domingo, 17 de janeiro de 2016

O PORTUGUÊS DEVORA-SE A SI MESMO




A ambição da língua portuguesa é poder ser falada sem necessidade de abrir a boca. A manter-se a tendência, chegará um tempo em que será incompreensível até para os próprios portugueses.

Os portugueses costumam estranhar que compreendam sem dificuldade o português falado no Brasil e o espanhol, mas que brasileiros e espanhóis não sejam capazes de perceber o português de Portugal. Esta falta de reciprocidade é, muitas vezes, atribuída, ao “jeito natural para as línguas” dos portugueses (um atributo imaginário que faz parte da nossa auto-imagem) e a uma suposta incapacidade congénita de brasileiros e espanhóis para compreenderem e se expressarem noutras línguas.

Mas se fizermos um pequeno esforço de abstracção e distanciamento e nos ouvirmos de forma analítica, emerge uma explicação mais plausível: a pronúncia do português falado tende a ser impenetrável. Em contraste com o português do Brasil e o espanhol, a maior parte das sílabas do português de Portugal são fechadas e os “s”, em vez de sibilarem, soam como “ch” e “j” (o que os brasileiros pronunciam como “áss óbráss”, nós pronunciamos como “ajóbraje”).

O website do Instituto Camões, ao comparar a fonética das pronúncias do português dos dois lados do Atlântico, indica que “a mais notória diferença em relação ao Português do Brasil diz respeito às vogais não-acentuadas que são muito mais audíveis no Português Brasileiro do que no Europeu, sendo, nesta variedade, muito reduzidas, o que leva, por vezes, à sua supressão. Esta característica do Português Europeu tem como consequência que os estrangeiros compreendem melhor a pronúncia de um brasileiro do que de um português, sentindo, neste último caso, que a língua parece ter só consoantes”. Como pode um brasileiro perceber que o som “froch” emitido por um português corresponde à palavra “feroz”, que do outro lado do Atlântico se pronuncia como “féróiss”?

Quando um grupo de portugueses se desloca ao estrangeiro, alguém que os ouça falar entre si e não tenha familiaridade com o português, é tentado a atribuir-lhes origem, não latina, mas eslava. A sugestão poderá parecer tonta, mas a inaudibilidade das vogais e a abundância dos sons “j” e “ch” explica a confusão.

A ponte que une a ilha de Krk ao continente é sólida, apesar de na sua construção não terem sido usadas vogais

Um dos momentos mais inspirados do website de fake news The Onion surgiu no rescaldo dos conflitos nos Balcãs, com o anúncio pelo Presidente Clinton de uma operação humanitária de emergência na Bósnia, consistindo no envio de dois C-130 que iriam fazer o lançamento de 75.000 vogais, de maneira a tornar os nomes locais mais fáceis de pronunciar. Com efeito, a toponímia e a onomástica da ex-Jugoslávia são avaras em vogais: na Croácia temos a ilha de Krk, na Bósnia-Herzegovina encontramos a cidade de Brčko e as aldeias de Crnač, Crveni Grm, Crveno Brdo, Dvrsnica, Podcrkvina, Trnčići, Tršće e Tvrtkovići, e, claro, a Republika Srpska, a entidade sérvia da Bósnia-Herzegovina. A onomástica bósnia também é parca em vogais: na Idade Média houve dois reis bósnios com o nome de Tvrtko e, em tempos mais recentes, há a assinalar um futebolista chamado Tvrtko Kale, que quando foi jogar para Israel mudou, compreensivelmente, o nome para Dreshler Kale.

No servo-croata há vocábulos como “crkva” (igreja), “mrkva” (cenoura) “trg” (mercado), “žrtva” (vítima) ou “opskrbljivač” (fornecedor); a língua checa tem “zmrzlina” (gelado), “smrt” (morte), “prst” (dedo) ou “čtvrtek” (quinta-feira); o eslovaco, que partilha muito vocabulário com o checo, tem “štvrt” (um quarto – no sentido de 1/4) ou “prš” (chuva), podendo revelar-se, no modo imperativo, de uma secura desencorajante, com “vrč” (rosna), “plň” (enche), “strč” (põe ou coloca) e “mlč” (cala-te).

Assim, diz-se “parlijmo” por “paralelismo” e “perlema” por “problema”. Mais uns anos por esta senda e “paralelismo” e “problema” ficarão reduzidos a “prljmo” e “prlma”

Mas o caso de Portugal é bem diferente: dificilmente poderia mobilizar-se uma operação internacional de fornecimento de vogais a um país que as possui em abundância mas faz pouco caso delas e até suprime sistematicamente sílabas, sobretudo quando as palavras são longas. Assim, diz-se “surjão” por “cirurgião”, “dzenvlemento” por “desenvolvimento”, “eletsista” por “electricista”, “chtrordnário” por “extraordinário”, “lejlação” por “legislação”, “majtratura” por “magistratura”, “parlijmo” por “paralelismo”, “perlema” por “problema”, “persamento” por “processamento”, ou “sialista” por “socialista”. Mais uns anos por esta senda e “paralelismo” e “problema” ficarão reduzidos a “prljmo” e “prlma”.

O fenómeno é agravado pela voga de descartar a acentuação que distingue, na 1.ª pessoa do plural dos verbos da 1.ª conjugação (terminação em “ar”), o pretérito perfeito do presente e que leva a que se diga “Ontem jantamos muito tarde”, ou “Tratamos desse assunto na reunião da semana passada”. O inenarrável Acordo Ortográfico de 1990 (AO90), invocando este uso oral cada vez mais generalizado, aproveitou para tornar facultativo o uso do acento agudo nesta situação. Daqui resulta que a frase “matamos o cão” passa a designar, indistintamente, algo que aconteceu (quiçá por acidente) e aquilo que decidimos fazer agora, o que dá ideia da confusão adicional que estes usos e estas “regras facultativas” trazem à forma nebulosa como comunicamos.

Os entusiastas do AO90 alegam que o acordo tornará mais fácil a aprendizagem do português, o que não só é um argumento falacioso (para atingir esse fim melhor seria apostar no Português Simplificado para SMS, expurgado das irregularidades, complexidades e idiossincrasias que fazem parte da natureza de cada língua), como não toma em consideração que, com ou sem acordo, o sério obstáculo para os estrangeiros é depararem-se com uma língua que soa frequentemente como móveis a serem arrastados ou papel a ser amarrotado.

Paisagem de Trájmontj, região que ao contrário do que a sonoridade do nome sugere, não fica na Bósnia

Mas ao mesmo tempo que se assiste à tendência geral de fechamento das vogais átonas, há muitas pessoas a acentuar sílabas que não o deveriam ser: assim, temos “águarela” (por afinidade com “água”), “alárgamento” e “lárgura” (por afinidade com “largo”), “alértar” (por afinidade com “alerta”), “corrétores da bolsa” (por confusão entre correcção e corretagem), “cósmopolita” (por afinidade com “cosmos”), “cóveiro” (por afinidade com “cova”), “ensáiar” e “ensáista” (por afinidade com “ensaio”), “entusiásmado” (por afinidade com “entusiasmo”), “envélhecimento” (por afinidade com “velho”), “géstual” (por afinidade com “gesto”), “históriadores” (por afinidade com “história”), “letárgia” (por afinidade com “letárgico”), “máquinista” (por afinidade com “máquina”), “méstrádo” (por afinidade com “mestre”), “páctuar” (por afinidade com “pacto”), “resérvistas” (por afinidade com “reserva”), “rótulagem” (por afinidade com “rótulo”), “táxista” e “táxímetro” (por afinidade com “táxi”), ou “vétar” (por afinidade com “veto”). Estas pronúncias são usadas regularmente pela elite culta que domina os media (locutores de rádio e TV, jornalistas, políticos, comentadores, académicos, empresários, sindicalistas, artistas, escritores) e não representam regionalismos nem dizem respeito a grupos da sociedade com menor instrução – aqueles que por vezes são ridicularizados por dizerem “drógádos”.

Se nos exemplos acima é possível discernir o que terá induzido a acentuação aberrante, outros há que parecem ser aleatórios: é o caso de “águentar”, “Bábel”, “báctéria”, “drácôniano”, “máquilhar” e “máquilhagem”, “plátaforma”, “prótagonistas”, “réssurreição”, “rétórica”, “sóviético”, “subsérviência” e “véxar”, “véxame” e “véxatório”. “Hepatite” ganha dois acentos bem sonoros e transforma-se em “hépátite”, o que poderá explicar a dificuldade em combater a doença: a medicamentação para a “hépátite” talvez seja ineficaz contra a “hepatite”. No campo da saúde, regista-se também um “chtrórdnário” aumento da incidência das “álérgias”, o que se deve não só aos pólenes que andam pelo ar, mas também a acentos que andam a pairar e poisam onde menos se espera . Outra palavra agraciada com dois sonoros acentos caídos do céu é “máriónétas” – mas sendo as marionetas, por definição, inertes e destituídas de iniciativa própria, é natural que não reclamem.

A importância do “flectómetro”

Todavia, a tendência dominante é, indiscutivelmente, no sentido do fechamento e é previsível que o AO90, ao decretar a supressão das consoantes (supostamente) mudas que desempenham a função de abrir a sílaba, venha intensificar o processo de fechamento. O efeito poderá não afectar imediatamente as palavras de uso quotidiano (como “afetar”), mas as crianças e adolescentes com cultura pouco vasta que sejam confrontados com palavras menos frequentes como “manufaturas” ou “intercetores”, não as pronunciarão como “manufáturas” e “intercétores”. E até os mais crescidos e cultos, quando se depararem com um “fletómetro” pronunciá-la-ão sem acentuar a primeira sílaba, pois não saberão que tal vocábulo se grafava originalmente como “flectómetro”.

Não faltam casos documentados noutras línguas em que as alterações na ortografia induziram alterações na pronúncia. Veja-se o que aconteceu na Inglaterra seiscentista, quando a paixão pelos clássicos latinos levou a um processo inverso àquele que o AO90 advoga: a reintrodução de consoantes, presentes nos étimos latinos, nos vocábulos ingleses recebidos do latim através do francês, onde essas consoantes já não estavam presentes. Assim, a palavra inglesa “aventure” transformou-se em “adventure”, “dette” em “debt”, “doute” em “doubt”, “iland” em “island”, “perfet” em “perfect”, “receit” em “receipt”, “verdit” em “verdict”. O resultado foi que as consoantes (supostamente) mudas introduzidas passaram, pouco a pouco, a ser pronunciadas (com excepção do “s” em “island” e do “b” em “debt”).

É intrigante que o Prof. Malaca Casteleiro, um dos pais do AO90, manifeste publicamente a sua inquietação e desagrado face ao fechamento progressivo da pronúncia do português de Portugal e, ao mesmo tempo, tenha contribuído decisivamente para criar e pôr em prática um acordo ortográfico que agravará esse fenómeno.

Não menos intrigante é o critério que permitiu decidir, à luz do AO90, se uma consoante é muda: há muitas pessoas a pronunciar o “c” de “erecção” e “espectro”, ou o “p” de “acepção”, “apocalíptico”, “céptico” e “Egipto”, embora o AO90 tenha entendido que estas consoantes são mudas. Terá a insigne Academia efectuado um abrangente e rigoroso inquérito fonético junto da população de forma a determinar, palavra a palavra, se há alguma consoante que não é pronunciada? E nesse caso, qual a percentagem de falantes que determina a preservação ou supressão de uma consoante? Bastará uma maioria simples de 51% ou será necessária uma maioria qualificada de 2/3? Ou será que se decidiu tudo em petit comité, ou apenas atirando uma moeda ao ar? Seja como for, subjacente a tal tomada de decisão estaria sempre uma simplificação grosseira: a de presumir que uma consoante ou é pronunciada clara e sonoramente ou é completamente omitida, quando, em português, como noutras línguas, existem, entre os dois extremos, várias gradações.

Como se não bastasse a Grande Esfinge de Gizé ter ficado sem nariz, também o Egipto perdeu o “p”

Por outro lado, é revelador confrontar a obsessão do AO90 em eliminar letras que não se pronunciam com o que se passa noutras línguas. Os falantes de inglês não pronunciam o “p” inicial nas muitas dezenas de palavras correntes começadas por “ps”, como “psychology”, “psoriasis” ou “pseudonym”, nem os “s” finais de “Illinois” e “Arkansas”, nem o “ps” de “corps”, nem os “gh” de “eight”, “fight”, “Hugh”, “right”, “though”e “tight”, mas não parecem incomodados por estas letras supranumerárias. No dinamarquês há muitas situações em que os “d” e os “g” são apenas aflorados ou são completamente silenciosos. O francês não só regurgita de consoantes não pronunciadas (nomeadamente “s” e “t” no fim de palavras) como usa as letras de forma francamente perdulária e é de crer que se os arquitectos do AO90 obtivessem carta branca para “aperfeiçoar” a língua de Molière, teríamos “client” convertido em “cliã”, “droit” em “druá”, “mot” em “mô” e “français” em “francé” – uma formidável poupança de tempo e tinta.

Claro que não é o lastro de consoantes (supostamente) mudas que dificulta a aceitação de uma língua nas instâncias internacionais ou constitui empecilho à sua aprendizagem. Mas enquanto há quem se preocupe em introduzir um extenso quadro de alterações arbitrárias, inconsistentes e ruinosas destinadas a resolver dificuldades e incompatibilidades que nunca existiram, o desleixo generalizado na pronúncia do português vai fazendo estragos sérios: é no fechamento sistemático das sílabas átonas e na subsequente compactação das palavras do português de Portugal que está o principal “perlema”.


Brasil. PSDB ABANDONA JOSÉ SERRA, O CALOTEIRO!



Altamiro Borges

A mídia golpista bem que tentou apresentar o PSDB como um partido unido e prestes a assumir o comando do Brasil no caso do impeachment da presidenta Dilma. Mas a versão teatral, que só iludiu os midiotas, não durou muito tempo. A cada semana surge um fato novo que mostra que a legenda não tem unidade, nem projeto e nem princípios. As bicadas são sangrentas no ninho tucano. Nesta semana, a Folha deu mais uma prova desta guerra fratricida. Reportagem de Catia Seabra e Thais Arbex, publicada nesta sexta-feira (15), escancara que “tucanos se recusam a pagar dívida de campanha de R$ 17 milhões de Serra”. O texto mostra que não é uma simples represália ao caloteiro e eterno candidato do PSDB.

“Numa antecipação da briga interna pelo direito de concorrer à Presidência em 2018, o comando do PSDB se nega a pagar a dívida de R$ 17,1 milhões da campanha de José Serra à Prefeitura de São Paulo, em 2012. A queda de braço entre Serra, Aécio Neves (MG) e Geraldo Alckmin (SP) – potenciais candidatos ao Palácio do Planalto – já chegou à Justiça. Patrocinado por Alckmin, o presidente do PSDB de São Paulo, deputado Pedro Tobias, não reconhece o passivo como do diretório estadual. Sob comando de Aécio, o PSDB nacional, por sua vez, se recusa a assumir o rombo”. Na prática, o caloteiro José Serra foi simplesmente rifado pelos comandos nacional e estadual da legenda. Haja unidade!

Ainda de acordo com a matéria, “desde 2012, quando foi derrotado pelo prefeito Fernando Haddad (PT), Serra pede ajuda a Alckmin… Tobias alega que o braço paulista do partido não pode ajudar porque está com seu fundo partidário bloqueado pela Justiça Eleitoral desde junho de 2014. A empresa Campanhas Comunicação – do jornalista Luiz González – tenta derrubar esse argumento na Justiça. Responsável pela comunicação da campanha de Serra em 2012, a agência levará ao Tribunal de Justiça o balanço patrimonial do PSDB de 2014 como prova de que, em dezembro daquele ano, havia dinheiro em caixa para quitar sua dívida, cujo valor original era de R$ 8 milhões”.

“Em dezembro de 2012, depois da derrota de José Serra, a executiva estadual aceitou assumir a dívida, apesar da oposição de Tobias e de César Gontijo, à época secretário-geral do diretório paulista. ‘A principal característica do PSDB é a responsabilidade fiscal. Ela não se aplica só à gestão pública, mas também às finanças do partido. Por isso fomos e somos contra até hoje’, diz Gontijo. Assim que assumiu o partido, em julho de 2014, Tobias suspendeu o acordo para pagamento da dívida, sem juros, em 25 parcelas. A última prestação foi paga em agosto daquele ano. Desde outubro de 2015, os dirigentes tucanos – à exceção de Serra – não atendem aos telefonemas de González”.

Na briga entre os tucanos bicudos, sobrou para o publicitário. O problema não é de recurso, já que o próprio partido admite que mantém a grana em títulos financeiros. A questão é de disputa de poder. Os três caciques do PSDB disputam a vaga de presidenciável para 2018. O cambaleante Aécio Neves, com seus métodos truculentos, hoje domina a máquina partidária. Ele nunca escondeu o seu ódio aos tucanos paulistas. Estes, por sua vez, nunca se entenderam. Agora mesmo eles estão em guerra pela escolha do candidato da sigla à prefeitura de São Paulo. Geraldo Alckmin adotou o empresário-picareta João Doria; e José Serra briga pela candidatura de Andrea Matarazzo, o postulante das “abotoaduras de ouro”.

As bicadas tendem a ficar cada vez mais sangrentas. Já circulam boatos, inclusive, de que alguns tucanos poderão abandonar o ninho. O caloteiro José Serra teria entabulado negociações com o PMDB e o “socialista” Geraldo Alckmin poderia ingressar no PSB. Na sua cavalgada golpista pelo impeachment de Dilma, sem unidade, sem projetos e sem princípios, o PSDB poderá até implodir no próximo período. A conferir!

Blog do Miro. – em Desacato - Imagem: https://pixabay.com/es/

Brasil. E SURGE O CINEMA…



Trazido pelo empresário Francisco de Paola e seu sócio Dawison, no dia 4 de novembro de 1896, o Cinematografo teve sua primeira apresentação, na capital gaúcha, na Rua da Praia - atual Rua dos Andradas- nº 349. A exibição das imagens, em movimento, deixou o público presente perplexo diante da novidade, que se transformaria na sétima arte.  A exibição se deu quatro meses após a sua estreia no Rio de Janeiro.

As primeiras imagens eram vistas panorâmicas, que retratavam as belezas naturais e registros de eventos públicos, como procissões, acontecimentos políticos de outros locais fora do nosso Estado. Em 26 de fevereiro de 1901, o Correio do Povo anunciou a apresentação doCynematographo, com exibições diárias, no Teatro São Pedro. Embora as críticas da elite conservadora, as exibições continuaram  até o ano de 1909   

Em 20 de maio de 1908, foi aberta ao público a nossa primeira sala de cinema, o Recreio Ideal, na Rua dos Andradas, em frente à Praça da Alfândega.  O local era propriedade de José Tours, que representava uma fabrica espanhola de aparelhos cinematográficos.  A notícia da inauguração foi publicada no  Correio do Povo. Segue a transcrição :

"Recreio Ideal –  “Como noticiamos, realisou-se hontem, a funcção que o senhor Tous, proprietário do Recreio Ideal, dedicára á imprensa. O salão está muito bem preparado e tem grande número de cadeiras. O apparelho cinematographico é, sem dúvida, o melhor que, até agora, veiu a esta capital, não se notando nas projecções a minima trepidação. Todas as fitas exhibidas agradaram, immensamente, sobretudo as que reproduziam a chegada de Elihu Root, ao Rio de Janeiro, diversos lindos trechos dessa capital e os funerais del-rei d.Carlos e do principe real d.Luiz Felippe.

Hoje, o público poderá gosar das diversões do Recreio Ideal, que funcciona á rua dos Andradas n. 321." ( Correio do Povo , 21 /05/1908).


No dia 27 de março de 1909, data oficial do cinema gaúcho, foi exibido o primeiro filme de ficção no Rio Grande do Sul, cujo título é ‘Ranchinho do Sertão’. O pioneirismo do cinema gaúcho nos remete aos nomes de Eduardo Hirtz, Francisco Santos, Carlos Comelli, Laffayete Cunha, Emílio Guimarães, entre outros. 

Em 29 de novembro de 1913, foi inaugurado o primeiro cineteatro de Porto Alegre, o  Guarany,   que  se localizava na Rua dos Andradas,  em  frente  à  Praça da Alfândega,  em um prédio  projetado pelo arquiteto alemão Theo Wiederspan (1878 -1952).  Atualmente, esse prédio está sendo restaurado e constitui-se em patrimônio histórico.

Até o ano de 1927, as películas eram mudas.  O primeiro filme sonoro no mundo, O cantor de jazz,  foi exibido em 06 de outubro de 1927. Seu criador foi americano Alan Crosland, que se baseou numa peça de Samson Raphaelson.

No Brasil, o primeiro filme sonoro foi a comédia "Acabaram-se os otários" (1929), de Luiz de Barros.  O musical "Coisas nossas", de 1931, de Wallace Downey, era  cantado em português, com artistas brasileiros.  Infelizmente, restou-nos apenas o registro sonoro em oitos discos, que perfazem sete partes, faltando uma da sequencia original. Este material foi identificado pelo pesquisador Jesus Pfeil no Museu da Comunicação Hipólito José da Costa e, felizmente, foi recuperado pelo técnico Flávio Richiniti. 

 No ano de 1940, estreou Cachorricídio, o primeiro filme sonoro do Rio Grande do Sul, produzido pela Leopoldis Som. O músico e radialista Antônio Francisco Amábile (1906-1956) atuou como ator principal, além de ter escrito o script e ser o responsável pela parte musical.

O nosso cronista Achyles Porto Alegre (1948-1926) se inquietava em relação às novas formas de divertimento do início do século 20.  Em sua opinião, os espaços fechados, destinados a sociabilidades públicas, eram locais frequentados pela “arraia miúda”, como o cinema que considerou um instigador de maus costumes. Embora as críticas do nosso cronista e da Igreja, a partir do final da década de 1910, o cinema se expandiu e atraiu o público para as salas de exibição, tornando-se a expressão genuína da modernidade, pois influenciou no comportamento social, por meio da propaganda de produtos voltados à beleza, à moda e ao consumo de bebidas e cigarros. Enfim, criou-se uma cultura cinematográfica. 

*Pesquisador e Coordenador do Setor de Imprensa do Musecom* / Porto Alegre / RS/ Brasil

Bibliografia:
CONSTANTINO, Núncia Santoro de.  A Conquista do Tempo Noturno: Porto Alegre "Moderna". Estudos Ibero-Americanos, Porto Alegre, v. XX, n.2, p. 65-84, 1994.
MATTOS, Carlinda M. Fischer.  Cinema e Memória no Rio Grande do Sul. In: “Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa – 30 anos”. Porto Alegre: CORAG, 2004.
PFEIL, Antônio Jesus. Cinematógrafo e o Cinema dos Pioneiros (1995).
TRUSZ, Alice Dubina.  Entre Lanternas Mágicas e Cinematógrafos.  São Paulo: Terceiro Nome, 2010.

Imagens :
1 - Cinematographo Lumiére /  
2- Vista da rua dos Andradas, em frente à praça da Alfândega. Nesse local (nos prédios à esq.) foram apresentados  os primeiros filmes em Porto Alegre.
3- Local do Cine Recreio Ideal, ao lado do prédio do Cine-teatro Guarany
4 - Francisco de Paola o empresário que introduziu o Cinema em Porto Alegre

- Reeditado em 18.01.2016 às 12:35

O AMOR RIGOROSO QUE FAZ REMOVER MONTANHAS




1 – Na luta contra o colonialismo do Estado Novo em Angola, precisamente por causa das imensas riquezas do país, houve várias questões que diziam já respeito às convicções que estavam presentes no tabuleiro africano e deixou muitas vezes confundida a própria OUA, entre elas o que dizia respeito efectivamente ao Movimento de Libertação e o que ficava preso ao etno-nacionalismo.

Foi por isso muito mais difícil à OUA compreender o que se passava em Angola, do que compreender o que se passava na Guiné Bissau, em Moçambique, em Cabo Verde ou em São Tomé e Príncipe.

A incessante busca pela unidade e coesão era uma questão fulcral para o Movimento de Libertação e continua a sê-lo hoje, devido às dificuldades em criar a identidade nacional, apesar de Angola nesse aspecto ter condições humanas distintas em relação ao continente, que uma vez mais se revelaram com o Censo Populacional e Habitacional realizado em 2014: a esmagadora maioria de sua população vive longe das fronteiras!

Essa busca pela unidade e coesão, era já uma medida prática de contra inteligência que entidades eventualmente agenciadas pelos serviços de inteligência dos estados retrógrados tinham muita dificuldade em enfrentar.

A presença de etno nacionalismos em Angola, ao contrário das outras colónias como a Guiné Bissau e Moçambique, possibilitou a superação do Movimento de Libertação em termos de unidade e coesão em torno do líder, uma dificuldade maior dos serviços de inteligência dos países retrógrados, pois não o conseguirem abater como aconteceu com Eduardo Mondlane (3 de Fevereiro de 1969) líder da FRELIMO, Amílcar Cabral (20 de Janeiro de 1973) líder do PAIGC e, mais tarde, em outras circunstâncias e com outros meios, Samora Machel (9 de Outubro de 1986) Presidente de Moçambique!

Podiam ir tentando dividir, podiam até provocar revoltas (como a “Revolta Activa”, ou a “Revolta do Leste”), mas a unidade e coesão em torno do líder foi garantida pelo Presidente Agostinho Neto no tempo das guerrilhas e depois da independência proclamada, no seu entorno e é isso que se tem de procurar garantir com o Presidente José Eduardo dos Santos, mais ainda agora com a construção da paz, a possibilidade do aprofundamento da democracia e a necessidade de luta contra o subdesenvolvimento, apesar dos impactos nefastos do capitalismo neo liberal e das políticas de ingerência e manipuladoras levadas a cabo pela potências e entidades multinacionais que alinham no quadro da hegemonia unipolar.

A descolonização de Angola foi assim um processo turbulento em 1975 que se arrasta afinal até aos nossos dias com guerra ou com paz, algo que ainda se prolongará e não se reduz às formalidades, antes passa pela amplitude da antropologia cultural com que se debate Angola, África e a humanidade, onde o vigor da luta contra o subdesenvolvimento está hoje efectivamente à prova enquanto prioridade e é parte integrante da lógica com sentido de vida, por que razões de sobrevivência colocam-se ainda a todos os países que compõem a cauda dos Índices de Desenvolvimento Humano, maioritariamente africanos, Angola incluída!

Na situação de paz, de aprofundamento da democracia e de luta contra o subdesenvolvimento, inventariarem-se e entenderem-se as razões profundas da guerra e da paz, do rumo que o Movimento de Libertação em África transmite hoje a Angola e a África por via da lógica com sentido de vida, bem como das causas profundas que animaram os mentores das correntes mais retrógradas e de como eles o fizeram, torna-se um interesse de primeiro plano, para a salvaguarda das conquistas que podem possibilitar o renascimento africano!
  
2 – No período colonial os aliados dos angolanos do Movimento de Libertação em África distendiam-se, desde os países socialistas, aos comités de apoio disseminados por todo o mundo, às entidades mais progressistas do continente.

Em África foi um Presidente como Julius Nyerere que mais se distinguiu na percepção da luta armada que se havia de travar contra o colonialismo e o neo colonialismo e não é por acaso a sua experiência socializante na Tanzânia, nem o prestígio enquanto alfobre progressista da Universidade de Dar es Salam, nem o facto da efémera guerrilha do Che no Congo, entendido como o fulcro de África, ter partido do leste do Lago Tanganika!

O Che experimentou no Congo o que era um etno nacionalismo, mas essa experiência traumática possibilitou a Cuba Revolucionária, através da IIª coluna do Che (em Brazzaville), reforçar o Movimento de Libertação em África e multiplicar os Vietnames heróicos que fizeram face ao colonialismo, ao “apartheid” e às suas sequelas.

O Presidente Julius Nyerere conseguiu perceber o jogo das inteligências das potências, colectar aliados para a causa da Libertação em África e alimentar correntes progressistas pelo menos no continente, na América Latina e na Europa!

Foi por vezes um advogado solitário do Movimento de Libertação em África, um advogado que teve a persistência e a paciência de esperar por outros que só depois chegariam ao nível de sua consciência, compreensão e dimensão progressista.

3 – A revolução cubana por seu turno, que tanto bebeu em sua história de ensinamentos do que à escravatura, colonialismo e neocolonialismo dizem respeito, foi a partir de fora do continente a aliada principal do Movimento de Libertação em África, a ponto do Che, que mantinha a necessidade da luta por via do fulcro (de acordo inclusive com o contacto tido com o MPLA a 2 de Janeiro de 1965, fez agora 51 anos), ser afinal também um dos maiores expoentes da Tricontinental!

Criar “dois, três Vietnames”, proclamava ele com toda a legitimidade de quem se identificava com os povos oprimidos de todo o Mundo.

Em África, em relação ao colonialismo e ao “apartheid” foi com os “Vietnames” que o anacronismo retrógrado e fascizante foi derrotado, quanto mais não fosse em função do “síndroma do Vietname”que teve efervescência nas sociedades sujeitas aos poderes mais teimosos e despóticos, assim como por dentro até dos seus instrumentos mais perversos de poder!

A Revolução Cubana, que foi isolada na América Latina face à Operação Condor e à emergência das ditaduras e das oligarquias agenciadas pelo império, encontrou nos anos decisivos da década de 70 e 80 do século passado e em África, uma das expressões mais convincentes de sua inteligência, solidariedade e internacionalismo!

Nem Salazar (depois Marcelo Caetano), nem Ian Smith, nem os Botha, nem Mobutu, nem Savimbi, cada um a seu modo, foi invulnerável ao “síndroma do Vietname” nos respectivos espaços geo-sócio-políticos e isso deveu-se imenso à aliança, que soube cultivar unidade e coesão, do Movimento de Libertação em África e da Revolução Cubana, o mais activo dos Não-Alinhados em relação ao continente-berço!
  
4 – Em Portugal foi assim com o 25 de abril de 1974 e o Movimento das Forças Armadas, cujos membros, duma forma geral, acabaram por perceber o que dizia respeito ao Movimento de Libertação em África e o que dizia respeito ao etno nacionalismo, especialmente no caso angolano, até pela leitura interna que tiveram de fazer em relação à evolução da situação em Portugal, a ponto de terem de afastar o General Spínola dos mecanismos de poder!

 A derrota do General Spínola foi nesse sentido uma expressiva vitória (ainda que efémera) das forças progressistas do MFA e da sua clarividência no ambiente sócio-político português da época!

Por outro lado, o Movimento das Forças Armadas Portuguesas, percebeu também que as doutrinas de contra insurreição resultantes de abordagens estruturalistas dos fenómenos, ao não levarem em consideração a dialéctica inerente às sociedades humanas, faziam parte da decadência dos conceitos retrógrados e residuais, na Europa e em África, do fascismo, do colonialismo, do“apartheid” e de suas sequelas.

Na América Latina, com a avaliação séria da Operação Condor e do carácter das ditaduras disseminadas nas décadas de 70 e 80 do século passado, os progressistas identificaram e isolarem as doutrinas, as ideologias e as práticas ultra conservadoras de que faziam uso o império e as oligarquias agenciadas, contrapondo por dentro da Igreja Católica e Apostólica Romana a Teologia da Libertação, que hoje se faz sentir como um potencial de renascimento das amplas capacidades progressistas na América Latina e do próprio Vaticano, conforme ao Papa Francisco, originário da Argentina, a mesma pátria do Che!

Essa possibilidade foi entendida pela vanguarda revolucionária cubana sob a direcção do Comandante Fidel (que tirou sabiamente muitas lições do empenho internacionalista em África), assim como pelo esclarecido líder Comandante Hugo Chavez, criador do Partido Socialista Unificado da Venezuela numa plataforma que aproveitou coligações com sectores marxistas do país, um dos criadores da integração progressista na América Latina e um dos impulsionadores da Revolução Bolivariana! 

Fotos:
- Ainda sob os olhos silenciosos de Agostinho Neto;
- General Giap e Ho Chi Min, heróis da humanidade;
- O Comandante Fidel bebeu no Vietname a sabedoria pela Libertação dos Povos, no ambiente conturbado da Guerra Fria.

Angola. Presidente pede concertação mundial para enfrentar desafios da humanidade



José Eduardo dos Santos discursou na habitual cerimónia de cumprimentos de ano novo do corpo diplomático acreditado em Angola.

O presidente defendeu na sexta-feira em Luanda a concertação mundial como solução para os actuais problemas da humanidade, em especial a queda dos preços das matérias-primas, como o petróleo.

José Eduardo dos Santos discursava na habitual cerimónia de cumprimentos de ano novo do corpo diplomático acreditado em Angola.

De acordo com José Eduardo dos Santos, a baixa dos preços das matérias-primas, em particular do preço do petróleo no mercado internacional, constitui hoje “um dos factores recentes que mais afecta, negativamente, os esforços de recuperação dos países subdesenvolvidos e de desenvolvimento médio”.

Ao descrever a situação do país, o presidente disse que Angola permanece estável do ponto de vista político e social, mas no plano económico, atravessa hoje desafios maiores devido à incerteza dos preços das matérias-primas no mercado internacional.

A nível regional, o presidente lembrou que Angola cumpriu com grande empenho o seu mandato de dois anos como presidente da Conferência Internacional da Região dos Grandes Lagos, contribuindo para a resolução ou início de solução dos conflitos que afetam vários países.

Acrescentou que Angola assume em Março deste ano a presidência do Conselho de Segurança das Nações Unidas, e tudo fará, no que estiver a seu alcance, para que corresponda às expectativas depositadas ao país, na gestão dos assuntos que constam na agenda da ONU.

O Chefe de Estado sublinhou que o mundo atravessa um período de crise económica e financeira, agravada pela proliferação de conflitos e guerras locais e sub-regionais, de que decorre, consequências humanitárias e materiais graves.

Segundo José Eduardo dos Santos, é urgente uma solução abrangente e inclusiva para se pôr fim a esses conflitos, nomeadamente os do Médio Oriente e a intensificação do terrorismo, para se viabilizar a estabilidade de toda a região e remover a causa principal do aumento do número de refugiados que afluem o continente europeu.

“Por outro lado, os conflitos candentes que continuam a existir em África são a principal preocupação dos povos deste continente, tanto as Nações Unidas como a União Africana devem continuar a dedicar especial atenção às crises na Líbia, Mali, República Centro-africana, Sudão, Sudão do Sul, Somália e Burundi”, frisou o presidente.

Lusa, em Rede Angola – Foto: Francisco Bernardo / JAImagens

ROTA AFRICANA DA AL-QAEDA PASSA TAMBÉM POR ANGOLA



Nota prévia. Este texto de Eugénio Costa Almeida, um dos mais reputados especialistas em questões africanas, data de 26 de Setembro de 2005 e foi publicado no Notícias Lusófonas. A questão do terrorismo, também em África (ver o mais recente caso do ataque a um hotel em Ouagadougou, capital do Burkina Faso), é mais do que actual, como é há muito conhecida. Daí a importância deste texto.

“Aquestão islâmica tem sido largamente debatida em Angola, havendo quem questione das vantagens do aparecimento e proliferação de mesquitas em Luanda e em algumas outras cidades angolanas

O Semanário Angolenese (SA), sob o título ”As pegadas de Al Qaeda em Angola” traz na primeira página como Manchete a passagem e, ou, fixação de elementos ligados à Al Qaeda em Angola, nos últimos anos, em grande parte devido não só à sua extensa e vulnerável fronteira nacional mas também por causa na aproximação, cada vez maior – e compreensível e desejável – aos norte-americanos e ao mundo ocidental.

De certa forma na linha do que uma investigação do Notícias Lusófonas que, em Fevereiro 2003, titulava em Manchete: “Iraque e Al-Qaida recrutam mercenários em todo o lado”, alertando para o recrutamento de angolanos e portugueses por pessoas afectas a Saddam Hussen e Bin Laden para a elaboração de “alguns serviços” e “levar algumas encomendas para pontos estratégicos da Europa”. Mas não é só Angola onde os fundamentalistas islâmicos estão sedeados.

Este semanário relembra, ainda, as células fundamentalistas descobertas em países como Argélia, Chade, República Democrática do Congo, Djibouti, Egipto, Guiné-Bissau, República da Guiné-Conacry, Líbia, Mali, Mauritânia, Nigéria, Somália, Sudão, Tanzânia e Tunísia.

Relativamente à Somália, o Diário de Notícias, na edição de domingo de 25 de Setembro passado, refere que 7 elementos terão sido detidos na auto-proclamada República Somalilândia (no Norte do país) e que outros dois suspeitos estarão em fuga algures na localidade de Hargeisa, a auto-proclamada capital.

Ainda segundo o SA, alguns dos eventuais elementos suspeitos de pertencerem a Al Qaeda, embora de ascendência árabe, são de nacionalidade brasileira e paraguaia e estarão ligados às redes do narcotráfico.

De notar que, ultimamente, a questão islâmica tem sido largamente debatida em Angola, havendo quem questione das vantagens do aparecimento e proliferação de mesquitas em Luanda e em algumas outras cidades angolanas.

Todavia, o bispo emérito da Igreja Metodista, Emílio de Carvalho, não parece preocupado com essa penetração islâmica. Para aquele bispo metodista, com larga obra publicada, nenhuma religião deve ver cerceado o seu crescimento e divulgação desde que os seus princípios religiosos e societários se pautem pelos princípios humanistas da religião e cumpram com os preceitos da sociedade onde estão inseridos. E quem diz o Islamismo, diz uma qualquer outra religião.

Mas a realidade angolana parece não ir por esse caminho.

De acordo com os meios de comunicação social angolanos, nomeadamente o citado SA e, indirectamente, o Independente – ao referir a expulsão de cidadãos nigerianos por viverem ilegalmente em Luanda –, os islamitas estarão claramente disseminados na sociedade angolana: desde o Ministério do Interior, onde trabalha um dos líderes de uma das mais fortes sociedades islâmicas do país, a Comunidade Angolana dos Muçulmanos Crentes (CAMC), fundada em 1996 por Kapeco – Benguela, Huambo, Bié, Kwanza-Sul, Lundas e Cabinda serão locais onde estará bem implantada –; a partidos políticos, como o Udpa (pertencente à Convenção Nacional Democrática de Angola que agrupa vários partidos e grupos políticos, entre eles a FNLA e o PDA), cujo presidente é José do Nascimento e o Secretário-geral é Pedro Emous, reconhecido pelo islâmico nome de Saidy os quais fundaram primeiro o Centro Islâmico de Documentação e, mais tarde, a Nahduatul Islâmico de Angola cuja finalidade principal será obter fundos para o seu partido; ou o PDP-ANA cujo presidente da Comissão de Disciplina e Controlo é Niiti Mansur e fundador da Liga Islâmica de Angola, de orientação sunita.

Mas não serão só organizações internas angolanas que fazem a transmissão directa da mensagem islâmica. Segundo pessoas ligadas à segurança interna e ao poder existem cerca de uma vintena de organizações internacionalistas em Angola.

De entre elas destacam-se:

A Associação Islâmica para o Desenvolvimento de Angola (AIDA), liderada pelo guineense Niame, que teve a sua origem na Africa Muslim Agency, uma organização xiita de origem koweitiana e liderada por um marroquino abertamente conotada com movimentos terroristas islâmicos. Nesta altura a AIDA parece estar unicamente virada para a educação e para a construção de um centro de saúde em Luanda;

A Associação Ansar Suna (AAS) fundada em 1998 por um sudanês mas, actualmente liderada por um congolês-democrático. A sua principal função é doutrinar as populações segundo princípios ultra-fundamentais islâmicos. Estão próximos dos talibans;

A Comunidade de Divulgação de Documentação da Religião Islâmica em Angola, também reconhecida por Cdria/Dawah-Angola, claramente sunita, é reconhecidamente uma organização vocacionada para a instrução militar. Tendo sido a primeira organização islâmica a operar em Angola, e sabendo que alguns angolanos estão a operar no Iraque, compreende-se como ainda se mantém operacional no país.

Mas também existem ONG’s que a coberto da solidariedade social, mais não são que organizações recrutadoras de pessoas para a islamização forçada, nomeadamente em países onde a doutrina islâmica faz parte integrante do aparelho de Estado.

Relembro que a Associação de Beneficência de Angola (ABA), de orientação sunita, foi, em tempos, referenciada como tendo sido a “fornecedora” de jovens angolanos para o Mali a fim de serem islamizados.

A maioria dos jovens, desempregada, aceita, sob a capa da formação, serem levados para outros países de onde, teoricamente, virão melhor preparados para contribuírem para o desenvolvimento nacional.

Todavia, e na prática, acabam por ser submetidos à doutrinação imperativa do Islão.

E aqui, relembro que num ensaio publicado em 2003, “Fundamentalismo Islâmico: A Ideologia e o Estado” (ed. Autonomia27) relembrava que, ao contrário do que se teria passado nos séculos anteriores, a progressão do Islamismo, quer como força religiosa, cujos princípios são credíveis e acatáveis como qualquer outra religião humanista, quer como doutrinária – e aí essa expansão poderia ser preocupante – não mais estaria contida nas suas fronteiras naturais, ou seja, no caso africano, nas florestas equatoriais. Moçambique a o caso afro-austral mais paradigmático, onde sobressai um fundamentalista islâmico, do ramo xiita, Ya-Qub Sibindy, do Partido Independente de Moçambique (PIMO) e, claramente, apoiado pela Líbia.

Recordo uma passagem do livro, inserido nas Considerações Finais, sob a presença islâmica no Continente africano. “Apesar dos significativos esforços que, conjuntamente, os dirigentes africanos, com especial destaque para os dos países do Magreb, e os europeus vêm a desenvolver, a onda fundamentalista islâmica parece longe de estar contida nas suas fronteiras geo-históricas.

Uma das medidas preconizadas por esses dirigentes, destacando-se os países da margem norte do Mediterrâneo, para a contenção dessa onda, prende-se com a melhoria de vida do povos do Norte de África, – principal região donde provém o maior foco de instabilidade integrista na Europa. – Para tanto, procuraram desenvolver as principais actividades económicas da região, no âmbito do comércio, serviços e indústrias, elevando assim o nível de vida das sociedades muçulmanas dessa região, aumentando a riqueza e reduzindo substancialmente o desemprego. Ou seja, conter esses povos na região, fixando-os nas suas terras natais. Daí que alguns países magrebinos tenham celebrado com a UE acordos preferenciais de associação e “joint-ventures” com vista ao desenvolvimento económico de certas regiões.

Igualmente diminuir a profunda dependência cultural da religião pode ser uma medida necessária e oportuna, isto, porém, sem nunca desprezar o poder histórico que a mesma tem nas sociedades islâmicas. A Sharia é, na grande maioria dos Estados muçulmanos, a Lei Fundamental do país.

Outra das medidas que os dirigentes moderados da região vêm tomando, em particular na Argélia e no Egipto, prende-se com a contenção das ideias fundamentalistas islâmicas provenientes da Líbia, Sudão e Irão. A maioria mantém relações cortadas ou congeladas com estes países islâmicos, considerados a par da Síria (este na óptica norte-americana) os países exportadores do terrorismo fundamentalista islâmico.”

Ontem como hoje, a situação mantém-se inalterável. Talvez, e preocupantemente, mais evidente.

Não será com o encerramento das mesquitas – até porque até ao presente a religião islâmica ainda não conseguiu impor-se como tal pelo facto de não ter conseguido obter as 100 mil assinaturas exigidas e em dois-terços das províncias do país – mas tão só com o controlo dos movimentos islâmicos que proliferam sob a capa da solidariedade. Será isto um acto e uma defesa da Censura. Seja-o; mas primeiro está a defesa dos princípios que devem nortear a vida e segurança nacional; depois há a convivência internacional. Numa comunidade cada vez mais globalizante, uma não é indissociável da outra.”

Folha 8

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Angola. MPLA DECLARA GUERRA CONTRA AS REDES SOCIAIS



A intenção, expressa pelo governo angolano do MPLA (no poder desde 1975), de controlar as redes sociais, onde diz ser “questionado”

 e “ridicularizado”, decorre do facto de estas constituírem uma “arma de eleição” em termos de protesto, assinalou o investigador Gustavo Cardoso.

De acordo com o docente do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), “independentemente de estarmos a olhar para democracias ou para regimes totalitários, em termos de protestos e em termos das pessoas tentarem fazer ouvir a sua voz, cada vez mais as redes sociais são uma arma de eleição”.

Em Angola mas também no estrangeiro, as redes sociais têm sido utilizadas para criticar a governação do país, liderado há 36 anos por José Eduardo dos Santos, ou para convocar manifestações e outras acções de protesto, bem como para divulgar abusos dos direitos humanos pelas autoridades.

Esta terça-feira, o secretariado do ‘bureau’ político do Comité Central do MPLA sustentou que o partido e o executivo têm vindo a ser “questionados” e “ridicularizados” nas redes sociais por “supostos militantes, amigos ou simpatizantes” com vista a confundir os internautas”, o que reforça o desagrado manifestado no final de 2015 pelo Presidente Angolano, José Eduardo dos Santos.

“Seja em Angola, na China, no Brasil, em Portugal, na Espanha ou nos EUA, em qualquer ponto do globo onde exista conflitualidade política, em democracia ou fora dela, existe a utilização das redes sociais como forma de oposição daqueles que têm menos poder face aos que têm mais poder”, reforçou o docente do ISCTE-IUL.

Em entrevista à agência Lusa, Gustavo Cardoso assinalou que, em Angola, a Internet é sobretudo utilizada por “uma elite da população, por quem tem dinheiro para fazê-lo, independentemente das competências culturais e educacionais” e que, mais do que um embate entre quem está num governo e quem o contesta, este tipo de atitude do poder é reveladora de um desfasamento cultural.

“No caso de Angola – que não é diferente do de outros países – aquilo que vemos é que há duas culturas completamente diferentes: a das pessoas que estão no poder e a da sociedade. Enquanto a sociedade, na maior parte dos países, adoptou efectivamente as regras de funcionamento de uma sociedade em rede, quem está no poder vive ainda e essencialmente numa era em que o meio de comunicação que influenciava a forma de estar e de agir das pessoas era a televisão”, explicou.

Daí o poder acreditar que “consegue lidar com a Internet como se se tratasse de um controlo da imprensa”, sem compreender que, ao instaurar mecanismos de censura, “cria uma situação de total disfuncionalidade” social, pois a Internet e as redes sociais passaram a constituir um recurso comum no quotidiano, declarou Gustavo Cardoso.

“Para as pessoas que fazem uso das redes sociais para contestar alguma coisa”, elas também funcionam como “ferramenta de expressão dos gostos, do que se gosta de ler, ouvir e ver, e canal de comunicação com os amigos”, exemplificou, considerando que “compatibilizar isso com uma cultura com 20 ou 30 anos que está no poder e olha com essa visão para o que a rodeia é muito complicado”.

Portanto, há dois universos que não falam a mesma língua, “e não é apenas porque uns querem mais democracia enquanto outros consideram que a distribuição de poder e a lógica de funcionamento de um determinado regime político num determinado país estão corretas e dispensam mudanças, é porque são duas formas completamente distintas de utilizar uma tecnologia”, acrescentou.

Numa perspectiva mais internacional, o docente referiu ainda que, “no caso chinês, há a particularidade de as redes sociais serem toleradas para que os cidadãos denunciem casos de corrupção entre as elites que gerem as diferentes zonas do país”, enquanto, no Brasil, “as mais recentes manifestações contra e a favor da presidente Dilma, as do tempo da Copa e as que contestaram o aumento do preço dos transportes foram todas organizadas através do Twitter e do Facebook”.

“Hoje em dia, as redes sociais são fundamentais para criar alternativas democráticas, combater regimes autoritários e fazer ouvir a voz das pessoas quando elas não se sentem representadas pelos políticos”, afirmou Gustavo Cardoso, recordando que a utilização da Internet em geral e das redes sociais em particular já desencadeou a ira do poder no Irão ou no Uzbequistão.

No Irão, em 2009, durante as eleições presidenciais, “o primeiro a ser visado foi o Twitter, depois ‘fecharam’ a Internet e, em seguida, tentaram impedir a utilização de redes de telemóvel para o envio de sms”, o que levou as pessoas a “dirigirem-se para autocarros, cinemas e outros locais onde há multidões, de modo a passarem, via Bluetooth, panfletos electrónicos, o que funciona como uma distribuição de panfletos tradicional mas torna extremamente difícil saber quem foi o remetente”, contou o investigador.

A tentativa de controlo verificou-se também no Uzbequistão em 2014, quando se tornaram mais ‘abrangentes’ as leis draconianas que penalizavam os jornalistas independentes: “Como não havia o equivalente para a Internet, quem utilizasse blogues ou microblogging – como o Twitter – era equiparado a jornalista, podendo assim ser controlado através da aplicação de pesadas penas”, contou à Lusa.

Gustavo Cardoso evocou ainda os confrontos na Turquia, referindo que, “enquanto a repressão contra as pessoas que ocupavam Gezi Park era levada ao auge, na televisão turca passava um documentário sobre pinguins”, pelo que “a única alternativa foi passar a palavra sobre aquilo que estava a acontecer e organizar as pessoas através das redes sociais”.

Kangamba – o espelho do regime

O general Bento dos Santos Kangamba interveio publicamente para defender a ideia de que a internet não mais deve ser usada para criticar a sua pessoa, o presidente e os dirigentes.

Segundo Rafael Marques, “o nosso Kangamba apresentou apenas dois motivos defensáveis para recorrer à internet. Em primeiro lugar, para o estudo, ou seja, para aumentar os conhecimentos, na linha daquilo que o presidente defendeu no seu discurso de fim de ano. Em segundo lugar, para falar bem dos dirigentes, contribuindo para a tranquilidade emocional das suas famílias”.

Nada melhor do que ouvir os principais trechos da intervenção de Kangamba, ele próprio membro da família presidencial, por casamento com Avelina dos Santos, a sobrinha e directora-adjunta do gabinete do presidente José Eduardo dos Santos.

“Jornalistas de bem e jornalistas de mau amor [humor], quando acordam, querem fazer caricaturas do presidente e dos dirigentes e falar mal na internet, lançar”, acusa o general. “É claro que é mau isso quando tivermos que falar de um dirigente temos de falar bem dos seus efeitos [feitos]. Nós não temos que falar contra. Isto é estarmos a atingir a sua família”, adianta Kangamba.

Em 1994, o presidente descreveu o modelo ideal da comunicação social para Angola, citando um órgão estatal. “O trabalho da Angop é o que é menos criticado. Às vezes parece que nem sequer existe, o que pode querer dizer que estão a fazer bem o seu trabalho.”

Kangamba não entende bem de que modo a discrição total favorece o seu chefe, e por isso deixa o seu conselho: “Continuo a vos dizer que a internet veio, é aquilo que o presidente disse, a internet veio para as pessoas estudar, para investigar, melhorar o comportamento do seu estudo e aprender. Não é para entrar na vida das pessoas.”

Estudar também pode ser perigoso. Foi o que aconteceu aos 15 activistas. Estavam a estudar ideias contrárias ao poder do presidente e estão presos há sete meses. Há que definir aquilo que os jovens devem estudar através da internet.

“Se vocês verem, falam mais [na internet] do presidente, falam mais do Bento Kangamba, falam mais dos dirigentes de todo o tamanho”, lamenta o também secretário do MPLA para a Organização e Mobilização Periférica e Rural em Luanda.

Para si, a internet seria o meio ideal se os críticos “falassem daquilo que nós [dirigentes do MPLA] contribuímos no país. Era melhor, mas não falam”.

“Isso que nós fizemos, tanto tempo que nós fizemos, mas as pessoas falam daquilo que nós fizemos, inventam coisas, peças montadas, uma cabeça que o corpo não é meu. Mete a minha cabeça no corpo que não é meu. Cabeça que não é meu mete o meu corpo”, denuncia o dirigente.

Em parte por causa desses abusos contra a sua pessoa – “esse tipo de coisa” como diz – “é que o presidente falou [sobre a internet] na sua mensagem [de fim de ano]”.

Contrapoder? Como é em Portugal?

O governo angolano manifestou mais uma vez desagrado por a sua imagem estar, alegadamente, a ser lesada nas redes sociais, ferramenta que organizações e activistas contactados pela Lusa dizem ser fundamental como contrapoder.

O MPLA (que continua a entender que Angola é o MPA e o MPLA é Angola) sustenta que o partido e o executivo (são uma e a mesma coisa) têm vindo a ser “questionados” e “ridicularizados” nas redes sociais, reavivando a controversa temática do controlo das redes sociais pelo poder.

“As redes sociais tornaram-se um espaço com alguma democracia e capacidade de veicular informação alternativa, o que atrai a ira de quem não aprecia particularmente esses valores”, afirmou João Camargo, da direcção dos Precários Inflexíveis, revelando que, “quando foi a demissão de Paulo Portas, depois revogada, a associação conseguiu, em menos de uma hora de convocatória via Facebook, ter cerca de mil pessoas na rua”.

Em Portugal, os Precários usam muitos as redes sociais “para denúncias e para avaliar o que são medidas concretas ou decisões políticas”, disse o dirigente, sublinhando no entanto que, “após certas iniciativas ocorridas em Portugal – como a manifestação da Geração à Rasca ou as manifestações do Que Se Lixe a Troika -, houve grandes alterações, a nível do Facebook, na amplitude de pessoas alcançadas”.

“Foram criados algoritmos que reduziram bastante a abrangência anterior”, declarou João Camargo, segundo quem “as redes sociais têm feito uma autocensura e uma limitação da capacidade de divulgação que existe nas páginas e nos perfis individuais dos utilizadores”, existindo mesmo “várias pessoas a quem foram fechados os perfis por colocarem, reiteradamente, coisas sobre política”.

Paula Montez passou por uma experiência similar, tendo tido o perfil no Facebook parcialmente bloqueado – “sem a possibilidade de comentar” – no final de 2012. Aos 50 anos, desempregada de longa duração depois de ter trabalhado na editora Ática e ter sido professora nos Açores, recusa a designação de “activista”, definindo-se antes como “uma pessoa informada, que não anda a dormir”.

Recordando que, “quando tiveram lugar as grandes contestações dos professores, estes usavam muito as redes sociais, porque podiam formar grupos e conversar entre si e passar informação sobre estratégias de luta nas escolas”, Paula Montez considera que “o simples facto de se dizer que as redes sociais são controláveis faz com que as pessoas comecem a ter medo, a autocensurar-se”.

Na sua opinião, “os angolanos, como os chineses, não querem as redes sociais porque sabem que, nos países onde ainda há liberdade de expressão, é possível passar informação, falar das coisas abertamente e divulgar imagens a que os seus cidadãos vão ter acesso, ficando informados do que se passa fora do seu país e, pior, do que se passa dentro, de coisas que não lhes chegam”.

Nesse sentido, “se um jovem angolano tiver acesso às redes sociais, pode saber o que se passa em Lisboa, saber as contestações que estão a ser feitas ao seu governo, coisas que não podem ser feitas lá mas que podem ser feitas noutros países, e claro que isso lhe dá força, claro que isso é importante para ele, e claro que os poderes não gostam disso”, concluiu Paula Montez.

E o poder em Angola, o mesmo há 40 anos e há 36 sob as ordens da mesma pessoa , José Eduardo dis Santos, não gosta também porque, enquanto os poderes visam, geralmente, “manter as coisas no estado em que estão, evitando transformações radicais”, recorrendo para o efeito “a aparatos de construção do conhecimento social”, as redes sociais oferecem “possibilidades de construir os conhecimentos e de os construir de uma forma diferente e de uma forma colectiva”, o que “não é controlável por instituições centralizadas ou por um poder centralizado”, afirmou Pedro Feijó, de 23 anos.

Ex-aluno do Liceu Camões, onde, em 2009, na cerimónia do centenário da escola, criticou publicamente a então ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, Pedro Feijó frequenta actualmente um mestrado no Reino Unido e estava no Gezi Park, em Istambul, em Maio de 2013, quando o espaço esteve ocupado por milhares de manifestantes, até à intervenção das autoridades.

“Quando despejaram o Gezi Park, o Twitter estava extraordinariamente activo, com informações a circular, debate político e tomada de posições” e serviu de “arma organizativa, para as pessoas comunicarem umas às outras que manifestações estavam a acontecer, onde estavam a acontecer, como é que podiam ajudar ou acompanhar”, contou Pedro Feijó.

Segundo ele, a rede de microblogging foi igualmente utilizada nesses dias na Turquia “para estabelecer redes internacionais, para trocar conselhos sobre como resistir e como avançar, para informar sobre os locais onde a polícia estava, onde atacava e com o quê”.

Para Pedro Feijó, outro bom exemplo é o do Black Lives Matter: “Em 2015, a resistência do movimento negro nos Estados Unidos e a resistência palestiniana trocaram – via Twitter e Facebook – informações sobre como lidar com os ataques da polícia e com o gás lacrimogéneo, estabelecendo um paralelismo entre as técnicas utilizadas pelo exército israelita e as da polícia norte-americana”.

Assinalando que “na China há medidas muito restritas relativamente à utilização de redes sociais” e que, “em muitos países, os governos controlam o tipo de conteúdos que pode estar online, algo que as redes sociais por vezes também assumem”, Pedro Feijó acredita que “o controlo é possível e há mais do que muitos exemplos disso”, não sendo preciso ir muito longe para os encontrar.

“Basta pensar na atitude do estado espanhol no ano passado, com a Lei Mordaça, em que um dos mecanismos de repressão foi a proibição de colocar conteúdos nas redes sociais, com as pessoas a serem perseguidas judicialmente por partilhar imagens de manifestações, de polícias à paisana ou de violência policial”, evocou.

As tentativas de controlo têm, contudo, enfrentado resistência, “tanto dentro como fora dos meios mais institucionais, tanto nas redes sociais e nas ruas como por parte de partidos de esquerda”, acrescentou Pedro Feijó, que considera muito improvável que os cidadãos aceitem placidamente que lhes seja retirado o acesso às redes sociais.

Afinal, relatou, perante os protestos na Turquia, alguém pintou numa parede o slogan norte-americano relativo aos direitos civis “the revolution will not be televised” (“a revolução não vai ser difundida pela televisão”) numa versão actualizada: “The revolution will not be televised, it will be tweeted” (“A revolução não vai ser difundida pela televisão, vai sê-lo pelo Twitter”).

Folha 8 com Lusa e Maka Angola

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