Haroldo
Ceravolo Sereza, São Paulo - Opera Mundi
Há
um descompasso entre o Obama simbólico e o Obama prático, entre o dito e o
feito. Se a vida dos norte-americanos mais pobres melhorou sob sua gestão, a
política externa de seu mandato foi a de implantar o terror e a barafunda em
outras terras
Barack
Obama fez um belo discurso na noite desta terça-feira (10/01). O
centro do seu discurso foi a valorização da democracia norte-americana, a
necessidade de ampliar o número de eleitores no país, de engajar cada cidadão
na narrativa histórica que precisa, nas suas palavras, ser cada vez mais
inclusiva, o que significa respeito ao outro, combate permanente ao racismo e
busca por mais igualdade.
Entre
os feitos, destacou o programa de saúde (Medicare, mais conhecido pelo apelido,
Obamacare) para a população mais pobre, a redução do desemprego, a retomada da
economia. No campo da segurança, comemorou o fato de nos seus oito anos de
mandato não ter ocorrido nenhum ataque promovido por organizações extremistas
sediadas no exterior. E, na diplomacia, destacou o acordo que freou o programa
nuclear iraniano sem disparar um único tiro.
Foi
um discurso empolgante, cheio de aplausos e vitalidade, diante de uma plateia
que vê em Obama um legítimo representante de seus sonhos. O discurso de
despedida de Obama em 2017 nada fica a dever ao seu discurso de posse, em
janeiro de 2009.
Desse
modo, Obama sai fazendo um discurso coerente com sua eleição, oito anos atrás.
Mas que, infelizmente, não se sustenta na sua atuação como presidente,
especialmente fora dos Estados Unidos.
Acompanhada
e aparentemente estimulada a partir de decisões tomadas em Washington, a
chamada Primavera Árabe, com poucas exceções (certamente a Tunísia e, em menor
escala, o Marrocos), desaguou em menos democracia, onde ela já era escassa. Os
movimentos contraditórios dos Estados Unidos na Síria fortaleceram o extremismo
do Estado Islâmico.
Num
movimento semelhante ao ocorrido no Afeganistão sob Ronald Reagan, o regime de
Bashar Al-Assad foi combatido estimulando o que há de mais reacionário, e não
as forças que, de algum modo, poderiam de fato conduzir o país a um regime mais
democrático. A interferência descarada no combate em chão e nas redes sociais
também fortaleceu o argumento contrário: o do vale-tudo de Assad para manter um
regime, nitidamente atacado não apenas pela resistência síria.
As
intervenções mais ou menos explícitas no Oriente Médio alimentaram o caos e,
por consequência, movimentos migratórios em massa, dentro dos próprios países
da região e também em direção, sobretudo, à Europa – que, além da crise
econômica desencadeada a partir de 2008, passou a ter de lidar também uma crise
humanitária que desestabiliza a política local.
Na
América Latina, as oposições venezuelana, brasileira, argentina, paraguaia e
hondurenha não têm do que reclamar de sua gestão. De um modo ou de outro, foram
todas reforçadas com dinheiro, know-how e discursos que enfraqueceram ou
desestabilizaram regimes progressistas, que vinham obtendo resultados
significativos no combate à miséria na região, incluindo massas de
trabalhadores na economia, tanto na produção quanto no consumo.
Quanto
ao Brasil, a simpatia pessoal expressa a Dilma não contou com um só movimento
efetivo de apoio diante das pressões que levaram ao impeachment. Pelo
contrário, foi visível a satisfação com a instabilidade criada, que certamente
fragilizou os instrumentos multilaterais em que o Brasil se envolveu ao longo
dos últimos anos: Unasul, Mercosul, Celac e Brics (com seu banco próprio de
financiamento ao desenvolvimento).
Assim,
há um descompasso entre o Obama simbólico e o Obama prático, entre o dito e o
feito. Se a vida dos norte-americanos mais pobres de fato melhorou sob sua
gestão, a política externa de seu mandato foi a de implantar o terror e a
barafunda em outras terras, alimentando o racismo, o machismo e a xenofobia por
todo o planeta – inclusive nos Estados Unidos, paradoxalmente, o que favoreceu
a eleição de Trump.
Essa
combinação que faz de Obama o presidente contraditório, que agrada uma esquerda
ávida por simbolismos (não estou negando a importância deles, quero deixar
claro) e uma direita que queria ver a América Grande novamente, talvez explique
por que ele acaba o mandato tão popular.
Pode
parecer insano, mas os eleitores de Donald Trump têm muito a agradecer à gestão
Barack Obama.
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