Rafael
Barbosa* – Jornal de Notícias, opinião
A
"Elite do Poder" é uma das obras mais importantes do sociólogo
Charles Wright Mills. Uma análise à forma como as elites económicas e militares
se apropriaram do poder, remetendo as elites políticas para um lugar
secundário, marionetas de um palco que já não controlam.
A
investigação de Mills (sim, em ciências sociais também se fazem investigações
importantes) foi publicada nos anos 50 do século XX e tinha como objeto de
estudo os EUA, mas não só é útil para perceber a forma como funcionam as elites
globais, como o tempo não a desatualizou. Bem pelo contrário. Se alguma
alteração teria de fazer o sociólogo texano, seria nos termos em que descreve
as elites económicas, que ainda podiam, nessa altura, ser definidas como um
conjunto de empresas e empresários, mas teriam de ser agora associadas à
especulação e à alta finança, refletindo uma mudança fundamental do último meio
século: a passagem de um capitalismo industrial, baseado na reprodução de
riqueza, para um capitalismo financeiro, vocacionado para a reprodução de
capital.
Prosseguindo
esta espécie de resumo (exercício arriscado pela excessiva simplificação),
Mills observa que o capitalismo resulta da coincidência de interesses das
elites militares e económicas e que essa coincidência fortalece esses dois vértices
da elite do poder e "subordina ainda mais o papel dos homens simplesmente
políticos". Se quisermos usar uma linguagem um pouco mais crua e menos
académica, os políticos foram-se transformando numa espécie de mordomos dos que
comandam a sociedade (não, não são os mercados, é gente com nome).
E
é aqui que entra a atualidade política. Não há melhor exemplo da atual
subserviência da elite política do que a mais recente nomeação de Durão Barroso
para vice-presidente do banco de investimento (designação que apenas procura
disfarçar a sua natureza especulativa e predadora) Goldman Sachs. Acresce que o
ex-presidente da Comissão Europeia até já tinha no currículo, enquanto
primeiro-ministro de Portugal, o papel de mordomo da cimeira dos Açores, em que
dois líderes políticos a soldo do complexo militar-industrial (Bush e Blair)
acertaram os pormenores da guerra no Iraque. A guerra em que, a pretexto de
derrubar um déspota sanguinário, se abriu caminho para uma amálgama de
extremistas religiosos e homicidas globais, que ajudam a sedimentar o
"capitalismo militar" que denunciava Wright Mills.
Convenhamos
que Durão fez por merecer o direito a meter a mão no saco de ouro (sim, eu sei
que é um jogo de palavras tosco a partir de Goldman Sachs). Prestou-se e
presta-se a servir interesses que não os da comunidade - demonstrando a
atualidade e a pertinência da crítica de Mills -, mas já não precisa de passar
férias a bordo dos iates dos amigos milionários. Pode comprar um só para si.
*
Editor executivo
Sem comentários:
Enviar um comentário