terça-feira, 12 de julho de 2016

O PINOCHET DE ÁFRICA



Rui Peralta, Luanda

Hissène Habré, o ex-ditador chadiano apoiado pelos USA, foi condenado por crimes contra a humanidade e passará os restos dos seus dias numa cadeia. Responsabilizado pela morte de mais de 40 mil pessoas, rapto, violência sexual e escravatura, em 8 anos de exercício de Poder, na década de 80, Habré foi julgado e condenado num tribunal especial da União Africana, localizado em Dacar, Senegal, após uma campanha de duas décadas, encetada pelas suas vítimas. Esta foi a primeira vez que um estadista de um país africano foi julgado noutro país africano por violação dos direitos humanos.

Apoiado pelos USA, conhecido como o “Pinochet de África”, Habré chegou ao Poder com o suporte da administração Reagan, em 1982. Os USA suportaram com milhões de USD as forças armadas chadianas e a Policia politica, a DDS. No ano 2000 foi detido, pela primeira vez, no Senegal, país para onde foi viver depois de ter sido forçado a abandonar o Poder. No Senegal Habré investiu todo o seu dinheiro – retirado dos cofres do Estado do Chade - e foi em Dacar que estabeleceu o seu centro de influência. Criou uma rede política e de negócios e mantinha contactos com inúmeros chefes de Estado africanos, que viram com preocupação a detenção e os processos judiciais sobre Hissène Habré, pois seriam um precedente indesejável para a sua posição como estadistas.

De qualquer forma as queixas contra o ditador chadiano foram-se avolumando e ganhando terreno na longa luta jurídica (mais de 20 anos) que se desencadeou. Quando, no Senegal, o processo parecia estar travado, a associação de vítimas da ditadura de Habré dirigiram-se para a Bélgica, onde os tribunais, ao fim de quatro anos, requereram a extradição de Hissène Habré, negada pelo Senegal. A União Africana interferiu e aconselhou o Senegal a efectuar o julgamento. Wade, o presidente senegalês na época, concordou, mas o processo ficou parado. Os tribunais belgas levaram o caso ao Tribunal Penal Internacional e em 2012 o TPI decidiu que o Senegal deveria extraditar Hissène Habré, em caso de não o julgar no seu território (ou seja, reforçou a decisão da UA). Alguns meses depois Macky Sall venceu as eleições presidenciais e o julgamento de Habré prosseguiu no Senegal, num tribunal estabelecido pelo Senegal e pela UA. O novo presidente senegalês foi um dos responsáveis políticos e partidários que a comissão das vítimas visitou e explanou a sua acção e era uma das figuras senegalesas que apoiava o processo judicial contra Habré.

Em 1982 Habré era um oposicionista á presença líbia no Chade (ambos os Estados tinham assinado um projecto de federação), motivo mais do que suficiente para que o secretário de Estado da administração Reagan, Alexander Haig, em colaboração com a CIA, efectuasse uma operação de suporte e apoio logístico e financeiro ao grupo liderado por Habré, para combater o “arqui-inimigo” da administração norte-americana, Muammar Kadhafi (a quem Reagan designara por “cão raivoso”). Esta foi a primeira operação secreta efectuada pela CIA durante a administração Reagan (anterior ao reforço logístico e financeiro oferecido á UNITA de Savimbi, em Angola, depois do descalabro “franciú” de Holden Roberto - o agente Gilmore da administração Kennedy e Johnson, e uma das relevâncias da contradição do campo imperialista França/USA - e anterior á Operação Contras, na Nicarágua, que também teve em Angola as suas implicações, através do caso Ochoa, oficial superior cubano, e onde aparece patente a infiltração norte-americana no seio da Revolução Angolana).

Pouco interessou á CIA e a Reagan que o “senhor da guerra” Hissène Habré já possuísse um historial de brutalidade na guerra civil chadiana (o mesmo parâmetro foi usado em relação a Jonas Savimbi), ou que tivessem encontrado uma vala comum com centenas de corpos, no quintal da sua residência, ou que Habré fosse o responsável pelo rapto de um antropólogo francês e que as suas forças tivessem executado o negociador enviado por Paris, para o libertar. Os USA apoiaram Habré na luta contra a Líbia e em 1982, quando Habré assume o Poder, a França e os USA são a base financeira e logística que suportam o seu governo. A CIA treinou os oficiais da DDS em contra-insurgência e efectuava um serviço de “aconselhamento” permanente á ditadura de Habré, através da embaixada norte-americana em N`Djamena. Para os USA o que interessava era que o Chade servisse de campo de treino para a intervenção na Líbia. Foi assim que, por exemplo, Khalifa Haftar – imigrante líbio nos USA, em Virgínia – foi contratado pela CIA e é hoje um dos líderes de um dos bandos armados líbios baseados em Benghazi.

Habré foi deposto em Dezembro de 1990. Em 1987 foi recebido na Casa Branca, por Reagan, um velho amigo (e conhecido inimigo de África) de Habré. Os USA ajudaram-no a estabelecer no Senegal, em 1991, onde viveu luxuriosamente em Dacar. Mas os tempos mudaram e acabou por ser levado á justiça. Na óptica africana, o que é o mais importante, para desespero do Ocidente que sempre apostou na incapacidade do Poder Judicial em África.

Afinal, o Ano dos Direitos Humanos em África, 2016, veio para ficar…Em honra dos povos e não do neocolonialismo e das suas oligarquias.

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