Martinho Júnior, Luanda
1
– Angola conseguiu perfazer 13 anos em que não mais se fizeram sentir as armas,
algo que duma forma geral tem suscitado os mais diversos comentários, a nível
interno e a nível internacional, quase todos eles claramente favoráveis ao
percurso que foi iniciado a 4 de Abril de 2002, 26 anos após a declaração da
independência nacional.
Quando
é fresca a paz e a guerra deixou tantas feridas na África Austral, em Angola
também, é justo que as pessoas além do mais se interroguem sobre a guerra e
sobre a paz, ao invés de alguma vez afirmarem “o fim da história”, ou de
reinventá-la, quiçá em nome de alguma doutrina alienatória tão do interesse neo
liberal.
Alguns
dizem: agora estamos em paz e por isso devemos esquecer o passado de guerras,
sepultá-lo… acho que é uma posição que, em termos de memória, vai suscitar
sempre a controvérsia que inibe a construção da paz e da própria unidade
nacional, não aproveitando o rumo que deriva do Movimento de Libertação em
África, que é o húmus da luta contra o subdesenvolvimento, que deve mobilizar
as gerações presentes e futuras.
Desse
modo também não se faz o inventário de tudo o que se associou às guerras,
particularmente do lado das forças retrógradas que tentaram a manutenção do seu
poder e possuíam aliados externos poderosos o que pode tolher aqueles que, para
encontrar os caminhos da paz e da harmonia, não os podem perder de vista, nem
menosprezá-los.
A
cultura da paz é extensiva a todos e é essa a norma que deve prevalecer!
Constata-se
que a paz possível que foi construída pelos angolanos (e só entre angolanos) na
sequência do 4 de Abril de 2002, sendo sequência do Movimento de Libertação em
África, reflecte as imensas e justas aspirações de todo o povo angolano, no
fundo algo que implica resgatar África do subdesenvolvimento crónico, sabendo
que esse subdesenvolvimento é histórico e é resultado do passado de trevas que
envolveu escravatura, colonialismo, “apartheid” e todas as suas
sequelas.
África,
berço da humanidade, tem direito à vida e por isso é tão legítima a lógica com
sentido de vida, que dá sequência ao Movimento de Libertação e a construção da
paz e da identidade nacional nesses termos!
O
povo angolano, as nossas instituições, os nossos intelectuais, os nossos
jovens, devem-se pois interrogar sobre si próprios em relação a esse rumo que
só se tornou possível depois da IIª Guerra Mundial, ela própria também tão
importante no que a África diz respeito e a muitos africanos, desde o que
ocorreu no norte, onde os nazis alemães e os fascistas italianos foram
derrotados pelos aliados, até à participação da África do Sul ao lado desses
mesmos aliados, passando pelo facto de Brazzaville, ter sido com o General
Charles De Gaulle, a capital provisória da “França Livre”, ou pelo
engajamento e participação dos heróicos “atiradores senegaleses” na
libertação da Europa das forças do Eixo…
Depois
da IIª Guerra Mundial, não mais era possível aplicar no espírito e à letra, os
conceitos e as práticas derivados da Conferência de Berlim, nem de regimes como
os que integraram o Eixo e aqueles que assim o quiseram fazer, não tiraram
lições suficientes do significado amplo da vitória dos aliados e por isso,
mesmo que estivessem no poder de potências como os Estados Unidos, o Reino
Unido, ou a Alemanha, acabaram por se constituir em resíduos, ou em sequelas,
dos nazis e dos fascistas, mesmo que integrassem, ou fossem fundadores de
pactos como o da NATO!
2
– Houve três guerras praticamente sucessivas e em cadeia em Angola, com início
em 1961 e até 2002 e todas elas são resultado da teimosia e intransigência
absoluta de um dos lados face ao Movimento de Libertação, um resultado aliás de
doutrinas e sequelas fascizantes e retrógradas que haviam sido derrotadas na
IIª Guerra Mundial e persistiram de armas na mão e ao retardador em África,
como autênticos resíduos de natureza criminosa e por que algumas potências
assim o quiseram:
-
A teimosia do Estado Novo de Portugal, membro fundador da NATO, intransigente
na sua afirmação colonial num momento em que se assistia ao nascimento das
independências africanas e quando várias independências haviam sido arrancadas
a ferro e fogo, incluindo a do Quénia e a da Argélia (1961 – 1975);
-
A teimosia do “apartheid” que dilacerava a África Austral espreitando
a possibilidade de construir constelações de dóceis “bantustões” e
impedia África de partir para o imprescindível renascimento de si própria,
ultrapassando as vulnerabilidades decorrentes à história terrível do Congo
(1975 – 1992);
-
A teimosia de Savimbi, ele mesmo uma sequela do colonialismo (Operação Madeira)
e do“apartheid”, que tanto procurou fazer por disseminar “bantustões” a
partir dos frutos da sua“border war” e dum Zaíre cujo poder era sustentado
pelos sectores internacionais mais retrógrados, que alimentavam uma “autenticité” que
apenas servia à clique de Mobutu e ao tribalismo em relação ao qual essa clique
vegetou, assim como àqueles que por causa disso, beneficiavam da exploração
desenfreada das riquezas de África, tornando o Congo “um corpo inerte onde
cada abutre vinha depenicar o seu pedaço” (1992 – 2002).
3
– Foi legítima a consciência africana assumir com inteligência, clarividência,
coragem e determinação a sua liberdade, perante tão execráveis propósitos que
persistiam no continente no rescaldo da IIª Guerra Mundial e essa legitimidade
tornou justas as lutas armadas que se tiveram sucessivamente de se travar em
Angola entre 1961 e 2002, apesar de tantos obstáculos e sacrifícios.
Nem
todos chegaram ao mesmo tempo a essa compreensão em África, constituindo-se
nesse sentido o Movimento de Libertação numa autêntica vanguarda ideológica, de
armas na mão e por isso o primeiro Presidente de Angola afirmava que o “MPLA
é a vanguarda do povo angolano”, mas as vanguardas legítimas devem ser autoras
de paz no seu rumo e por isso chega-se sempre a uma altura que a cultura da paz
deve ser compreendida pela esmagadora maioria, até por que só assim se poderá
construir também a identidade nacional.
A
paz alcançada pelo Movimento de Libertação em África, é o resultado de sua
própria maturidade e da sequência lógica do seu rumo.
É
por essa razão que essa legitimidade atraiu no mundo tantos aliados e também
imensa compreensão: no fundo a aspiração à liberdade, faz intrinsecamente parte
de toda a humanidade e a IIª Guerra Mundial foi uma experiência que
possibilitava o virar de página face ao fascismo, ao colonialismo e às opções
retrógradas do “apartheid”, bem como de suas próprias sequelas e mesmo os
poderes “cristãos e ocidentais” que a seu tempo não o entenderam,
sabem hoje que está a ser efectivamente assim, a começar pelas transformações
progressistas na América Latina e no próprio Vaticano!
Imagem: Mapa
do Mundo antigo: será por acaso que África era representada bem no seu centro e
com seus contornos tão perfeitos?