quinta-feira, 14 de julho de 2016

DURÃO, O MORDOMO DAS ELITES



Rafael Barbosa* – Jornal de Notícias, opinião

A "Elite do Poder" é uma das obras mais importantes do sociólogo Charles Wright Mills. Uma análise à forma como as elites económicas e militares se apropriaram do poder, remetendo as elites políticas para um lugar secundário, marionetas de um palco que já não controlam.

A investigação de Mills (sim, em ciências sociais também se fazem investigações importantes) foi publicada nos anos 50 do século XX e tinha como objeto de estudo os EUA, mas não só é útil para perceber a forma como funcionam as elites globais, como o tempo não a desatualizou. Bem pelo contrário. Se alguma alteração teria de fazer o sociólogo texano, seria nos termos em que descreve as elites económicas, que ainda podiam, nessa altura, ser definidas como um conjunto de empresas e empresários, mas teriam de ser agora associadas à especulação e à alta finança, refletindo uma mudança fundamental do último meio século: a passagem de um capitalismo industrial, baseado na reprodução de riqueza, para um capitalismo financeiro, vocacionado para a reprodução de capital.

Prosseguindo esta espécie de resumo (exercício arriscado pela excessiva simplificação), Mills observa que o capitalismo resulta da coincidência de interesses das elites militares e económicas e que essa coincidência fortalece esses dois vértices da elite do poder e "subordina ainda mais o papel dos homens simplesmente políticos". Se quisermos usar uma linguagem um pouco mais crua e menos académica, os políticos foram-se transformando numa espécie de mordomos dos que comandam a sociedade (não, não são os mercados, é gente com nome).

E é aqui que entra a atualidade política. Não há melhor exemplo da atual subserviência da elite política do que a mais recente nomeação de Durão Barroso para vice-presidente do banco de investimento (designação que apenas procura disfarçar a sua natureza especulativa e predadora) Goldman Sachs. Acresce que o ex-presidente da Comissão Europeia até já tinha no currículo, enquanto primeiro-ministro de Portugal, o papel de mordomo da cimeira dos Açores, em que dois líderes políticos a soldo do complexo militar-industrial (Bush e Blair) acertaram os pormenores da guerra no Iraque. A guerra em que, a pretexto de derrubar um déspota sanguinário, se abriu caminho para uma amálgama de extremistas religiosos e homicidas globais, que ajudam a sedimentar o "capitalismo militar" que denunciava Wright Mills.

Convenhamos que Durão fez por merecer o direito a meter a mão no saco de ouro (sim, eu sei que é um jogo de palavras tosco a partir de Goldman Sachs). Prestou-se e presta-se a servir interesses que não os da comunidade - demonstrando a atualidade e a pertinência da crítica de Mills -, mas já não precisa de passar férias a bordo dos iates dos amigos milionários. Pode comprar um só para si.

* Editor executivo

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