sábado, 26 de março de 2016

NOVA CULTURA POLÍTICA, DEMOCRACIA E CONHECIMENTO



 Rui Peralta, Luanda 

Entre as múltiplas definições de democracia destaco aquela que define a democracia como “Poder em público”. Esta expressão sintetiza, de forma objectiva, todos os expedientes institucionais que obrigam os governantes a tomarem as suas decisões às claras, permitindo que os governados saibam como e onde (e o quê) os governantes decidem.

Na memória colectiva dos povos a democracia representa-se através da imagem da assembleia, onde os cidadãos ouviam os oradores e expressavam as suas opiniões e decisões erguendo a mão. Na passagem da democracia directa para a democracia representativa (da democracia dos antigos para a democracia dos modernos) manteve-se a exigência da visibilidade do Poder, satisfeita através da publicidade das sessões parlamentares, da opinião pública e da exigência de que os líderes políticos efectuem as suas declarações nos meios de comunicação de massa. A democracia representativa só é possível às portas abertas. Não há representação (nem representatividade) em segredo e às portas fechadas. Representar é, também, tornar visível.

A democracia representa a antítese de todas as formas autocráticas de Poder. E este tem uma tendência irresistível para esconder-se e fechar-se sobre si próprio. É no núcleo interno do Poder que se instaura o segredo. Este nucelo, quanto mais invisível é mais domina, e melhor exerce o seu domínio. Mas esta necessidade do Poder subtrair-se aos olhos do público revela o desprezo pelo povo, considerado “incapaz” de entender os “supremos e sacrossantos” interesses do Estado (que não são mais, nem menos, do que os interesses dos que se apoderam do núcleo interno do Poder), interesses que se tornam verbo fácil na verborreia tóxica dos demagogos. Todos os críticos á democracia, de Platão a Nietzsche referem a “incapacidade” do vulgo em manter segredos necessários á melhor condução da coisa pública.

Convém-me clarificar que quando utilizo a expressão “Poder em público”, refiro-me á cidadania exercida de forma activa, informada, consciente dos seus direitos e em pleno “uso público da razão” (aproveitando-me de uma expressão de Kant). Os ditadores também se apresentam em público, pois têm necessidade de demonstrar a sua potência. Mas o público perante o qual se apresentam é a multidão anónima e indistinta, os bate-palmas que ouvem e aclamam, que cumprem um acto de fé, mas que não exprimem opinião.

O “Poder em público” representa a coragem do cidadão em servir-se da sua inteligência, questão que atravessa grande parte da História do pensamento político e da luta contínua dos cidadãos em arrancarem os véus, as viseiras e as máscaras, atrás das quais se escondem os detentores do Poder. Foi uma luta de séculos, que os arrancou á condição de súbditos e que hoje é efectuada contra os que tentam o retorno a esta anterior condição, contra os que tentam dominar através do silêncio, da mentira, do não-dizer e do dizer em falso, contra os que quando falam servem-se da palavra não para publicitar as usas intenções, mas para as esconder. Esta é uma luta pelo acesso aos meios que permitam controlar a veracidade do discurso político o que tornará obsoleta a teoria dos que aceitam a “razão de Estado”, considerando que é licito, ao detentor do Poder, ao governante, mentir.

O saber simular sempre foi considerado uma virtude do governante, do “político”. Comparar os cidadãos a crianças e a doentes é reduzi-los á condição de súbditos. Estas duas imagens (crianças e doentes) permitem-nos reconhecer o governante autocrático. A imagem do pai ou do médico implica que os cidadãos não são livres e saudáveis, que necessitam de serem educados e curados. A ocultação do Poder encontra, assim, a sua justificação na insuficiência e na completa indignidade do povo, que não deve saber porque não é capaz de entender, ou deve ser enganado, porque não suporta a verdade.

Durante séculos os escritores políticos observaram o fenómeno do Poder do ponto de vista do governante (“ex parte principis”) mas nunca do governado (“ex parte populi”). A chamada Ciência Politica foi, mais do que uma ciência no sentido moderno, uma série de preceitos direccionados aos detentores do Poder, onde eram descritos os melhores métodos para o manter ou conquistar. Platão, Aristóteles, Cícero, os escritores medievais, Maquiavel, Bodin, Hobbes, Hegel, os teóricos da “razão de Estado” e os contemporâneos neoconservadores, neoliberais e "neo-pós" qualquer coisa, nada mais fizeram – e fazem – do que referirem-se á estabilidade dos governos, aos diferentes modos de assegurar o Poder, aos direitos dos governantes e aos deveres dos governados, ou á natureza e distribuição dos cargos e funções do Estado. O problema dos limites do Poder do soberano era examinado não em função dos direitos individuais, mas em relação aos outros Poderes soberanos, como os outros Estados ou, na controvérsia que atravessou o período medieval, sobre os Poderes da Igreja, como instituição soberana.

A ciência régia definida por Platão é a ciência que deve ensinar o soberano a exercer o Poder. O governante é definido como timoneiro. Sendo o governante um timoneiro os governados são os galeotes. Hobbes ocupa-se dos governados apenas para pôr o soberano de sobreaviso contra a desregulamentação e para sugerir que o povo tem de ser dirigido com rédeas curtas. Pretendia que a sua teoria fosse ensinada em todas as universidades para que as teorias “sediciosas” que incitavam á desobediência popular fossem banidas. Uma concepção totalitária do Poder é sempre acompanhada por uma concepção totalitária do Saber. Nas suas lições de filosofia do direito na Universidade de Berlim, Hegel (que considerava a sua filosofia como um saber absoluto), designava a palavra “povo” como a “parte do Estado que não sabe o que quer”.

Para que a Ciência Politica começasse a olhar para o outro lado, para o lado dos indivíduos, para o ponto de vista dos governados, do povo, foi necessário ocorrer uma revolução idêntica á que ocorrera nas ciências da natureza, quando se começou a olhar o universo, a matéria, o mundo, do ponto de vista do Homem, abandonando o ponto de vista de Deus. A reviravolta foi moral e intelectual e para ela ocorrer foi fundamental o papel da primeira ciência social, a economia politica.

O Estado deixou de ser o ponto de partida da sociedade. O individuo, o “homo económicus” que se relaciona com os outros indivíduos para trocar, comercializar, produzir, para prover o seu sustento, passou a ser o ponto de partida. O Estado deixou de ser um facto natural, mas sim um produto da vontade consensual dos indivíduos, que livremente decidem criá-lo e a submeterem-se á lei de forma voluntária. O verdadeiro protagonista do saber político deixou de ser o Estado e passou a ser o individuo.

A democracia moderna nasce sobre essa base individualista. A democracia é inseparável da concepção individualista da sociedade, seja expressa nos Direitos Humanos, seja expressa na teoria utilitarista da felicidade. O Poder autocrático dificulta o conhecimento da sociedade, enquanto o Poder democrático exige o conhecimento. A democracia, exercida pelo conjunto dos indivíduos, só pode existir sob as dinâmicas da participação directa ou indirecta dos cidadãos na gestão da coisa pública. O cidadão deve saber ou, ao menos, estar colocado em condição de saber.

Não foi por acaso que as ciências sociais e o seu conjunto de conhecimentos (da economia á antropologia e das Ciências Politicas á sociologia) desenvolvem-se no período em que assumem posição preponderante governos onde a autonomia cidadã se efectuou por via institucional. Pode-se apontar o exemplo da Inglaterra (país onde se realizou a primeira Revolução Industrial). Foi aqui que John Stuart Mill redigiu, em 1843, o seu tratado de lógica dedutiva, obra em que examinou as ciências físicas e as “ciências morais” (como então se denominavam as ciências sociais) e que Karl Marx escreveu o Capital, obra fundamental de crítica e análise á sociedade capitalista. Foi na Inglaterra deste período que se desenvolveu a antropologia e que a Ciência Politica desenvolveu novos mecanismos de análise.

Este período contrasta com períodos posteriores ocorridos na Itália fascista e na Alemanha nazi, onde as ciências sociais foram transformadas em instrumentos de propaganda ou, nas universidades, substituídas pela doutrina do fascismo (em Itália) ou dos cultos arianos (na Alemanha). Um fenómeno similar ocorre durante o “socialismo real” onde as ciências sociais foram substituídas por cátedras em “marxismo-leninismo” (esquecendo o fundamental da obra de Marx e a “paixão” que Lenine demonstrou pela sociologia). Durante séculos a Ciência Politica foi a única ciência social. O termo “sociologia” surgiu, apenas, no século XIX, com Comte. Para os gregos não existiam diferenças entre o social e o político. A “polis” era a sociedade por excelência. Aristóteles ocupou-se dos grupos dos sociais, hoje objecto da sociologia. Tomás de Aquino, no período medieval, considerava o conceito de “animal politica e social”, para expressar a relação inseparável entre social e politico.

As relações de Poder existentes em qualquer sociedade não são apenas relações de Poder político. As instituições políticas constituem parte de uma rede que comporta os vários componentes sociais. Para entendermos o que é uma sociedade humana, na sua História e na sua estrutura, não basta observar e analisar o vértice, mas temos que analisar e observar todas as componentes sociais. Não basta estudar os mecanismos institucionais, mas há que estudar em que condições operam e as dinâmicas que atravessam as sociedades em que estão inseridos.

No saber científico os dados não são separados das teorias, nem é possível falar de uma linguagem de observação distinta da linguagem teórica. Os dados podem ser interpretados de diversas formas e de forma diversa. Nos últimos anos assistiu-se á crítica desta ou daquela tese pretensamente científica, como se tratasse de uma crítica á ciência em geral. A crise do positivismo e do marxismo nada têm a ver com a proclamada crise do pensamento científico. Positivismo e marxismo são duas concepções do mundo, que poderão ter guiado a investigação científica numa ou noutra direcção, mas que não alteraram a ciência, porque não o eram. A ciência, enquanto tal, não é positivista, nem marxista.

O ideal de uma política científica, ou seja, de uma acção politica guiada pela ciência é uma constante na História do pensamento político e ideológico. Começou com Platão e o seu governo dos filósofos. Nisto acreditaram ferverosamente, no século XIX, os positivistas de Comte, os darwinistas sociais e Marx. O ideal da política cientifica está estreitamente ligado á concepção (e mito) do progresso irreversível. Mais do que uma esperança, este mito tornou-se uma ilusão (e uma desilusão, para muitos).

Efectivamente não existe uma relação imediata entre conhecimento e acção (assim como não existe entre teoria e praxis). O cientista e o político têm tempos distintos. O primeiro pode trabalhar com tempos longos. O segundo quase sempre decide em condições de necessidade e de urgência, em tempo curto. As suas responsabilidades são, também, distintas. O cientista esclarece os termos de um problema, o político tem de solucionar, através de uma decisão, que nem sempre pode ser adiada. O cientista pode afirmar que não existem condições, de momento, para resolver um problema, o político é forçado a decidir, tenha ou não condições, no momento. Sobretudo são diferentes e distintas as suas funções.

Não se deve esperar que os governantes filosofem e que os filósofos governem, nem é desejável que assim aconteça (desculpem, uma vez mais, esta afirmativa kantiana). A posse e o uso da força (Poder) corrompe. É desejável, sim, é que em cada sociedade existam formas de fazer uso livre da razão e da inteligência, sem possuir outra força que não seja a dos argumentos (deixando a posse e uso da força repressiva ou de coerção, para os assuntos exclusivos da segurança frente ás ameaças violentas). E esta é a via que garantirá o desenvolvimento sustentável e integral, em todas as vertentes da sociedade e em todas as esferas da vida de uma nação.

Democracia e ciência não podem existir um sem o outro. A democracia permite o livre desenvolvimento do conhecimento e este permite a consolidação e o aprofundamento da democracia em todas as esferas da vida social. Apenas através do conhecimento é que a democracia pode criar a sua principal componente: cidadãos activos.

Como “Poder em público” a democracia necessita de um público que saiba o que quer, ou seja, de homens e mulheres livres e conscientes do seu papel. Tudo o resto são “ressurreições”, resquícios autocráticos. E hoje a maior ameaça às democracias surge de um simples pormenor, que muita agrada às oligarquias que ganham posição nas sociedades democráticas: a alienação dos indivíduos.

Fontes
Bobbio, N. Teoria generale della Politica Ed. Einaudi, Torino, 1999
Bodin, J. I sei libri dello Stato Ed. Utet, Torino,1988
Canetti, E. Massa e Potere Ed. Adelphi, Milano, 1981
Dworkin, R. Taking Rights seriously Harvard University Press, 1977
Habermas, J. Storia e critica dell´opinione pubblica Ed. Laterza, Roma-Bari, 1971
Mill, J.S. Sistema di logica deduttiva e induttiva Ed. Utet, Torino, 1988
Mosca, G. Scritti Politici Ed. Utet, Torino, 1982
Schmitt, C. Dottrina della constituzione Ed. Guiffré, Milano, 1984


Golpistas brasileiros em Lisboa convidam PR Marcelo e Passos para “encontro” de apoio



Encontro em Lisboa reúne oposição e juízes brasileiros e assusta políticos portugueses

Marcelo Rebelo de Sousa diz que 'será de certeza muito difícil' comparecer. Passos Coelho foi anunciado como orador mas também não participará no encontro.

Carta Maior*

A data é simbólica: 31 de Março de 2016, exactamente 52 anos depois do golpe militar que depôs o Presidente eleito João Goulart, Jango, e instaurou uma ditadura militar no Brasil que durou 21 anos. É precisamente nesse dia que termina, em Lisboa, um seminário luso-brasileiro de Direito com um tema sugestivo: Constituição e Crise – A Constituição no contexto das crises política e económica. Mas é o “quem” desta história que está a levantar várias ondas na relação entre Portugal e o Brasil. É que entre os oradores do seminário estão os principais dirigentes da oposição a Dilma Rousseff – os senadores Aécio Neves e José Serra, o juiz que impediu Lula da Silva de regressar ao Governo Federal, Gilmar Mendes, e o vice de Dilma Rousseff, do PMDB, Michel Temer, que pode nos próximos dias romper a coligação com o Partido dos Trabalhadores (PT) e formar a maioria no Congresso que votará a favor do impeachment (destituição) de a Presidente.

Na próxima semana, entre os dias 29 e 31 de Março, encontram-se na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa todas estas figuras relevantes da actual crise política brasileira. É uma espécie de “Governo brasileiro no exílio”, como lhe chama, ironicamente, uma fonte oficial portuguesa. No Brasil, o jornal Estado de São Paulo, citando fontes do Governo, descreve o encontro de Lisboa como o “prenúncio do arranjo político para derrubar a Presidente”. A data simbólica e o nome dos intervenientes reforçam a convicção da esquerda brasileira de que o impeachment não tem fundamentação jurídica nem política e trata-se de uma tentativa ilegítima de tomada do poder. Por outras palavras, um golpe. O seminário coincide também com o prazo – 29 de Março – que a direcção nacional do PMDB, o partido que faz parte da coligação do governo, deu para tomar uma decisão final sobre se permanece no governo ou se sai. Qualquer que seja a decisão, ela determinará o futuro de Dilma: o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) é o maior partido político brasileiro e se decidir “descolar”, Dilma dificilmente terá os votos necessários no Congresso para sobreviver à destituição.

Os indícios de que o PMDB caminha para uma ruptura com o governo têm sido assunto diário na imprensa brasileira. Não é segredo que figuras do PMDB e do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB, oposição) se têm encontrado para discutir um possível governo pós-impeachment, em que Michel Temer, o vice-presidente do Brasil, assumiria a presidência coligado com o PSDB. O senador José Serra, do PSDB, que perdeu as eleições presidenciais para Lula da Silva em 2002 e para Dilma em 2010, e que participará do seminário em Lisboa, deu uma entrevista ao Estado de S. Paulo há dias na qual falou abertamente sobre esse cenário, chegando a detalhar os termos de uma eventual aliança PMDB-PSDB: Temer deveria abdicar de tentar a reeleição em 2018, deixando o caminho livre para um candidato do PSDB.

O gabinete de Michel Temer diz que o vice “deve ir” a Lisboa, para o seminário, mas nota que “tudo pode mudar” dada a turbulência política. “A gente não sabe o que acontece amanhã”, disse a fonte contactada pelo PÚBLICO.

Todos estes contornos já provocaram várias alterações no programa do seminário. A mais importante de todas é a quase certa baixa do Presidente português. Marcelo Rebelo de Sousa aparece nos cartazes como orador, no encerramento do seminário. Mas fonte oficial de Belém esclarece ao PÚBLICO: “O Presidente da República foi convidado para encerrar um colóquio académico na Faculdade de Direito de Lisboa, escola com a qual tem, como é sabido, uma relação particular. Seria a primeira oportunidade após a tomada de posse de lá regressar. No entanto, há um problema de agenda muito complexo. O Presidente não sabe ainda se poderá participar. Mas será de certeza muito difícil…”

O seminário é uma co-organização de dois institutos universitários, um de cada país. A parte portuguesa está a cargo do Instituto de Ciências Jurídico-Políticas, da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, presidido pelo constitucionalista Jorge de Miranda. Contactado pelo PÚBLICO, o professor remete esclarecimentos sobre a lista de oradores para o seu vice, Carlos Blanco de Morais: “Ele é que foi o organizador.” No entanto, Jorge de Miranda não deixa de ver razões para a polémica e admite que “pode haver algum aproveitamento” deste seminário para objectivos políticos.

Carlos Blanco de Morais, que deixou recentemente de ser consultor da Casa Civil de Cavaco Silva, rejeita a ideia avançada pelo Estadão. “Não é verdade que isto seja algo de conspirativo.” Embora considere que os organizadores do seminário “não têm de se preocupar com sensibilidades alheias”, admite que há entre os convidados “uma maioria de oposicionistas” ao Governo brasileiro liderado pelo PT. E admite que a crise brasileira, que se intensificou nas últimas semanas é mais um ponto de interesse para o seminário (que é fechado, sendo apenas admitidos na assistência convidados da organização). “Por isso mesmo é que o tema é a Constituição e a crise. Os temas têm de ser actuais.”

Também por isso, Blanco de Morais procurou trazer figuras de alto perfil para o encontro. Além de Marcelo, também o ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho foi anunciado (e ainda está, no sitedo Instituto Brasiliense de Direito Público, IDP) como orador do seminário. Mas o PÚBLICO apurou que isso também não irá acontecer. A razão para isso acontecer tem duas explicações, distintas. Blanco de Morais garante que Passos não podia estar presente, por “razões de agenda”, dada a proximidade do Congresso do PSD. Já Jorge de Miranda garante que a presença do ex-primeiro-ministro levantou dúvidas quanto à pertinência académica do seu contributo.

Outro caso é o de Miguel Prata Roque, secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros: “O secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros foi convidado na sua qualidade de investigador, uma vez que tem obra publicada, precisamente, sobre o tema do painel em causa. No entanto, tendo em conta compromissos governamentais anteriormente assumidos, não vai participar na iniciativa”, adianta o gabinete do governante.

O Instituto da Faculdade de Direito convidou os oradores portugueses. Do lado brasileiro, foi o IDP que tratou da organização. O IDP é uma escola privada, de que é sócio, e fundador, Gilmar Mendes, o juiz do Supremo Tribunal Brasileiro que suspendeu no passado dia 18 a posse de Lula da Silva como ministro da Casa Civil de Rousseff e manteve a investigação sobre o ex-Presidente nas mãos do juiz Sérgio Moro.

Contactado pelo PÚBLICO, o juiz do Supremo Brasileiro Gilmar Mendes, que já se encontra em Lisboa, descartou a ideia de o seminário ser uma "reunião de líderes da oposição" ao governo, "senão não teria chamado" figuras próximas do PT para participarem, como é o caso do senador Jorge Viana e de Luís Inácio Adams, ex-procurador geral do Estado nomeado no segundo mandato de Lula. "E certamente não faria uma reunião em Portugal. Faria na Amazónia ou no Pantanal, talvez", disse.

Gilmar Mendes decidiu suspender a nomeação de Lula como ministro na semana passada por considerar que ela configura "uma fraude à Constituição".

Gilmar Mendes também é acusado, no Brasil, de conflito de interesses neste caso. Nomeado para o Supremo Tribunal Federal pelo ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, é tido como uma figura próxima do PSDB. De resto, foi fotografado num almoço privado em Brasília com José Serra e um economista do PSDB na véspera da sua decisão de suspender a nomeação de Lula. À BBC Brasil, o juiz disse: “Eu não estou proibido de conversar com Serra, nem com Aécio [Neves, outro senador do PSDB e rival de Dilma nas últimas presidenciais, de 2014], nem com pessoas do governo”.

Gilmar Mendes “é um juiz que tem a pior característica possível para um juiz: ter todas as suas posições adivinhadas previamente. Ele sempre se coloca contra o governo, sistematicamente”, diz Francisco Bosco, presidente da Funarte, uma fundação de artes ligada ao Ministério da Cultura brasileiro. “A sua isenção está comprometida. Não tem o pudor de disfarçar as relações promíscuas que tem com os líderes da oposição.”

Para Bosco, a reunião em Lisboa de tantas figuras da oposição num momento tão decisivo representa “uma tentativa de legitimação internacional” doimpeachment. O seminário também conta com a participação do empresário Paulo Skaf, do PMDB, adversário do PT e apoiante das recentes manifestações populares contra o governo de Dilma Rousseff. Entre os oradores, conta-se também o senador do PT Jorge Viana, que o PÚBLICO tentou contactar, sem sucesso.


*Paulo Pena e Kathleen Gomes - Publico.pt – em Carta Maior - Créditos da foto: George Gianni

- Título PG

Brasil. POR QUE OS PATROES QUEREM O GOLPE?



O golpe na democracia brasileira viria para quebrar de vez este movimento de crescimento de lutas classistas e de conquistas de direitos.

Juarez Guimarães – Carta Maior

Como num cassino macabro, os grandes grupos financeiros estão especulando e apostando abertamente no fim da democracia brasileira. Como se noticiou no UOL, no jargão do mercado, a partir das manifestações pró-impeachment do dia 13 de março e da avaliação de um iminente desmoronamento da coalizão governista no Congresso Nacional, o “cenário-base” que prevê  a derrubada do governo Dilma estaria na ordem de possibilidade de 65 % a 75 % entre os analistas de grandes instituições de consultoria financeira. O dólar flutua para baixo e as bolsas para cima, ao sabor das especulações.

Provavelmente, os analistas internacionais e nacionais de mercado diminuíram estes percentuais nos últimos dias diante da escala grandiosa das manifestações do dia 18 de março em favor da legalidade democrática, das turbulências e ilegalidades flagrantes que ameaçam a legitimidade da Operação Lava-Jato e de uma renovada iniciativa do governo Dilma na organização da resistência parlamentar (ver posições críticas ao golpe do presidente do Senado, o racha iminente do PMDB, a disputa voto a voto na comissão parlamentar que fará a primeira votação sobre a aceitação ou não do pedido de impeachment).

O fato é que, após o editorial do New York Times do dia 18 de abril, o The Economist dá uma capa em favor do afastamento da presidente eleita do Brasil.  Não há mais dúvida que o capital financeiro internacional, com sua força geo-política, está apoiando e organizando o golpe na democracia brasileira.

Não é preciso se valer aí de nenhuma hipótese especulativa de conspiração.  Nestes tempos de espetacularização da política, os golpistas não apenas deixam pistas, mas  produzem símbolos midiáticos em série. Armínio Fraga – o ex-ministro da Fazenda de Aécio Neves – apareceu em Brasília como o terceiro personagem de um almoço que reunia Serra e Gilmar Mendes.

Em um artigo publicado nesta mesma Agência Carta Maior, em dezembro de 2014, “Um escândalo chamado Armínio Fraga”, documentávamos a presença deste homem de Wall Street e do grande banco norte-americano  JP Morgan  como orgânico a toda estratégia do PSDB nas eleições. O PSDB havia migrado definitivamente da condição de um partido da Avenida Paulista para Wall Street, organizando um novo programa radical neoliberal de guerra aos direitos sociais e de privatização do setor público brasileiro. Em março de 2014, Emy Shayo, analista do JP Morgan, havia coordenado uma mesa entre publicitários conservadores  brasileiros com o tema “Como desestabilizar o governo Dilma?”. No momento decisivo do final do primeiro turno das eleições de 2014, foi novamente o JP Morgan quem organizou um seminário de grandes banqueiros de Wall Street para ouvir Fernando Henrique Cardoso e sua diretiva de apostar as fichas em Aécio Neves e não em Marina Silva para a disputa do segundo turno.

Foi apenas em 1981, dezessete anos após o golpe militar,  com o trabalho de René Armand Dreifuss, no livro “1964: A conquista do Estado ( Ação política, poder e golpe de classe)”,  apoiado em ampla documentação resultante de pesquisa em arquivos norte-americanos, que o caráter classista do golpe de 1964 foi ao centro das análise. Ele documentou as relações entre o IPES/IBAD e os lobbies de financiamento americano para a eleição de  deputados golpistas desde 1962 até a campanha de desestabilização final  do presidente  Jango Goulart. Certamente, as ilusões pecebistas sobre a existência de uma burguesia nacional progressista dificultaram e retardaram este entendimento.

Hoje, para derrotar o golpe é preciso denunciar centralmente o seu caráter patronal. A Fiesp, a Firjan, as Federações do Comércio de São Paulo, a Associação Brasileira da Indústria Eletrônica e Eletrodomésticos ( Abinee), entidades empresariais do Paraná, Espírito Santo, Pará e muitas redes empresariais estão já em campanha aberta pelo fim da democracia no Brasil.

Por que o capital financeiro e, cada vez mais, os grandes empresários brasileiros estão movendo e se movendo em direção ao golpe?

Três razões

A primeira razão está bem enunciada no documento do Dieese sobre o balanço das greves em 2013, uma dinâmica que prosseguiu em grandes linhas até o final de 2014. Enquanto todos os olhos estavam voltados para as espetaculares manifestações de ruas de junho de 2013,  estava se registrando o maior ciclo grevista  de luta dos trabalhadores por seus direitos desde que a série histórica se iniciou em 1978. Se em 2012 havia ocorrido em todo o país 877 greves, em 2013 esta dinâmica saltou para 2050 greves!. O número de horas paradas que havia sido de 86.921 em 2012, saltou para 11.342 horas paradas em 2013, envolvendo dois milhões de grevistas. Pelo acompanhamento do Dieese, 80 % dos movimentos grevistas obtiveram êxito! A  forte ampliação do número de grevistas, de greves e horas paradas, na avaliação do documento do Dieese, correspondia a um desbordamento do centro para a periferia, das categorias tradicionalmente mais organizadas para aquelas com menor tradição grevista, em um quadro de menor desemprego e maior formalização do mercado de trabalho.

O  golpe na democracia brasileira, viria, então, quebrar de vez este movimento ascensional de lutas classistas e de conquistas de direitos. A “eleição” de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda, sob pressão do mercado financeiro, revelou-se um instrumento instável, insuficiente e inseguro. Seria preciso, por o governo do Brasil, com sua força, seu poder repressivo e seu poder de agenda em choque frontal  com o movimento classista democrático dos trabalhadores.

A segunda razão está didaticamente exposta em um documento do Diap, assinado por Antônio Carlos Queiroz. Ele elencou cinqüenta projetos de lei anti-trabalhadores e anti-populares, racistas e machistas, em andamento no Congresso Nacional que, em seu conjunto, desorganizam todo o sistema de direitos democráticos previstos na Constituição de 1988 e acumulados pelas lutas dos movimentos sociais desde então.

Entre eles, na Câmara Federal, a terceirização total das relações de trabalho, a prevalência do negociado sobre o legislado e o impedimento do empregado demitido reclamar na Justiça do Trabalho seus direitos. Até a legislação que coíbe o trabalho escravo seria adulterada! No Senado, a regulamentação e retirada do direito de greve dos servidores públicos, a privatização das empresas públicas, a independência do Banco Central. Estão previstas, a desvinculação dos recursos orçamentários de porcentuais obrigatórios para a saúde e a educação pública, a desindexação do reajuste anual do salário-mínimo em relação à inflação e ao crescimento do PIB,  a desindexação do piso dos benefícios previstos previdenciários e assistenciais do valor do salário-mínimo. Seria iniciado, então, um novo ciclo de arrocho salarial e de destruição das políticas públicas no Brasil.

A terceira razão é de ordem geo-política e econômica e diz respeito à política externa soberana do Brasil, à política para os Brics, à posição da Petrobrás no mercado mundial de petróleo, ao peso do Brasil no recente ciclo progressista e distributivo das democracias na América Latina. O golpe viria criar uma nova época de domínio norte-americano na América Latina, impondo um novo cerco à revolução cubana em crise. Ao mesmo tempo, trilhões de dólares do patrimônio do Estado brasileiro seriam colocados à disposição da rapina do capital financeiro internacional.

Como alerta Antônio Carlos Queiroz, seria necessário  após o golpe criminalizar o movimento sindical brasileiro em larga escala, mais além dos movimentos sociais. Não se aplica um programa tão radicalmente anti-popular sem doses maciças de violência.

A assembléia dos quatro mil operários da Ford contra o golpe , em São Bernardo do Campo , e a bela e decisiva  reunião de Lula com lideranças sindicais, de todo o país,  de sete centrais brasileiras, neste dia 23 de março vem  estabelecer  um novo marco na luta classista democrática contra o golpe dos patrões.

Créditos da foto: Lula Marques

Embaixada da Itália desmente reportagem da Veja sobre suposto pedido de asilo de Lula



Opera Mundi, São Paulo - ontem

'Fatos eram e são totalmente inexistentes' e informações publicadas 'são inverídicas', diz Embaixada da Itália em Brasília; leia íntegra do comunicado

A Embaixada da Itália em Brasília emitiu um comunicado nesta sexta-feira (25/03) no qual diz que “é inverídica” a recente reportagem da revista Veja sobre um suposto pedido de asilo político à Itália do ex-presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva.

A reportagem, que foi a matéria de capa da edição desta semana, narra uma suposta sequência cronológica do plano que teria sido sugerido por conselheiros de Lula por conta da investigação da Polícia Federal que recaiu sobre o ex-presidente. Segundo a Veja, Lula planejava pedir asilo a Cuba, Venezuela, França ou Itália, “de tal modo que pudesse se apresentar como vítima de uma perseguição política”. A revista afirma que a Itália teria sido escolhida como a melhor opção de Lula por sua esposa, Marisa Letícia, e seus filhos terem cidadania italiana, além da brasileira.

“As informações referentes à Embaixada e às supostas conversas do Embaixador [da Itália no Brasil] Raffaele Trombetta são inverídicas”, diz a nota do órgão italiano.

A instituição também aponta um erro no crédito de uma foto publicada pela Veja. “Relativamente ao evento no Palácio do Planalto, a pessoa destacada na fotografia e sentada em uma das primeiras fileiras não é o Embaixador Trombetta, como pode-se constatar facilmente. O Embaixador Trombetta estava sentado, junto a todos os demais embaixadores, no espaço reservado ao corpo diplomático”, segue o comunicado.

A nota conclui que na conversa telefônica entre a Embaixada e a Veja, citada na matéria, “foi dito ao jornalista que não se queria comentar fatos que, no que tange à Embaixada, eram e são totalmente inexistentes”. 

Leia a íntegra do comunicado da embaixada italiana:

Em relação à matéria "O plano secreto" publicada na última edição da revista Veja, a Embaixada da Itália declara:

1. As informações referentes à Embaixada e às supostas conversas do Embaixador Raffaele Trombetta são inverídicas.

2.Relativamente ao evento no Palácio do Planalto, a pessoa destacada na fotografia e sentada em uma das primeiras fileiras não é o Embaixador Trombetta, como pode-se constatar facilmente. O EmbaixadorTrombetta estava sentado, junto a todos os demais embaixadores, no espaço reservado ao corpo diplomático.

3. Na conversa telefônica citada, foi dito ao jornalista que não se queria comentar fatos que, no que tange à Embaixada, eram e são totalmente inexistentes.

Leia mais em Opera Mundi

Al Jazeera English divulga reportagem sobre tentativa de golpe no Brasil – com vídeos




TV Al-Jazeera English faz reportagem especial (vídeo legendado em português) sobre o papel que a mídia brasileira tem desempenhado na tentativa de tirar Dilma Rousseff da Presidência da República

Publicações como Der Spiegel (Alemanha), The Economist (Inglaterra), El País (Espanha), Público (Portugal), The Guardian (Inglaterra), Página 12 (Argentina) e até mesmo a rede de televisão Al-Jazeera, entre outras, estão denunciando a ameaça contra a democracia no Brasil. E mais: boa parte desses veículos destaca o protagonismo da mídia brasileira no golpe.

Um exemplo é a publicação alemã Der Spiegel. Sob o título “A Crise Institucional no Brasil: Um Golpe Frio”, no último sábado (19.03.2016), em seu online, a Spiegel citou textualmente a participação das Organizações Globo em prol do impeachment.

Diz o texto: “parte da oposição e da Justiça age, juntamente com a maior empresa de telecomunicações TV Globo, para estimular uma verdadeira caça às bruxas que tem como alvo o ex-presidente Lula”. O juiz Sérgio Moro também é mencionado, não na carapuça de herói, mas como um juiz que faz política, o “que não é sua função”.

Entre as denúncias, destaca-se uma reportagem divulgada pela Al-Jazeera (assista abaixo), a mais importante rede de televisão do mundo árabe. Nesta segunda-feira (21.03), o Listening Post dissecou, a partir de imagens e entrevistas, o papel central da mídia brasileira na condução do golpe.

Frisando que Dilma não está sob nenhuma investigação, a reportagem mostra, por exemplo, a suspensão da programação regular na TV brasileira, trazendo imagens da Rede Globo e de outras emissoras, no dia da manifestação contra o Governo Dilma, “incitando as pessoas a irem para as ruas exigir o impeachment da presidenta Dilma Rousseff”.

A reportagem aponta, também, que “cinco famílias, entre as mais ricas do país, controlam 70% dos principais meios de comunicação”, compondo o “establishment brasileiro, a classe dominante, há décadas”. E dispara: “nem Lula, nem Dilma tentaram diversificar a cena midiática em relação à concessão de propriedade dos canais de transmissão”.

Pragmatismo Político


Nicolás Maduro acusa Barack Obama de “estratégia imperial” para dominar América Latina



O Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, acusou Barack Obama de querer implementar uma "estratégia imperial" que visa voltar a dominar os países da América Latina e as Caraíbas.

O Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, acusou esta quinta-feira o seu homólogo norte-americano, Barack Obama, de dirigir uma “estratégia imperial” que visa voltar a dominar os países da América Latina e as Caraíbas.

Segundo Nicolás Maduro, a estratégia passa pela tentativa de “derrubar” Governos como o da Presidente do Brasil, Dilma Rouseff ou pedir mudanças noutros países, como a Venezuela.

“Que fazer? Nos ‘fazemos os loucos’ (expressão venezuelana que quer dizer que alguém faz de conta que não percebe o que acontece)? Desconhecemos que há uma estratégia imperial para reconquistar a América Latina e as Caraíbas”, questionou Nicolás Maduro, que falava no final de um Conselho de Ministros, em Caracas.

O líder venezuelano acrescentou que a “estratégia imperial” é dirigida pelo “Presidente (Barack) Obama”.

“Há que dizer (isso). Ele acredita que pode reconquistar (a região) com as suas garras imperiais”, disse Maduro, explicando que o propósito é “a dominação económica, cultural, política e social, através das oligarquias internas” de cada um dos países da América Latina.

Como exemplo referiu a alegada “campanha de infâmias e mentiras” contra Dilma Rouseff e a tentativa de combater “líderes honestos” como os presidente da Bolívia, Evo Morales, e da Nicarágua, Daniel Ortega e a ex-Presidente da Argentina, Cristina Fernández Kirchner.

“Temos estado a nadar contra a corrente, mas esses são os caminhos que devemos seguir”, disse, precisando que no seu caso é preciso “fazer grandes retificações do desgaste produzido por ser governo há 17 anos na Venezuela” e que “há que reconhecer que as oligarquias da direita estão a retomar o guião e a iniciar uma campanha para nos fazer desaparecer (governos de esquerda)”.

Por outro lado, Maduro anunciou, durante o Conselho de Ministros, que o vice-presidente Executivo da Venezuela, Aristóbulo Istúriz, viajará nos próximos dias para a Índia, África e ao Brasil, para reforçar e fortalecer as relações bilaterais.

Lusa, em Observador

América Latina na hora do lumpen-capitalismo - Ilusões progressistas devoradas pela crise



Jorge Beinstein [*]

A conjuntura global é marcada por uma crise deflacionária motorizada pela grandes potências. A queda dos preços das commodities, cujo aspecto mais saliente foi, desde meados de 2014, o das cotações de petróleo, revela o desinchar da procura internacional enquanto ao mesmo tempo estanca-se a onda financeira, muleta estratégica do sistema durante as últimas quatro décadas. A crise da financiarização da economia mundial vai entrando de maneira zigzagueante numa zona de depressão. As principais economias capitalistas tradicionais crescem pouco ou nada[1] e a China desacelera rapidamente. Frente a isto o ocidente recorre ao seu último recurso: o aparelho de intervenção militar integrando componentes armados profissionais e mercenários, mediáticos e mafiosos, articulados como "Guerra de Quarta Geração" destinada a destruir sociedades periféricas para convertê-las em zonas de saqueios. É a radicalização de um fenómeno de longa duração de decadência sistémica onde o parasitismo financeiro e militar foi-se convertendo no centro hegemónico do ocidente.

Não presenciamos a "recomposição" política-económica-militar do sistema, tal como se verificou com a reconversão keynesiana (militarizada) dos anos 1940 e 1950, e sim a sua degradação geral. A mutação parasitária do capitalismo converte-o num sistema de destruição de forças produtivas, do meio ambiente e de estruturas institucionais onde as velhas burguesias vão-se transformando em círculos de bandidos, nova ascensão planetária de lumpen-burguesias centrais e periféricas.

O declínio do progressismo 

Imersa neste mundo desdobra-se a conjuntura latino-americana onde convergem dois factos notáveis: o declínio das experiências progressistas e a prolonga degradação do neoliberalismo que as antecedeu e as acompanhou a partir de países que não entraram nessa corrente, da qual agora esse neoliberalismo degradado surge como o sucessor.

Os progressismos latino-americanos instalaram-se em cima da base dos desgastes, e em certos casos da crise, dos regimes neoliberais. E quando chegaram ao governo os bons preços internacionais das matérias-primas, somados a políticas de expansão dos mercados internos, puderam recompor a governabilidade.

A ascensão progressista apoiou-se em duas impotências. A das direitas que não podiam assegurar a governabilidade, em alguns casos colapsadas (Bolívia em 2005, Argentina em 2001-2002, Equador em 2006, Venezuela em 1998) ou gravemente deterioradas em outros casos (Brasil, Uruguai, Paraguai). A outra impotência foi a das bases populares que derrubaram governos, desgastaram regimes, mas que inclusive nos processos mais radicalizados não puderam impor revoluções, transformações que fossem mais além da reprodução das estruturas de dominação existentes.

Nos casos da Bolívia e Venezuela os discursos revolucionários foram acompanhados de práticas reformistas praguejadas de contradições, anunciavam-se grandes transformações mas as iniciativas embrulhavam-se em infinitas idas e vindas, ameaças, desacelerações "realistas" e outras astúcias que exprimiam o temor profundo a saltar as valas do capitalismo. Isso não só possibilitou a recomposição das direitas como também a proliferação a nível estatal de podridões de todo tipo, grandes e pequenas corrupções.

A Venezuela surge como o caso mais evidente de mistura de discursos revolucionários, desordem operacional, transformações a meio caminho e auto-bloqueios ideológicos conservadores. Não se conseguiu encaminhar a transição revolucionária proclamada (muito pelo contrário) ainda que se tenha conseguido tornar caótico o funcionamento de um capitalismo estigmatizado mas de pé. Obviamente os Estados Unidos promovem e aproveitam esta situação para avançar na sua estratégia de reconquista do país. O resultado é uma recessão cada vez mais grave, uma inflação descontrolada, importações fraudulentas maciças que agravam a escassez de produtos e a evasão de divisas que marcam uma economia em crise aguda [2] .

No Brasil, o zigzaguear entre um neoliberalismo "social" e um keynesianismo light quase irreconhecível foi reduzindo o espaço de poder de um progressismo que exalava fanfarronice "realista" (inclusive sua astuta aceitação da hegemonia dos grupos económicos dominantes). A dependência das exportações de commodities e a submissão a um sistema financeiro local transnacionalizado acabaram por bloquear a expansão económica. Finalmente, a combinação da queda dos preços internacionais das matérias-primas e a exacerbação da pilhagem financeira precipitaram uma recessão que foi gerando uma crise política sobre a qual começaram a cavalgar os promotores de um "golpe brando" executado pela direita local e monitorado pelos Estados Unidos.

Na Argentina, o "golpe brando" ocorreu protegido por uma máscara eleitoral forjada por uma manipulação mediática desmesurada. O progressismo kirchnerista na sua última etapa havia conseguido evitar a recessão, ainda que com um crescimento anémico sustentado por um fomento do mercado interno respeitoso do pode económico. Também foi respeitada a máfia judicial que, junto com a máfia mediática, o acossaram até deslocá-lo politicamente em meio a uma onda de histeria reaccionária das classes altas e do grosso das classes médias.

Na Bolívia, Evo Morales sofreu sua primeira derrota política significativa no referendo sobre a reeleição presidencial. Sua chegada ao governo assinalou a ascensão das bases sociais submersas pelo velho sistema racista colonial. Mas a mistura híbrida de proclamações anti-imperialistas, pós-capitalista e indigenistas com a persistência do modelo mineiro-extractivista de deterioração ambiental e de comunidades rurais e do burocratismo estatal gerador de corrupção e autoritarismo terminaram por diluir o discurso do "socialismo comunitário". Assim, ficou aberto o espaço para a recomposição das elites económicas e a mobilização revanchista das classes altas e seu séquito de classes médias, penetrando num vasto leque social desconcertado.

Agora as direitas latino-americanas vão ocupando as posições perdidas e consolidam as preservadas, mas já não são aquelas velhas camarilhas neoliberais optimistas dos anos 1990. Foram mutando através de um complexo processo económico, social e cultural que as converteu em componentes de lumpen-burguesias nihilisitas embarcadas na onda global do capitalismo parasitário.

Grupos industriais ou do agrobusiness foram combinando seus investimentos tradicionais com outros mais rentáveis mas também voláteis: aventuras especulativas, negócios ilegais de todo tipo (desde o narco até operações imobiliárias opacas passando por fraudes comerciais e fiscais e outros empreendimentos turvos) convergindo com "investimentos" saqueadores provenientes do exterior como a mega-mineração ou as rapinas financeiras.

A referida mutação tem longínquos antecedentes locais e globais, variantes nacionais e dinâmicas específicas, mas todas tendem a uma configuração baseada no predomínio de elites económicas enviesadas pela "cultura financeira-depredadora" (curtoprazismo, densenraizamento territorial, eliminação de fronteiras entre legalidade e ilegalidade, manipulação de redes de negócios com uma visão mais próxima do video-jogo do que da gestão produtivas e outras características próprias do globalismo mafioso) que dispõem do controle mediático como instrumento essencial de dominação, cercando-se de satélites políticos, judiciais, sindicais, policiais-militares, etc.

Restaurações conservadoras ou instaurações de neofascismos coloniais? 

Em geral o progressismo qualifica suas derrotas ou ameaças de derrotas como vitórias ou perigos de regresso do passado neoliberal. Também costuma utilizar-se a expressão "restauração conservadora", mas acontece que esses fenómenos são sumamente inovadores, têm muito pouco de "conservadora". Quando avaliamos personagens como Aécio Neves, Maurício Macri ou Henrique Capriles não encontramos chefes autoritários de elites oligárquicas estáveis e sim personagens totalmente inescrupulosos, sumamente ignorantes das tradições burguesas dos seus países (inclusive, em certos casos, com olhares depreciativos para com as mesmas), surgem como uma espécie de mafiosos entre primitivos e pós-modernos encabeçando politicamente grupos de negócios cuja norma principal é a de não respeitar nenhuma norma (na media do possível).

Outro aspecto importante da conjuntura é o da irrupção de mobilizações ultra-reaccionárias de grande dimensão onde as classes médias ocupam um lugar central. Os governos progressistas supunham que a bonança económica facilitaria a captura política desses sectores sociais, mas ocorreu o contrário: as camadas médias se direitizavam enquanto ascendiam economicamente, olhavam com desprezo os de baixo e assumiam como próprios os delírios neofascistas dos de cima. O fenómeno sincroniza-se com tendências neofascistas que ascendem no ocidente, desde a Ucrânia até os Estados Unidos passando pela Alemanha, França, Hungria, etc, expressão cultural do neoliberalismo decadente, pessimista, de um capitalismo nihilista que entra na sua etapa de reprodução ampliada negativa, onde o apartheid surge como a tábua de salvação.

Mas este neofascismo latino-americano inclui também a reaparição de velhas raízes racistas e segregacionistas que haviam ficado tapadas pela crise de governabilidade dos governos neoliberais, pela irrupção de protestos populares e pelas primaveras progressistas. Sobreviveram à tempestade e em vários casos ressurgiram inclusive antes do começo do declínio do progressismo, como na Argentina o egoísmo social da época de Menem ou o gorilismo racista anterior; na Bolívia o desprezo para com o índio e em quase todos os casos recuperando restos do anti-comunismo da época da Guerra-fria. Sobrevivências do passado, latências sinistras agora misturadas com as novas modas.

Uma observação importante é que o fenómeno assume características de tipo "contra-revolucionário", apontando para uma política de terra arrasada, de extirpação do inimigo progressista. É o que se vê virtualmente na Argentina ou o que promete a direita na Venezuela ou Brasil. A brandura do adversário, seus medos e vacilações excitam a ferocidade reaccionária. Referindo-se à vitória do fascismo na Itália, Ignazio Silone a definia como uma contra-revolução que havia operado de maneira preventiva contra uma ameaça revolucionária inexistente [3] . Essa não existência real de ameaça ou de processo revolucionário em marcha, de avalancha popular contra estruturas decisivas do sistema a desmoronarem-se ou quebradas, encoraja (concede sensação de impunidade) as elite e sua base social.

A maré contra-revolucionária é um dos resultados possíveis da decomposição do sistema impondo, com êxito em alguns casos do passado, projectos de recomposição elitista. No caso latino-americano exprime decomposição capitalista sem recomposição à vista.

Se o progressismo foi a superação fracassada do fracasso neoliberal, este neofascismo subdesenvolvido exacerba ambos os fracassos e inaugura uma era de duração incerta de contracção económica e desintegração social. Basta ver o que ocorreu na Argentina com a chegada de Macri à presidência: numas poucas semanas o país passou de um crescimento débil a uma recessão que se vai agravando rapidamente, resultado de uma gigantesca pilhagem. Não é difícil imaginar o que pode ocorrer no Brasil ou na Venezuela, que já estão em recessão, se a direita conquistar o poder político.

A queda dos preços das commodities e sua crescente volatilidade, que o prolongamento da crise global certamente agravará, foram causas importantes do fracasso progressista e surgem como bloqueios irreversíveis dos projectos de reconversão elitista-exportadora medianamente estáveis. As vitórias direitistas tendem a instaurar economias a funcionarem em baixa intensidade, com mercados internos contraído e instáveis. Isso significa que a sobrevivências desses sistemas de poder dependerá de factores que as máfias governantes pretenderão controlar. Em primeiro lugar, ao descontentamento da maior parte da população aplicando doses variáveis de repressão, legal e ilegal, embrutecimento mediático, corrupção de dirigentes e degradação moral das classes baixas. Trata-se de instrumentos que a própria crise e a combatividade popular podem inutilizar, nesse caso o fantasma da revolta social pode converter-se em ameaça real.

A estratégia imperial 

Os Estados Unidos desenvolvem uma estratégia de reconquista da América Latina, aplicando-a de maneira sistemática e flexível. O golpe brando nas Honduras foi o pontapé inicial, ao qual seguiu-se o golpe no Paraguai e um conjunto de acções desestabilizadora, algumas muito agressivas, de variado êxito que foram avançando ao ritmo das urgências imperiais e do desgaste dos governos progressistas. Em vários casos as agressões mais ou menos abertas ou intensas combinaram-se com bons modos que tentavam vencer sem violências, militar ou económica, ou somando doses menores das mesmas com operações domesticadores. Onde não funcionava eficazmente a agressão começou a ser praticado o abrandamento moral, implementaram-se pacotes persuasivos de configuração variável combinando penetração, cooptação, pressão, prémios e outras formas retorcidas de ataque psicológico-político.

O resultado desse desdobramento complexo é uma situação paradoxal: enquanto os Estados Unidos retrocedem a nível global em termos económicos e geopolíticos, vão reconquistando passo a passo seu pátio traseiro latino-americano. Para o Império, a queda da Argentina foi uma vitória de grande importância, trabalhada durante muito tempo, ao que é necessário acrescentar três manobras decisivas do seu jogo regional: o submetimento do Brasil, o fim do governo chavista na Venezuela e a rendição negociada da insurgência colombiana. Cada um destes objectivos tem um significado especial:

A vitória imperialista no Brasil mudaria dramaticamente o cenário regional e produziria um impacto negativo de grande envergadura ao bloco BRICS, afectando seus dois inimigos estratégicos globais: China e Rússia. A vitória na Venezuela não só lhe concederia o controle de 20% das reservas petrolíferas do planeta (a maior reserva mundial) como teria um efeito dominó sobre outros governos da região como os a Bolívia, Equador e Nicarágua – e prejudicaria Cuba sobre a qual os Estados Unidos fazem uma espécie de abraço de urso.

Finalmente, a extinção da insurgência colombiana, além de afastar o obstáculo principal ao saqueio desse país, deixaria as suas forças armadas de mãos livres para eventuais intervenções na Venezuela. Do ponto de vista estratégico regional o fim da guerrilha colombiana retiraria do cenário uma poderosa força combatente que poderia chegar a operar como um mega-multiplicador de insurgências numa região em crise onde a generalização de governos mafiosos-direitistas agravará a decomposição das suas sociedades. Trata-se talvez da maior ameaça estratégica à dominação imperial, de um enorme perigo revolucionário continental. É precisamente essa dimensão latino-americana do tema que é ocultado pelos meios de comunicação dominantes.

Decadência sistémica e perspectivas populares 

Para além do curioso paradoxo de um império decadente a reconquistar sua retaguarda territorial, do ponto de vista da conjuntura global, da decadência sistémica do capitalismo, a generalização de governos pró norte-americanos na América Latina pode ser interpretada superficialmente como uma grande vitória geopolítica dos Estados Unidos. Ainda assim, se aprofundarmos a análise e introduzirmos por exemplo o tema do agravamento da crise impulsionada por esses governos tenderíamos a interpretar o fenómeno como expressão específica regional da decadência do sistema global.

O afastamento do estorvo progressista pode chegar a gerar problemas maiores à dominação imperial – apesar de as inclusões sociais e as mudanças económicas realizada terem sido insuficientes, embrulhadas, estivesse impregnadas de limitações burguesas e de que a sua autonomia em matéria de política internacional teve uma audácia restrita. O certo é que seu percursos deixou marcas, experiências sociais, dignificações (suprimidas pela direita) que serão muito difíceis extirpar e que em consequência podem chegar a converter-se em contribuições significativa para futuros (e não tão longínquos) irrupções populares radicalizadas.

A ilusão progressista de humanização do sistema, de realização de reformas "sensatas" dentro dos quadros institucionais existentes, pode passar da decepção inicial a uma reflexão social profunda, crítica da institucionalizada mafiosa, da opressão mediática e dos grupos de negócios parasitários. Isso inclui a farsa democrática que os legitima. Nesse caso a doença progressista poderia converter-se, cedo ou tarde, em furacão revolucionário – não porque o progressismo como tal evolua para a radicalidade anti-sistema e sim porque emergiria uma cultura popular superadora, desenvolvida na luta contra regimes condenados a degradar-se cada vez mais.

Nesse sentido poderíamos entender um dos significados da revolução cubana, que logo se estendeu como onda anti-capitalista na América Latina, como superação críticas dos reformismos nacionalistas democratizantes (como o varguismo no Brasil, o nacionalismo revolucionário na Bolívia, o primeiro peronismo na Argentina ou o governo de Jacobo Arbenz na Guatemala). A memória popular não pode ser extirpada, pode chegar a afundar-se numa espécie de clandestinidade cultural, numa latência subterrânea digerida misteriosamente, pensada pelos de baixo, subestimada pelos de cima, para reaparecer como presente, quando as circunstâncias o exijam, renovada, implacável.

[1] Se consideramos o último quinquénio (2010-2014) o crescimento médio real da economia do Japão foi da ordem dos 1,5%, o dos Estados Unidos de 2,2% e o da Alemanha de 2% (Fonte: Banco Mundial). 
[2] Um bom exemplo é o da "importação" de fármacos onde empresas multinacionais como a Pfizer, Merck e P&G fazem fabulosos negócios ilegais perante um governo "socialista" que lhes fornece dólares a preços preferenciais. Com um jogo de sobrefacturações, sobrepreços e importações inexistentes as empresas farmacêuticas haviam importando em 2003 umas 222 mil toneladas de produtos pelos quais pagaram 434 milhões de dólares (uns 2 mil dólares por tonelada), em 2010 as importações baixaram para 56 mil toneladas e pagaram-se 3410 milhões de dólares (60 mil dólares por tonelada) e em 2014 as importações desceram ainda mais para 28 mil toneladas e pagaram-se 2400 milhões de dólares (um pouco menos de 87 mil dólares por tonelada). Como bem assinala Manuel Sutherland, de cujo estudo extraio essa informação, "longe de contemplar a criação de uma grande empresa estatal de produção de fármacos, o governo prefere dar divisas preferenciais a importadores fraudulentos, ou confiar em burocratas que realizam importações sob a maior opacidade". Manuel Sutherland, "2016: La peor de las crisis económicas, causas, medidas y crónica de una ruina anunciada", CIFO, Caracas 2016.
[3] Ignazio Silone, "L'École des dictateurs", Collection Du monde entier, Gallimard, París, 1964. 


[*] Economista, argentino, docente da Universidade de Buenos Aires, jorgebeinstein@gmail.com

O original encontra-se em www.alainet.org/es/articulo/176210

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ 

E SOB O PRINCÍPIO DOS DIREITOS HUMANOS, TUDO É POSTO EM CAUSA




Desde o 9-11 (11 de Setembro de 2001) que tudo tem sido colocado em causa em nome de um princípio que deveria ser sagrado para a Humanidade: os Direitos Humanos.
O efeito devastador pós 9-11 levou a ataques, ditos cirúrgicos – ainda que, na realidade, retaliadores – a países que supostamente suportavam e apoiavam ideologicamente os autores dos mortificos atentados de Nova Iorque, Washington DC e Pensilvânia.

Afeganistão foi o principal visado, dado que a autoria teria sido reivindicada pela al-Qaeda que se acoitava neste país, levando ao fim do domínio – mas não ao seu desaparecimento – dos extremistas talibãs.

Em paralelo, aconteceram punições militares ao Iraque, com o derrube de Saddam Hussein, à Líbia, com a deposição de Kadhafi, o quase desmembramento da al-Qaeda com a captura e morte do seu líder Osama bin Laden, a chamada «Primavera árabe» em vários países do Norte de África e da Península arábica e, mais recentemente, o surgimento do inicial Califado, mais tarde reconvertido em Estado, Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL ou EI) (ou ISIS ou IS na versão anglófona, ou Daesh, na versão pejorativa árabe).

Ora foi com o EI e a sua progressiva e acelerada conquista territorial no Iraque e na Síria, que parece tudo se ter desencadeado com maior amplitude. E este tudo, mais não é, que o terrorismo urbano.

É certo que este terrorismo urbano só começou a ser efectivo, quando o Ocidente, baseado numa eventual prorrogativa concedida pelo Conselho de Segurança, e apoiado por alguns países árabes, passou a intervir militarmente – ainda que através de surtidas aéreas – desde Setembro de 2014; a estes se juntou, mais tarde, a Rússia.

O EI passou a ameaçar os países integrantes da coligação anti-Daesh de intervir e aterrorizar os seus países ou interesses, com atentados levados a efeito por suicidas e militantes jihadistas, naquilo que eles chamam de «dias negros».

Se o avisaram, assim o fizeram.

Em Janeiro de 2015, terroristas atacaram as instalações de um jornal satírico francês, Charlie Hebdo, no que resultou em várias vítimas mortais. A França, entrava em estado de alerta para ameaças terroristas.

Em Novembro, mais concretamente a 13 de Novembro de 2015, um ataque suicida a Paris resultou na morte de 137 pessoas (incluindo os 7 terroristas que levaram a efeito o atentado) e várias dezenas de feridos. O principal resultado, além do terror implantado na cidade-luz e, extensivamente, no continente europeu, foi a França declarar o estado de emergência nacional, pela primeira vez desde 2005, e ter suspendido – era suposto, temporariamente – alguns dos direitos cívicos franceses. Supostamente este estado de emergência seria para vigorar por 3 meses, mas o presidente francês, Hollande, conseguiu que o parlamento francês lhe concedesse prorrogativas para o prolongar e manter até a situação pós-ataques ser considerada estável.

Na véspera um duplo atentado suicida em Beirute, no Líbano, matou 43 pessoas. Em 31 de outubro de 2015, o voo Kogalymavia 9268, que transportava passageiros russos caiu no Sinai, no Egipto, vitimando 224 pessoas. Uma eventual e auto-assumida célula do EI, no Sinai, assumiu a responsabilidade pelo abate da aeronave russa.

Este ataque, aliado ao apoio que os russos sempre deram a Bashar al-Assad, precipitou, pode-se dizer, a intervenção da Rússia no conflito sírio, com intervenções aéreas que tanto atacavam o EI, como os insurgentes, apoiados pelo Ocidente e por alguns países árabes, que lutam pela deposição de al-Assad e a instauração de um regime mais democrático na Síria.

Em paralelo, a Turquia, país por onde transitam alguns destes refugiados-migrantes, tem atacado curdos anti-EI com a desculpa que poderão apoiar – e serão apoiados – por separatistas curdos turcos. Os direitos cívicos de um povo que não se encontra em território turco – e não são turcos – são delapidados em nome de um pretenso direito maior de auto-defesa. Também aqui são os Direitos Humanos postos em causa por suposto um princípio de defesa de integridade territorial.

Note-se, que esse mesmo princípio é usado noutras latitudes levando à detenção de pessoas que, supostamente, são vistas como perturbadoras do status quo local ou nacional levando os seus elementares direitos cívico serem postos em causa, detidos sem justa causa, sem apoio sanitário e hospitalar, etc., ainda que os prevaricadores declarem defender os Direitos Humanos.

Estas intervenções militares na região síria, colocaram em causa todos os Direitos Humanos dos povos sírios, iraquianos e curdos. Os fluxos de migrantes para a Europa, provenientes desta zona de conflito, atestam-no. E a quebra dos seus direitos cívicos e, por extensão, os Direitos Humanos a que devem estar sujeitos, constata-se no acordo entre a União Europeia e a Turquia – um acordo bem renumerado – em que os turcos contêm os refugiados no seu país, até poderem ser possível alguns deles migrarem para países europeus como refugiados.

Recordemos que também Kadhafi era pago, quer por franceses, quer por italianos, quer, provavelmente, pela União Europeia, para conter os refugiados africanos que tentavam demandar a Europa na Líbia. Como se recorda foram alguns deste s refugiados, bem armados com armas capturadas no estertor do antigo exército regular líbio, que depois começaram a praticar alguns ataques terroristas no Mali, na Tunísia, na Nigéria – o Boko Haram como o al-Quaeda do Magrebe absorveram alguns destes elementos –, no Chade, e em outros estados africanos subsaarianos.

Para complementar estes actos terroristas, claros actos que colocam em causa todos os princípios de Direitos Humanos, hoje, 22 de Março de 2016, ocorreu um duplo atentado em Bruxelas, a capital do Reino da Bélgica – e a capital da União Europeia – havendo já a registar cerca de 34 vítimas mortais. O Daesh já reivindicou a autoria do atentado e ameaçou a Europa e, por extensão, todos os que intervêm na Síria/Iraque, que «virão dias negros como resposta à agressão contra o EI»!

Naturalmente novos poderes serão concedidos às autoridades que, queiramos ou não, colocarão alguns dos mais elementares Direitos Humanos em causa. Buscas domiciliárias, detenções provisórias, tudo será expectável.

Não é o Mundo civilizado que perde com estes actos persecutórios contra os principais princípios dos Direitos Humanos. São o terror e o terrorismo que ganha e que, realmente, coloca em causa estes princípios!

E muitos de nós, sob a capa da protecção cívica e humana não perdemos tempo em pensar se devemos ou não permitir que os principais princípios dos Direitos Humanos possam ser suspensos. Só pensamos na salvaguarda das nossas vidas e dos nossos meios de vida!

Por isso, que nos EUA, um candidato se perfila para ir à corrida presidencial e usa como base de trabalho e de ataque eleitoral a auto-defesa e auto-protecção das suas fronteiras e a restrição à entrada de todo o tipo de imigrantes. Só que se esquece que, também ele, é descendente de imigrantes alemães, no caso, avós!

Publicado no Novo Jornal, edição 424, de 25 de Março de 2016, página 19 (1º Caderno)

*Eugénio Costa Almeida – Pululu - Página de um lusofónico angolano-português, licenciado e mestre em Relações Internacionais e Doutorado em Ciências Sociais - ramo Relações Internacionais -; nele poderão aceder a ensaios académicos e artigos de opinião, relacionados com a actividade académica, social e associativa.

O PROBLEMA SISTÉMICO DO CAPITALISMO, DO CAIXÃO Á COVA



BCE REFORÇA AS DOSES DE HEROÍNA E COCAÍNA 

A impotência dos bancos centrais confirmou-se dia 10 de Março com o anúncio do BCE de ainda mais facilidades quantitativas (QE) e novas reduções da taxa de juro. A partir de agora o BCE injectará 80 mil milhões de euros por mês (criados ex nihilo) em bancos europeus e entra no perigoso território das taxas de juro zero ou negativas. 

Trata-se de medidas de desespero que não resolverão o problema sistémico do capitalismo actual:   a gigantesca acumulação de capital fictício. As injecções de QE são como as de heroína e cocaína, como declarou um ex-presidente do Fed dos EUA. Podem dar ao paciente algum alívio momentâneo, mas viciam e não curam a doença. 

Na verdade, a economia real pouco ou nada será beneficiada com a nova QE do sr. Mario Draghi. E, significativamente, o preço do ouro começou a subir imediatamente após o anúncio destas medidas.

COCAINA, HEROINA & RITALIN 

"Nós injectámos cocaína e heroína no sistema" para criar um efeito riqueza e "agora estamos a mantê-lo com Ritalin" (droga para tratar problemas de défice de atenção).

Quem diz isso é o antigo presidente do Federal Reserve dos EUA, sr. Dick Fischer.   O sr. Fisher, no 7º aniversário da crise, reconhece que o tratamento com cocaína e heroína não funcionou "apesar do seu êxito em elevar preços de activos".   O ex-presidente do banco central dos Estados Unidos confirmou agora sua advertência anterior:   "O Fed é uma arma gigante à qual já não restam munições".   A notícia está aqui .

Notáveis confissões.

Resistir.info

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