terça-feira, 28 de junho de 2016

A QUEM PRESTA CONTAS A SECRETA MOÇAMBICANA?



Em Moçambique, a secreta goza de privilégios legais que nem sequer ao Parlamento presta contas. Não pelo menos sobre a natureza das suas atividades. Acima da lei para o SISE está apenas o Presidente do país.

Acima da lei para o Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE) está apenas o Presidente da República.

Uma situação que põe em causa o sistema de governação, neste caso em particular, quando o assunto é transparência e prestação de contas.

SISE acionista

Os serviços secretos moçambicanos têm sido assunto desde que as dívidas ocultas vieram ao de cima. Afinal, tratam-se de 1,4 mil milhões de dólares de empréstimos contraídos pelo Governo moçambicano entre 2013 e 2014 e não revelados à Assembleia da República e às organizações financeiras internacionais.

A pergunta que se coloca, e cuja resposta não chega, é como e porquê a secreta entrou como acionista nas empresas suspeitas que originaram essas dívidas.

Mas há também outras questões sobre a natureza e legislação que regulamenta o SISE.

A DW África ouviu o jurista Télio Chamuço sobre as bases que norteiam esta instituição:

"O instrumento normativo que rege as atribuições do SISE é a lei n° 12/2012 que tem a incumbência de zelar contra, e investigar, crimes contra a segurança do Estado ou crimes transnacionais; e também quanto a sua subordinação orgânica, digamos assim. O SISE costuma ser um órgão dependente do Presidente da República. Isso é corolário de um sistema político. Moçambique tem um sistema presidencialista".

Como é em outros países?

Na Alemanha, por exemplo, existe um comité parlamentar que monitoriza a secreta. Ele tem o direito a visitar os seus escritórios e a acessar os arquivos e atas, embora não tenha permissão de divulgar qualquer tipo de informação. Assim, estão salvaguardados, minimamente, os princípios de transparência e impõem-se certos limites ao poder desta entidade. E no caso de Moçambique, a quem presta contas o SISE?

Chamuço explica que anualmente, o SISE deve prestar contas à Assembleia da República. “Existe uma comissão específica [da Assembleia da República] à qual o SISE presta informação. Trata-se da Comissão para os Assuntos de Defesa e Segurança. As fontes, registos, documentos e arquivos do SISE são considerados protegidos e a informação produzida pela secreta é informação classificada".

Acionista e agora?

Por um lado, a secreta moçambicana está protegida pela lei no que se refere à prestação de contas quanto à natureza das suas atividades, e com isso deixa a referida comissão do Parlamento desprovida de qualquer poder de pedir contas.

Por outro lado, na qualidade de acionista de uma empresa, ela deve e pode prestar contas.

Contudo, no caso das dívidas ocultas de Moçambique, a secreta também não o pode fazer no Parlamento, como explica Fernando Bismarque, porta-voz do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), a segunda maior força da oposição:

"O regimento diz que não pode vir um diretor para falar dessa matéria. Tem de ser um membro do Governo, e diretor não é membro do Governo. Um diretor pode ser chamado no âmbito de uma comissão parlamentar de inquérito, como acompanhante de um ministro como aconteceu quando o Governo veio esclarecer sobre a dívida em sede de duas comissões (a do plano de orçamento e a de defesa e ordem pública)".

Quanto ao diretor-geral do SISE ser chamado para fazer declarações às comissões, isso ainda não aconteceu, esclarece Bismarque.

"Só ouvimos o diretor-geral da EMATUM, Proíndicus e MAM - que é a mesma pessoa. Ele é um operativo do SISE. Mas, obviamente, que uma comissão parlamentar de inquérito que quer aquele projeto submetido pelo MDM no Parlamento, em abril, vai alargar o âmbito e poderá ouvir os membros do antigo Governo, assim como o diretor-geral do SISE, que é uma empresa que detem ações nessas empresas que foram criadas e endividaram o país".

Portanto, uma posição de quase intocável à custa de leis e regulamentos. E como o SISE só se curva perante o Presidente da República, que por sua vez concentra muitos poderes, a prestação pública de contas, de qualquer natureza, é neste contexto um conceito vazio.

Nádia Issufo – Deutsche Welle

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