sexta-feira, 3 de junho de 2016

Portugal. O CORO DO RESTELO



Joana Mortágua – Expresso, opinião

Sempre que o assunto é 35 horas levanta-se o coro do Restelo a anunciar novos desastres. Passos está muito preocupado com os custos, Cristas com o mau exemplo que o Estado dá aos privados, ambos apadrinhados pelo BCE, cuja intromissão não esconde a cumplicidade com as opções políticas da oposição.

Ouvindo a direita, parece que o céu está prestes a cair-nos em cima pela ousadia de desafiar as 40 horas de trabalho semanais. Como se as autarquias e vários institutos públicos não funcionassem perfeitamente com as 35 horas, como se não existissem setores no privado com horários reduzidos, como se a igualdade tivesse sido uma preocupação na hora de cortar subsídios e salários ao funcionários públicos.

O que lhes falta em respeito pelos direitos dos trabalhadores, sobra-lhes em criatividade para inventar argumentos. A par da “igualdade”, a indignação com supostos custos da medida é um dos melhores exemplos. Por curiosa coincidência, o custoanunciado para a reposição das 35 horas este ano até é inferior à renda que se vai cortar aos colégios privados, mas não consta que tal desperdício de dinheiros públicos alguma vez tivesse indignado a direita ou preocupado o BCE.

Se a imposição das 40 horas em 2013 trouxe algum benefício orçamental, o seu valor é desconhecido até hoje, embora seja público que o número de horas extraordinárias não diminuiu. Pelo contrário, a improdutividade do aumento do horário de trabalho é um facto estudado e reconhecido, tanto por instituições como a Organização Internacional do Trabalho, como pelos próprios especialistas em gestão.

É óbvio que esta suposta polémica é atiçada pelo ódio histórico que a direita tem aos funcionários públicos, imortalizado na célebre expressão “só resta esperar que acabem por morrer”. Mas isso não explica tudo.

A redução do horário de trabalho para todas e todos é a fórmula de direitos laborais do futuro, em contraste com modos de produção do passado que assentam na sobre exploração de mão de obra barata e pouco qualificada. Neste caso, tempo é mesmo dinheiro, e trabalhar menos horas pelo mesmo salário constitui uma valorização do trabalho com criação de emprego.

Podem inventar as distrações que quiserem mas, como bons velhos do Restelo, o problema da direita é mesmo com o progresso.

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