terça-feira, 29 de março de 2016

A VIRAGEM DO CUITO CUANAVALE



Martinho Júnior, Luanda 

1 – O “apartheid” preparou-se o melhor que pôde para levar a cabo as guerras que encetou por Angola adentro, quando Angola, pela voz do Presidente Agostinho Neto apregoava não só ser“trincheira firme da revolução em África”, como também ia mais longe: “na Namíbia, no Zimbabwe e na África do Sul está a continuação da nossa luta”!...

Nessa preparação, visando ultrapassar durante a década seguinte o improviso relativo da Operação Savanah em 1975, o “apartheid” a nível externo contou com conexões que, rompendo o embargo de armas, lhe permitiram obter algumas tecnologias de ponta e a nível interno com meios financeiros mobilizados para a indústria militar, cujas principais capacidades estavam instaladas na ARMSCOR, na SANDOCK-AUSTRAL REUMECH OMC, na KENTRON e na DENEL.

Foi a partir de sua indústria militar que foram absorvidas algumas novidades tecnológicas de ponta, mas também desenvolvidas outras tecnologias inteiramente sul-africanas, dando origem à introdução de novos conceitos de ordem estratégica como de ordem táctica que foram sendo imediatamente introduzidos nos campos de batalha, de onde recolhiam também experiências para introduzir outros novos conceitos.

2 – Foram inúmeras as inovações que a indústria de armamento sul-africana realizou em suporte das guerras do “apartheid”, apesar dos constrangimentos das sanções militares (em alguns casos mera retórica) e entre elas realço:

- Produção em série de veículos de transportes de tropas todo-o-terreno, de várias dimensões, desenhados, construídos com protecção contra as minas e motores Mercedes Benz OM352 produzidos sob licença (Casspir e Buffel); o Buffel foi elaborado a partir de chassi da Unimog;

- Produção em série de blindados ligeiros equipados com artilharia de 60mm, 90mm ou 20mm e motores da General Motors (por exemplo o Eland Mk-7);

- Produção de blindados Ratel (incluindo o Ratel-ZT3, equipados de mísseis anti tanque Ingwe, um sucedâneo do BGM-71 Tow, de fabrico norte-americano);

- Produção em série de peças de artilharia de 155mm (para além de peças de artilharia de 105mm), G-5, que levou à produção do G-6 auto propulsado e com chassis assente em rodas, apropriado para percursos no deserto e na savana;

- Produção de tanques Olifant, com introdução de melhorias a partir do conceito-base dos Centurion britânicos;

- Produção do “unnmannned aerial vehicle” para reconhecimento secreto (“drones” para reconhecimento Denel Dynamics Seeker);

- Produção de helicópteros Oryx (a partir dos Puma franceses);

- Produção de mísseis contra blindados de última geração na segunda metade da década de oitenta (mísseis anti tanque Ingwe, um sucedâneo do BGM-71 Tow, de fabrico norte-americano);

- Seis bombas atómicas.

 A indústria militar sul-africana foi um elemento-chave para contrariar as sanções, os equipamentos produzidos permitiram introduzir novos conceitos tácticos e estratégicos e visavam criar superioridade militar, provocando o prolongar da guerra e com isso permitir a sobrevivência do próprio “apartheid” com seu cortejo de desequilíbrios e injustiças sociais, entre elas a exploração coerciva e desenfreada de mão-de-obra barata na própria África do Sul, bem como o protelamento das independências da Namíbia e do Zimbabwe.

A batalha do Cuito Cuanavale, que alastrou por toda a frente sul de Angola, permitiu no seu início (Operação Saudando Outubro das FAPLA) às South Africa Defence Forces tirar partido de algumas das suas vantagens tácticas e só se assistiu a uma viragem, quando a aliança angolano-cubana introduziu novos armamentos que permitiram partir para o contra ataque.

3 – De entre os novos conceitos introduzidos no campo de batalha, as SADF procuraram superioridade no solo: com blindados que garantiam manobra rápida e segura (com estrutura anti mina), com artilharia de longo alcance adaptada ao terreno e com boa manobrabilidade, com tanques Olifant com níveis elevados de combate, com inovadoras capacidades de luta anti tanque e com um reconhecimento que recorreu não só a um bem treinado e equipado manancial humano, mas também a inovadores “drones”.

A combinação do uso de “drones”, com um excelente nível de reconhecimento apeado, o apoio de helicópteros e o emprego de forças terrestres bem equipadas, permitiu vantagens iniciais no início da batalha do Cuito Cuanavale, quando as FAPLA fizeram a ofensiva sobre a Jamba e as SADF, em socorro de Savimbi, passaram à contra ofensiva (Operações Moduler, a que se seguiram as Operações Hooper e Packer).

Para esse efeito as SADF refizeram o 10º Esquadrão da Força Aérea Sul Africana, que esteve activo primeiro entre 1939 e 1943 (equipado com bombardeiros instalados junto à costa sul-africana), depois reactivado a partir de 25 de Maio de 1944, para os bombardeiros serem utilizados na Síria, na Líbia, no Mar Egeu e por fim na Itália (altura em que findou a sua actividade durante a IIª Guerra Mundial).

O 10º Esquadrão das SAAF, voltou ao activo em Janeiro de 1986, agora equipado com os “drones”Seeker de reconhecimento e de fabrico inteiramente sul-africano, que foram utilizados nas Operações Moduler, Hooper e Packer, ou seja, ao longo de toda a batalha do Cuito Cuanavale, sendo a unidade dissolvida só a 31 de Março de 1991.  

O 10º Esquadrão estava em comunicação com as forças envolvidas em operações no terreno e demonstraram a sua eficácia enquanto guias de fogos de artilharia de longo alcance (G-5 e G-6).

Deste modo a batalha do Cuito Cuanavale assistiu ao primeiro emprego de “drones” da história, ainda enquanto armas de reconhecimento e sem capacidades ainda de ataque ao solo, ou bombardeamento.

 4 – Para garantir a sua superioridade o “apartheid” desencadeou um programa nuclear que produziu 6 bombas atómicas e terá mesmo realizado uma experiência atribuída ao “apartheid” no Índico Sul próximo da Antárctida (a sul das ilhas Prince Edward), experiência que foi detectada pelo satélite Vela 6911, a 22 de Setembro de 1979.

A observação feita pelo Vela 6911, uma vez que gerou controvérsia, foi conhecida a nível internacional, pelo que de então e até ao fim da guerra (que terminou com a batalha do Cuito Cuanavale), havia o risco do “apartheid” utilizar seu poderio nuclear, ainda que estivesse sob constante pressão internacional em função das sanções a que a África do Sul estava sujeita.

De acordo com o Comandante Fidel, o programa de armamento nuclear sul-africano só foi possível com o apoio norte-americano, mas depois da viragem da batalha do Cuito Cuanavale, o“apartheid” perdeu a oportunidade de as utilizar por que entretanto havia perdido finalmente o domínio do ar.

Na sua “Mensaje a los participantes en el XVII Festival Mundial de la Juventud y los Estudiantes en Sudáfrica” de 13 de Dezembro de 2010, o Comandante Fidel revelaria: 

… “Como prueba de la total falta de escrúpulo yanki, es necesario recordar que el Gobierno de Estados Unidos entregó armas nucleares al régimen del apartheid, que los racistas estuvieron a punto de usar contra las tropas cubanas y angolanas, que después de la victoria de Cuito Cuanavale avanzaban en la dirección Sur, donde el mando cubano, sospechando ese peligro, adoptó las medidas y tácticas pertinentes que le daban el dominio total del aire.

Si intentaban usar tales armas, no habrían obtenido la victoria. Pero es legítimo preguntarse: ¿qué habría ocurrido si los racistas sudafricanos hubiesen utilizado las armas nucleares contra fuerzas de Cuba y Angola? ¿Cuál habría sido la reacción internacional? ¿Cómo habría podido justificarse aquel acto de barbarie? ¿Cómo habría reaccionado la URSS? Son preguntas que debemos hacernos”...

5 – Para ultrapassar o nível alcançado pelas SADF no campo de batalha, era necessário introduzir armamento superior ao da bitola utilizada pelas SADF, assim como efectivos frescos, para e passar ao contra ataque.

O pedido de ajuda feito por Angola a Cuba, foi decisivo pois garantiu o manancial requerido e estimulou o volte face da batalha sob o comando do Presidente José Eduardo dos Santos e do Comandante Fidel.

Um dos garantes foi a superioridade aérea conseguida com a introdução de caças-bombardeiros MIG-23 no teatro operacional, o que retirou aos sul-africanos a iniciativa, até por que suas unidades no solo começaram a ficar atascadas nos campos de minas envolvente ao triângulo de Tumpo e sujeitas aos fogos de barragem da artilharia aliada angolana-cubana.

As unidades das SADF perderam capacidade de movimento e nem os pesados Olifant conseguiram romper, pelo que a sua paragem possibilitou desencadear o contra ataque em direcção a Calueque e Menongue, começando a colocar em risco as pistas de aviação das SAAF instaladas no norte da Namíbia, que ficavam à mercê das eventuais incursões dos MIG-23 com as cores angolanas da FAPA/DAA.

Os MIG-23 chegaram mesmo a sobrevoar faixas a norte da Namíbia ocupada pelo “apartheid”.

A viragem da batalha do Cuito Cuanavale estava garantida, a possibilidade das forças angolano-cubanas-namibianas (da SWAPO) entrarem da Namíbia começava a colocar-se e o “apartheid” só tinha como saída reconhecer que já não conseguia ganhar a batalha tecnológica, perdera a iniciativa sem a poder mais recuperar e estava efectivamente a perder a batalha do Cuito Cuanavale, pelo que só tinha uma saída: sentar-se rapidamente à mesa de negociações, cumprir com as Resoluções da ONU e iniciar transformações importantes no ambiente sócio-político da própria África do Sul.

As independências do Zimbabwe e da Namíbia, assim como o fim do “apartheid”, comprovam claramente qual foi o lado vencedor na África Austral a partir do próprio teatro de operações…

Ilustrações:
- Foto do “drone” de reconhecimento Seeker que equipava o 10º Esquadrão das SAAF;
- Ratel ZT3 Ingwe (equipados com mísseis anti tanque, que causaram estragos aos tanques T-55 das FAPLA);
- Duas unidades auto propulsadas G-6, equipadas com canhões de 155mmm.

A ESCRAVIDÃO NO BRASIL: DO CICLO DO CAFÉ À ABOLIÇÃO




Nas primeiras décadas do século 19, o ciclo da economia brasileira foi representado pela produção do café, considerado o “Ouro Verde”. O braço escravo, novamente, foi o sustentáculo desse ciclo da nossa economia. O patriarcalismo, o latifúndio e escravidão  representam o sustentáculo do mando político de uma nova oligarquia que se estabelecia no cenário brasileiro:  os barões do café.

O Ciclo do Café

Na segunda década do século 18, em 1727, o café chegou ao Brasil por meio do sargento-mor Francisco de Melo Palheta (1670 – 1750). As primeiras sementes eram originárias da Guiana Francesa. No início o café era plantado nos morros das regiões próximas da cidade do Rio de Janeiro.  Após a experiência do plantio, naquele local, expandiu-se até o Vale do Paraíba onde havia condições mais favoráveis para o seu desenvolvimento.  A partir desta região, o plantio do café se estendeu até São Paulo, no oeste paulista, Minas Gerais e Espírito Santo.

Utilizada em grande escala, durante um longo período, a mão de obra escrava era comprada, pelos cafeicultores, por meio do tráfico negreiro, ou adquirida no comércio interno, no qual os escravizados eram originários de engenhos e fazendas em processo decadente no Nordeste após o período do Ciclo do Açúcar.

A rotina dos escravizados, nos cafezais, era limpar o terreno, plantar e colher. Após a colheita, o café era exposto ao Sol, Num segundo momento, quando os grãos já se encontravam secos, eram batidos com vara ou moídos em pilões. Ensacado, o café era levado em mulas que eram conduzidas, por escravizados, até os portos de embarque.

O fim do tráfico negreiro

A partir da Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra, no século 18, ocorreram mudanças nas relações de trabalho e produção, surgindo uma classe trabalhadora - os proletários - que passará a ser explorada, inclusive, com a cooptação da força de trabalho de mulheres e crianças por uma burguesia industrial, representada pelos donos das fábricas. Esta classe burguesa possuía o poder econômico, por que detinha os meios de produção. Os donos do capital necessitavam de mercado para escoarem a sua produção e vendê-la. Dentro da lógica de uma economia de consumo, o escravizado estava descartado, pois, como propriedade do seu senhor, não recebia pelo seu trabalho;  logo não tinha poder de compra.

È nesse momento, que, embora a Inglaterra tenha sido líder do tráfico negreiro, em virtude da nova ordem econômica, ela passou a combatê-lo, pois acreditava que o escravizado liberto poderia aumentar o seu mercado consumidor. Outro fator importante, que levou o governo inglês a combate o tráfico, foi a necessidade de mão de obra em suas colônias na África, visando à produção de matéria prima indispensável no processo industrial. Assim, encerrar o tráfico negreiro por meio da criação de leis, proibindo a sua prática, passou a ser o foco de interesse dos ingleses. Após a nossa independência, em 1822, uma das exigências do governo inglês, para reconhecer o Brasil como uma nação livre, era a suspensão do tráfico negreiro em nosso território. Naquele momento, não se cumpriu o acordo, porém as pressões foram se tornando cada vez mais intensas até a sua extinção.

A Inglaterra, visando a cessar o tráfico tomou uma série de medidas como a Lei de 1831 que, por falta de eficácia, ficou conhecida como a lei “para inglês ver”. A mesma  não impediu a entrada clandestina de escravizados, em comum acordo com o Poder judiciário, que também lucrava a falsificar registros documentais, conforme registrou o jornal impresso, em Rio Grande, na Província de São Pedro, “O Noticiador”. Este periódico circulou, no período de 1832 a 1836, sob a responsabilidade de Francisco Xavier Ferreira, o “Chico da Botica” e foi o primeiro, na província gaúcha, a combater e denunciar o tráfico de escravizados. O Museu de Comunicação Hipólito José da Costa, instituição gaúcha voltada à preservação, à difusão e à pesquisa dos meios de comunicação do estado, tem sob a sua guarda, entre outros títulos, uma grande parte de exemplares deste importante periódico que marcou época na história da nossa imprensa.

Em 1845, O Parlamento Britânico aprovou a “Lei Bill Aberdeen” que determinava o aprisionamento dos tumbeiros (navios negreiros), pela Marinha de Guerra Inglesa, e julgamento por um tribunal britânico. O fato repercutiu no Brasil, dando origem à Lei Eusébio de Queirós que foi assinada no dia 04 de setembro de 1850. Esta determinava a extinção do tráfico de escravizados para o Brasil e severa punição aos transgressores. Isto não impediu a entrada clandestina de milhares de escravizados. Após esta lei, na realidade, ocorreu um aumento do comércio interno, embora menos lucrativo devido às altas taxas cobradas no processo de transferência de escravizados de uma província para outra. O resultado desta lei foi o aumento do valor monetário do escravizado devido à diminuição da oferta no mercado.

Aos poucos os movimentos abolicionistas foram crescendo e conquistando adeptos nas principais capitais do império e começaram a ocorrer fugas em massa das lavouras cafeeiras.

O Brasil, no período de 1865 a 1870, esteve envolvido no maior conflito bélico na América do Sul que foi a Guerra do Paraguai.  Visando a aumentar o contigente de soldados, o Império passou a incentivar os proprietários de escravizados, para que os enviassem para lutar. Durante o conflito bélico, Brasil, Argentina e Uruguai se uniram para combater o líder paraguaio Francisco Solano Lopez (1827-1870). Ao final da guerra, o Paraguai estava totalmente destruído e sua população dizimada. Encerrado o conflito, a convivência dos brasileiros com os exércitos platinos, de mentalidade republicana e não escravista, alterou sua postura em relação à escravidão. A partir de então, oficiais de alta patente passaram a fazer pronunciamentos, condenando a escravidão e determinando o término de sua participação, como “capitães- do- mato”, em busca de escravizados fugitivos.  Atitudes de militares à época, como os de Sena Madureira e Cunha Mattos, apoiando o movimento abolicionista ou denunciando irregularidades dentro do próprio Exército, por meio da imprensa, geraram represálias por parte do governo imperial, dando origem à chamada “Questão Militar” que contribuirá bastante para a queda da monarquia.

  Neste contexto havia também a forte pressão da política internacional quanto à extinção da escravidão, pois, em 1870, o Brasil era o único país das Américas a mantê-la. De acordo com a frase constantemente reproduzida em artigos, porém sem o registro da autoria: “O Brasil era uma flor exótica nas Américas…”

O movimento em prol da Abolição

A partir de 1870, parte da classe média, militares e até alguns fazendeiros do Oeste paulista, começaram a defender o término do sistema escravocrata no Brasil. A luta foi se consolidando devido aos pronunciamentos dos militares, que participaram da Guerra do Paraguai (1865-1870), às mobilizações da população e a imprensa da época, a exemplo da importante  Revista Ilustrada (1876- 1898). Este periódico carioca, graças às ilustrações de Ângelo Agostini (1843-1910), era denominado de “Bíblia de Pedra” numa deferência às litogravuras presentes em suas páginas. Estas ilustrações possibilitavam uma reflexão, gerando um olhar crítico, acerca do momento político, de uma grande parcela de analfabetos que compreendiam a mensagem de cunho político-social presente nas charges de Agostini. Não podemos nos esquecer de que após a Independência do Brasil (1822) éramos uma população composta por 90 % de analfabetos.  Este dado torna ainda maior a importância da gravura, naquela época, em função de sua representação simbólica que era decifrável por esta grande parcela de analfabetos que não dominava a linguagem escrita dentro daquele contexto histórico.

A Lei do Ventre Livre

Diante das articulações que se estabeleciam em prol da abolição, o Império assinou, em 28 setembro de 1871, a Lei Rio Branco ou “Lei do Ventre Livre” que concedia liberdade aos filhos de escravos nascidos a partir daquela data. As crianças deveriam ser sustentadas pelos proprietários de suas mães até atingirem oito anos de idade. Após deveriam prestar serviços gratuitos, até os 21 anos, para então tornarem-se livres. Na realidade essas medidas beneficiavam mais ao proprietário em detrimento do próprio escravizado.

A campanha, em prol da República, teve no escol do ideário positivista, inspirado em Auguste Comte (1798-1857) nos líderes militares, a exemplo de Benjamin Constant (1836-1891), e na campanha abolicionista seus principais pilares.

No ano de 1880, criou-se, no Rio de Janeiro, a “Sociedade Brasileira Contra a Escravidão”. Nomes como os de José do Patrocínio (1854- 1905) Joaquim Nabuco (1849-1910), Luis Gama (1830-1882), entre outros, destacavam-se por sua oratória e atuação. Agremiações emancipadoras e abolicionistas foram surgindo em várias províncias do Brasil, a exemplo da Sociedade Partenon Literário que foi fundada na Província de São Pedro (RS), em 1868, sendo uma das pioneiras no Brasil. Esta teve à sua frente os intelectuais Apolinário Porto Alegre (1844-1904) e Caldre Fião (1824- 1876). O segundo é autor da “Divina Pastora”, considerado o primeiro romance escrito no Rio Grande do Sul em 1847.  Entre as sociedades e clubes abolicionistas, importante que se destaque também a Sociedade Beneficente Cultural Floresta Aurora. Fundada na província gaúcha, em 1872, por negros alforriados, é considerada a mais antiga do Brasil, ainda, em atividade, de acordo com a historiadora Marisa S. Nonnenmacher em seu livro “Tudo Começou em uma Madrugada”, lançado, em 2015, pela editora Medianiz em Porto Alegre.

Em algumas regiões do Norte e Nordeste do Brasil o movimento contra a escravidão foi aumentando com acentuada participação popular. No ano de 1884, o Ceará libertou os seus escravos. Nesta Província, ocorreu um movimento de jangadeiros que se negaram a transportar para os navios os escravos vendidos para as províncias da Região Sudeste. Em 1880, abolicionistas locais fundaram a Sociedade Libertadora Cearense com 225 sócios, cujo presidente provisório foi o Sr. João Cordeiro.  Visando a divulgar seus ideais, no ano de 1881, foi criado o Jornal “O Libertador”.

O Rio Grande do Sul foi um dos pioneiros

Na província gaúcha a situação era de crise, pois o charque sofria enorme concorrência do produto platino, resultando numa redução do lucro das nossas charqueadas. O fato fez com que os proprietários emancipassem ou vendessem seus escravos para os cafeicultores do eixo Rio-São Paulo.  
  
O movimento republicano no Rio Grande do Sul incorporou, em seu programa, a luta em prol da liberdade dos escravizados, pois entendia que a abolição seria o “tiro de misericórdia” no coração do Império. Na capital gaúcha, discursos inflamados na Câmara dos Vereadores, no Teatro São Pedro, na Sociedade Partenon Literário denunciavam a degradação que representava a escravidão para a sociedade.

Durante a campanha abolicionista, na capital gaúcha, destacaram-se os jornais: “A Federação“ (1884-1937) “A Reforma” (1869-1912), “O Mercantil” (1874-1897) “ O Século” (1880-1893) e o “Jornal do Comércio” (1865-1911). embora as divergências quanto ao posicionamento político sobre o tema, a exemplo do jornal “A Federação“ que defendia uma abolição sumária e sem indenização aos proprietários, indo de encontro à morosidade das leis que apenas adiavam o desfecho da campanha abolicionista.
  
Em agosto de 1884, intelectuais gaúchos promoveram a “Semana da Libertação“, ocorrendo a liberdade de centenas de escravizados que se reuniram no Campo do Bom Fim, passando o local a chamar-se Campo da Redenção dos Escravos. Em 07 de setembro - data alusiva à Independência do Brasil - a Câmara de Vereadores de Porto Alegre declarou extinta a escravidão na capital. Foi uma festa a partir da Rua da Praia, partindo da Livraria Americana o cortejo. Muitos proprietários ganharam títulos nobiliárquicos devido ao seu ato “generoso”. O lado irônico é que muitos negros após as comemorações, retornaram aos proprietários para cumprir uma cláusula de três a cinco anos de trabalho gratuito como forma de indenização. O fato é que isto agravou a situação do negro pós – abolição, aumentando a sua condição de miserabilidade e de exclusão numa sociedade capitalista e competitiva na qual ele não se encontrava preparado para atuar, restando o subemprego, a pobreza e o estigma da escravidão.

  Na visão dos republicanos, a escravidão era a causa do atraso do progresso da Nação e um arcaico sustentáculo do sistema monárquico. Combatê-la era eliminar a velha ordem que governara o país por 67 anos.

A Lei dos Sexagenários

O crescimento em todo o Brasil da campanha abolicionista, a exemplo do Amazonas que também libertou os escravizados, em 1884, levou o Império a assinar em 28 de setembro de 1885, a Lei Saraiva – Cotegipe ou dos Sexagenários. Esta garantia a liberdade aos escravizados com mais de 65 anos de idade. Na verdade, grande parcela devido ao trabalho forçado e às péssimas condições a que eram expostos, não resistiam e morriam antes que completassem a idade proposta pela lei. Caso atingissem a faixa etária de 65 anos, a lei, na realidade, beneficiava o proprietário que deixava de alimentar e ter, em sua propriedade, um escravizado que já não dava um retorno produtivo como outro mais jovem e saudável. Na realidade, o negro idoso e doente ficava abandonado à sua própria sorte. Este caráter duvidoso da lei acirrou os ânimos já exaltados, acelerando o processo final da escravidão, que, há muito tempo, vinha sendo protelado.

No período de 1885 a 1888, os abolicionistas passaram a apoiar abertamente as rebeliões e fugas de escravos. A resistência ao cativeiro se dava também com o assassinato do senhor, com a prática do aborto, realizado pela própria mulher negra, entre outras formas de boicote e não aceitação da escravidão.  Em São Paulo, havia um grupo, conhecido como caifazes, que escondia escravizados fugitivos, levando-os até o Quilombo de Jabaquara, localizado em Santos.

Os quilombos se espalhavam pelo país e o Exército não aceitava capturar escravizados que fugiam de seus senhores. Os republicanos não poupavam críticas à escravidão e havia também monarquistas que defendiam a abolição, porém eram contrários ao movimento republicano.  400 anos de escravidão estavam por terminar... Tratava-se de uma questão inadiável e a luta recrudescia.

No dia 03 de maio de 1888, a filha de dom Pedro II, a Princesa Isabel (1846-1921),  fez uma declaração acerca da nova posição do governo:

“A extinção do elemento servil pelo influxo do sentimento nacional e das liberdades particulares em honra do Brasil, adiantou-se de tal modo que é hoje aspiração aclamada por todas as classes, com admirável exemplo de abnegação por parte dos proprietários“.

 A Lei Áurea

Após dez dias, deste pronunciamento, em 13 de maio de 1888, a princesa Isabel declarou o término da escravidão em nosso país. Ao assinar a Lei Áurea, estavam libertos cerca de 700 mil escravizados no Brasil. No ano seguinte, em 15 de novembro de 1889, por meio de um golpe militar, é proclamada a República dos Estados Unidos do Brasil, pelo alagoano Marechal Deodoro da Fonseca (1827-1892), e o imperador dom Pedro II (1825-1891) parte para o exílio, vindo a falecer na França. O café continuaria a ser um grande investimento, durante a República Velha (1889- 1930), sendo exportado e gerando  riqueza para o país.

Os fazendeiros, principalmente de São Paulo, fizeram fortuna com o comércio do café. As mansões da Avenida Paulista são o símbolo de poder e riqueza desta elite cafeeira.

   Grande parte dos lucros do café foi investido na indústria, principalmente no eixo Rio- São Paulo, favorecendo o crescimento deste setor.  A cafeicultura motivou o início da imigração europeia, a instalação da malha ferroviária e o processo de industrialização da Região Sudeste no Brasil. Os produtores de café foram alvo de distinções sociais e estiveram presentes nos principais movimentos políticos e econômicos que precederam à Proclamação da República (1889).

Realizada a Abolição da Escravatura (1888), inicia-se um longo caminho marcado por dificuldades, lutas e enfrentamentos dos afrodescendentes, quanto ao preconceito racial, pois a liberdade conquistada, depois de séculos de escravidão, não veio acompanhada do direito à cidadania plena, pois não houve um projeto de inclusão social que contemplasse a imensa população de libertos que encontrou apenas a “porta da rua”.

Não ocorreu, infelizmente, por parte das autoridades, uma preocupação quanto a fixar as comunidades negras na terra e garantir os espaços nos quais já viviam. Após a assinatura da Lei Áurea, surgiu um movimento, que exigia indenização, por parte do governo, aos senhores que haviam perdido seus escravos. Na ocasião, o estadista Rui Barbosa (1849-1923) se pronunciou dizendo: "Se alguém deve ser indenizado, indenizem os escravos! "

O racismo, que se constitui numa chaga presente na sociedade brasileira, apresenta-se, na maioria das vezes, maquilado por um discurso construído sob a égide de uma democracia racial, que não corresponde à realidade social do negro brasileiro. Basta que analisemos os dados estatísticos levantados por órgãos sérios, como o IBGE, quanto à presença do negro no mercado de trabalho, para que tenhamos consciência do longo caminho que vem sendo percorrido pelos afrodescendentes, para que possam ocupar espaços importantes no processo de construção de uma sociedade mais fraterna com menos desigualdades. 

Não deixemos apagar da memória a luta de Zumbi e de tantos outros brasileiros de diversas etnias que foram também perseguidos e até perderam suas vidas na luta em prol de justiça social, desafiando interesses e privilégios de casta perpetuados desde o inicio do processo de colonização do Brasil.
 
*Pesquisador Coordenador do setor de imprensa do Musecom - Porto Alegre / RS / Brasil            


Imagens
1 - O lavrador de Café ( 1939) / Portinari
2-  Captura de negros na África
3 - Revista  Ilustrada (1876-1898)
4- Escrava e filho
5 José do Patrocínio
6 - O Século ( 1880- 1893 )
7 - grupo de negros alforriados
8  -Princesa Isabel

Bibliografia
BAKOS, M.M.  RS : Escravismo e Abolição. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982.
FLORES, Moacyr (Org). Cultura Afro-brasileira. Cultura Afro-brasileira. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, 1980.
FRANCO, Sérgio da Costa. Ensaios de História Política. Porto Alegre : Editora Pradense, 2013.
FREITAS, Décio. A Comédia Brasileira. Porto Alegre: Editora Sulina. 1994.
JUNG, Roberto Rossi. O Príncipe Negro. Porto Alegre: Edigal / Renascença, 2007.
LOPES, Luiz Roberto. História do Brasil Imperial. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1997.
MAIOR,  A.Souto.  História do Brasil. São Paulo:  Companhia Editora Nacional, 1967.
MIRANDA, Marcia Eckert; LEITE, Carlos Roberto Saraiva da Costa. Jornais raros do Musecom: 1808-1924. Porto Alegre: Comunicação Impressa, 2008.
MOURA, Clóvis. Rebeliões da Senzala. Porto Alegre : Mercado aberto, 1988
NONNENMACHER, Marisa Schneider. Tudo Começou em uma Madrugada/ Sociedade Beneficente Cultural Floresta Aurora (1872-2015). Porto Alegre: Medianiz, 2015.
QUEVEDO, Júlio e ORDOÑEZ Marlene. A Escravidão no Brasil / Trabalho e Resistência. São Paulo: FTD, 1999.
VILASBOAS, Ilma Silva: BITTENCOURT JUNIOR, Losvaldyr Carvalho; SOUZA, Vinícius Vieira de. Museu de
Percurso do Negro. Prefeitura de Porto Alegre, Ed. Grafiserv, 2010.

Brasil. Golpe a golpe: sacrificar Dilma em nome da 'democracia' – intenção dos EUA



Esta é a intenção dos Estados Unidos: que seja dado no Brasil um golpe parlamentar em nome da "preservação da democracia."

Aram Aharonian – Carta Maior

Insistentes versões de diplomatas regionais mostram que estão sendo confeccionados acordos em Brasília entre o PSDB e o PMDB – que, por enquanto, ainda é parte do governo – para um eventual governo presidido pelo atual vice-presidente, Michel Temer. Isso seria possível no caso de a presidenta Dilma Rousseff renunciar ao seu cargo, ou se ela for destituída, através do juízo político que se pretende realizar.

Os últimos informes falam de um cronograma já definido: na próxima terça-feira, dia 29 de março, o PMDB anunciaria oficialmente sua saída do governo, mas somente no dia 12 de abril o partido abandonaria oficialmente os sete ministérios e as centenas de cargos importantes que ocupa na estrutura do Estado. Em outro domingo, dia 17 de abril, está previsto que a comissão de deputados encarregada de analisar a abertura de um juízo político para destituir Dilma Rousseff da presidência anuncie seu veredito.

A nova traição do PMDB não chama a atenção, e no provável caso de se realizar uma votação no pleno da Câmara por um juízo político (ou impeachment, como a Rede Globo gosta de chamar), Dilma precisará do apoio de 171 dos 513 deputados. Há um mês atrás, certamente conseguiria. Hoje, ela mesma tem dúvidas.

É preciso ter dois terços da Câmara para conseguir a destituição, e essa cifra só se pode alcançar se o PMDB adere à conspiração. Mas o processo de juízo político é longo e a direita tem urgência em conseguir resultados. A crise se reacendeu quando Dilma e o PT decidiram que Lula assumisse o cargo de Chefe da Casa Civil, para poder articular uma saída para a crise. Carta Maior mostra em matéria recente que, caso não consiga contar com Lula como ministro, Dilma designará o ex-presidente como seu assessor, para que assuma um papel protagonista no governo.

Nestes dias, tanto o Mercosul quanto a Unasul tentarão se meter no conflito. Estão sendo realizadas consultas entre os chanceleres, para ver a modalidade dessa intervenção. Entre os funcionários próximos ao mandatário argentino Mauricio Macri circula o rumor de que ele conversou sobre o tema com o presidente estadunidense Barack Obama.

A ideia que o Departamento de Estado trabalha é a de que se busque uma saída “o mais institucional possível”, o que não quer dizer que Dilma continuará em seu cargo. Seu atual vice-presidente aparece como a figura decisiva nessa perspectiva: essa é a intenção estadunidense: um golpe parlamentar em nome da preservação da democracia.

Semana após semana, o que mais se fala é no aprofundamento da crise brasileira. A nomeação de Luiz Inácio Lula da Silva se mantém num limbo legal. Após várias idas e voltas, o Supremo Tribunal Federal a deixou “em suspenso”. Para demostrar que Lula não terá paz, um juiz ordenou uma revista ao hotel onde ele se hospedava em Brasília.

Já não é só o juiz Sérgio Moro quem – com a ativa colaboração dos meios de comunicação cartelizados – arremete contra Lula, mas sim a maior instância judicial do país, onde muitos dos magistrados foram nomeados durante os governos do PT.

A presidenta Dilma Rousseff não teve melhor sorte. O mesmo Supremo Tribunal autorizou a continuidade do juízo político, enquanto o Exército manifestou seu apego à institucionalidade. O general Eduardo Vilas Boas citou o artigo 142 da Constituição, que assegura que as Forças Armadas operam sob a autoridade suprema da Presidência da República. Não se deve esquecer que, durante os protestos opositores, houve muita gente pedindo até mesmo uma intervenção militar. Seja como for, o fato é que haverá uma decisão do parlamento na primeira semana de abril. Ninguém sabe muito bem o que poderá acontecer a partir desse momento.

Numa entrevista para a imprensa estrangeira, Dilma advertiu que não renunciará à presidência, e denunciou que o processo aberto na Câmara dos Deputados para tentar destituí-la é um golpe frio. “Se hoje houvesse um golpe neste Brasil democrático, seria um tipo de golpe institucional (…) eu recomendo a você que se perguntem a quem isso beneficia, e poderiam chegar a muitos nomes, alguns que sequer apareceram neste cenário”, declarou Dilma.

A construção de um ambiente de perseguição de inimigos ideológicos, de estigmatização das correntes políticas de esquerda, de discriminação racial, de ódio, de intolerância e de mistificação e manipulação da realidade, além da perversão dos valores democráticos e morais e da banalização desta mesma perversão, são partes da narrativa que se pretende impor neste concubinato do poder fático, empresarial, jurídico, midiático e policial.

A tentativa de destituição da presidenta é produto deste ambiente, buscando ignorar o fato dela ter sido eleita por mais de 54 milhões de cidadãos: é um atentado criminoso contra a democracia, independente de se cometeu ou não um desatino jurídico, administrativo, constitucional. Nada que parta da destituição de uma presidenta constitucional teria legitimidade, e só servirá para incendiar o Brasil. O povo tem direito a se rebelar contra um atentado à Constituição, à vontade popular, ao estado democrático de direito.

Nesse ambiente de “consultas”, é surpreendente a declaração do secretário-geral da OEA, o uruguaio Luis Almagro, se posicionando contra a atuação do juiz Moro. “O Estado de direito exige que todos sejamos responsáveis e iguais perante a lei. Ninguém, e quero enfatizar isso, ninguém está por cima da lei: nenhum juiz está por cima da lei que ele mesmo tem o dever de aplicar, e da Constituição que garante o seu trabalho. A democracia não pode ser vítima do oportunismo, e deve estar sustentada na força das ideias e da ética”, disse.

A Operação Lava Jato já colocou 133 pessoas na prisão, entre eles alguns dos mais poderosos empresários do país, pertencentes a 16 companhias – como Camargo Correa, OAS, UTC, Odebrecht, Mendes Junior, Engevix, Queiroz Galvão, IESA e Galvão Engenharia –, além de políticos dos partidos dos mais diversos, tanto os governistas quanto os opositores: PT, PP, PMDB, PSDB…

Não se pode acreditar nas acusações contra o governo que partem de políticos da direita, em especial do PSDB, cujos líderes são acusados de vários delitos: tudo indica que a Operação Lava Jato não tem como meta terminar com a corrupção. O objetivo é liquidar o PT e o governo, o que confirma a tese de que se está desenvolvendo um golpe.

Existe, sem dúvidas, um problema racial e social: segundo o instituto DataFolha, 77% dos manifestantes opositores em São Paulo eram brancos e profissionais liberais ou empresários, e 63% estão na faixa etária dos 45 anos, com renda superior a cinco salários mínimos.

Mas nesta guerra de disparates, o prêmio maior ficou com o juiz federal Itagiba Catta Preta Neto, que derrubou a nomeação de Lula como ministro. Em seu perfil de Facebook, ele subiu fotos suas e de sua família nas manifestações contra o governo, no dia 13 de março, e escreveu: “ajude a derrubar a Dilma e volte a viajar a Miami e Orlando. Se ela cai, o dólar baixará”.

Tradução: Victor Farinelli - Créditos da foto: Roberto Stuckert Filho/PR

ESTADOS UNIDOS É CÚMPLICE DE PLANO GOLPISTA CONTRA DILMA



Para o alto representante do Mercosul, a política exterior atual, e toda a política exterior aplicada pelos governos do PT desde 2003, estão em risco.

Darío Pignotti, de Brasília – Carta Maior

Para o alto representante do Mercosul e ex-deputado federal Doutor Rosinha já é hora de convocar o bloco como forma de frear o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, um processo que ele compara com o que derrubou Fernando Lugo no Paraguai há quatro anos. “A atual conjuntura brasileira deveria ser analisada pelos membros do Mercosul, para se verificar a aplicação das cláusulas democráticas previstas nos protocolos Ushuaia I e Ushuaia II, que garantem a manutenção da ordem democrática nos países”.

No Paraguai, o chefe da conspiração foi o vice-presidente Federico Franco, que após a queda de Lugo assumiu o governo, mas nunca foi membro do Mercosul, que suspendeu o país do bloco, em observância da cláusula democrática. Se a saga paraguaia se repetir no Brasil, quem vier a ocupar o cargo de Rousseff poderia, eventualmente, sofrer as mesmas sanções que foram aplicadas contra o golpista paraguaio Federico Franco, que nunca participou das cúpulas presidenciais do grupo. Por enquanto, a deposição de Dilma é apenas uma possibilidade, ainda não concretizada. O fato é a crise política que o maior país latino-americano atravessa, e a hipótese de que o Mercosul estabeleça uma rede de sustentação democrática para abortar tentações golpistas. “Há uma data marcada para essa reunião do Mercosul?”, perguntou Carta Maior a Doutor Rosinha: “isso está sendo conversado neste momento, e eu espero que avance rapidamente, não posso afirmar nada agora, só posso dizer que estamos trabalhando no tema”.

Nesta entrevista com Carta Maior, o ex-parlamentar do PT situa a crise brasileira dentro do quadro de regressão política que domina a região uma década depois do encontro histórico da Cúpula das Américas de Mar del Plata, que significou impedir a implementação da ALCA. O alto representante do Mercosul é cauteloso e diplomático na maioria de suas respostas, exceto quando se refere à “participação dos Estados Unidos nos eventos de desestabilização política contra o governo de Dilma”.

– Que grupos de interesse norte-americanos estão envolvidos na desestabilização?

– Um deles é o das petroleiras, eles nunca aceitaram que a Petrobras seja o eixo da exploração dos imensos poços da zona do Pré-sal, o que foi estabelecido no novo regime de partilha, sancionado em 2010. Não tenho dúvidas de que esses interesses estão atuando fortemente para tirar a Dilma do governo. Por isso concordo com a análise do professor Luiz Alberto Moniz Bandeira sobre a interferência estadunidense, que existe um plano desestabilizador onde estão envolvidas as grandes petroleiras e também o poder de Wall Street. Não me peça provas porque não as tenho, mas há muitos interesses norte-americanos que foram afetados pelos governos de Lula e de Dilma.

– Washington pressiona para enterrar a atual política exterior?

– A política exterior atual, e em geral toda a política exterior aplicada pelos governos do PT desde 2003, estão em risco. Por exemplo, os grupos conservadores que estão impulsando os ataques institucionais contra Dilma já avisaram que o Mercosul não está entre suas prioridades, e que retomarão o projeto de indiscriminada abertura neoliberal, nos moldes de velhos acordos, como a ALCA (Área de Livre Comércio para as Américas), ainda que não seja mais possível recriar totalmente a ALCA, que foi derrotada pelos presidentes Lula, Kirchner e Chávez, junto com outros aliados, em 2005. Se a direita voltar ao poder, acabará com a politica solidária com Cuba, que sempre foi vista com maus olhos pelos Estados Unidos. Como disse o ex-presidente (uruguaio) José Mujica, em recente visita ao Brasil, os norte-americanos nunca perdoarão os governos do PT e sua aproximação com Cuba. Os Estados Unidos nunca aceitará de bom grado a construção do Porto de Mariel, com apoio brasileiro. Washington pressiona para uma grande mudança de rumo, frear nossa inserção soberana no mundo. Se a direita chegar ao governo, será obediente nesse sentido, por isso espero que não chegue.

– Washington também pressiona por mudanças geopolíticas?

– Uma coisa tem a ver com a outra. Se houvesse um novo governo conservador, haveria uma nova diplomacia e uma nova configuração geopolítica. Lembremos que em 2007, quando se anunciou que tínhamos reservas enormes em nosso mar territorial, os norte-americanos reativaram a IV Frota. Em 2013, a presidenta suspendeu uma visita oficial aos Estados Unidos, em repúdio ao fato de que a NSA (Agência Nacional de Segurança estadunidense) roubou documentos da Petrobras. Para os Estados Unidos, e para os poderosíssimos grupos econômicos estadunidenses, é muito conveniente que a crise política siga crescendo. Para eles, o escândalo do “Petrolão”, é muito favorável, porque isso debilita mais a Petrobras. Eles não se importam com a corrupção ou se os corruptos serão condenados ou não, o que querem é manchar a imagem da Petrobras, prejudicando seu valor de mercado, obrigando-a a diminuir seu plano de investimentos. Não temos nada contra o combate à corrupção. Também se está atacando as empreiteiras brasileiras, que são muito fortes dentro de fora do país, porque há interesses de preparar o mercado brasileiro para em que desembarque das companhias construtoras de fora, permitindo que elas possam realizar obras de infraestrutura em nosso país.

– O golpe é irreversível?

– Não parece ser algo inevitável. Os movimentos populares, o PT, muitos grupos estão se mobilizando, porque não vão aceitar o rompimento da norma institucional, que se interrompa o governo de uma presidenta legitimamente eleita.

– O que significa a presença de Lula no governo, como ministro ou como assessor?

– A chegada de Lula ao gabinete é uma grande conquista. Quando falamos de Lula, estamos falando de um líder popular extraordinário, que se comunica melhor que ninguém com as bases, e ao mesmo tempo é alguém com capacidade de diálogo com os dirigentes de todos os partidos. Com Lula, renasce a esperança de que podemos construir novos consensos para superar a crise política. Seu retorno ao governo nos permite ter um gabinete hierarquizado, com uma figura de inquestionável projeção internacional, e isso é importante no atual momento. E essa figura é Lula, alguém com poder de interlocução com as personalidades internacionais, que tem um grande reconhecimento na América do Sul, o que nos ajudará a trabalhar melhor em nossa região, para convocar as forças democráticas. Porque não tenho nenhuma dúvida de que, se no final deste processo, o golpe vencer, isso prejudicará toda a América Latina, porque o Brasil tem um tamanho e uma importância econômica que contagia os países irmãos. Corremos o risco de que o Brasil termine sendo governado por um salvador da pátria, um oportunista vestido de herói, aclamado por essa parte da sociedade que odeia a política, e que tem sede de vingança contra os governos de esquerda, populares e democráticos do PT.

Tradução: Victor Farinelli - 
Créditos da foto: Loey Felipe / ONU

LISBOA, O SEGUNDO PAÍS DE ISABEL DOS SANTOS



A filha de José Eduardo dos Santos e o seu marido Sindika Dokolo gerem, a partir da capital portuguesa, um universo de mais de 40 sociedades-veículo com que controlam os seus negócios, em esquemas de cascata. Apesar de ser dona de parte da Galp desde 2007, isso nunca apareceu em qualquer informação oficial

Micael Pereira, texto – Carlos Pais. Infografia – Expresso

Isabel dos Santos gosta de Lisboa. A cidade tem um pouco de Luanda. Palmeiras, luz, água em abundância, a mesma língua. Da varanda da suite onde costuma ficar no Ritz, o emblemático hotel de cinco estrelas construído depois da Segunda Guerra Mundial, vê-se a praça Marquês de Pombal e a as copas da avenida da Liberdade, onde funciona o seu escritório, a poucos minutos de distância. É numa esquina junto ao renovado teatro Tivoli que o seu núcleo duro ocupa dois pisos de um edifício oitocentista restaurado, onde fica a única loja da Louis Vuitton em Portugal. Uma dezena de gestores e assessores gere os ativos no valor de milhares de milhões de euros que a mulher mais rica de África tem concentrados em participações de grandes empresas em Portugal e em Angola.

Não é a típica estrutura que se poderia esperar de um grupo económico que se estende à banca, às telecomunicações e ao sector da energia. Faz mais lembrar um family office, uma boutique financeira especializada em tomar conta de fortunas de família, já que não existe uma empresa-mãe a partir da qual tudo deriva.

De acordo com dados recolhidos numa colaboração entre o Expresso e a ANCIR (African Network of Centers for Investigative Reporting), uma rede de centros de jornalismo de investigação com sede na África do Sul, Isabel dos Santos e o seu marido, Sindika Dokolo, detêm mais de 40 sociedades-veículo em várias jurisdições, geridas a partir do escritório de Lisboa e que controlam por sua vez participações em grandes empresa em Portugal e Angola, a par de negócios noutros países, como a Suíça ou a Nova Zelândia, sem que se perceba nalguns casos até onde se estendem os interesses da empresária. Mesmo nas situações de grandes empresas cotadas em bolsa que são obrigadas a prestar informações sobre os seus accionistas de referência.

QUANTO MAIS COMPLEXO, MELHOR?

Um dos exemplos de como a cadeia de interesses da filha de José Eduardo dos Santos é complicada e opaca está na participação indirecta que possui na Galp Energia. Segundo os dados obtidos pelo Expresso e pela ANCIR com a ajuda da Orbis, uma base de dados da Bureau van Dijk, uma multinacional de business intelligence com registos sobre 180 milhões de companhias, e com recurso também a outras fontes, este foi o esquema em cascata encontrado no final de 2015:

1. Isabel era dona, a meias com o marido, Sindika Dokolo, de uma sociedade em Amsterdão chamada Melbourne Investments;

2. A Melbourne Investments, por sua vez, era dona de uma companhia na Suíça de nome Exem Holding AG;

3. A Exem Holding AG detinha 40% de uma outra empresa, a Esperaza Holding, em Amsterdão, enquanto os outros 60% estavam nas mãos da petrolífera estatal angolana Sonangol;

4. A Esperaza Holding possuía 45% da sociedade holandesa Amorim Energia BV, sendo os restantes 55% controlados por Américo Amorim;

5. A Amorim Energia BV tinha 38,34% da Galp Energia.

Mas uma actualização feita agora pelo Expresso e pela ANCIR na Orbis já dava conta de outro cenário. Isabel dos Santos e a Melbourne Investments saíram da equação. Uma outra sociedade, a Exem Energy BV, em Amesterdão, detém 40% da Esperaza Holding. A Exem Energy, por outro lado, é 100% detida pela Exem Holding AG, na Suíça, que agora é totalmente detida por Sindika Dokolo, sem a mulher. Sendo que a posição indireta de 7% na Galp mantém-se.

Até hoje não existe nenhuma informação oficial em Portugal sobre a estrutura accionista da Esperaza. Nem nos relatórios da Galp Energia, nem do grupo Amorim, nem também nas informações obrigatórias que são prestadas à CMVM, a Comissão do Mercado de Valores Imobiliários, entidade que regula as sociedades com presença em bolsa.

O principal colaborador de Isabel dos Santos, o português Mário Leite da Silva, que chefia a equipa do número 190 da avenida da Liberdade, faz parte da administração da Esperaza desde outubro de 2007 mas quatro anos depois, em 2011, o departamento jurídico e de contencioso da CMVM admitia que ainda não estava ao corrente sobre a posição da empresária na Galp, num ofício enviado ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), em resposta a pedidos de esclarecimento do Ministério Público. “No prospecto de oferta pública de venda e admissão à negociação da Galp Energia, SGPS, de outubro de 2009, era dito que a Sonangol detém 100% do capital social da Esperaza Holding BV”, lê-se no ofício, sendo que “nenhuma alteração ao exposto foi informada à CMVM” apesar de serem “conhecidas as notícias que dão conta de que Isabel dos Santos teria adquirido uma participação na Esperaza”.

Nada mudou nas informações que foram sendo prestadas à CMVM pela Galp depois desse ofício endereçado ao Ministério Público em 2011. No último relatório e contas da empresa do sector energético, relativo a 2014, vem apenas que a Esperaza “é controlada pela Sonangol”, sem nenhuma menção a Isabel dos Santos ou às suas sociedades-veículo. O mesmo é referido no “relatório de governo societário” de 2014 entregue pela GALP à CMVM.

UM SÓCIO CHAMADO ESTADO

Mário Leite da Silva, um economista de 43 anos, abandonou o cargo de administrador financeiro de Américo Amorim em 2006 para assumir a gestão dos negócios de Isabel. Uma fonte que o conhece descreve-o como “um homem profissional, meticuloso e autoritário, ainda que ela é de facto quem manda e decide o que fazer a cada momento”. Leite da Silva é presidente de quatro conselhos de administração e administrador de outras 12 empresas, a maioria delas meras sociedades instrumentais. Como é o caso da Victoria Holding Limited e da Victoria Ltd, ambas sediadas em caixas postais de St. Julian’s, em Malta.

Até dada altura, a Victoria Holding Limited era detida pela Melbourne Investments - a tal empresa do casal Isabel e Sindika - e por sua vez era dona da Victoria Limited cuja única aparente função é ser proprietária de 95% da De Grisogono, uma famosa casa de fabricantes de jóias de luxo de Genebra, na Suíça, comprada em 2012 por mais de 60 milhões de euros e da qual Leite da Silva é o presidente do conselho de administração.

Há dois anos, surgiram referências de haver no esquema em cascata mais uma empresa estatal, no papel de accionista da Victoria Holding: a Sociedade de Comercialização de Diamantes de Angola, Sodiam, criada em 1999 e com os direitos exclusivos de exportação de todos os diamantes angolanos. Essa informação foi divulgada pelo jornalista angolano Rafael Marques na revista Forbes. Não existem evidências disso, pelo menos diretas, nas pesquisas mais recentes à Orbis, feitas já em março. Mas o esquema em cascata está mais complexo. A Melbourne Investments desapareceu, mais uma vez, do assunto. E em vez de uma De Grisogono, passou a haver duas, ambas no Luxemburgo: a De Grisogono Holding SA e a De Grisogono SA., sendo que a primeira delas tem como sócio minoritário a Eurofinsa SA.

A Eurofinsa, uma construtora multinacional construtora espanhola, foi alvo de uma investigação por parte do Ministério Público em que estava em causa a entrega de 16,5 milhões de euros a José Filomeno dos Santos, irmão de Isabel dos Santos, chairman do Fundo Soberano de Angola e considerado como um provável sucessor do pai à frente dos destinos do país.

De acordo com o jornal espanhol El Confidencial, a Eurofinsa, que viria a ser o segundo maior financiador da fundação do ex-juiz Baltazar Garzon, distribuiu jóias e carros de luxo por figuras-chave em Luanda, incluindo um Audi ao ministro das Obras Públicas e dois Audis no valor de 100 mil euros cada ao presidente do Instituto de Estradas de Angola (INEA), a quem caberia decidir sobre um contrato de 300 milhões de euros que era do interesse da construtora espanhola. O caso acabou por ser arquivado em maio de 2011 por um juiz que concluiu pela impossibilidade de se conseguir provar se os presentes tiveram como contrapartida a obtenção de contratos públicos. O magistrado aceitou, além disso, o argumento apresentado por sócios de José Filomeno dos Santos de que os 16,5 milhões de euros foram apenas um empréstimo para a compra de uma casa em Londres.

Além do negócio de diamantes na Suíça, Mário Leite da Silva ocupa posições relevantes em empresas em Angola, como a Ciminvest, no sector do cimento, e SOCIP, que controla a ZAP, a distribuidora de televisão por satélite.

Ao mesmo tempo que Isabel dos Santos vem acumulando divergências com os seus principais parceiros de negócios portugueses — primeiro com o homem mais rico de Portugal, Américo Amorim, com quem entrou na banca em Angola e no sector da energia em Portugal; depois com a Sonae de Belmiro de Azevedo por causa do negócio dos supermercados Condis; e agora com a administração do BPI, a propósito de uma disputa sobre o controlo da filial do banco possui em Angola, o BFA — um grupo de eurodeputados que incluí a antiga embaixadora Ana Gomes tem feito pressão junto da Comissão Europeia e da Autoridade Bancária Europeia para verificarem se as regras de diligência reforçada impostas pela legislação comunitária sobre branqueamento de capitais estão a ser cumpridas em Portugal. Não só pelos bancos e pelas grandes empresas não financeiras com as quais a filha do presidente está envolvida mas também pelas entidades reguladoras que são responsáveis por garantir que essas regras são respeitadas: o Banco de Portugal e a CMVM.

Como é que uma pessoa tão politicamente exposta tem sido tão facilmente aceite pelos bancos portugueses de que é accionista ou pelos bancos que lhe têm emprestado dinheiro? Subsistem zonas cinzentas, como sublinha Ana Gomes, sobre a origem da sua fortuna e sobre o cruzamento de empresas suas com empresas estatais angolanas, controladas pelo pai. A eurodeputada portuguesa e os seus colegas do Intergrupo Parlamentar para Integridade e Transparência têm focado as suas atenções no negócio de compra de 65% da Efacec, concluído em outubro de 2015 e que inclui a participação de mais uma companhia estatal angolana, a ENDE, Empresa Nacional de Distribuição de Eletricidade, e que foi feito com recurso a empréstimos concedidos por quatro bancos portugueses. Uma compra que, segundo um comunicado de Isabel dos Santos, “correspondeu a um processo negocial transparente”.

Confrontada pelo Expresso com uma lista de oito perguntas sobre foram cumpridos os deveres de diligência reforçada no âmbito do financiamento que deu para a empresária adquirir a Efacec, a Caixa-Geral de Depósitos limitou-se a dizer: “A Caixa cumpre o que vem na lei sobre este assunto”. O BPI, numa resposta muito mais longa, disse o mesmo. Nada se sabe sobre os procedimentos que têm sido seguidos.

DISTÂNCIA DOS GENERAIS

A aquisição da Efacec, segundo fontes que acompanharam o negócio, demorou dois anos a ser desenhada, incluindo quanto à estrutura accionista que foi construída com esse propósito. Mais uma vez, o processo foi conduzido pelo núcleo duro do número 190 da avenida da Liberdade, com consultores externos da PricewaterhouseCoopers e a ajuda da PLMJ, a maior sociedade de advogados em Portugal, dirigida por José Miguel Júdice, de onde saiu há poucos meses o outro colaborador de referência da empresária: Jorge Brito Pereira, especialista em estruturas corporativas e processos de fusões e aquisições.

Brito Pereira anunciou internamente a sua saída com um ano de antecedência, mas, segundo uma fonte que assistiu à transferência do advogado, os sócios acabaram por ser apanhados de surpresa quando souberam que afinal ia trabalhar para a Uría Menéndez, a sociedade de Proença de Carvalho. “Ele era um príncipe na PLMJ, fazia o que queria, porque tinha a conta de Isabel dos Santos.”

A ida de Brito Pereira para a Úria foi encarada no meio como reveladora de uma nova fase, uma vez que até recentemente, de acordo com outra fonte próxima deste círculo, “ela fazia questão de manter a distância em relação aos generais do regime angolano e evitava, inclusive, partilhar voos para Lisboa. Considerava-se superior. E Proença de Carvalho representava e representa os interesses deles.”

Até hoje, Isabel dos Santos nunca caiu na situação em que outros investidores angolanos foram apanhados, a propósito de movimentos internacionais avultados para contas em bancos portugueses. A filha do presidente angolano “é muito escrupulosa com as suas finanças pessoais e tem tudo em ordem do ponto de vista fiscal”, diz alguém que a conhece. “Não há nada que se lhe possa apontar desse ponto de vista.” Isabel não está na lista de figuras do regime de Luanda sob investigação há vários anos por suspeitas de branqueamento de capitais no DCIAP — e onde constam nomes como o ministro Hélder Vieira Dias, conhecido como general Kopelipa, ou o empresário Leopoldino do Nascimento Fragoso — o general Dino.

A empresária chegou a ser detectada numa averiguação preventiva por causa de uma transferência de um milhão de euros, mas que foi logo esclarecida como sendo uma remuneração, não dando origem a um processo-crime. E o Ministério Público tropeçou no seu nome em 2007 durante umas buscas a um escritório de advogados. Não foram encontrados indícios de crime. Isabel e Sindika tinham comprado uma casa através de uma companhia offshore, mas os impostos estavam em ordem. A casa continua a ser sua, é a única que tem em Lisboa, mas nunca foi ocupada. Isabel, nisso, é como o pai: quando está em Lisboa, prefere ficar no Ritz.

Uma investigação Expresso/ANCIR (African Network of Centers for Investigative Reporting), com o apoio do programa Connecting Continents

Nota: uma versão deste artigo foi publicada no caderno de Economia na edição em papel do Expresso de 12 de março de 2016

Foto: Rui Duarte Silva

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