortalecer-se um apoio consequente e clarividente para se fazer face aos fenómenos de natureza fascista, colonial, ou mesmo nazi, que ao retardador tantas implicações retrógradas tiveram (e continuam a ter) no continente-berço da humanidade, o que no caso africano se reflectiu no fortalecimento da aliança do socialismo com as causas do Movimento de Libertação em África, na sequência do espírito de Bandung, ao ponto de se construírem os vínculos entre os povos, as nações e os estados nessa base.

Os laços evoluíram ao ponto de as provas dadas existirem até no terreno, construídas através da solidariedade, do internacionalismo e da ajuda sobretudo em termos das projecções de inteligência, de segurança e de ordem militar, nas horas mais decisivas e difíceis.

Foi assim que o Movimento de Libertação em África, inscrito numa trilha de Não Alinhamento activo conforme à Tricontinental e ao espírito de Bandung, assistiu à presença de muitos quadros oriundos dos países socialistas da Europa e da URSS, a lutarem contra o colonialismo, o“apartheid” e também contra muitas das suas sequelas.

3 – Essa qualidade com implicações geo estratégicas que advém do passado mantém-se agora com mais acuidade, face às transformações globais em curso:

Enquanto os procedimentos em prol da orientação no sentido do fortalecimento da hegemonia unipolar não se desenvencilharam de instrumentos que lhes eram indispensáveis durante a Guerra Fira, como por exemplo a NATO pela simples razão de que hoje, mais ainda que antes esses instrumentos lhe são indispensáveis, com a implosão do socialismo real e da URSS deixou de existir o Pacto de Varsóvia, pelo que o Não Alinhamento activo está, pela sua natureza histórica e pela sua geo estratégia “terceiro-mundista”, hoje mais que nunca em estreita consonância com os processos decorrentes da construção das emergências seguindo as trilhas diversificadas das projecções no âmbito dos parâmetros multipolares da globalização.

Essa constatação é muito importante fazer-se, pois os analistas de serviço à mentalidade redutora e retrógrada do capitalismo neo liberal e mercantilista, os que defendem um dólar parasitário cuja única função é enriquecer o monstro às custas do resto da humanidade, referem-se à necessidade de manter os mesmos padrões de equidistância sócio-político-diplomática, nos relacionamentos externos angolanos que dizem respeito às abordagens em direcção à União Europeia (subjugada pela NATO) e à Rússia, numa aparente e enganadora “terceira via equidistante” que absorve o pântano duma assimilação que vem de longe e tende a matar no ovo qualquer veleidade de progresso num quadro potencial de emergências.

Para Angola isso torna-se até numa contradição, pois admite-se por um lado que Angola faz parte dos emergentes e é capaz de reforçar os termos contemporâneos do Não Alinhamento activo na busca incessante da paz, da melhoria do nível dos Índices de Desenvolvimento Humano, do diálogo e de consensos, por outro contudo restringem-se as potencialidades de aproximação àqueles que assumindo uma globalização multipolar livre de seu poderoso factor parasitário e retrógrado, não estão indexados a bloco militar algum, de natureza tão intervencionista, manipuladora e tendenciosa no que à assimilação diz respeito, como a NATO.

Aos analistas angolanos que advogam a “equidistância”, uma “equidistância” utilitarista com sinal à direita no quadro da social-democracia, por que num quadro de capitalismo neo liberal está vocacionada ao mercantilismo dessa cartilha e à esquadria venenosa do dólar, cumpre efectivamente romper ainda que paulatinamente com esse “diktat”, romper com essa esquadria gerada sob os auspícios das últimas três décadas em Angola, a que se adicionou em 2002 o rebuçado do “petróleo para o desenvolvimento”, que agora mostra a sua cara real de degradação enquanto “petróleo como excremento do diabo”…

Há percursos sobretudo induzidos pela via portuguesa da NATO, recorrendo a vários circuitos históricos entre eles o do “Le Cercle” que desse modo dá afinal ampla cobertura às doutrinas e geo estratégias da conveniência da própria NATO, assim como ao dólar enquanto parasita global e, ao se manifestarem, integram o pelotão daqueles que mesmo perante a sangrenta visibilidade da disseminação do caos provocado pelo capitalismo neo liberal mercantilista nos termos da hegemonia unipolar, advogam cegamente as causas de domínio de 1% sobre o resto da humanidade!

Para esses não haverá realmente ensinamento algum a tirar da “somalização” de Angola, quando os factores retrógrados de expressão sócio-política lançaram a terrível experiência do caos generalizado e na imensa região envolvente, por via duma guerra atroz, desestruturante e“sistémica” como a “guerra dos diamantes de sangue”?

Acaso não deverão ter a consciência histórica e antropológica para saber rejeitar a manipulação entre contraditórios, conforme o espectro do capitalismo formatado à globalização neo liberal tem experimentado no mundo e também em Angola?

Acaso se esqueceram que com a implantação do neo lieralismo ao nível dos mecanismos do poder durante as administrações de Ronald Reagan e Margareth Thatcher, se semearam “freedom fighters” alguns dos quais povoam hoje o poder inerente à disseminação do caos e do terrorismo, ao nível duma Al Qaeda, dum Estado Islâmico, de organizações jihadistas suas associadas e de organizações remanescentes em termos das sequelas de então, como no caso angolano acontece com a UNITA e o CASA CE?

Aqueles que não fizerem ou não fazem a revisão atirando para as urtigas as “terceiras vias”, incorrerão com o tempo em pontos de vista anti-patrióticos em Angola, em ruptura com as linhas de acção que têm suas raízes no passado histórico do Movimento de Libertação em África, tudo por causa do grau de assimilação e de ingerência “que estão com ele” e já se vão reflectindo aliás nos conteúdos quotidianos de alguns dos jornais de Luanda, por que tiveram impacto no MPLA e no estado angolano, de há trinta anos a esta parte!

Honremos angolanos, efectivamente honremos, com inteligência e coerência, conforme nosso hino, o passado e a nossa história… será assim que nos vamos motivar e mobilizar para que o progresso em Angola não seja, no presente e no futuro, uma palavra vã!

Palavras vãs não poderão ser as que se inscrevem no espírito de Bandung e todos os ensinamentos decorrentes dessa via: os impactos neo liberais terão de ser assim necessariamente confrontados, por que estão esgotados e como nunca foram parte nas soluções, têm demonstrado ser efectivamente o essencial do caos e da degradação entre alguns dos maiores problemas com que se defronta a humanidade!

Amizade, que amizade?

Ilustração: Os 10 princípios de Bandung, ainda mais actuais que antes!

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