Francisco
Louçã – Público, opinião
Otema
aparece aqui e ali e é sempre um refrão: temos pensionistas a mais e colonizam
o partido do Estado (e portanto, argumento OCDE e Comissão Europeia, toca de
cortar-lhes nas pensões, as actuais, as futuras, tudo o que vier à rede é
peixe), junto com outra malandragem como os desempregados, os polícias, os
militares, os professores, as enfermeiras, as médicas, outros funcionários
públicos e tutti quanti. Mas os pensionistas são o maior número e vai daí
o cisma grisalho, a luta de gerações, a divisão etária, a sobrecarga dos
reformados aos ombros dos trabalhadores, que sei eu? Reforma estrutural com
essa gente, que o país não pode aguentar mais.
O
número de facto seria estarrecedor – 3,6 milhões de pensionistas – mas ainda
assim convinha que fosse verdade. Diz o Pordata, ou melhor, dizem vários
autores que o Pordata diz tal número (aqui,
ou logo gulosamente
repetido aqui), só que é mentira.
De
facto, não é esse o número do Pordata. O Pordata diz que há 3.627.161 pensões
em pagamento (dados de 2014). É muita gente? Parece que sim, só que não
são 3.627.161 pensionistas. Basta pensar um segundo e a razão é evidente: é que
há muita gente que recebe mais do que uma pensão. Lembram-se do ex-presidente
Cavaco Silva? Recebe três e o assunto foi bastante falado. Pois muitos dos
pensionistas recebem mais do que uma pensão, cumprindo a lei (como Cavaco Silva
cumpre a lei, assinale-se para evitar falsos debates). É o que acontece a quem
tem pensão de velhice e, sendo viúva ou viúvo, também tem uma pensão de
sobrevivência, mas aplica-se igualmente noutros casos em que há acumulação de
pensões (mais uma vez, é o que acontece com Cavaco).
Por
isso, em contas mais certas, o The 2015 Ageing Report da Comissão
Europeia apresenta um número total de pensionistas que é realista porque
informado: 2.552
mil. É só um milhão a menos do que as contas que são tão comuns na imprensa
e entre vários autores pouco dados ao estudo. Um milhão a menos é muito engano
junto.
Do
mesmo modo, se nos disserem que há doze milhões de telemóveis em Portugal, não
vamos concluir que há doze milhões de habitantes, pois não? No caso da
segurança social, ainda por cima, as contas
já foram feitas, o aviso foi dado, mas parece que não foi ouvido por quem
tem conveniência argumentativa num número exagerado.
É
certo, este número é um problema e são muitas pessoas. Muitas mesmo. Mas não
vale a pena fantasiar. Para se pensar sobre o futuro da segurança social (ou do
Estado) é preferível conhecer bem o problema e ignorar o preconceito ou o
exagero. Já agora, é preferível usar a estatística verdadeira.
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