sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Portugal. “SEREMOS SEMPRE UM ELEMENTO DE PRESSÃO SOBRE O GOVERNO” – Os Verdes



Heloísa Apolónia, deputada e dirigente do Partido Ecologista Os Verdes, fala sobre o Orçamento do Estado para 2016.

Se o PCP faltar ao PS – e se o PAN estiver ao lado dos socialistas -, os Verdes podem ser os dois votos imprescindíveis para fazer passar o Orçamento do Estado. A deputada Heloísa Apolónia recusa colocar o partido num pedestal mas sabe do seu peso. Não admite se votaria ao contrário dos comunistas, mas avisa que o PEV não tenciona fazer favores nem passar a perna a ninguém.

Os Verdes já fizeram a análise do Orçamento do Estado (OE)? Ainda mantém a visão de que é um documento positivo?

Ainda não fizemos a análise completa e detalhada de todo o OE. A questão central onde nos vamos debruçar é ver se este orçamento pode ou não constituir um instrumento que dê a volta à linha de empobrecimento estrutural do país e de criação de uma maior bolsa de pobreza. O primeiro passo era reverter uma série de coisas, acabar com essa linha destrutiva e tornar os portugueses protagonistas do seu país, poderem ser dinamizadores da economia. Para isso era preciso restabelecer o poder de compra e restituir rendimentos que tinham sido roubados no passado.

Essa inversão está a ser feita?

Este OE tem em conta muitas das questões que estiveram na base da posição conjunta que assinamos com o PS, designadamente nessa restituição de rendimentos, com a devolução da sobretaxa, o descongelamento das pensões, a devolução dos salários, a restituição de algumas prestações sociais (abono de família, rendimento social de inserção, complemento solidário para idosos). Ou seja, todo um conjunto de instrumentos fundamentais para que os portugueses reganhem poder de compra, criando uma folga e alavanca para a economia, mas também o combate à pobreza, que deve ser a prioridade de qualquer Governo.

Tudo o que está no OE reflecte a posição conjunta que assinaram?

Sim, há muitas questões da posição conjunta que estão vertidas no OE, não posso dizer que é tudo. A posição conjunta não é destinada a um só OE, é para uma legislatura. Há matérias que nem sequer têm tradução orçamental e nós estamos a trabalhar para que elas aconteçam. No âmbito da especialidade haverá oportunidade de propor alterações e melhorias que consideremos necessárias.

A versão final do OE deixou para trás matérias que o PEV considerava essenciais?

Em todo este processo, os portugueses ficaram a compreender melhor o travão que temos no país que dá pelo nome de ‘regras da zona euro’ e que está a atar-nos de pés e mãos e a instrumentos e alavancas essenciais para o desenvolvimento. Assistimos a uma descarada interferência, a uma inaceitável interferência e chantagem por parte da Comissão que até fere o nosso patriotismo e soberania.

Não consideramos positivo o aumento do imposto sobre os produtos petrolíferos. Pode ser estranho o PEV dizer isto, mas a verdade é que, parecendo à partida uma medida ambientalista, só o seria se tivesse como resultado a diminuição do uso do transporte individual para que as pessoas passassem para o transporte colectivo. O problema é que isto não faz parte de uma estratégia para o uso do transporte colectivo. Então, se não têm alternativas, as pessoas não vão largar o transporte individual e este aumento vai pesar-lhes na carteira.

O que podem Os Verdes fazer?

Vamos focar-nos, no âmbito deste OE, numa estratégia de melhoria dos transportes colectivos, e fundamentalmente no transporte ferroviário. A reversão das concessões dos transportes foi o início. Outra questão fundamental é a conservação da natureza, para a qual precisamos de meios, revertendo a lógica de as nossas áreas protegidas o serem apenas no papel e sofrerem uma destruição associada ao sucessivo desinvestimento.

Pode avançar duas propostas concretas?

Duas na mobilidade, que é uma bandeira d'Os Verdes nesta legislatura e uma questão fulcral no combate às alterações climáticas e na organização das cidades. Defendemos o regresso do passe estudante, para educar desde cedo os jovens para a utilização do transporte colectivo, fomentando, facilitando através de um passe social mais barato. Pode não ter resultados a curto prazo, mas tem com certeza a médio e longo prazo, e precisamos preparar a nossa sociedade para isso.

A redução do IVA para as bicicletas poderia incentivar as famílias para a utilização da bicicleta, não só como forma de lazer, mas também como modo de transporte para o dia-a-dia.

E incentivos a veículos de energias alternativas?

Acho que a solução está mesmo no incentivo ao transporte colectivo. Os Verdes não são entusiásticos do apoio aos automóveis eléctricos porque a generalidade da população não tem dinheiro para os comprar e portanto esse incentivo é muito focado para quem tem maiores rendimentos.

O ministro das Finanças diz que está aberto a propostas desde que não aumente a despesa. Têm ideias para arranjar receitas?

Nós tínhamos muitas propostas de obtenção de receita que pressupunham uma distribuição mais justa da riqueza e a contribuição em função da capacidade de cada um, por exemplo nas transações financeiras, nos benefícios fiscais a grandes empresas, nos impostos pagos pela banca. Há muita margem onde existe muito dinheiro. Preciso assinalar como positivo uma maior carga fiscal sobre a banca, que é da mais elementar justiça. Mas vamos ver se não se pode ir aí um pouco mais longe e ver como materializar as nossas propostas em função da lógica despesa/receita.

O PEV foi ouvido na elaboração do OE?

Tivemos conversas informais a propósito do orçamento, de verificação, para garantir que as matérias que estavam na posição conjunta não eram violadas.

Foram informados sobre o aumento do ISP?

Fomos informados, sim. Houve partilha de informação informal numa base justa, mas só quando foi entregue na AR é que conhecemos em pormenor as propostas.

Como viu a análise da UTAO, que disse que o esboço tinha uma política orçamental expansionista mas a versão final é contraccionista?

Não tenho obsessão pelo défice, por isso custa-me muito que certas medidas fundamentais ao investimento, crescimento e desenvolvimento sejam retardadas ou não aplicadas por causa de uma ou duas décimas do défice. Eu gostava que este país não vivesse obcecado pelo défice, mas sim obcecado pela promoção do desenvolvimento.

Agora, também não sou a favor do descontrolo das contas públicas e é aqui que entra a componente da justiça: ir buscar a quem tem para poder gastar com quem necessita.

Quando esses 3% de défice – porque não 2,8% ou 4%? – nos atam de pés e mãos de uma forma cega e sem olhar a meios´, é negativo. Não faz sentido ter uma regra aplicada a diferentes países da zona euro, com diferentes economias e dinâmicas e capacidades de resposta, uns conseguem outros não, uns violam e nada lhes acontece, outros violam e tudo lhes acontece.

Quando estiver resolvida a maior parte das medidas do acordo, qual é o próximo passo na relação d'Os Verdes com o PS e o Governo?

Isto é uma posição conjunta que contempla medidas que, face às circunstâncias, eram emergentes para o país. Isso não significa que ao longo da legislatura não vão sendo feitas outras conversações e propostas. Haverá debate e diálogo. Seremos sempre um elemento de pressão sobre o Governo no sentido de garantir maior justiça e maior desenvolvimento no país.

Se juntarmos o PS, BE, PEV e PAN teremos uma maioria superior à da direita por um deputado. São 108. Sente que pode fazer a diferença? Muito mais do que em qualquer outra legislatura?

Sim, com certeza que os Verdes podem fazer a diferença. Os Verdes fazem diferença pelas diversas formas de contabilizar os votos dos deputados, mas queremos fazer a diferença pelas propostas e pela forma de convencer os agentes políticos.

Tem sentido esse peso no relacionamento com o PS?

Não. O PS também sabe com o que pode contar com os Verdes. Nós exigimos aquilo que também estamos dispostos a dar: seriedade e rigor neste processo. Os verdes têm votado de acordo com a sua consciência e de acordo com a análise que fazem dos diplomas que são apresentados na AR.

A análise do PEV também tem em conta a posição do PCP, com quem concorreu coligado?

Não temos em conta a posição do PCP para decidirmos as nossas posições. Não o fazíamos na anterior legislatura nem nesta. Mas também não é de estranhar que dois partidos que concorrem coligados na CDU, pese embora as suas diferenças, e têm um olhar sobre a sociedade que converge em muitos pontos, tenham um larguíssimo número de votações idênticas, como até acontece com o BE. Mas tivemos muitas diferenças.

Não alinham estratégias? Reúnem regularmente?

Se estamos indecisos entre um voto contra e uma abstenção, não é anormal que eu vá perguntar às outras bancadas como vão votar para podermos fazer uma ponderação final. Não é algo recorrente, mas já aconteceu.

Isso será mais importante nesta legislatura. Admite votar de maneira muito diferente do PCP no Orçamento?

Ah, agora não lhe vou responder a isso. Os Verdes vão votar de acordo com a análise que fizerem do OE. Teremos um sentido de voto que nos deixe confortáveis relativamente às nossas pretensões e ao que consideramos necessário para o país.

E se o vosso voto for preciso para fazer uma diferença muito grande, como passar ou chumbar?

Os Verdes cá estarão para assumir as suas responsabilidades perante o país. Uma coisa é certa: não estamos aqui para fazer favores a ninguém nem para passar a perna a ninguém. Estamos numa postura de grande seriedade, grande rigor e de nos sentirmos bem com a nossa consciência. Sabemos com o que nos comprometemos com os eleitores e fazemos disso a nossa base de trabalho.

O vosso compromisso com os eleitores era dividido com o PCP…

Os eleitores sabem que na CDU existem dois partidos - o PCP e o PEV - e a nossa comunicação com os eleitores baseou-se, primeiro, na ideia fundamental de quebrar com a lógica de austeridade e que PSD/CDS perdessem a maioria dos deputados na AR. Isso verificou-se.

Segundo: que contribuiríamos na AR para influenciar e virar as políticas do país - por isso viabilizámos um Governo do PS e vamos puxar as políticas – não o Governo – para o ponto que achamos correcto. Não estamos aqui apáticos, a ver o que cai na AR, mas de uma forma interventiva e participativa, a puxar as políticas.

Com a consciência de que podem ser a pedra de toque no OE?

Com a consciência de que somos relevantes na Assembleia.

Das três posições conjuntas, o PEV é o que tem mais medidas detalhadas. Não houve troca de informações com o PCP?

Não. Na altura não conhecíamos as posições conjuntas dos outros partidos. Estávamos a trabalhar com o PS sobre as nossas coisas concretas e quisemos passar a escrito um conjunto de matérias que estávamos a acordar. Houve depois o texto comum que foi apresentado pelo PS e nós aceitávamos ou não, mas isto [o documento anexo ao acordo do PEV] foi trabalhado por nós. Só depois viemos a saber que o PCP não tinha e o Bloco tinha um mais reduzido.

O PS aceitou porque os Verdes podem fazer a diferença numa votação?

Isso não sei, tem de perguntar ao PS. Da nossa parte considerámos que era importante que ficasse escrito aquilo por que Os Verdes estavam a batalhar e de repente estavam a ter consenso por parte do PS. Por exemplo: percebemos que o PS, que na anterior legislatura votou contra o projecto de lei d'Os Verdes para inscrever na lei-quadro da água o princípio da não-privatização, de repente se disponibilizava para aceitar! É uma questão estruturante que, estando inscrita na lei, vai vincular governos futuros.

Há que aproveitar a oportunidade…

Sim e fazer pressão para que essa nova realidade possa existir. É importante que o PS esteja no Governo mas puxado por outras forças na Assembleia da República, e designadamente pelo PEV, para garantir que não estamos perante uma mera alternância como no passado, mas que se possa vislumbrar vários braços de alternativas políticas.

Certamente que a política que este Governo vai prosseguir não é aquela que é integralmente desejada pelos Verdes, mas se pudermos puxar braços para alternativas… As negociações da posição conjunta foram duras, mas quando de repente verificámos que o PS estava predisposto a uma reavaliação sobre a convenção de Albufeira ou do plano nacional de barragens era preciso que esse compromisso ficasse escrito.

A ideia de ter o PS no Governo e mas dependente d'Os Verdes é o cenário ideal?

Dizer-se que o Governo do PS apresenta um OE à Assembleia que tem que respeitar posições conjuntas assinadas com três partidos faz toda a diferença. Ou seja, um PS isolado cederia certamente mais a Bruxelas. E neste caso tem umas cordas a puxar para o lado certo, para uma justiça e capacidade de desenvolvimento de Portugal que Bruxelas nos quer tirar com todas as mãos se for preciso, mas que nós aqui estamos para defender esses interesses.

Não deveria haver maior entrosamento com o PAN, tendo a conta a base ecologista dos dois partidos?

Acha que não temos tido entrosamento? Conversamos com o PAN como conversamos com outros grupos parlamentares. Não tenho uma estratégia definida na Assembleia da República com o PAN porque cada partido vem com os seus compromissos, com a sua estratégia de intervenção.

Maria Lopes – Público - Heolísa Apolónia ENRIC VIVES-RUBIO

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