terça-feira, 19 de abril de 2016

O PAI NAZI DO FUNDADOR DA MOSSAK FONSECA



Dizia-se que tinha mais poder que o presidente do Panamá. Agora confirma-se. Esta é a história de Erhard Mossack,espião e ex-SS. Ele "vendia" segredos; o filho, o paraíso do dinheiro.

Erhard Guenther Mossack (16 de abril de 1924), nascido em Grube-Ericka, o nazi, era um homem de rosto áspero, 1,76 metros de estatura e várias cicatrizes: nos dedos e debaixo do braço esquerdo, onde cortou a pele para apagar uma tatuagem que revelava o seu vínculo com as SS. O seu ofício: serralheiro e membro da temível divisão Totenkopf (que se pode traduzir literalmente como "cabeça de morto"). Quando foi apanhado pelas forças aliadas, Mossack vendeu informações para se salvar. Dedicar-se-ia a isso o resto da vida.

O seu filho, Jürgen Rolf Dieter Mossack (20 de março de 1948), nascido em Fürth, cidade da Baviera, tem 1,78 m e a pele sem marcas de feridas à vista. A sua profissão: advogado criador de empresas offshore, protagonista dos Papéis do Panamá. Os 11,5 milhões de arquivos classificados, procedentes do escritório que fundou (Mossack Fonseca), são considerados o maior escândalo de divulgação de documentos confidenciais da história. Jürgen Mossack, multimilionário, rebelde e vaidoso, procurava ser uma sombra para a sociedade panamiana. Tinha-o aprendido com o pai, o nazi, que chegaria mesmo a oferecer-se como espião aos EUA.

A mansão de Jürgen Mossack em Altos del Golf, uma urbanização no Panamá onde vivem ex-presidentes, diplomatas e magnatas, a mesma onde residia o ditador Manuel Antonio Noriega, está protegida. Em seu redor circulam automóveis de alto luxo e de empresas de segurança. As câmaras estão sempre a gravar. Ao contrário do pai, ele tem várias alcunhas, chamam-lhe o alemão, o teutónico ou o nazi. Esta última é a mais recente. Desde que foram revelados os seus contactos internacionais, passou a viver escondido.

Antes, se bem que tenha dado apenas meia dúzia de entrevistas ao longo da vida, convivia com a sociedade panamiana. Sobretudo para exibir as suas filhas: Nicole e Andrea, ambas cavaleiras profissionais. Jürgen procurou ocultar o passado do pai. Aqueles que visitaram a sua ostentosa habitação não se lembram de ver fotografias dele nas paredes. Quando falava do pai não se referia ao seu passado como SS nem como agente secreto. "Nós pensávamos que ele era engenheiro", refere uma das nossas fontes jornalísticas panamianas que não quer ser identificada. "Mossack tem mais poder do que o presidente, diziam, e eu agora acredito." O que é indubitável é que é multimilionário.

Erhard Mossack, o pai nazi, teve, pelo contrário, uma vida austera. Em 1935, tinha 11 anos, entrou, segundo documentos do FBI, na Jungvolk, a secção infantil das juventudes hitlerianas. Foi viver para Dresden com o seu tio Manfred, em 1938. Enquanto frequentava uma escola técnica, trabalhava como aprendiz na empresa de lentes e materiais óticos Zeiss-Ikon. Devido às suas capacidades conseguiu logo que o aceitassem na residência que tinham para os trabalhadores. Um ano mais tarde, o jovem de 15 anos voltou a ser seduzido pelo Führer e pela sua mensagem de domínio mundial. Em 1940, voltou à sua terra natal e trabalhou numa empresa mineira. Com a chegada da maioridade, alistou-se nas Waffen-SS. Em novembro de 1942 transferiram-no para uma depauperada divisão Totenkopf, 80% da qual tinha morrido em Demyansk (Rússia). O jovem Erhard foi enviado primeiro para França. Depois para a frente soviética. Os seus destinos seguintes: Checoslováquia, Finlândia e Noruega. É capturado pelas tropas norte-americanas em março de 1945, dois meses antes da queda de Berlim. Erhard estava prestes a fazer 21 anos...

Muito tempo depois, com essa idade, o seu filho Jürgen estava a estudar Direito na primeira universidade privada do Panamá, a Universidade Católica Santa María La Antigua. Licenciou-se um pouco tardiamente, em 1973, com 25 anos. Não tardou muito a rumar a Londres. Esta viagem seria crucial para que ficasse a entender as finanças globais. Foi admitido pela Law Society of England (Ordem dos Advogados de Inglaterra). Conviveu com os mais importantes advogados do mundo. E com os tubarões que viriam a forjar a fama atual da City. Regressou ao Panamá em 1977 já sabendo que iria fundar o seu próprio escritório, Jürgen Mossack Lawfirm, batizado em inglês. Apostava no direito corporativo, naval, banca, investimentos estrangeiros, consórcios, fundações privadas e gestão de investimentos... Ainda não tinha completado os 30 anos e era o orgulho do papá. Já então, Jürgen Mossack era um membro seleto da oligarquia panamiana.

A fuga de 1945

Em dezembro de 1945, juntamente com outros sete, o nazi Erhard Mossack tinha roubado um camião e fugia de um campo de prisioneiros de guerra em Le Havre (França). Separou-se dos restantes, depois de 600 quilómetros de viagem, ao chegar a Colónia (Alemanha). "Mossack teve uma extensa, embora superficial, educação política... É um típico líder das juventudes hitlerianas", lê-se no documento enviado da Embaixada dos EUA em Londres para o diretor do FBI, datado de 4 de dezembro de 1946. Neste texto, de 20 páginas, conta-se a história completa até esse momento do ex-nazi Erhard Mossack, que, um ano após o fim da guerra, oferecia-se como informador. O tom era dúbio. Os norte-americanos advertem que Erhard "estava perto de se juntar a uma organização clandestina, quer fosse de antigos nazis convertidos agora em comunistas... quer de nazis não convertidos que se encobriam a si próprios como comunistas... A sua oferta de se tornar informador [classificam-na] como uma possível tentativa astuciosa para sair de uma situação incómoda". O certo é que, com o tempo, Erhard acabou na Baviera a viver em liberdade. Já espião? Na primavera de 1948 nasceu Jürgen Rolf Dieter Mossack Herzog.

Erhard tinha-se enamorado de Luisa Herzog. Ela tinha outro filho, fruto de uma relação anterior. O seu nome: Horst, irmão mais velho de Jürgen. Hoje, Horst preenche, com o seu testemunho, alguns vazios na vida do nazi, do seu padrasto. Entrevistado pelo The Daily Mail, reconhece o que sentiu a sua mãe ao tê-lo fora do matrimónio. "Era uma vergonha naquele tempo, assim pensaram em dar-me para adoção." Mas acrescenta um dado adicional que revela um ato de generosidade do SS. "A minha mãe casou-se mais tarde com Erhard Mossack. Ele deu--me o seu apelido depois."

E o que diz sobre o seu meio-irmão panamiano? Perdeu-lhe o rasto quando ele esteve a estudar em Londres. "A notícia que saiu do Panamá é impactante, surpreendente. Desconcertante até, mas não posso dizer que me sinta envergonhado porque, na realidade, não tenho ligação com ele."

O mais interessante é que Horst revela que a determinado momento da sua vida, aquele que fora primeiro-cabo dos cabeça de morto tornou-se jornalista. Segundo a sua versão, publicou em 1952 - quando Jürgen tinha apenas 4 anos - um livro chamado Os Últimos Dias de Nuremberga. Uma resenha desta obra assinala que "Erhard Mossack descreve o calvário de Nuremberga nos últimos dias da II Guerra Mundial. Como editor de um jornal, reuniu muito material novo, em especial a análise de numerosas declarações de testemunhas. Leva-nos a olhar para os bastidores do cenário histórico... para o que ali aconteceu entre janeiro e maio de 1945".

O pai nazi de Mossack narra como caiu a cidade. São 160 páginas com fotos de edifícios destruídos e de unidades militares. Tornou-se jornalista depois de os serviços secretos dos EUA aceitarem a sua colaboração? Ou juntou-se antes aos serviços de informação alemães como suspeitam outros? Se o próprio herói de guerra nazi Otto Skorzeny, segundo informações recentes do diário israelita Haaretz, acabou sicário da Mossad, nada parece estranho.

O nome de Erhard não é por certo desconhecido para o BND (os serviços secretos alemães), com sede em Pullach, perto de Munique. De facto, confirmaram a existência de documentos sobre ele, ainda que não os tenham desclassificado. É esta a sua resposta oficial: "Porque poderiam prejudicar a República Federal da Alemanha ou algum dos seus estados federados."

Erhard foi capturado pelas tropas americanas na Baviera e na posse de uma lista de nomes de membros das unidades os Werwolf (homens lobo), uma força irregular criada pelo general nazi Heinrich Himmler, em 1944, para restringir o avanço dos aliados com táticas de guerrilha e atos de sabotagem nas zonas que iam ocupando.

Estas unidades de resistência que devem o seu nome a um romance escrito em 1914 por Hermann Löns, autor reverenciado pelo nacional-socialismo, chegaram a contar com até 5000 homens recrutados nas juventudes hitlerianas e membros das SS. A este movimento são atribuídas várias matanças de civis. Erhard foi possivelmente um homem-lobo que bateu em retirada com informações que soube usar em seu favor e que, segundo os dados que se foram reunindo sobre ele, lhe permitiram encurtar o seu cativeiro.

Agente duplo?

Segundo documentos procedentes dos serviços secretos americanos citados pelo Süddeutsche Zeitung no hashtag#PanamaPapers, o pai de Mossack não só se prestou a colaborar como também a angariar informações para os aliados. Evitou o processo de Nuremberga e começou uma vida nova trabalhando para vários meios de comunicação, incluindo o 8 Uhr-Abendblatt de Nuremberga. Este jornal foi fundado em outubro de 1919 por uma editora ultracatólica. Foi, juntamente com o diário do partido nazi, o único jornal que circulava durante a II Guerra Mundial, entre 1939 e abril de 1945. Foi proibido pelos americanos no fim da guerra. Em 1949, o diário voltou a aparecer, até ao seu desaparecimento, em 2012.

Em 1960, Erhard vai com a família para o Panamá, onde trabalhou para a Lufthansa, ao mesmo tempo que, segundo se especula, colaborou com a CIA desmascarando comunistas. A pista de Mossack pai é retomada em outubro de 1963. Num documento da agência é explicado que desde 1961 que Erhard tentou estabelecer contacto com os serviços de informação militar dos EUA. A sua área de ação vai desde Frankfurt, passando pelo Panamá, até Santiago do Chile e Cuba. (continua)


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