sábado, 9 de julho de 2016

Portugal-UE. APLICAÇÃO DE SANÇÕES



Ana Alexandra Gonçalves *

A Alemanha parece querer liderar um grupo de países que defende a aplicação draconiana das regras comunitárias, sobretudo no que diz respeito ao cumprimento das metas do défice. Juntamente com Holanda e Finlândia, a Alemanha defende que não deve existir qualquer excepção, contrariamente a países como a França e a Itália que defendem precisamente o contrário. A Comissão manifesta o seu acordo com a Alemanha.

"As regras são para cumprir" parecem ser as palavras que soam bem às opiniões públicas dos países acima referidos, a começar precisamente pela Alemanha. Paralelamente, existe uma certa tendência para se misturar o que não tem qualquer relação: crise dos refugiados com metas de défice. Sinais de uma Europa claramente à deriva.

É também claro que os problemas do Deutsche Bank, postos a nu pelo FMI que considera que os mesmos constituem o maior risco à estabilidade mundial, não podem ser dissociados da inflexibilidade alemã. Não será por mero acaso que de cada vez que o ministro Schaüble é questionado sobre o Deutsche, a resposta acaba invariavelmente por ser sobre Portugal. De resto, enquanto existir quem pague os buracos da banca alemã, designadamente os países periféricos, criaturas como Schaüble continuarão a ter existência política. Assim, a austeridade não pode abrandar e muito menos parar. E é também desta forma que se garante a hegemonia da Alemanha no contexto europeu.

A única certeza que parece subsistir é que uma Europa em que os países se digladiam é precisamente o oposto daquilo que é apregoado pelo projecto europeu.

*em Triunfo da Razão

Leia mais em Triunfo da Razão

Portugal-UE. Sanções. Costa volta a sensibilizar parceiros e recusa negociações com fundos



O primeiro-ministro voltou a sensibilizar em Varsóvia os seus parceiros europeus sobre a "injustiça" da aplicação de eventuais sanções a Portugal e negou que haja negociações com as instituições europeias sobre o congelamento de fundos.

António Costa respondeu ser "prematuro fazer essa contagem" à questão sobre se já contou 'espingardas', ou seja apoios para conseguir travar a eventual aplicação de sanções na reunião dos ministros europeus das Finanças de terça-feira, em Bruxelas.

"Mas aproveitei esta ocasião [cimeira da NATO] para poder falar com todos os meus colegas de governos que participam na reunião do Eurogrupo para transmitir a nossa posição e a nossa argumentação sobre a desadequação e injustiça de aplicar sanções a Portugal" devido à violação das regras orçamentais.

Comentando a informação da edição do jornal Expresso hoje sobre a negociação do Ministério das Finanças com as instituições comunitárias sobre um congelamento de fundos, na sequência da aplicação de sanções, o chefe do Executivo adiantou não ter conhecimento dessa situação.

"Não tenho conhecimento de qualquer negociação que esteja em curso e que envolva os fundos comunitários", disse António Costa, em conferência de imprensa, no final de dois dias da reunião bienal da NATO.

O chefe do Executivo reafirmou ainda a posição que Portugal tem mantido acerca da possibilidade de sanções: "Espero que no Ecofin [reunião dos ministros das Finanças da UE] exista o bom senso que existiu até agora na Comissão [Europeia] que, constatando um facto, não retirou nenhuma consequência concreta desse facto".

Na quinta-feira, a Comissão Europeia lançou processos de sanções a Portugal e Espanha, ao concluir que os dois países não tomaram "medidas eficazes" para corrigir os seus défices excessivos, passando a palavra aos ministros das Finanças da União Europeia.

O Ecofin pronuncia-se na próxima terça-feira sobre os processos de sanções aos dois países.

Caso o Conselho de Ministros, dos Estados-membros, confirme o parecer da Comissão Europeia, esta terá um prazo de 20 dias, a partir de terça-feira, para recomendar o montante da multa a aplicar, que pode ir até 0,2% do Produto Interno Bruto (PIB).

"Querer anunciar o resultado do Ecofin antes do Ecofin estar concluído é o mesmo que querer abrir o telejornal com de hoje a dizer qual vai ser o resultado do Portugal-França de amanhã [domingo, da final do campeonato europeu de futebol)", comparou.

Para os dois casos, António Costa revelou os prognósticos que gostaria que se concretizassem.

"O que eu gostaria que fosse o resultado do Ecofin é que fosse a aplicação de nenhuma sanção", disse o primeiro-ministro, acrescentando que em relação ao jogo do Euro sua "vontade não é particularmente original: é que Portugal ganhe".

Lusa, em Notícias ao Minuto

O QUE ESCONDE A CHACINA DE ISTAMBUL




Na sua visão esquemática e simplista de acontecimentos graves, designadamente os relacionados com o terrorismo, a comunicação social dominante aceita como boa e natural a tese das autoridades turcas segundo as quais o recente atentado no aeroporto de Istambul foi obra o Estado Islâmico, ou Isis, ou Daesh.

E assim se enganam as pessoas, induzindo-as em raciocínios também eles esquemáticos e simplistas que escapam à realidade e confundem deliberadamente os factos.

Em relação ao atentado de Istambul existe uma diferença relevante quando comparado com os de Paris ou Bruxelas: a autoria não foi reivindicada. O facto pode não ser determinante, mas, apesar de tudo, por alguma razão o Daesh não reclamou para si a execução do massacre. Poderá ser um pormenor, mas o mais certo é que não o seja.

O que não é um pormenor, antes uma realidade comprovada pelos factos e pela informação dos satélites, é que o Daesh funciona como uma extensão do regime ditatorial e expansionista do presidente turco Recep Tayyp Erdogan. Logo, não faz qualquer sentido que o grupo tenha atacado num local tão sensível da Turquia, a não ser que isso reverta em favor do regime de Erdogan.

Por isso, mais do que a reivindicação ou até os laços conhecidos, a maneira mais apropriada de perceber a razão de ser do massacre será seguir muito de perto, e com o máximo de informação possível, os próximos passos de Erdogan e dos seus agentes.

A primeira medida conhecida revelou logo muito sobre a pouca transparência dos círculos governamentais turcos perante o crime. O AKP, o partido fundamentalista islâmico que sustenta a ditadura, rejeitou a proposta da oposição para criação de uma comissão parlamentar de inquérito ao atentado. Isso faz com que a versão do presidente, a de que foi o Daesh, seja a única admitida, funcionando como verdade oficial adoptada internacionalmente.

Sabe-se que a França de Hollande e Valls e o fundamentalismo turco estabeleceram um acordo em que Ancara promete desenvolver todos os esforços para evitar que o Daesh execute qualquer atentado em território francês durante o Campeonato Europeu de futebol. Em contrapartida, a França compromete-se a apoiar os esforços da Turquia e de Israel, com a cumplicidade dos Estados Unidos, para que seja criado um “estado curdo” no Norte da Síria, através de uma limpeza étnica contra comunidades árabes e cristãs. A manobra conta com a traição da facção Salih Muslim do grupo curdo YPG, que se aliou ao regime turco permitindo a possível transformação desse “estado curdo” no lugar para onde serão expulsos os curdos da Turquia, que Erdogan ameaça destituir da nacionalidade turca. Não seria o primeiro ataque em massa das correntes supremacistas e fascistas da Turquia contra minorias existentes nos territórios sob seu controlo. Ainda muito recentemente o Papa Francisco lembrou o genocídio de centenas de milhares de arménios, cometido há 100 anos.

Sendo o terrorismo internacional um submundo no qual os rótulos têm reconhecida volatilidade – os mercenários mudam de grupo e de obediência consoante quem lhes paga e outras vantagens e recompensas – é muito provável que nunca venha a conhecer-se a verdade sobre o atentado no aeroporto de Istambul, prevalecendo a versão sem sentido, mas chancelada como verdade oficial, posta a circular pela ditadura de Erdogan.

Para quem não gosta de ser enganado e de comer gato por lebre, a sugestão que fica é a de seguir os próximos passos do regime de Erdogan e não lhe será difícil aperceber-se de quem irá tirar proveito de mais esta chacina de inocentes.

* em Mundo Cão

O TPP NÃO É SOBRE LIVRE COMÉRCIO – É SOBRE PROTEGER OS LUCROS CORPORATIVOS




As partes mais significativas do acordo prejudicariam o livre fluxo de bens e serviços expandindo algumas políticas protecionistas e anti-competitivas.

Zaid Jilani, The Intercept – Carta Maior

Os veículos de mídia e defensores do acordo de comércio Parceira Trans-Pacífica (TPP) descreveram repetidamente os opositores do acordo como “protecionistas” ou opositores do comércio.

Por exemplo, depois de Donald Trump ter pressionado Hillary Clinton a reconhecer a veracidade legal do acordo, o New York Times relatou que Trump estava abraçando “políticas nacionalistas anti-comércio”. O Wall Street Journal disse que Trump expressou “visões protecionistas”. O presidente Obama alertou que não é possível retirar-se  de acordos e focar somente no mercado local.

Mas a oposição ao TPP não é descrita precisamente como oposição a todo o comércio ou ao livre comércio.

Na realidade, o maior impacto do acordo não estaria na área de redução de tarifas, as barreiras de comércio mais comuns. A TPP está mais focada em elaborar regimes regulatórios que beneficiem certas indústrias. 

Então, as partes mais significativas do acordo prejudicariam o livre fluxo de bens e serviços expandindo algumas políticas protecionistas e anti-competitivas procuradas por corporações globais.

“Já temos acordos de comércio com seis dos 11 países. O Canadá e o México – nossos dois maiores parceiros  – estão dentro. As tarifas são quase zero [com esses países] de qualquer modo”, disse Dean Baker, economista do Centro de Pesquisas Econômicas de Políticas, ao The Intercept. “O que está no acordo? Maiores proteções de patentes e direitos autorais!  Isso é protecionismo”.

O próprio relatório da Comissão Internacional de Comércio dos EUA nota que “poucas tarifas continuam entre os EUA e seus parceiros [de acordos de livre comércio] existentes”, que compõem a maioria dos países do TPP.

É verdade que acordos de comércio do passado como o Acordo de Livre Comércio da América da Norte (NAFTA), têm abaixado as tarifas dramaticamente, permitindo que as companhias movam os empregos de manufatura para fora do país. E como resultado, a própria noção de acordos de comércio deixou muitos norte-americanos compreensivelmente céticos.

Preocupações sobre se a TPP levaria a maiores perdas de emprego “são reais e eu acho que a discussão política está respondendo a essas preocupações de ambos os partidos”, disse Melinda St. Louis, diretora de campanhas internacionais do Public Citizen, ao The Intercept. Mas ela notou, “eu acho que os aspectos de comércio da TPP são uma pequena parte do acordo. São apenas seis dos 30 capítulos que falam sobre comércio e bens. O resto é sobre estabelecer regras globais”.

Uma das regras propostas pela TPP, por exemplo, envolve a expansão dos direitos autorais, o que iria impor custos anti-competitivos nas economias.

O acordo tem sido fortemente criticado por organizações humanitárias como Médicos Sem Fronteiras - que manda milhares de médicos além mar para oferecer assistência médica para aqueles que não podem pagar - porque expande o monopólio de proteções e patentes para várias drogas farmacêuticas.

Por exemplo, o acordo exige que os países envolvidos ofereçam oito anos de exclusividade de mercado, ou cinco anos mais outros mecanismos, para assegurar “resultados de mercado comparáveis” para uma classe de produtos farmacêuticos chamados de biológicos. Essas drogas de ponta, biologicamente manufaturadas têm sido usadas para tratar a doença de Crohn, artrite e outras doenças comuns – e expandir exclusividade de mercado significa que há menos espaço para competidores produzirem drogas genéricas mais baratas para competirem.

“Não temos uma posição sobre a TPP como um todo, não somos anti-comércio, somos uma organização humanitária”, explicou Judit Rius Sanjuan, conselheira legal de políticas dos Médicos Sem Fronteiras. “Algumas das provisões no texto também tornarão mais difícil que haja inovação, pois criam monopólios de patentes por grandes companhias farmacêuticas”.

A TPP também procura fortalecer e estender o monopólio de patentes para a indústria do entretenimento.

Em uma volta da vitória esse ano, o CEO da Disney, Bob Iger, escreveu aos empregados da companhia, que estavam se gabando sobre o papel da companhia na expansão das provisões de propriedade intelectual (IP) na TPP, dizendo  que a Disney foi capaz de “defender com sucesso um capítulo forte sobre a IP nas negociações de comércio da TPP”.

A Disney teve um grande papel no lobby de uma lei de 1998 que estendeu direitos autorais para criações de mídia.

A mudança de regra do Congresso em 1998 foi um boom para a Disney, que estava quase perdendo os direitos autorais do Mickey Mouse em 2003. Graças a essa mudança de lei, a qual os oponentes chamaram de “Lei de Proteção do Mickey Mouse”, os direitos autorais do Mickey Mouse foram estendidos até 2023.

A TPP procura expandir isso, estabelecendo um regime global de proteção ao Mickey Mouse. Michael Froman, responsável comercial dos EUA, viajou até Hollywood em maio para lembrar a um grupo de comércio que a TPP exigiria que os países mudassem seus termos de direitos autorais para o padrão de 70 anos dos EUA. Seria um aumento dos 50 anos, o padrão atual em muitos dos países que são parte da negociação.

Froman apontou filmes como Sound Of Music e Dr. Zhivago, notando que esses filmes são “vintage 1996, que sem a TPP ficariam sem proteção ano que vem”.

Créditos da foto: reprodução

RUMO A UMA ERA DA DESINTEGRAÇÃO?



No Oriente Médio, Estados independentes desmoronam. Guerras, políticas neoliberais e desigualdade extrema aceleram o processo. Mas e se o fenômeno tornar-se global?

Patrick Cockburn – Outras Palavras - Tradução: Cauê Seignemartin Ameni e Inês Castilho

Vivemos numa era de desintegração. Em nenhum lugar isso é mais evidente do que no Oriente Médio e na África. De lado a lado da vasta faixa de território entre o Paquistão e a Nigéria, há pelo menos sete guerras acontecendo – no Afeganistão, Iraque, Síria, Iêmen, Líbia, Somália e Sudão do Sul. Esses conflitos são extraordinariamente destrutivos. Despedaçam os países onde estão ocorrendo, a ponto que é de se duvidar se algum dia poderão recuperar-se. Cidades como Aleppo, na Síria; Ramadi, no Iraque; Taiz, no Iêmen; e Benghazi, na Líbia, foram reduzidas a ruínas, em parte ou totalmente. Há também pelo menos três outras sérias conflagrações: no sudeste da Turquia, onde as guerrilhas curdas estão combatendo o exército turco; na península do Sinai, no Egito, onde atua uma guerrilha pouco divulgada, porém feroz; e no nordeste da Nigéria e países vizinhos, onde o Boko Haram continua a fazer ataques assassinos.

Todos têm algumas coisas em comum: são intermináveis, e parecem nunca produzir vencedores ou perdedores definitivos. (O Afeganistão está em guerra desde 1979 e a Somália, desde 1991). Envolvem a destruição ou o desmembramento de nações unificadas, sua divisão de facto entre movimentos de massa da população e insurreições – bemdivulgados no caso da Síria e do Iraque, e menos em lugares como o Sudão do Sul, onde mais de 2,4 milhões de pessoas foram deslocadas nos últimos anos.

Some-se a isso mais uma semelhança, não menos crucial, embora óbvia: na maioria desses países, nos quais o Islã é a religião dominante, movimentos salafistas extremistas, entre eles o Estado Islâmico (ISIS), a Al-Qaeda e o Talibã, são essencialmente os únicos canais disponíveis para protestos e rebeliões. No momento, substituíram inteiramente os movimentos socialistas e nacionalistas que predominaram no século 20. Os últimos anos viram um significativo retorno à identidade religiosa, étnica e tribal, por movimentos que buscam estabelecer seu próprio território exclusivo pela perseguição e expulsão de minorias.

No processo, e sob pressão de intervenção militar externa, uma vasta região do planeta parece estar sendo cindida. Há muito pouco entendimento desses processos em Washington. Um bom exemplo disso foi o recente protesto de 51 diplomatas do departamento de Estado, contrários à política do presidente Barack Obama para a Síria e a sugestão de que sejam lançados ataques aéreos contra as forças do regime sírio, acreditando que o presidente Bashar al-Assad iria assim cooperar com um cessar fogo. A abordagem dos diplomatas mantém-se tipicamente simplória, num conflito extremamente complexo, ao acreditar que o bombardeio de áreas civis e outros atos impiedosos do governo sírio são a “causa raiz da instabilidade que continua a sufocar a Síria e a região mais ampla”.

É como se a mente desses diplomatas estivesse ainda na era da Guera Fria, como se eles ainda estivessem lutando contra a União Soviética e seus aliados. Contra todas as evidências dos últimos cinco anos, assume-se que uma oposição síria moderada, que mal sobrevive, seria beneficiada pela queda de Assad. Falta entender que a oposição armada na Síria é inteiramente dominada pelos clones do Estado Islâmico e da al-Qaeda.

Embora admita-se amplamente, hoje, que a invasão do Iraque em 2003 foi um erro (mesmo por aqueles que a apoiaram à época), não se aprenderam as verdadeiras lições. Por que todas as intervenções militares, diretas ou indiretas, dos EUA e seus aliados no Oriente Médio, no último quarto de século, apenas exacerbaram a violência e aceleraram a falência do Estado?

Extinção em massa de estados independentes

O Estado Islâmico (ISIS), que acaba de comemorar seu segundo aniversário, é o resultado grotesco desta era de caos e conflitos. A simples existência dessa seita hedionda é um sintoma do profundo deslocamento sofrido pelas sociedades de toda a região, governada por elites corruptas e desacreditadas. O crescimento do ISIS – e o de vários clones do estilo Talibã e Al-Qaeda – é uma medida da fraqueza de seus opositores.

O exército e forças de segurança do Iraque, por exemplo, tinham 350 mil soldados e 660 mil policiais, segundo os registros, em junho de 2014, quando alguns poucos milhares de combatentes do Estado Islâmico capturaram Mossul, segunda maior cidade do país, que ainda dominam. Hoje, o exército iraquiano, os serviços de segurança e cerca de 20 mil paramilitares xiitas, apoiados pelo poder de fogo maciço dos Estados Unidos e forças aéreas aliadas, abriram caminho a bala até a cidade de Faluja, cerca de 60 quilômetros a oeste de Bagdá, contra a resistência de não mais que 900 combatentes do ISIS. No Afeganistão, o ressurgimento do Talibã, supostamente derrotado em definitivo em 2001, aconteceu menos em razão da popularidade do movimento do que pelo descaso com que os afegãos viam o governo corrupto de Cabul.

Os estados-nação estão depauperados ou desmoronando em todos os lugares, enquanto líderes autoritários lutam pela sobrevivência frente a crescentes pressões, externas e internas. Esse não é, de modo algum, o modo como se esperava que se desse o desenvolvimento da região. Os países que escaparam do domínio colonial na segunda metade do século 20, com o passar do tempo, deveriam tornar-se mais e não menos unificados.

Entre 1950 e 1975, líderes nacionalistas assumiram o poder em grande parte do mundo anteriormente colonizado. Prometeram alcançar autodeterminação nacional criando estados independentes poderosos, por meio da concentração de todos os recursos políticos, militares e econômicos disponíveis. Em vez disso, no decorrer das décadas muitos desses regimes transformaram-se em estados policiais controlados por um pequeno número de famílias surpreendentemente ricas, e uma camarilha de empresários dependentes de suas conexões com líderes como Hosni Mubarak, no Egito, ou Bashar al-Assad, na Síria.

Nos últimos anos, esses países foram também abertos ao furacão do neoliberalismo, que destruiu qualquer contrato social rudimentar que existia entre os governantes e os governados. Veja a Síria. Lá, vilas e cidades rurais que em algum momento apoiaram o regime do partido Baath da família al-Assad, porque proporcionou empregos e manteve baixos os preços dos produtos básicos, foram depois de 2000 abandonados às forças do mercado, distorcidas em favor daqueles que estão no poder. Esses lugares foram a espinha dorsal da rebelião pós 2011. Ao mesmo tempo, instituições como a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), que tanto fez para aumentar a riqueza e o poder dos produtores de petróleo da região nos anos 1970, perderam a capacidade de agir unificadamente.

A questão do momento é: por que uma “extinção em massa” de estados independentes está acontecendo no Oriente Médio, no Norte da África e região? Os políticos e a mídia ocidentais referem-se frequentemente a esses países como “estados fracassados”. O sentido que esse termo implica é que o processo é autodestrutivo. Mas vários estados agora rotulados de fracassados, como a Líbia, reduziram-se a isso somente depois que movimentos de oposição, apoiados pelo Ocidente, tomaram o poder com o apoio e a intervenção militar de Washington e da OTAN, e mostraram-se muito fracos para impor seus próprios governos centrais e o monopólio da violência no território nacional.

O processo começou, em vários sentidos, com a intervenção no Iraque pela coalizão liderada pelos EUA, em 2003, que levou à queda de Saddam Hussein, ao fechamento do Partido Baath e à dissolução de seu exército. Qualquer que sejam seus erros, Saddam e o autocrático governante da Líbia, Muammar Gaddafi, foram claramente demonizados e acusados pelas diferenças étnicas, sectárias e regionais dos países que governavam — forças estas que foram, na verdade, liberadas de modo cruel depois de suas mortes.

Há, contudo, uma pergunta que não quer calar: por que a oposição à autocracia e à intervenção do Ocidente assumiu a forma islâmica, e por que os movimentos islâmicos que acabaram por dominar a resistência armada no Iraque e na Síria, em particular, toram tão violentos, regressivos e sectários? Colocado de outra forma, como poderiam esses grupos encontrar tantas pessoas querendo morrer por suas causas, enquanto seus opositores encontraram tão poucas? Quando os grupos de combate do ISIS estavam varrendo o norte do Iraque, no verão de 2014, soldados que haviam jogado fora suas armas e uniformes, e desertaram daquelas cidades do norte do país, justificaram sua revoada dizendo com desdém: “Morrer pelo [então primeiro ministro Nouri] al-Maliki? Jamais!”

Uma explicação usual para o crescimento dos movimentos de resistência islâmica é que a oposição socialista, secular e nacionalista foi esmagada pelas forças de segurança dos velhos regimes, ao contrário dos islâmicos. Em países como a Líbia e a Síria, contudo, os islâmicos também foram perseguidos com selvageria, e apesar disso dominaram a oposição. Mesmo assim, embora esses movimentos religiosos tenham sido suficientemente fortes para opor-se aos governos, eles geralmente não se mostraram fortes o suficiente para substituí-los.

Muito fracos para vencer, muito fortes para perder

Embora haja, claramente, muitas razões para a desintegração atual dos estados, e elas sejam de alguma forma diferentes de lugar para lugar, uma coisa é certa: o fenômeno está se tornando uma regra em vastas regiões do planeta.

Se você está procurando as causas da falência do estado nos dias que correm, deve sem dúvida começar pelo fim da Guerra Fria, um quarto de século atrás. Uma vez encerrada, nem os EUA, nem a nova Rússia que emergiu da implosão da União Soviética tinham interesse significativo em continuar apoiando “estados fracassados”, como fizeram durante tanto tempo, por medo de que o superpoder rival e seus aliados locais pudessem, então, tomar o poder. Antes, líderes nacionais de regiões como o Oriente Médio eram capazes de manter seus países com certa independência, equilibrando-se entre Moscou e Washington. Com a dissolução da União Soviética, isso não foi mais possível.

Além disso, na esteira do colapso da União Soviética, o triunfo da economia neoliberal de livre mercado somou a esse mix um elemento crítico. O neoliberalismo iria se mostrar muito mais desestabilizador do que parecia à época.

Veja a Síria, de novo. A expansão do livre mercado, num país onde não havia nem legitimidade democrática, nem o domínio da lei, significou acima de tudo uma coisa: plutocratas ligados às famílias que governavam as nações tomaram para si tudo o que parecia potencialmente lucrativo. No processo, tornaram-se assustadoramente ricos, enquanto os habitantes empobrecidos das vilas, das cidades e das favelas urbanas, que antes contavam com o estado para conseguir emprego e comida barata, sofreram. Ninguém deveria surpreender-se pelo fato de que esses lugares tenham se tornado redutos das rebeliões sírias, depois de 2011. Na capital, Damasco, à medida em que se expandia o reino do neoliberalismo, até mesmo os membros menos importantes do mukhabarat, a polícia secreta, passaram a viver com apenas 200 a 300 dólares mensais, enquanto o estado tornava-se uma máquina de ladrões.

Esse tipo de saque e leilão do patrimônio nacional espalhou-se por toda a região nestes anos. O novo governo egípcio, comandado pelo general Abdel Fattah al-Sisi, impiedoso em relação a qualquer sinal de dissidência interna, foi emblemático. Em um país que tinha sido referência para regimes nacionalistas em todo mundo, ele não hesitou, em abril deste ano, em abrir mão de duas ilhas no Mar Vermelho para Arábia Saudita, de cujo financiamento e “ajuda” seu regime é dependente. (Para a surpresa de todos, o Tribunal Superior do Egito suspendeu recentemente a decisão de Sisi).

Esse gesto, profundamente impopular entre egípcios cada vez mais pobres, foi o símbolo de uma mudança mais vasta  no equilíbrio do poder no Oriente Médio. Os estados mais poderosos da região – Egito, Síria e Iraque – eram regimes seculares nacionalistas, e foram um contrapeso genuino às monarquias da Arábia Saudita e do Golfo Pérsico. No momento em que o poder destas ditaduras seculares enfraqueceu, a influência das monarquias fundamentalistas sunitas só aumentou. Se em 2011 vimos a rebelião e revolução espalharem-se por todo Oriente Médio, com o breve florescimento da Primavera Árabe, também vimos a contrarrevolução ressurgir, financiada pelas milionárias petromonarquias do Golfo, que nunca tolerariam uma mudança para um regime democrático secular na Síria ou Líbia.

Adiciona-se a isso novos processos em curso que fragilizaram estes estados: a produção e venda de recursos naturais – petróleo, gás e minério – e a cleptomania que o acompanha. Esses países sofrem frequentemente com algo que se tornou conhecido como “a maldição dos recursos”: estados cada vez mais dependentes das receitas advindas da venda dos recursos naturais – o suficiente para fornecer para toda população, teoricamente, um patamar razoável de vida digna – tornando-se ditaduras grotescamente corruptas. Nelas, iates dos bilionários locais, com conexões cruciais para os regimes, vivem cercados por favelas com esgoto a céu aberto. Nesses países, a política tende a concentrar-se entre as elites, batalhando e manobrando para roubar as receitas do Estado e desviá-la o mais rápido possível para fora do país.

Este tem sindo o padrão da vida econômica e política em grande parte da África subsariana, de Angola à Nigéria. No Oriente Médio e África do Norte, no entanto, existe um sistema diferente, em geral mal entendido mundo afora. Há similarmente grandes desigualdades no Iraque ou na Arábia Saudita, com elites cleptocráticas semelhantes. Entretanto, eles governam seus estados com parte significativa da população, patrocinando oferta de trabalhos no setor público em troca da passividade política ou apoio a seus regimes cleptocráticos.

O Iraque tem uma população de 33 milhões de pessoas. No momento, nada menos que 7 milhões estão na folha de pagamento do governo, graças a salários e pensões que custam US$ 4 bilhões por mês. Esta forma rude de distribuir as receitas do petróleo à população sempre foi denunciada como corrupta pelos comentaristas e economistas ocidentais. Eles, por sua vez, geralmente recomendam o corte desses trabalhos, mas isso significaria que toda a receita advinda dos recursos naturais, em vez de uma parte, seria roubada pela elite. Isso, de fato, é cada vez mais o caso nessas terras, onde o preço do petróleo despenca e até mesmo a realeza saudita começa a cortar o suporte estatal para a população.

Por algum tempo, acreditou-se que o neoliberalismo seria o caminho para democracias seculares e economias de livre mercado. Na prática, tem sido tudo, menos isso. Ao contrário: junto com a maldição dos recursos naturais, e as repetidas intervenções militares de Washington e seus aliados, as economias do “livre” mercado desestabilizaram profundamente o Oriente Médio. Encorajado por Washington e Bruxelas [sede da União Europeia], o neoliberalismo do século 21 tem feito sociedade desiguais ainda mais desiguais e ajudado transformar regimes já corruptos em máquinas de saques. Esta é também, obviamente, a fórmula para o sucesso do Estado Islâmico ou qualquer alternativa radical para o status quo. Tais movimentos encontram facilmente apoio em regiões empobrecidas e negligenciadas, como o leste da Síria ou o leste da Líbia.

Note, contudo, que este processo de desestabilização não é uma peculiaridade do Oriente Médio e Norte da África. Estamos certamente na era da desestabilização, um fenômeno que está crescendo globalmente, espalhando-se para os Bálcãs e Leste Europeu (com a União Europeia cada vez menos capaz de influenciar os acontecimentos na região). Não se fala mais de integração europeia, mas de como prevenir a completa dissolução da União Europeia na esteira do supetão dado pelo Brexit na Inglaterra.

As razões pelas quais uma estreita maioria dos britânicos votou no Brexit tem paralelos com o Oriente Médio. As politicas econômicas de livre mercado perseguidas pelos governos, desde que Margaret Thatcher foi primeira-ministra, aprofundaram o fosso entre ricos e pobres e entre cidades ricas e boa parte do resto do país. A Grã-Bretanha pode estar indo bem, mas milhões de britânicos não compartilham da mesma prosperidade. O referendo sobre permanecer como membro da União Europeia, opção quase universalmente defendida pelo establishment britânico, tornou-se o catalisador para o protesto contra o status quo. A fúria dos que votaram a favor da saída tem muito em comum com a dos apoiadores do Donald Trump nos Estados Unidos.

Os EUA continuam a ser uma superpotência, mas já não são tão forte como antes. Eles, também, estão sentindo a tensão deste momento global, em que eles e seus aliados locais são suficientemente poderosos para imaginar que podem se livrar dos regimes de que não gostam — mesmo sem ter sucesso, como na Síria, ou tendo sucesso, mas sem poder substituir o que eles destruíram, como na Líbia. Um político iraquiano disse uma vez que o problema em seu país é que os partidos e movimentos eram “muito fracos para ganhar, mas muitos fortes para perder”. Este é cada vez mais o padrão de toda a região e está se espalhando para outros lugares. Isto traz consigo uma possibilidade de um ciclo interminável de guerras indecisas e uma era de instabilidade que já começou.

* Patrick Cockburn é um jornalista irlandês. Foi correspondente no Oriente Médio, primeiro para o Financial Times e depois pelo Independent. Já escreveu três livros sobre o Iraque a invasão americana no país.

BARROSO VAI PARA O “BANCO QUE DIRIGE O MUNDO”. O QUE É O GOLDMAN SACHS?



É conhecido como "the firm" (a firma) e enquanto o mundo se debate com crises financeiras, o gigante do mundo financeiro não só sobrevive como mantém e cresce em poder. O Goldman Sachs é um grupo financeiro anglo-saxónico, que esteve envolvido na crise da maquilhagem das contas da Grécia, no escândalo Abacus em que era acusado de enganar os próprios clientes e, depois de todos esses casos, cresceu a influência que tem no mundo.

“As pessoas que se preocupam apenas em ganhar dinheiro, não vão aguentar esta empresa – ou a confiança dos seus clientes – por muito mais tempo”. Este foi um dos avisos dados por Greg Smith, banqueiro do Goldman Sachs durante 12 anos, que se demitiu com uma carta que tornou pública no New York Times. "Why I am leaving Goldman Sachs" (Porque saio do Goldman Sachs) foi um texto que caiu com estrondo no grupo financeiro, que já estava a braços com alguns problemas de reputação, não de poder, sobretudo desde o grande escândalo Abacus, de 2007.

Mas não abalou o gigante financeiro, que para o jornalista francês Marc Roche, funciona com o lema: "Quem faz mais dinheiro, detém o poder". Ou, nas palavras do próprio CEO do banco de investimento, Lloyd Blankfein: "Sou um banqueiro que faz o trabalho de Deus".

O demissionário Greg Smith foi apenas um dos nomes que falou sobre os problemas do gigante financeiro que, muitos dos seus críticos dizem, mais do que dominar o mundo financeiro, controla governos e instituições com relevância por todo o mundo. E como o faz? "Funcionam em todo o mundo, gostam de arranjar pessoas inteligentes de outras partes do mundo, levá-las a Nova Iorque, dar-lhes cargos importantes no Goldman. É quase como uma universidade", explicou Richard Sylla, professor da Stern Business School, no documentário "Goldman Sachs - O banco que dirige o mundo", de Jérôme Fritel, baseado no livro do jornalista Marc Roche.

Para quem analisa o mundo financeiro, o Goldman Sachs funciona assim como uma porta giratória entre o banco e lugares de influência do poder. Muitos dos nomes influentes em altos cargos políticos passaram por lá, como o presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi. Durão Barroso fez o caminho inverso. Esteve primeiro em cargos de influência e agora vai para presidente não-executivo. 

Mas não só. Passaram por lá Hank Paulson, que foi presidente do Goldman Sachs e depois secretário de Estado do Tesouro dos Estados Unidos; António Borges, entretanto falecido, que chegou a ser director do Fundo Monetário Internacional para a Europa; Mário Monti, ex-primeiro-ministro italiano; Romano Prodi, ex-primeiro-ministro italiano e também ex-presidente da Comissão Europeia; Otmar Issing, que passou pelo BCE, entre outros. 

Com essa rede de influência, o grupo financeiro – que não funciona como um banco normal com agências e o edifício da sua sede nem tem sinalética a identificá-lo –, está no centro das decisões políticas em todo  o mundo. E isso já lhes trouxe alguns dissabores.
Afinal, o Goldman Sachs "é o banco que manda no mundo". Foi assim que o corretor bolsista Alessio Rastani classificou o Goldman Sachs em entrevista à BBC em 2011. Em plena crise financeira, o corretor tornou-se um fenómeno viral na Internet por ter dito aquilo que muitos críticos e políticos pensam.

Quando um escândalo não vem sozinho

Apesar de ter descido os lucros, os proveitos do grupo financeiro em 2015 foram de 5,6 mil milhões de dólares (cerca de cinco mil milhões de euros), o que fez aumentar o bónus salarial de Lloyd Blankfein, o CEO do grupo, para quase 30 milhões de dólares (27 milhões de euros). E, mesmo assim, o valor é mais baixo porque o banco teve de pagar multas por causa de casos judiciais.

Quais? Tudo remonta a 2007 quando o banco foi acusado de enganar os próprios clientes no caso Abacus, vendendo activos imobiliários que desvalorizaram, provocando perdas avultadas de dinheiro aos clientes e lucros astronómicos ao banco. Nesse ano, apesar do caso, os lucros do Goldman Sachs foram de 13 mil milhões de euros (quase 12 mil milhões de euros).

A vítima judicial deste caso foi apenas um jovem banqueiro Fabrice Tourré – que se auto-apelidava de "Fab, o Fabuloso". O banco só em 2010 viria a ser acusado, por não ter informado com rigor os seus investidores acerca do novo produto que colocou no mercado, o Abacus, antes de a crise eclodir. Associado ao chamado crédito de alto risco, este novo produto acabou por determinar perdas de mil milhões de dólares para quem nele arriscou o seu dinheiro.

Abalou o prestígio do Goldman Sachs, sobretudo nos Estados Unidos, isto apesar de um das vítimas deste esquema ter sido um banco alemão, IKB, que teria perdas avultadas e depois foi nacionalizado.

Pouco tempo depois, o banco veria o seu nome ser envolvido num escândalo, mas por outros motivos. Em plena crise financeira, o seu principal concorrente, o Lehman Brothers, pediu ajuda ao Governo norte-americano. E o secretário de Estado do Tesouro recusou, dizendo que não queria onerar os contribuintes com o resgate de um banco de investimento.

Contudo, o verdadeiro poderio do Goldman Sachs só foi reconhecido do lado de cá do Atlântico quando foi descoberto o seu papel na maquilhagem das contas da Grécia, desde o início deste século. Para responder às regras do euro, o Tesouro grego aceitou uma operação de dívida com o grupo financeiro, que viria a contribuir para que as contas do país parecessem melhores do que realmente estavam. E quando o acordo falhou, a Grécia caiu. 

Ora os ecos da ligação entre Goldman Sachs e a Grécia não se fizeram apenas sentir na finanças dos estados soberanos, com a crise a alastrar. Fizeram também sentir-se politicamente, mesmo que sem resultados práticos. Durante a audição no Parlamento Europeu antes da sua nomeação como presidente do BCE, Mario Draghi, acabou por ser confrontado sobre se sabia ou não do que tinha feito a gigante financeira. Aos eurodeputados, disse que essa relação era anterior à sua entrada no banco. "Não tive nada a ver com estes negócios, nem antes, nem depois", disse. E repetiu que nunca trabalhou com o sector público, mas com o privado e que essa foi uma das condições para ter entrado no Goldman Sachs.

Ao longo dos anos, vários têm sido os casos que atingem o grupo financeiro anglo-saxónico, mas o Goldman Sachs continua a ser, para muitos, o banco de investimento com mais poder no mundo.

Liliana Valente – Público – com vídeos no original

AS PORTAS GIRATÓRIAS



Pedro Ivo Carvalho – Jornal de Notícias, opinião

A expressão soa melhor no original, em inglês: "Revolving doors". É de portas giratórias que falamos quando falamos do fabuloso destino profissional de Durão Barroso, escolhido para ser o presidente não executivo da Goldman Sachs, o "banco do Mundo". É de portas giratórias que falamos quando queremos identificar os caminhos seguidos por uma bem urdida teia que funde interesses corporativos com agendas políticas. O "banco do Mundo" para onde agora vai Durão Barroso, ou "a firma", como também é desdenhosamente apelidado, tem, entre outras medalhas na lapela, a responsabilidade de ter ajudado a maquilhar, durante anos, as contas públicas da Grécia. Quando a coisa correu mal, Atenas caiu do Olimpo com o estrondo conhecido.

A contratação do ex-presidente da Comissão Europeia e ex-primeiro-ministro de Portugal só pode deixar boquiabertos os distraídos ou os ingénuos. No final do ano passado, o "Corporate Europe Observatory", uma organização sem fins lucrativos que se dedica à denúncia e divulgação de más práticas lobistas em Bruxelas, publicou uma investigação interessante: depois de abandonar funções, Durão Barroso assumiu um papel mais ou menos ativo em 22 organizações diferentes. E nove dos 26 comissários da segunda Comissão Barroso que haviam deixado o cargo em 2014 passaram pelas tais portas giratórias em direção a corporações com links a grandes interesses económicos. No aparentemente entediante mundo de Bruxelas, gere-se poder e criam-se leis e regulamentos que afetam 500 milhões de pessoas, vulgo clientes.

Todos temos direito a alimentar ambições profissionais, e a classe política não deve ser impedida de ter um emprego uma vez fora do seu habitat natural. Mas há casos gritantes como este de Durão Barroso, em que só nos é dada a oportunidade de termos futuro porque tivemos um determinado passado.

Não deixa, igualmente, de ser irónico que o mandato do ex-primeiro-ministro português na presidência da União Europeia tenha coincidido com os anos negros da economia no Velho Continente e que tenha sido precisamente um dos rostos mais diabólicos do conjunto dos predadores financeiros que arrastaram países para o fundo a escolhê-lo como empregador.

A ironia (leia-se descaramento) consegue ser tão refinada, que essa mesma Europa deambulante pós-Barroso que mobilizou a saída do Reino Unido esteja agora na base dos motivos invocados pelo gigante Goldman Sachs para recorrer aos serviços de Durão: "mitigar os efeitos negativos" do Brexit.

As portas giratórias são um mistério da carpintaria. Não fecham. Só abrem.

Editor-executivo-adjunto

BARROSO NA SEDE DA MÁFIA GLOBAL DEPOIS DE TER SERVIDO NA SUCURSAL EUROPEIA



Durão Barroso na Goldman Sachs não constitui novidade, afinal ele já pertence há muito ao vasto sindicato global do crime. Se houve quem ficasse surpreso é por ser ingénuo ou muito distraído. Todas estas movimentações dos Al Capones da modernidade são pura lana caprina. 

Que é uma máfia global em ação. Pois é. Está mais que na cara. É mais que evidente. Chovem criticas à esquerda e o PR Marcelo disse-se orgulhoso ou coisa de sentimento semelhante. Pois. O que é que queriam que Marcelo dissesse? Queriam que ele dissesse que estamos subjugados pela máfia global que tem sede nos EUA, sucursal na União Europeia e ramificações por todo o mundo? Podia lá o PR dizer isso! Mas podemos nós, os plebeus. 

É a verdade. (PG)

"Vergonhoso". O novo cargo de Barroso que só a Direita não comentou

Do lado esquerdo da política não faltaram descrições para o novo cargo do antigo governante português, tema sobre o qual a Direita ainda não se pronunciou.

Terminados dois mandatos na presidência da Comissão Europeia, o futuro de Durão Barroso conheceu ontem destino: será, a partir do próximo mês, presidente do Conselho de Administração de um dos maiores e mais polémicos bancos de investimento do mundo, a Goldman Sachs.

A notícia caiu que nem uma ‘bomba’ e, como seria de esperar, as reações não tardaram em surgir, mas apenas de um dos lados da política: a Esquerda. Do Bloco choveram críticas, desde o Parlamento a Bruxelas - Pedro Filipe Soares e Marisa Martins falaram em “falta de vergonha”, enquanto Catarina Martins disse que assim se explicava, “num movimento, a natureza da governação europeia”. José Soeiro, por seu lado, ironizou sobre o assunto e disse que o novo cargo de Durão Barroso, além de “sabujo”, é uma “recompensa justa pelos serviços prestados”.

Do maior partido que constituiu o Governo, o Partido Socialista, também não faltaram observações ao novo destino do antigo presidente da Comissão Europeia. Isabel Moreira disse serem nomeações como esta que “matam a política” e que “gera o desprezo cheio de generalizações injustas pelos políticos”. Carlos César veio, mais tarde, atribuir as habituais culpas ao PSD e CDS e dizer ser “extraordinário que aqueles que, simultaneamente, em nome de décimas do défice fixaram um autêntico martírio aos portugueses sejam agora os responsáveis pela possibilidade do nosso país vir a ser alvo de sanções".

Não foi apenas do Parlamento que chegaram reações. Nomes que já fizeram parte da política portuguesa e que entretanto a deixaram, como Francisco Louçã e Vital Moreira, também não ficaram indiferentes ao novo cargo de Durão. O antigo líder do Bloco classificou a nomeação como “uma machadada para a vida política de Durão Barroso”, ao passo que o jurista que militou no PCP falou num desrespeito pelos “limites políticos e morais”.

Dos partidos mais à direita, nomeadamente PSD e CDS, não houve, para já, qualquer comentário sobre o tema.

João Oliveira – Notícias ao Minuto

Goldman Sachs: "É uma machadada para a vida política de Durão Barroso"

Francisco Louçã comentou a notícia do dia no seu espaço habitual de comentário na SIC Notícias.

Foi com “surpresa” que Francisco Louçã recebeu a notícia da nomeação de Durão Barroso para a Goldman Sachs. Embora grande parte dos membros da Comissão de Durão Barroso já estejam colocados em lugares de topo de empresas, o antigo líder do Bloco “não podia antecipar que Durão Barroso fosse para um cargo tão polémico”.

Louçã recorda a importância de um dos maiores bancos de investimentos do mundo, aquele que tem “mais peso político” e que é “certamente o mais polémico”, uma vez que tem uma “estratégia à escala mundial” de contratar dirigentes políticos importantes  ou de empurrar alguns dos seus quadros para lugares de topo.

O economista vê nesta contratação conflitos de natureza política. “Ele é presidente da empresa e depois tem um biscate dentro da própria empresa sendo consultor para o Brexit”, comenta o antigo líder do Bloco, sublinhando a estranheza do caso.

“Quem se dedica a uma responsabilidade política não deve utilizar o capital político que teve, a confiança com governantes, o tratamento com governos e instituições, para a utilizar depois para uma empresa que tem interesses particulares”, considera Louçã. Essa vinculação, frisa ainda, entre o topo da político e o topo do setor financeiro, “é perigosíssimo para a democracia”.

Francisco Louçã acredita que esta nomeação corresponde à "machadada" final para a vida política de Durão Barroso e “demonstra que a Comissão Europeia é muito vulnerável a estes interesses que não são os interesses da Europa, são os interesses da finança”.

Assim, não vê qualquer possibilidade de Barroso regressar à esfera da política. “A perceção pública de que a democracia fica contaminada por esse corrompimento e por esta mistura de interesses é cada vez mais evidente e mais forte e ainda bem que é”, constata Louçã.

Para o comentador, o fato de haver uma relação “paredes meias entre a política e o setor financeiro” revela que a finança tem um peso enorme na capacidade de decisão política. “E isso a democracia não pode permitir”, finaliza.

Melissa Lopes – Notícias ao Minuto

“Isto gera o desprezo cheio de generalizações injustas pelos políticos"

Isabel Moreira juntou-se ao coro de críticas da Esquerda em relação à nomeação de Durão Barroso para a Goldmann Sachs.

Isabel Moreira utilizou a sua página de Facebook para reagir à nomeação de Durão Barroso para presidir ao conselho administrativo da Goldman Sachs.

Para a deputada, a nomeação de Barroso “mata a política”. “Isto gera o desprezo cheio de generalizações injustas pelos políticos . Isto dá vontade de não nos atreveremos a pôr os pés na política. Isto”, escreveu a socialista.

Recorde-se que assim se tornou do conhecimento público que Durão Barroso ia para a Goldman Sachs (um banco de investimento), várias foram as críticas de deputados tanto do PS (Tiago Barbosa Ribeiro), como do Bloco de Esquerda (Catarina Martins, Marisa Matias, José Soeiro e Pedro Filipe Soares), assim como o PCP (Ângelo Alves). 

Melissa Lopes – Notícias ao Minuto

Barroso na Goldman Sachs atesta "falta de vergonha" da elite europeia

O Bloco de Esquerda (BE) considerou hoje que a entrada de Durão Barroso na Goldman Sachs atesta que "não há vergonha na elite europeia" e que a "qualidade da democracia tem ainda muito caminho para fazer" no espaço europeu.

"Termos um ex-presidente da Comissão Europeia a assumir o lugar de 'chairman' [da Goldman Sachs] significa, na prática, que não há vergonha na elite europeia da qual Durão Barroso faz parte", defende Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do Bloco.

O bloquista falava à agência Lusa depois de ser conhecido hoje que a Goldman Sachs International (GSI) nomeou José Manuel Durão Barroso - antigo primeiro-ministro de Portugal e antigo presidente da Comissão Europeia - para seu presidente não executivo e consultor do banco de investimento.

"Que a Goldman Sachs é um grupo económico com escolhas duvidosas, ninguém duvidava. Que tem uma fama perto de miserável, ninguém duvida", prosseguiu Pedro Filipe Soares, acrescentando que a entidade esteve no "furacão" da crise financeira e económica de 2008.

A chegada de Barroso à entidade representa "mais um dos casos, não o único e infelizmente não o último" de "falta de vergonha de agentes privados e públicos", critica ainda o líder parlamentar do BE.

"A sua perspetiva, capacidade de avaliação e aconselhamento irão acrescentar muito valor ao Conselho de Administração da Goldman Sachs International, à Goldman Sachs, aos seus acionistas e trabalhadores", refere a instituição, com sede em Nova Iorque, sobre o antigo presidente do executivo comunitário.

Durão Barroso foi presidente da Comissão Europeia de 2004 a 2014 e primeiro-ministro de Portugal de 2002 a 2004.

Foi eleito pela primeira vez para o parlamento português em 1985, ocupando em sucessivos governos os cargos de secretário de Estado da Administração Interna, secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, e ministro dos Negócios Estrangeiros.

Em 1999, foi eleito presidente do Partido Social Democrata e tornou-se líder da oposição.

Antes de iniciar a sua vida política, Durão Barroso assumiu várias posições académicas, entre as quais como professor convidado da Georgetown University.

Mais recentemente, sinaliza a nota da Goldman Sachs, foi professor convidado de Política Económica Internacional na Universidade de Princeton.

É atualmente também professor convidado na Universidade Católica, em Lisboa, na Universidade de Genebra, e no Instituto de Altos Estudos Internacionais e do Desenvolvimento na mesma cidade.

José Manuel Durão Barroso foi reconhecido com vários graus honorários e recebeu mais de 60 condecorações, prémios e distinções, incluindo a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo e o Grande Colar da Ordem do Infante Dom Henrique.

Lusa, em Notícias ao Minuto

Durão Barroso atingiu "o topo da vida empresarial"

O Presidente da República considerou hoje que Durão Barroso atingiu "o topo da vida empresarial" ao ser nomeado presidente não executivo da Goldman Sachs International (GSI) e disse gostar "de ver portugueses reconhecidos em lugar cimeiros".

Marcelo Rebelo de Sousa falava aos jornalistas no final da cerimónia de inauguração do Auditório Machado Macedo, na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova Lisboa.

"No caso do doutor Durão Barroso, trata-se de atingir o topo da vida empresarial. E o topo da vida empresarial tem muito mérito, como tem o atingir o topo na ciência, na universidade, na cultura, nas artes. Portanto, deve ser naturalmente reconhecido", declarou o chefe de Estado.

Questionado sobre as críticas a esta nomeação do antigo primeiro-ministro e ex-presidente da Comissão Europeia para um cargo num dos maiores grupos financeiros mundiais, Marcelo Rebelo de Sousa respondeu: "Isso já não compete ao Presidente da República avaliar."

"O Presidente da República gosta de ver portugueses reconhecidos em lugares cimeiros dos vários domínios da atividade profissional, cívica, cultural. E temos de admitir que é um lugar de topo na vida empresarial mundial. Não tenho mais nada a comentar", acrescentou.

Lusa, em Notícias ao Minuto

Mais lidas da semana