Rui Peralta, Luanda
Especiais
agradecimentos a Mahawa Kaba Wheeler (Libéria), directora da Comissão da União
Africana para as Mulheres, Género e Desenvolvimento, órgão executivo da UA.
Apesar
de todos os desafios que África enfrenta, os representantes dos 1,2 milhões de
habitantes decidiram assumir os Direitos Humanos, com um especial enfase para
os Direitos da Mulher, durante a XXVI Cimeira celebrada em Addis-Abeba,
Etiópia, no período de 21 a 31 de Janeiro último.
Chegou
o momento de actuar contra os muitos obstáculos e barreiras á igualdade do
género, obstáculos que incluem a exclusão económica e os sistemas financeiros
que perpetuam a descriminação das mulheres, a sua limitada participação na vida
pública, na Politica, a constante falta de acesso á educação e a escassa
assiduidade das estudantes nas escolas, a violência baseada no género, as
práticas culturais nocivas e a exclusão das mulheres nas negociações de paz,
seja como mediadoras ou como parte integrante das equipas de negociação.
A
UA tem plena consciência que estas barreiras impedem as mulheres de desfrutar
em pleno dos seus direitos e que a eliminação destes obstáculos potenciará o
continente, que neste momento se encontra num ponto de inflexão. África é uma
das regiões da economia-mundo onde se processou um rápido desenvolvimento
económico, com níveis de crescimento entre os 2% e os 11%. Embora as mulheres
façam enormes esforços, contribuindo de forma impar e resoluta para o desenvolvimento
das economias africanas, continuam a ser afectadas de forma desproporcionada
pela pobreza, pela descriminação e exploração. As desvantagens socioeconómicas
que as mulheres sofrem manifestam-se nas desigualdades de acesso ao mercado de
emprego, ao direito á propriedade e á obtenção de serviços sociais, incluindo a
saúde e a educação.
A
26ª cimeira da UA proclamou o ano de 2016 como o “Ano Africano dos Direitos do
Homem, com especial enfase sobre os Direitos da Mulher”. 2016 é um ano que
marca importantes datas na agenda das mulheres, tanto no continente, como
mundialmente. A nível continental este ano comemora-se os 30 anos da entrada em
vigor da Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos, de 1986 e o começo da
segunda fase da década das mulheres africanas 2010/2020. A nível mundial
comemora-se os 36 anos da aprovação da Convenção sobre a Eliminação de todas as
Formas de Descriminação contra a Mulher (CEDAW), considerada uma declaração
internacional de direitos das mulheres. Comemora-se, também o 21º aniversário
da Declaração de Beijing e da sua Plataforma de Acção, de 1995, crucial nas
políticas globais de igualdade do género.
15
Estados africanos figuram entre os primeiros 37 da classificação mundial de
participação feminina nos parlamentos nacionais, com mais de 30%: Ruanda
(63,8%), Seychelles (43,8%), Senegal (42,7%) África do Sul (42%), Namíbia
(41%), Moçambique (39,6%), Etiópia (38,8%), Angola (36,6%), Burundi (36,4%),
Uganda (35%), Zimbabwe (31,5%), Camarões (31,3%), Tunísia (31,3%), Argélia
(31%) e Sudão (30,5%). Ao nível dos Executivos os números são substancialmente
diferentes. Enquanto o Ruanda encabeça a lista mundial em matéria de
representação feminina no Poder Legislativo, no que respeita a cargos no
Executivo esta representação é nula e em contraste Cabo Verde tem o maior
número de mulheres a ocupar cargos ministeriais em África: dos seus 17
ministros, 9 são mulheres. Dos 54 chefes de Estado e do Governo, 3 são
mulheres: a presidente da Libéria, Ellen Johnson Sirleaf; a presidente das
Maurícias, Ameenah Gurib-Fakim; e a presidente interina da República
Centro-Africana, Catherine Samba Panza.
A
UA estabelece que as mulheres representem 50% dos cargos de tomada de decisão e
é o inico organismo multilateral que mantem a paridade do género no seu mais
alto nível de decisões. Com uma mulher na presidência, 5 comissárias (num total
de 10), a UA esforçasse para que a paridade de género seja uma realidade nos
demais órgãos e instituições como a Comissão dos Direitos Humanos e dos Povos ou
o Tribunal Penal Africano, onde as mulheres são a maioria. Para a UA, uma vez
que as mulheres representam metade da população do continente, o objectivo da
paridade do género gerará um efeito de dominó nas sociedades africanas, á
medida que as mulheres sejam impulsionadas a aspirar a postos de direcção.
Contar com as mulheres em posições de liderança, nos diversos sectores da
sociedade, conduz a uma melhor qualidade de vida para as famílias, em geral, e
para as crianças em particular.
Embora
existam grandes avanços em matéria de participação política democrática no
continente, as mulheres africanas continuam sofrendo de uma significativa
descriminação. Em alguns países africanos a legislação e as constituições
nacionais afectam negativamente a participação feminina na vida pública ao
limitar o seu papel através de cláusulas de exclusão, absolutamente
discriminatórias. Ainda que muitas constituições articulem um compromisso com a
igualdade do género, as normas consuetudinárias minam seriamente este compromisso,
ao impedirem que as mulheres recorram às esferas jurídicas e que sejam
reguladas pelas tradições.
Por
outro lado as mulheres africanas produzem mais de 60% da agricultura,
constituem mais de 50% da população rural e são as principais guardiãs da
segurança alimentar, mas encontram-se muito afastadas da capacidade de
investimento e estão sujeitas a baixo rendimento, o que não lhes permite
aproveitar devidamente o seu potencial. Dedicam 80% do seu tempo na produção
agrícola e nos sectores secundários relacionados com as actividades rurais,
contribuem de forma dominante para a produção de alimentos, cuidam da família,
exercem actividades de assistência social, são a maioria do sector dito
informal, mas o seu esforço não se contabiliza no PIB nem nas estatísticas
nacionais. Não possuem terras e carecem de acesso às infra-estruturas
agrícolas, têm dificuldades em aceder ao crédito e são excluídas do direito á
terra, á tecnologia da agricultura moderna e aos serviços de capacitação. A
maioria das mulheres residem em zonas rurais sem acesso a boas estradas, á água
e electricidade.
A
maioria das mulheres não são donas da terra mas produzem a maior parte dos
produtos agrícolas na situação de simples arrendatárias sem direitos de
herança. O direito á terra para as mulheres (e em alguns países para os
cidadãos em geral) é uma das causas do empobrecimento económico e social.
Apenas 1% das mulheres africanas possuem terras, embora produzam mais de 65% da
produção de alimentos.
A
grande maioria da população feminina africana vive com menos de 1 USD por dia.
Segundo dados de 2012 mais de meio milhão de mulheres morrem anualmente, no
mundo, por razões relacionadas com problemas de parto e gravidez. 99% destas
mortes ocorrem nos países em desenvolvimento, sendo 50% ocorrem em África
(excepto no norte do continente e na África do Sul). Por cada morte, 20 outras
mulheres sofrem enfermidades ou lesões relacionadas com o parto e gravidez. Uma
em cada 22 mulheres morrem durante a gravidez ou o parto (contra uma em cada 8
mil no mundo industrializado). 80% dessas mortes poderiam prevenir-se mediante
acções simples, básicas e de baixo custo.
É,
pois, longa a caminhada da mulher africana. Que 2016 seja um marco fundamental
neste longo trilho da libertação, um contributo essencial para o desenvolvimento
social, económico e político do continente e um passo importante no
aprofundamento da democracia em todo o continente.