terça-feira, 19 de julho de 2016

Pós-eleições. SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE: HAVERÁ MAIS ESTABILIDADE OU MENOS FISCALIZAÇÃO?



O analista Gerhard Seibert acredita que com um Presidente e um Governo do mesmo partido, São Tomé e Príncipe poderá contar com "maior estabilidade". Mas, por outro lado, o Executivo também poderá ser menos "controlado".

Evaristo Carvalho, o candidato apoiado pela Ação Democrática Independente (ADI) foi eleito na primeira volta, no domingo (17.07), com 50,1% dos votos, contra 24,8% do atual Presidente Manuel Pinto da Costa,que concorria a um segundo mandato, e 24,1% de Maria das Neves, apoiada pelos partidos da oposição parlamentar.

A candidatura de Maria das Neves, que ficou em terceiro lugar nas presidenciais, anunciou esta segunda-feira (18.07) que vai contestar judicialmente os resultados e pedir a anulação do ato eleitoral. As eleições presidenciais "não foram nem livres, nem justas nem transparentes", disse Danilo Santos, diretor de campanha de Maria das Neves, citado pela agência de notícias Lusa.

Para saber que mudanças esperam o país, a DW África entrevistou o analista alemão Gerhard Seibert, que atualmente trabalha na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), na Bahia.

O especialista em São Tomé e Príncipe não acredita que Evaristo de Carvalho faça uma "fiscalização rígida" da governação da ADI, o seu próprio partido. E também não prevê mudanças nas relações com outros países.
DW África: Na sua opinião, qual o porquê da derrota de Manuel Pinto da Costa, o Presidente cessante?

Gerhard Seibert (GS): Acho que isso tem a ver com um maior apoio da ADI e do Governo ao candidato Evaristo de Carvalho, que era o candidato oficial da ADI. E também devido à mensagem de que a eleição do candidato da ADI podia criar em São Tomé uma situação de partido único. A maior parte do eleitorado, uma maioria, parece estar a favor de uma governação da ADI em todos os setores.

DW África: O primeiro-ministro, Patrice Trovoada, disse após vitória de Evaristo Carvalho nas presidenciais que ele é "uma personalidade que tem todos os requisitos para poder, com o Governo, inaugurar um período de estabilidade para São Tomé e Príncipe". O que significa para o país um Governo e um Presidente da ADI?

GS: A partir de agora, a ADI, o partido no Governo, também tem a presidência. Pode haver uma maior estabilidade, mas, por outro lado, também pode haver menos controlo e menos fiscalização deste Governo. Porque não se espera que Evaristo de Carvalho, que é conhecido como um fiel, um seguidor de Patrice Trovoada, e já era muito próximo do pai dele, Miguel Trovoada, faça qualquer oposição ou uma fiscalização rígida da governação da ADI, o seu próprio partido.

DW África: Acredita que haverá mudanças nas relações externas?

GS: Não haverá, porque quem determina as relações externas e a política externa do país é o Governo. Já não é como no início, nos anos 90, até 2006, quando entrou em novo vigor a nova Constituição. Naquela altura, o Presidente tinha competências na área da política externa. Mas isso já não acontece.

DW África: Como serão as relações com a Nigéria, parceiro tradicional da ADI e da família Trovoada e um parceiro importante, face à zona de exploração petrolífera conjunta?

GS: Neste momento, não vejo grandes alterações nessa área. Aliás, essa zona conjunta também está moribunda, porque saíram de lá todos os investidores estrangeiros. Não há exploração de petróleo.

DW África: O Presidente cessante, Manuel Pinto da Costa, manteve relações de cooperação com Teodoro Obiang, na Guiné Equatorial, e com Angola. Como será o futuro dos investimentos destes dois países em STP?

GS: Acho que vão manter-se esses investimentos e esses interesses porque o próprio Governo também manteve essas relações e depende também em termos financeiros e de investimento destes dois países.

DW África: São Tomé e Príncipe reconheceu Taiwan e os Governos de São Tomé e de Taipé são parceiros. Acha eu poderá haver mudanças no futuro?

GS: Agora é menos provável uma aproximação à China continental porque a ADI e o próprio Patrice Trovoada são mais fiéis a Taiwan e a Taipei do que Manuel Pinto da Costa, que procurou uma maior aproximação com Pequim. Neste caso, acho que vai continuar a relação bilateral com Taiwan.

Bettina Riffel – Deutsche Welle

É MESMO A ISTO QUE CHAMAMOS DEMOCRACIA?



José Vítor Malheiros – Público, opinião

O golpe foi “uma oferenda de Deus” diz Erdogan. Haverá agora mais poderes presidenciais e menos poderes para as elites laicas, incluindo o sistema judicial.

Um golpe de estado militar na Turquia. Um golpe falhado e esmagado, graças à oposição popular e a um iPhone com FaceTime. Mas, durante umas horas, a expectativa em todo o mundo, com prudentes declarações dos poderes políticos mundiais, que exprimem a sua “preocupação” e a absoluta necessidade de manter a “estabilidade” política na Turquia e que se abstêm de declarações de apoio a qualquer dos lados. Durante umas horas, o medo de que este golpe se possa transformar no início da explosão daquele barril de pólvora que faz de rolha entre a Europa e a Ásia, que tem a cabeça na Europa mas que tem fronteiras com a Síria, o Iraque e o Irão, ali ao pé do território ocupado pelo Daesh, que tem uma guerra civil e uma guerra extra-fronteiras em curso e que tem um dos maiores exércitos do mundo, que quer entrar na União Europeia e está na NATO mas cujo estado teoricamente laico está em vias de islamização. Durante umas horas, a expectativa e a dúvida perante este golpe levado a cabo por militares, um sector tradicionalmente autoritário e habituado durante séculos a exercer o seu poder, por vezes em ditadura absoluta, mas que há um século é uma força opositora do islamismo. Durante umas horas, a ténue esperança de que este golpe de estado (cujos autores anunciam que querem “restaurar a ordem constitucional, os direitos humanos, as liberdades e o primado da lei”) possa restabelecer a abalada democracia e o estado de direito laico, de forma semelhante ao que aconteceu no 25 de Abril em Portugal.

Mas estas dúvidas duram apenas umas horas, porque o regime depressa abafa a rebelião, captura os revoltosos e passa à ofensiva, prendendo 6.000 militares e 1500 civis, suspendendo ou detendo 2750 juízes e procuradores. O golpe foi “uma oferenda de Deus” diz o próprio presidente Recep Tayyip Erdogan, que aponta as alterações que quer pôr em prática na sua “nova Turquia”: mais poderes presidenciais e menos poderes para as elites laicas, incluindo o sistema judicial.

Após o desfecho, os poderes instalados congratulam-se pelo “regresso à normalidade constitucional e democrática” e recordam que a Turquia é uma democracia constitucional e que nem a UE nem os EUA nem ninguém pode, em nome da estabilidade, do direito e da democracia, aceitar uma mudança de regime pela força. O argumento tem força.

Mas será isto uma democracia? Este país que expulsa os jornalistas estrangeiros independentes e lança na cadeia os turcos que se atrevem a escrever sobre a corrupção do governo? Que pede anos de cadeia por “insulto ao presidente” para os que criticam a sua política? Que reprime pela força protestos e prende peticionários? Que quer restaurar a pena de morte para condenar os autores deste golpe? Este país que é o número 151 (entre 180) doranking da liberdade de imprensa?

Será que a existência de partidos e de eleições (por limitada que seja a liberdade de acção de certos partidos e grupos sociais e por duvidoso que seja o funcionamento das eleições) chegam para classificar um país como uma democracia e para tornar todas as suas acções aceitáveis?

As perguntas não têm sentido apenas para os países muçulmanos ou para os povos de tez morena.

Vivemos numa democracia quando toda a nossa vida pública é condicionada por tratados europeus que não aprovámos em eleições e cujo teor e consequências não discutimos? Vivemos sob o primado da lei quando pertencemos a uma organização onde as regras (e as sanções) não são iguais para todos?

Vivemos numa democracia e num estado de direito quando podemos ser envolvidos numa guerra de consequência devastadoras através de mentiras e manipulações, como agora se prova (pela enésima vez) no relatório Chilcot? Podemos dizer que vivemos numa democracia quando um governo, eleito sem mandato para tal e sem que nada o justifique a não ser a ganância de determinados interesses particulares, nos envolve numa guerra? Podemos dizer que vivemos numa democracia quando, mesmo depois de apurados os factos, é impossível responsabilizar os políticos que usurparam direitos que não tinham, invocando factos que não existiam, causando milhões de vítimas entre mortos, feridos e refugiados?

A democracia é a capacidade de eleger parlamentos, governos e presidentes e a capacidade de os demitir e substituir, mas é algo ainda mais importante: a capacidade de escolher as políticas, de escolher não aqueles a quem vamos obedecer, mas a forma como vamos viver. Não apenas os governantes, mas a vida pública. É por isso que elegemos partidos na base de programas eleitorais. Uma democracia que elege ditadores não é uma democracia. As formalidades são essenciais à democracia mas precisamos de respeitar todas as formalidades: os direitos humanos, o primado da lei, as regras institucionais, os compromissos assumidos, a transparência.

Quando chamamos “democracia” a algo como o regime que vigora na Turquia, na Rússia, na Venezuela ou em Angola - ou na UE - estamos a aviltar o conceito de democracia e a justificar todos os ataques que os inimigos da democracia lhe queiram lançar.

Portugal. Sanções: “A DIREITA, CÁ E LÁ, PERDEU O BOM-SENSO”



Edite Estrela critica a Direita devido às sanções de que Portugal pode ser alvo.

Numa altura em que “as hipotéticas sanções a Portugal e Espanha continuam a dar que falar”, a socialista Edite Estrela dedicou-lhe um artigo de opinião publicado na Ação Socialista.

“As famigeradas sanções vão e vêm ao sabor dos ventos da direita nacional e europeia. Não admira que alguns tecnocratas europeus façam uma leitura restritiva das regras orçamentais e considerem ‘normal’ aplicar sanções por défice excessivo sem cuidar das causas nem do contexto”, escreveu a socialista, eleita pelo círculo de Lisboa.

Consciente de que “nunca a Europa falou a uma só voz” e de que, “proliferando os porta-vozes, é natural que haja mensagens contraditórias”, a deputada destaca que “os presidentes da Comissão, do Parlamento e do Conselho Europeu já deixaram muito claro que a aplicação de sanções não faz sentido”.

“De facto, o que é uma derrapagem de 0,2% do PIB comparada com o drama dos refugiados, o Brexit, os ataques terroristas, a situação económica, o desemprego e a crise da banca? Sensato seria tratarem dos reais problemas e deixarem Portugal em paz. Só que a direita, cá e lá, perdeu o bom-senso”, atirou.

No entender de Edite Estrela, “Maria Luís Albuquerque, Pedro Passos Coelho e Assunção Cristas atingiram o cúmulo do descaramento e sacrificam o interesse nacional no altar da hipocrisia e da demagogia”.

“A primeira afirmou, sem se rir, que se fosse ela a ministra das Finanças não haveria sanções. Passos Coelho alega não entender o que se está a passar e vai insinuando que as sanções não punem o passado, mas o futuro. Assunção Cristas, que também integrou o governo responsável pelo défice excessivo, acusa o primeiro-ministro António Costa de ter acordado tarde para o problema”, justificou.

“Desfaçatez não lhes falta, porque as sanções de que se fala dizem respeito ao défice de 2015. Responsabilidade deles, portanto”, rematou.

Goreti Pera – Notícias ao Minuto

Portugal. PCP pede resistência à "ingerência" europeia na CGD e Orçamento



O líder parlamentar comunista apelou hoje à resistência de Portugal face à "ingerência" das instituições europeias na Caixa Geral de Depósitos (CGD) e no Orçamento do Estado, contrariando também assim a "estratégia" de PSD/CDS.

João Oliveira, numa declaração na sede nacional do PCP, criticou a "convergência" do antigo líder social-democrata e agora comentador político na SIC, Marques Mendes, com a ação de PSD e CDS "na desestabilização da CGD, visando a fragilização no plano mais longo para liquidar o banco público e o objetivo mais imediato de criar negócio para os bancos privados".

Marques Mendes revelou, no domingo, uma carta do Banco Central Europeu (BCE) em que se que questionava o alegado plano de contratação de 19 administradores para o banco público, a possível acumulação de funções do presidente do conselho de administração e comissão executiva, a experiência bancária de alguns dos nomes em causa e possíveis conflitos de interesse, além da necessidade de um plano de recapitalização alternativo à intervenção estatal.

"Aquilo que se coloca é a exigência de, não só resistir às imposições e tentativas de ingerência das instituições europeias, nomeadamente o BCE, mas também de dar combate e derrotar as estratégias de PSD e CDS, que procuram liquidar a CGD, criando dúvidas, especulações ou fragilizando a instituição bancária", afirmou o deputado comunista, sublinhando o apoio à recapitalização do banco público para apoiar a economia portuguesa.

O deputado do PCP repetiu a receita de resposta ao "processo de chantagem" da Comissão Europeia e eventuais sanções por incumprimento das metas do défice de 2015: "Resistir e enfrentar as pressões da União Europeia, defendendo a soberania nacional e o caminho de desenvolvimento para o país."

"Durante quatro anos, assistimos a uma situação em que a Comissão Europeia ditava e o Governo, diligentemente, cumpria. O resultado está à vista: desemprego, pobreza, destruição da economia, meio milhão de portugueses emigrados", lamentou, apelando aos órgãos de soberania nacionais para a rejeição de operações de pressão sobre o país.

O Governo socialista já respondeu ao colégio de comissários europeus, reiterando que a adoção de sanções seria injusta, porque Portugal está "no caminho certo para eliminar o défice excessivo", e teria "um impacto altamente negativo" no apoio do povo português ao projeto europeu.

Lusa, em Notícias ao Minuto

Portugal. PCP não quer "fazer cama" ao Governo mas deixa condições para orçamento



O secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, garantiu hoje que o PCP não pretende "fazer a cama" ao Governo do PS, mas só votará favoravelmente o Orçamento do Estado para 2017 se não reverter direitos dos trabalhadores.

"Levaremos a nossa palavra até ao fim, como partido sério, votando, no que é bom para os trabalhadores e para o povo, a favor e votando contra aquilo que for negativo para os trabalhadores e para o nosso povo", afirmou Jerónimo de Sousa, lembrando que o "compromisso primeiro e principal" do partido são com "os trabalhadores" e não com o Governo.

Num comício na Foz do Arelho, no concelho das Caldas da Rainha, o secretário-geral do PCP disse "não" a "alguns setores" que possam pensar que "o PCP vai fazer a cama" ao Governo do PS, mas deixou um aviso.

O partido "só se comprometeu a examinar" a proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2017 e a "dar uma contribuição construtiva e positiva" não garantindo "votar a favor de uma coisa que nem sequer conhece".

Só "perante a proposta concreta de OE", o PCP decidirá o seu sentido de voto, acrescentou Jerónimo de Sousa, sublinhando que "se for bom para os trabalhadores portugueses e para o povo" o PCP votará a favor.

Se não, "se quiser reverter esta política de recuperação de rendimentos e direitos", falará mais alto "o compromisso com os trabalhadores e com o povo" levando a que o PCP "não subscreva políticas que façam voltar tudo para trás".

Num discurso em que não poupou críticas ao Governo, Jerónimo de Sousa voltou a queixar-se da "discriminação" de que considera ter sido alvo por parte do PS no processo de escolha de juízes para o Tribunal Constitucional (TC).

"Esta solução encontrada é um compromisso entre o PS, o PSD e o Bloco de Esquerda, discriminaram o PCP", lembrou, considerando tratar-se de "um sinal de que não estamos perante um Governo de esquerda" mas sim "perante um Governo do PS que faz os entendimentos que muito bem entende", afirmou aludindo à indicação de uma lista de cinco dos 13 juízes do Tribunal Constitucional, contemplando dois nomes indicados pelo PSD e três pelo PS, sendo que um deles é considerado próximo do Bloco de Esquerda.

Jerónimo de Sousa falava perante cerca de 300 militantes e simpatizantes do partido que hoje realizou na Foz do Arelho a "Festa de Verão", um encontro em que o líder apelou ao reforço da votação no partido para garantir "uma política patriótica e de esquerda".

Lusa, em Notícias ao Minuto

DURÃO, UM VELHO VILÃO




1 – A opção de José Manuel Durão Barroso enquanto administrador do poderoso banco Goldman Sachs, teve o condão de “indignar” largos sectores da atual “esquerda” social-democrata europeia, que procura iludir a opinião pública com um repentino acordar face ao (reiterado) carácter dum personagem tipicamente formatado pelo capitalismo neoliberal de há décadas a esta parte… para esses, de repente, “fez-se luz”, como se não houvesse tantas trevas escondidas por desvendar no passado recente acerca do personagem e à sua volta, sobretudo desde o início da década de 90 do século passado!...

É evidente que a “clarividência” de hoje reflete a ambiguidade acumulada desde esse passado que mergulhou nas artes e engenharias inaugurais de Ronald Reagan e Margareth Thatcher, ambiguidade essa que caracterizou desde a juventude o próprio José Manuel Durão Barroso, no fundo a razão de ser de suas opções, do seu curriculum e da sua adoção enquanto bastardo pela aristocracia financeira mundial e oligarquias europeias suas agenciadas, inclusive em época de suas mais pérfidas vilanias.

Um “bom vilão” é impossível poder produzir-se dum momento para o outro e, por outro lado, é preciso que ele cresça e avance sob teste integral sempre debaixo de olho, pouco a pouco, palmo-a-palmo, até atingir uma maturidade ao nível dum Bilderberg, ou dum Goldman Sachs, assim a modos duma compensatória reforma-prémio por tão “bons serviços” prestados ao deus feito capital neoliberal!

A indignidade manifestada por alguns sectores da “esquerda” social-democrata (na qual incluo em Portugal o proverbial apêndice que é o Bloco de Esquerda), torna-se inofensiva quando um personagem com esta “envergadura” atinge a fase madura ou seja, quando qualquer “queima” já não produz qualquer mossa, por que todo o tipo de mossas foram produzidas sem “queima” no passado e ao longo da sua formatação.
  
2 – A “esquerda” social-democrata não se indignou com a metamorfose dum militante do MRPP, num militante do PSD e compreende-se por quê: de tanto radicalismo burguês e pequeno-burguês (como o dos sectores de Mário Soares dentro do PS, ou do Bloco de Esquerda tendo em conta o que lhe é de raiz), precisam de apagar a história, procurando conta-la apenas à sua maneira, por que lembrando-a  tal e qual ficam também expostos, na verdade expondo sua razão de ser;

Também em nada se indignou quando o camaleão, coadjuvado pelo “diplomata de carreira” António Monteiro, se aprestou à expressão dum Acordo de Bicesse que foi a ”menina dos olhos” dos impactos neoliberais aplicados no choque e na terapia do choque a Angola, de forma a procurar a todo o transe e em nome do mais “candente” (e confrangedor) espírito democrático, procurar uma vez mais neutralizar, ou subverter, o vigor e a força ética e moral do Movimento de Libertação; o logro criado pela ambiguidade é de tal ordem que, para muitos angolanos o Durão, vilão, passa por “amigo”;

Ter-se-á indignado em baixa frequência quando o vilão Durão foi o anfitrião nos Açores, do encontro Bush-Blair-Aznar, que possibilitou o deflagrar do choque neoliberal no Médio Oriente, com o ataque ao Iraque, com recurso à mentira sobre Saddam, acusado de possuir e fazer uso de armas de destruição massiva;

Indignou-se ainda em baixa frequência quando como prémio o camaleão inveterado abdicou de ser Primeiro-Ministro português a fim de ser colocado na Presidência duma Comissão Europeia dócil e servil ao capital neoliberal, tal como em relação à instrumentalização no âmbito da hegemonia unipolar, da União Europeia e da NATO;

Por fim indigna-se em alta voz (ao nível do Presidente François Hollande) quando o velho vilão vai para a administração do Goldman Sachs, às tantas sabendo que Durão jamais será julgado num Tribunal de Nuremberga, (não vá o diabo tecê-las e expor a engenharia, a arquitetura, o engenho e a arte duma União Europeia vassala e perversa nas suas opções que contribuem para a raiz da crise, do caos e do terrorismo).

É neste encadeado de manipulações, ingerências e ambiguidades que medram personalidades como a de José Manuel Durão Barroso, um exemplo acabado de camaleão-bastardo que se tornou “filho pródigo” do capital neoliberal, acerca do qual está também a fazer uma certa “lavagem” pública da“esquerda” social-democrata, também ela tocada pelos vírus do capitalismo neoliberal!

Fotos:
- Durão Barroso militante do MRPP
- O bando dos 4 nos Açores

HOJE HÁ PALHAÇOS DO TERROR



Consideramos que o Expresso Curto de hoje contém excessiva propaganda norte-americana intoxicante que pode ser nociva para os que a consumam. Recomenda-se que leiam tudo com as devidas precauções.

Donald Trump, o palhaço de serviço, no Expresso. A abrir. Abrir ainda mais a Caixa de Pandora que são os EUA. De mansinho a media vai suavizando a figura do estuporado Donald. Ele pode ser o vencedor das eleições nos EUA. Por consequência o próximo presidente do país do fel aspergido por todo o mundo.

A madame Clinton está repleta de rabos de palha, de trampas do passado. Os norte-americanos não estão a gostar dos enganos a que ela os levou. Como se os cidadãos norte-americanos fossem estúpidos em escala só ali tão elevada e demente que não saibam que estão a eleger os que são inimigos deles próprios e amigos das corporações do capital que representam. Continuem, lutem pelo império que vos trama e trama o mundo inteiro. Lembrem só que todos os impérios ao cimo do planeta Terra têm caído. O dos EUA também vai cair. Com estrondo. Aliás, já há muito que está a cair. Ora vejam lá se não! Palhaços nos EUA é o que não falta. Nem faltam criminosos nas elites. Nem faltam racistas na sociedade, não só na polícia – é geral! 

Anote: Dos dois candidatos presidenciais perfilados o conteúdo quase em nada se diferencia. Entre esses dois palhaços do terror que venha o diabo e escolha. (PG)

Bom dia, este é o seu Expresso Curto 

Filipe Santos Costa – Expresso

O circo chegou à cidade

Senhoras e senhores, meninos e meninas, o circo chegou à cidade. A cidade é Cleveland, que esta semana é uma cidade global. Ligue a tv para o maior espetáculo do mundo: luz, cor e movimento, música e majoretes, balões e papelinhos, stars and stripes, corações ao alto e manifestações à porta. Não estão previstos palhaços, nem malabaristas, nem contorcionistas, nem o homem-bala, nem elefantes, nem macacos - mas Donald Trump, sozinho, assume esses papéis todos e mais os que forem precisos. Ele é o homem-bala, o contorcionista, o trapezista, o elefante na loja de porcelanas, o macaco fora do seu galho. O one-man show que garante riso, emoção, saltos, contorcionismos, coelhos na cartola e até medo, muito medo, numa retórica carregada de ameaças sobre mexicanos e árabes e islamistas e chineses e tudo o que fuja ao cliché do all-american.

Bem-vindos à convenção do Partido Republicano, o GOP, o Grand Old Party. O partido de Abraham Lincoln, de Theodore Roosevelt, de Dwight Eisenhower, de Ronald Reagan (e, enfim, dos dois Bush...) será a partir desta semana o partido de Donald, "o" Donald. Os trabalhos começaram na noite passada e o grande tema da noite foi, claro, a segurança: um desfile de testemunhos a acusar Hillary Clinton de não saber e não querer proteger a América, com um dos oradores a bradar "Lock her up!" ("Prendam-na!"). Apesar desses momentos de êxtase, o ponto alto da noite foi a Senhora Trump, apresentada pelo Sr. Trump como "a próxima primeira dama". "Ele nunca vos desiludirá", garantiu Melania com o seu sotaque esloveno, numa frase que dificilmente seria subscrita pelas muitas mulheres que Donald escolheu antes dela (o New York Times publicou há tempos um excelente trabalho sobre como Trump se comporta em privado com as mulheres). À antiga modelo nunca se ouviram grandes ideias, mas ela (ou alguém por ela) ouviu grandes discursos do passado - por exemplo, o discurso de Michelle Obama na convenção democrata de 2008, onde Melania foi "inspirar-se" para algumas passagens. À falta de cabeças de cartaz partidários, os familiares e amigos de Trump serão o prato forte da convenção. Cleveland não é tanto um facto politico, mas mais um facto pop - o candidato surgiu em palco no meio de fumos e ao som de "We are the champions" e, não por acaso, o símbolo da convenção é o tradicional elefante (mascote dos republicanos) em cima de uma guitarra elétrica.

O Washington Post publicou um guia bastante útil sobre as sete coisas a que é preciso estar atento durante a convenção. Mas a grande dificuldade dos artigos que tentaram antecipar o que irá acontecer no palco de Cleveland tem a ver com a imprevisibilidade de Trump e a forma como divide as águas. Os livros dizem que o homem que promete fazer a América grande outra vez terá, primeiro, de unir o seu partido, o que está longe de ser garantido. Mas, se tivermos em conta que Trump chegou a Cleveland contra o partido, e graças a isso, a unidade partidária pode parecer um pormenor, mas também pode estragar a festa televisiva que é a convenção. Aliás, o arranque dos trabalhos foi atribulado, com protestos de alguns delegados.

Trump ainda é tratado como "presumível" candidato, pois até ao lavar dos cestos é vindima. Isto não significa que possa haver um golpe de teatro de última hora - até há poucos dias houve muito, entre o establishment republicano, quem puxasse pelas meninges paraarranjar uma maneira de deitar Trump borda fora, e nas últimas horas ainda se falou disso. Mas mesmo os seus adversários mais ferozes (do clã Bush a Mitt Romney, o candidato republicano de 2012) já perceberam que "o Donald" é uma realidade com que terão de viver pelo menos até às eleições de novembro.

O Guardian elaborou esta útil galáxia Trump - marcando distâncias e proximidades em relação a alguém que, tendo tendência para se comportar como um Rei-Sol, não deixa de ser um corpo estranho no firmanento político norte-americano. Mas a verdade é que, apesar daguerra civil republicana, os jogos estão feitos e a ala "Never Trump" perdeu. Afinal, foi Trump quem as bases republicanas escolheram, e em boa medida porque o empresário representa o choque frontal com aquilo que tem sido o establishment do partido. A sua maior concessão (talvez a única) ao GOP foi o nome escolhido para vice-presidente, Mike Pence, governador do Indiana, que em tempos também zurziu Trump. Depois de virar a casaca e ser anunciado como nº2 do ticket conservador, Pence protagonizou na televisão uma bizarra entrevista conjunta em que Trump basicamente não o deixou falar e assumiu que não precisa dele para nada. Pelo sim pelo não, tenha pipocas à mão: esta bem pode ser uma convenção para a história - e, quem sabe, redefinir a história do Partido Republicano.

Trump não deixará de puxar dos galões pelo seu percurso como empreendedor e empresário e a Politico Magazine fez um bom exercício de especulação informada: fala com dezenas de pessoas que negociaram, colaboraram ou de alguma forma interagiram ao longo dos anos com o empresário Donald Trump para tentar traçar um perfil de como será essa pessoa caso transfira o seu escritório para a Sala Oval. O texto, bem escrito e sustentado, tem passagens como esta: "He is both impulsive and intuitive, for better and for worse. He hires on gut instinct rather than qualifications; he listens to others, but not as much or as often as he listens to himself. He’s loyal—“like, this great loyalty freak,” as he once put it—except when he’s not." Enfim, nada que tranquilize o cidadão comum - seja americano ou cidadão do mundo.

Mas mais inquietante ainda é o furo jornalístico publicado na última edição da New Yorker. Sabe quem é Tony Schwartz? Não? Mas ele sabe bem quem é Donald Trump, e isso é que interessa. Schwartz, que nos anos 80 era jornalista da revista New York, deu a Trump uma das suas primeiras capas - era a história de como essa figura emergente da sociedade novaiorquina (emergente é a palavra, quando estava em causa a espampanante Trump Tower) recorria a todo o tipo de métodos sem escrúpulos para afugentar os inquilinos de outro imóvel que havia comprado e queria transformar num empreendimento de luxo. O empresário era retratado como um escroque, mas Trump adorou o retrato e adorou ser capa. Poucos meses depois Shwartz foi convidado para ser o escritor-fantasma do livro que começou a construir o mito Trump: "The Art of the Deal”. Conviveram durante mais de um ano para ser produzido o livro editado em 1987. O jornalista nunca falou sobre isso... até agora. Porque tem medo que o Trump que conhece possa chegar lá.

Se voltasse hoje a escrever um livro sobre Donald, diz, o título seria "O Sociopata". Trump é um mentiroso compulsivo "e não tem qualquer consciência disso", diz Schwartz. Ao contrário das outras pessoas, que "são constrangidas pela verdade", Trump é completamente indiferente a esse facto, "o que lhe dá uma estranha vantagem". Hoje, confessa-se arrependido por ter escrito o livro que deu uma aura de vencedor e respeitabilidade a Trump. "Pus baton num porco", admite na entrevista à New Yorker. "Sinto um enorme remorso por ter contribuído para apresentar Trump de uma forma que lhe deu mais protagonismo e o tornou mais apelativo do que ele é." Dando ao caso contornos faustianos, o jornalista admite que só fez esse pacto com o diabo por dinheiro e garante que vem agora a público porque o caso é demasiado sério para silêncios: "Acredito mesmo que se Trump ganhar e tiver acesso aos códigos nucleares há uma enorme possibilidade de que ele leve ao fim da civilização".

Em todo o caso, as sondagens ainda não prenunciam o fim do mundo. À beira das duas convenções, Hillary Clinton mantém vantagem sobre o adversário conservador na generalidade dos estudos de opinião.

Outras notícias

Se há coincidência feliz por estes dias, é o facto de Donald Trump se ver coroado como candidato à Casa Branca no mesmo momento em que meio mundo enloquece com o jogo de realidade aumentada Pokemon Go. Trump é, ele próprio, uma espécie de político-realidade-aumentada, que surge não se percebe bem como, que não encaixa bem na realidade que conhecemos, mas é um entretenimento escapista de que muitos pareciam estar à espera. Ninguém se espantaria muito se a Quicken Loans Arena se tornasse um recinto de Pokemon Go: está a imaginar os apoiantes de Trump de smartphone em punho à procura, não de pokemons, mas de figuras de primeira linha do partido que possam ir ao palco falar em defesa do candidato? Ok, talvez a associação esteja a ir longe demais... Mas era divertido. (No caso de não fazer ideia do que estou a falar, leia o textodo Pedro Miguel Oliveira e vai perceber que isto está longe de ser uma brincadeira. Não é todos os dias que uma pequena multidão em Nova Iorque larga carros na estrada e se precipita para um local onde está um Pokemon raro...).

Mas deixemo-nos destes jogos e olhemos para outros. Por exemplo, os jogos de números entre Portugal e Bruxelas.

Bruxelas exige maior consolidação orçamental? Exige. O governo promete cumprir? Promete. Isso significa mais austeridade? O governo jura que não. Isto tudo bate certo? Não se vê como. Na carta que o governo enviou à Comissão Europeia contestando as prometidas sanções por défice excessivo em 2015 e respondendo aos avisos da CE sobre as contas deste ano, algumas perplexidades saltam à vista. Primeiro: o Governo garante que já estavam previstas no OE 2016 as cativações que permitem cumprir as exigências de Bruxelas, ou seja, o famoso plano b sempre existiu, só que sempre esteve à vista de todos. Mas não explica que as cativações significam despesa que estava prevista e não será cumprida, portanto, haverá mais austeridade em algumas áreas - por exemplo, na função pública, escreve o Público. Outra perplexidade: Mário Centeno continua a falar na existência de almofadas que permitem acomodar novas exigências, apesar de ser evidente que o cenário macro-económico de 2016 terá de ser revisto, tal como (quase) toda a gente avisou que teria de ser revisto. Ou seja, as coisas estão a correr pior do que era suposto, porém, há sempre dinheiro a ser descoberto debaixo do colchão. O que vem, mais uma vez, levantar a suspeita de que, afinal, a situação herdada do governo anterior não era assim tão dramática como nos quiseram pintar. Por fim, mas não menos importante, a carta enviada pelo ministro das Finanças para Bruxelas nunca releva um ponto que devia ser fundamental na argumentação portuguesa: eu ouvi o PM no Parlamento a garantir que, descontado o apoio ao Banif, o défice de 2015 ficou nos 3%. Palavra de primeiro-ministro. Esse que devia ser o ponto de finca-pé de Portugal - se o défice cumpriu os limites, nem se devia falar de sanções. A forma como o Governo deixou cair esse argumento cheira, mais do que nunca, a gestão política dos números.

PCP e BE, os outros dois pés do tripé da geringonça, assistem com expectativa à novela epistolar entre as Finanças e Bruxelas. À cautela,cada um vai preparando caminho para poder saltar fora caso seja inevitável mais austeridade (Jerónimo de Sousa abriu essa porta no fim de semana), mas ambos sabendo que saltar pode ser um mergulho mortal. Enquanto isso, António Costa continua a portar-se qual homem-bala, tentando proezas nunca vistas e otimista sobre o resultado - talvez o facto do circo europeu estar a pegar fogo o ajude a cumprir o seu número.

Por falar em pegar fogo, recomendam-se vivamente os novos capítulos do longo suicídio público, com recurso a morte por via do ridículo, do que sobra do PCTP-MRPP. Contado ninguém acredita, mas a luta, pelos vistos, continua. (E, de acordo com o jornal I de hoje, Arnaldo Matos, o eterno "grande líder da classe operária", considerou o atentado de Nice "um ato legítimo de guerra").

Ainda na política interna embalada por números e contas, ficou ontem a saber-se que o Governo põe mesmo de parte qualquer hipótese de voltar a injetar dinheiro no Novo Banco. Ou é vendido no prazo previsto - até daqui a um ano - ou o que sobra do BES entra em processo ordeiro de liquidação. Nada de novo? Nem por isso: pode ser mais uma pedrinha na engrenagem da "geringonça", tendo em conta que tanto o PCP como o BE têm defendido a nacionalização do Novo Banco. Até agora, Costa tem dito "nim" a essa proposta dos dois partidos que suportam o PS. Agora, parece mesmo ser um não.

O outro bico de obra que o Governo tem para resolver no setor financeiro parece ir-se compondo. Depois de Marques Mendes ter divulgado a carta muito dura do BCE sobre os planos do Governo para a Caixa (carta que, já antes, o Jornal de Negócios havia noticiado, mas com menos impacto) o Executivo admite que está em negociações com Bruxelas não só sobre a composição da futura administração, mas sobre a operação de aumento de capital. No Expresso Diário de ontem, a Anabela Campos e o João Vieira Pereira noticiaram que, afinal, os valores que o Estado terá de injetar no banco público podem ser bastante inferiores ao que tem sido falado. A coisa pode ficar por pouco mais de dois mil milhões de euros, metade do valor que chegou a ser noticiado. Dito assim até parece uma pechincha, certo? Alguém andou a jogar com os números...

Outros jogos, mais sérios: os perigosos jogos de guerra de Erdogan, o cada vez mais todo poderoso presidente turco, e os seus opositores. A facilidade com que foi dominada a tentativa de golpe de Estado no domingo e a rapidez com que de imediato as forças de Erdogan se lançaram numa purga contra inimigos reais ou suspeitos, que já contabiliza 7500 detidos e 8500 demissões e muitos outros sob investigação, levanta demasiadas suspeitas. Tudo parece demasiado fácil, demasiado rápido, demasiado conveniente. Erdogan falou à CNN e abriu o jogo sobre a perseguição aos "traidores", a exigência de que os EUA extraditem o clérigo Fethullah Gulen, acusado de ser o líder dos revoltosos, e a possibilidade de repor a pena de morte. Mesmo que isso signifique ficar de vez fora da União Europeia - mas quem estamos a tentar enganar? Já todos perceberam que a UE nunca quis abrir a porta à Turquia, nem a Turquia fez o esforço necessário para que a porta não se fechasse.

A Europa vive dias estranhos e perigosos, todos sabemos, e quase todos os dias nos chegam mais notícias disso. Esta noite, a notícia veio da Alemanha: um refugiado afegão de 17 anos entrou num comboio e atacou cerca de vinte pessoas com um machado e uma faca. O atacante foi abatido pela polícia e há três feridos graves e vários passageiros em estado de choque. Mas o choque e as consequências da notícia podem ser bem mais profundas, num país que já acolhe cerca de 1,2 milhões de refugiados. O tema tem sido lenha para a fogueira ateada sobretudo pela extrema-direita, contra a política de fronteiras abertas defendida por Angela Merkel. Um afegão com um machado num comboio não é exatamente aquilo de que a causa da tolerância e da integração precisava.

E tudo isto quando a França ainda lambe as feridas do ataque em Nice e tenta percebê-lo. Começa a ser tudo demasiado parecido e reconhecível: um homem sozinho, com um nome "árabe", armado com o que calha - um machado, uma faca, um camião - e a atacar onde menos se espera, contra qualquer um. "Podia ser qualquer um de nós", como escreve o Hugo Franco. Nestes casos, a retórica política é sempre musculada, mas não mascara o sentimento de insegurança e a frustração - a vaia ao primeiro-ministro Manuel Valls, ontem, na homenagem às vítimas, foi bem sintoma disso. E as consequências políticas não se fazem esperar: "desta vez, não houve unidade nacional", escreve o Le Monde - Nicolas Sarkozy entrou a pés juntos contra o governo, com o discurso securitário que fez a sua fama, há muitos anos, quando era ministro dos assuntos internos.

O Expresso Diário de ontem reflete sobre outro aspeto do massacre de Nice: o massacre perpetrado por alguns meios de comunicação social contra o código deontológico do jornalismo, as regras básicas de informação, a moderação e o bom senso. Em Portugal, a pornografia do horror que se viu na CMTV motivou diversas queixas à Entidade Reguladora da Comunicação Social, mas o caso mais aberrante foi o do canal France 2, cujo jornalista fez um direto com um sobrevivente, ao lado do cadáver da mulher, disparando a pergunta a sangue frio e à queima-roupa: "Boa noite, senhor, acaba de perder a sua mulher. Qual é a sua reação, em direto para a France 2?". "Quais sãos os limites para a comunicação social mostrar o horror?", é a pergunta a que a Maria João Bourbon tenta responder.

O que ando a ler

Não há coisa melhor para um leitor compulsivo do que entrar numa livraria e comprar livros por impulso: porque a capa nos puxou o olhar, porque o título nos ressoou na massa cinzenta, porque as críticas na contracapa não nos deixam voltar a pousá-lo ou porque o tema nos interessa mesmo que nunca tenhamos pensado muito nisso. Se a livraria em questão for a Strand, em Nova Iorque, a probabilidade de sair com sacos cheios de livros que nem sabíamos que existiam é ainda maior, conforme confirmei, mais uma vez, nestas férias.

Um desses livros que comprei nesse impulso de miúdo-numa-loja-de-doces é o que estou a acabar de ler: “Twenty Minutes in Manhattan”, do arquiteto, professor e ativista social Michael Sorkin (ed. North Point Press, 2013). O pressuposto do livro, de 260 páginas, é simples: durante mais de vinte anos Sorkin fez todos os dias o trajeto a pé desde o seu apartamento, um quinto andar (sem elevador) em Greenwich Village, para o seu atelier, num 14º andar de Hudson Street, em Tribeca. São uns vinte quarteirões por downtown Manhattan, vinte minutos, mais coisa menos coisa, dependendo do trajeto escolhido - e é a partir desses trajetos quotidianos, que começam com uma escolha tão simples como virar à esquerda ou à direita ao sair do edifício, que Sorkin nos leva por uma viagem pela sua Nova Iorque. “Invariavelmente, a caminhada ganha uma qualidade narrativa. (...) Caminhar não é apenas uma oportunidade para observar, mas um instrumento analítico””, escreve o autor, sobre essa oportunidade diária para pensar a cidade nas suas múltiplas dimensões, contemplando momentos e lugares que se vão sobrepondo numa narrativa pessoal só permitida pela repetição: o que permanece e o que muda, os projetos que avançam e os que falham, as modas e as atividades sazonais, as mudanças na malha humana, comercial, cultural.

Apesar de ter sempre o mesmo destino, o autor nunca se prende a um trajeto - é um flâneur que nos leva pelas ruas, cafés, parques, lojas, quiosques de jornais, num percurso que tanto é uma história de Nova Iorque, como um pequeno tratado sobre arquitetura e urbanismo, um ensaio sobre sociologia e uma afirmação política sobre o papel do Estado e dos cidadãos na construção de uma cidade que possa ser vivida com um sentido coletivo.

Bastante erudito, às vezes académico, profundamente humano e frequentemente divertido, Sorkin leva-nos desde as escadas do seu prédio centenário (o primeiro capítulo entitula-se “Stairs”) até ao “stoop”, aquele espaço onde estão as escadas de acesso ao edifício, que faz as vezes de pórtico, micro-jardim e depósito de caixotes de lixo, partilhando anedotas e pequenos dramas sobre recolha de lixo urbano ou a pressão de viver em casas de renda controlada numa cidade onde nenhum senhorio perde a oportunidade de apanhar boleia da valorização galopante dos metros quadrados. Seguimos depois pelo quarteirão, a seguir vem a praça (Washington Square, com uma rica história política, cívica e urbanística), e vamos, rua a rua, bairro a bairro, pela Village, pelo que sobra de Little Italy, pelo que ainda existe de Chinatown, até Tribeca, com um sem número de histórias sobre o que esses lugares são, o que foram e como e porquê mudaram.

Como nos ensaios de Montaigne, Sorkin vai associando temas e saltando livremente do plano micro para o plano macro, e vice-versa, seja para falar de trânsito e mobilidade, de praças e espaços verdes ou da relação da arquitetura com a vida dos cidadãos. Sempre presente, o tema que marca a vida das grandes cidades contemporâneas: a gentrificação. Como garantir que a recuperação das zonas degradadas ou com menor densidade humana - recuperação essa feita quase sempre à boleia do turismo e da especulação imobiliária de grandes fundos financeiros - não mata o que esses locais têm de genuíno e irrepetível? E, por genuíno e irrepetível, tanto vale o pequeno café local e ou a livraria independente, como a possibilidade de fazer vida de rua, em espírito de pertença a uma comunidade.

Nova Iorque é a cidade que nunca dorme, já se sabe, a cidade que está sempre a mudar, e Sorkin vive bem com isso: defende a ideia de que a cidade deve ser a “integração da diversidade”, resultando de tensões que lhe garantem essa caraterística de ser vivo. O problema é quando a tensão empurra toda para o mesmo lado. “Uma razão para objetar à renovação urbana e à gentrificação é a quantidade de atividades comunitárias que são obliteradas pela destruição dos seus lugares físicos, bem como pela homonegeização que resulta quando os preços empurram todos os que não são ricos para fora duma área”.

E é aí que tudo começa a parecer fake: e se Nova Iorque já não for mesmo Nova Iorque, mas apenas a nossa ideia de Nova Iorque, moldada pelo cinema e pelas séries de TV? A pergunta vale para essa cidade, que todos conhecemos (mesmo quem nunca lá esteve), mas também para todas as outras que, como Lisboa, enfrentam desafios semelhantes de recuperação urbana à la carte.“Um dos testes sobre a boa cidade contemporânea”, escreve Sorkin no final do livro, “é: detetamos aqui Disney?”. O teste vale lá como cá.

Fica por aqui este Expresso Curto (que talvez mais pareça um daqueles longos “americanos” para ir bebendo pela rua num copo de cartão - deve ser da minha falta de prática, que sou novato a tirar expressos). Amanhã será a Cristina Peres a acordar cedo para abrir a loja. Até lá, não se esqueça que pode ler tudo no Expresso online e no Expresso Diário, às 18h. Aproveite o sol e tenha uma excelente terça-feira.

Cerca de 6.000 são presos em 'limpeza' feita por governo após tentativa de golpe na Turquia



Opera Mundi, São Paulo

Ministro da Justiça avisou que haverá "mais detenções"; governo procura membros do movimento social-religioso de Fethullah Gülen, que nega envolvimento com golpe

 Cerca de 6.000 pessoas foram detidas após a tentativa de golpe de Estado militar da última sexta-feira (15/07), afirmou neste domingo (17/07) o ministro da Justiça, Bekir Bozdag, que alertou que "haverá mais detenções". Segundo Bozdag, está sendo feita uma “limpeza” contra o Hizmet, movimento social-religioso que o governo turco classifica como "organização terrorista de Fethullah Gülen".

"O homem número um nisto [o golpe] é Fethullah Gülen. Depois disto, manter Gülen nos Estados Unidos não serve para a amizade entre Turquia e Estados Unidos", disse Bozdag.

Gülen, que nega qualquer tipo de envolvimento com a tentativa de golpe, vive há anos em um exílio autoimposto nos EUA e Ancara exige sua extradição, uma reivindicação que o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, repetiu ontem mais uma vez. O secretário de Estado dos EUA, John Kerry, pediu que a Turquia enviasse evidências de que Gülen esteja envolvido na tentativa de golpe. Kerry, de acordo com a emissora britânica BBC, está em Luxemburgo e afirmou não ter recebido nenhum pedido de extradição vindo de Ancara.

Até sábado, as autoridades haviam informado sobre 2.839 soldados detidos, entre eles dezenas de generais, enquanto mais de 2.700 juízes foram destituídos. Segundo Bozdag, o objetivo é "libertar o judiciário turco".

Erdogan e Gülen já foram aliados, mas essa aliança acabou em 2013, após denúncias de corrupção que atingiram familiares do presidente e altos membros do gabinete. A partir deste momento, o mandatário passou a acusar Gülen de, com o Hizmet, implantar um “Estado paralelo” na Turquia, com o objetivo de derrubá-lo.

Oficialmente, o Hizmet não possui uma cadeia de comando: ele é formado, segundo os próprios simpatizantes, de pessoas que se sentem próximas aos ideais religiosos e humanistas de Gülen e passam a praticá-los.

Erdogan afirma que pessoas que se identificam com o Hizmet, que estão em todos os locais da vida pública turca – inclusive nas Forças Armadas, no Judiciário e em outras atividades – são, na verdade, infiltrados que conspiram para pôr fim a seu governo.

Em maio deste ano, uma lei que classifica o Hizmet como grupo terrorista foi aprovada no Parlamento do país.

Opera Mundi com Efe


A EROSÃO TURCA




1 – Num mundo que vai mergulhando na crise, no caos e no terrorismo, a Europa está a ser engolida por arrasto, irremediavelmente à mercê de suas próprias contradições e vassalagem, num quadro dum capitalismo neoliberal capaz de antropofagia, de tão obcecado que está o poder decorrente dos processos de hegemonia unipolar numa envenenada via de globalização!

Os Estados Unidos mantêm a Europa sob jugo, manipulando instrumentos como a União Europeia e a NATO, mas também eles estão cada vez mais impotentes face à crise, ao caos e ao terrorismo, em relação aos quais tem uma fatia maior de responsabilidade.

No que à Turquia diz respeito, são vários os observadores e analistas internacionais que apontam para o clérigo Fetulá Gulen, exilado nos Estados Unidos e para a CIA, como entidades mentoras e impulsionadoras da tentativa de golpe de estado militar contra o governo de Erdogan, associando a iniciativa ao facto da mudança em 180º na geo estratégia de aproximação turca à Síria e à Rússia.

De tanto semear ventos, pouco a pouco os Estados Unidos vão colhendo tempestades que se vão refletindo aliás não só um pouco por todo o mundo, mas também por dentro de sua tão complexa quão heterogénea sociedade, refletindo-se no carácter do poder.

2 – A Turquia, dramaticamente situada a sudeste da Europa e na charneira com o Médio Oriente, é cada vez mais exponencial nesse quadro desagregador e depressivo.

O ambiente sócio-político do país demonstra-o, com um Erdogan incapaz não só de integrar as distintas sensibilidades que compõem a diversificada sociedade turca, mas também incapaz de em tempo fazer as leituras adequadas aos fenómenos que se distendem nas suas periferias, tanto no que diz respeito aos seus vizinhos no Mar Negro, quanto na sua relação com a Europa, tanto pior em relação ao Médio Oriente.

Erdogan está nesse aspeto a ser vítima não só duma conjuntura decadente, mas sobretudo do desastre que é o próprio Erdogan, de tão mau uso que ele tem feito do poder animado de carácter neo fascista.

Incapaz de suster a crise económica interna acompanhada da degradação dos instrumentos de poder, incapaz de integrar os curdos, incapaz de estabelecer relações coerentes com a Rússia (o seu vizinho mais poderoso a norte), incapaz de se ver livre dos radicalismos islâmicos que sustentam a Al Qaeda e o Estado Islâmico, incapaz de estabelecer pontes construtivas em direção aos poderes instalados no Irão, no Iraque e na Síria, Erdogan atraiu para a Turquia as enfermidades conjunturais “animadas” de crise, de caos e de terrorismo.

3 – No preciso momento em que John Kerry de visita a Moscovo, acordava com Lavrov o refinamento da plataforma de entendimento na luta contra o Estados Islâmico e a Frente Al Nushra, uma tentativa de golpe de estado militar sacudiu a Turquia com maior visibilidade em Ankara e Istambul.

A plataforma de entendimento norte-americano-russo em relação sobretudo à Síria, envolveu esta semana (recorde-se pouco tempo depois do BREXIT), cedências importantes da parte dos Estados Unidos, asfixiados pelas suas próprias contradições externas.

Com efeito John Kerry já se pronuncia nestes termos: “há vários subgrupos do Estado Islâmico e da Frente Al Nushra, nomeadamente o Jaysh al-Islam e o Ahrar al-Sham, que não respeitam as condições de cessar-fogo e continuam os combates”…

Implicitamente os Estados Unidos estão a reconhecer que afinal o campo do que eles qualificam como “rebeldes moderados” na Síria, está minado pelo Estado Islâmico e pela Frente Al-Nushra, com “apêndices” que não respeitaram os sucessivos cessar-fogo do governo sírio, sobretudo em Damasco e Alepo.

Esse reconhecimento põe também em cheque os financiadores e os apoios internacionais do Estados Islâmico e da Frente Al-Nushra, tal como desses dois subgrupos.

O Jaysh al-Islam (Exército do Islão), beneficia do financiamento da Arábia Saudita e de treino propiciado (antes do BREXIT), pelos serviços secretos britânicos, incide a sua ação sobre Damasco!

O Ahrar al-Sham (Movimento Islâmico dos homens livres do Sham), criado no início da crise síria antes mesmo do Exército da Síria Livre, incide sua ação sobre Alepo, é enquadrado pela Turquia, financiado pelo Qatar e recebe apoio nos relacionamentos externos do MI6, antes do BREXIT.

4 – É evidente que o carácter e o comportamento do poder de Erdogan na Turquia, está a ser sucessivamente apanhado em contrapé, pelo que Erdogan vai tomando decisões que em curto espaço de tempo se vão contrariando umas às outras, ao fim e ao cabo lançando ele próprio a confusão nos mecanismos de poder, com risco de ele, desse modo, ir perdendo domínio sobre eles.

A tentativa de golpe de estado militar na Turquia surge no rescaldo de sucessivas desarticulações, medidas e contramedidas, que se adicionaram a fenómenos conjunturais e internos mais extensos (conforme apontei acima).

Se bem que os militares golpistas não tenham alcançado o êxito da tomada do poder, o ambiente sócio-político na Turquia está degradado, manifestando-se já por dentro dos instrumentos de poder de estado, pelo que as medidas de repressão que Erdogan promete sobre os golpistas e outros sectores sociais (por exemplo os Tribunais), só concorrerão para uma degradação ainda maior do que a presente, num momento em que a crise, o caos e o terrorismo vão também minando a complexa sociedade turca.

Os políticos neoliberais, como autênticos aprendizes de feiticeiro, ao contribuírem para semear ventos, estão também já a colher as tempestades! 

Fotos:
- Encontro de John Kerry com Putin (esta semana finda);
- Erdogan e o Rei da Arábia Saudita (antes da tentativa de viragem de 180º por parte da Turquia em relação à Síria);
- Está à espreita o ocaso de Erdogan.

A consultar (Martinho Júnior):
- A hegemonia unipolar estimula a internacional neo fascista – http://paginaglobal.blogspot.pt/2016/01/a-hegemonia-unipolar-estimula.html;

Mais lidas da semana