Francisco
Louçã, opinião – Público
Um
dia, num restaurante de um país do hemisfério sul, pedi um prato, já não sei
qual. O empregado explicou, condescendente, que “tem, mas acabou”. Creio que o
jornalismo está a passar por um risco semelhante: tem, existe, mas muda tanto
que pode acabar. É um risco, não uma conclusão: os dias recentes, aliás,
demonstraram que existem regras e que existe jornalismo. Por exemplo, ao que me
dei conta, nenhuma televisão usou imagens integrais do caixão aberto de Mário
Soares, transmitindo portanto unicamente as cerimónias, mas mantendo respeito
pela imagem do seu corpo e da sua morte. Elogio esta escolha digna.
Refiro-me
antes a três questões: a tempestade perfeita que se abateu sobre o jornalismo
(ou, ainda pode haver independência?), o recurso às estratégias da banalização
anestesiante ou obsessiva (ou, ainda quer informar?) e a inclinação política do
jornalismo por via do comentário engajado (ou, abandonou a busca de
objectividade?). Não sei se o Congresso dos Jornalistas as discutirá, mas estas
são para já as questões cépticas para as quais preciso de ter resposta (o texto
desenvolvido está no online).
Primeira
questão, a comunicação social vive uma tempestade perfeita: a recessão esvaiu a
publicidade, a concentração empresarial acentuou-se, a tecnologia destroçou
circuitos de informação. Nada disto vai melhorar. O espaço noticioso é portanto
gerido por uma certeza: a da inevitável degradação da informação, que foi
transformada em entretenimento. Assim, em vez de notícias, produzem-se senso
comum, ou ideias, ideologias e conformação. Portanto, a comunicação
transformou-se em órgão de poder e não de contrapoder.
Segundo,
ao abdicar da independência, o jornalismo muda também o seu procedimento. O que
então usa é futebol e discussão de futebol, de modo que o acontecimento seja a
discussão do acontecimento. Este trabalho de produção de senso comum é
construído como uma banalidade banal, baseada na distração.
Mas
há também um contraponto, a banalidade perturbante (a exploração da
emoção de vizinhos sobre o desaparecimento da mulher de Grândola). Afinal,
a perturbação é uma regra muito usada. Assim, o Correio da Manhã torna-se
parte de um processo judicial para criar manchetes, usando o que ainda está em
segredo de justiça – qual é então o limite? Não há, acabou.
A
terceira questão que quero tratar é o comentário pelos jornalistas, que se fez
parte da luta política. Já era assim, bem se pode dizer, veja-se o comentário
económico na TV: é monopolizado por defensores da solução austeridade. Não há
lugar para alternativas, mesmo quando o fracasso da financeirização entra pelos
olhos dentro. Outro exemplo, este do comentário que se arvora em juízo, as
colunas de “setas”, uma arrogância que descamba em ajustes de contas e são o
resultado de um “estilo matarruano”. O julgamento é sumário: tal acto
político é “imbecil”, tal iniciativa é “asinina”, tal proposta é uma “náusea”,
tal ideia é “estúpida”, tal dirigente política é “troll” – cada uma destas
expressões foi de facto escrita por editorialistas e directores nos últimos
meses.
Portanto,
tudo inevitável? Nem pensar. Há vida para além do twitter. A comunicação social
sempre se reinventou perante a evolução do seu próprio meio: os jornais sobreviveram
à rádio e a rádio sobreviveu à televisão. A televisão pode sobreviver à
internet e continuará ao lado dos jornais e rádios. Mas não precisava de
limitar o jornalismo a uma função de pivot de continuidade.
Esse
jornalismo está a obrar para a sua própria destruição – no dia em que a
informação só for vista como entretenimento ou como análise crispada, passou a
ser outra coisa. Tem, mas parece que aceita que acabou.
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