quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Portugal. O JORNALISMO NÃO MORREU, MAS NÃO SEI SE QUER SOBREVIVER



Francisco Louçã, opinião – Público

Um dia, num restaurante de um país do hemisfério sul, pedi um prato, já não sei qual. O empregado explicou, condescendente, que “tem, mas acabou”. Creio que o jornalismo está a passar por um risco semelhante: tem, existe, mas muda tanto que pode acabar. É um risco, não uma conclusão: os dias recentes, aliás, demonstraram que existem regras e que existe jornalismo. Por exemplo, ao que me dei conta, nenhuma televisão usou imagens integrais do caixão aberto de Mário Soares, transmitindo portanto unicamente as cerimónias, mas mantendo respeito pela imagem do seu corpo e da sua morte. Elogio esta escolha digna.

Refiro-me antes a três questões: a tempestade perfeita que se abateu sobre o jornalismo (ou, ainda pode haver independência?), o recurso às estratégias da banalização anestesiante ou obsessiva (ou, ainda quer informar?) e a inclinação política do jornalismo por via do comentário engajado (ou, abandonou a busca de objectividade?). Não sei se o Congresso dos Jornalistas as discutirá, mas estas são para já as questões cépticas para as quais preciso de ter resposta (o texto desenvolvido está no online).

Primeira questão, a comunicação social vive uma tempestade perfeita: a recessão esvaiu a publicidade, a concentração empresarial acentuou-se, a tecnologia destroçou circuitos de informação. Nada disto vai melhorar. O espaço noticioso é portanto gerido por uma certeza: a da inevitável degradação da informação, que foi transformada em entretenimento. Assim, em vez de notícias, produzem-se senso comum, ou ideias, ideologias e conformação. Portanto, a comunicação transformou-se em órgão de poder e não de contrapoder.

Segundo, ao abdicar da independência, o jornalismo muda também o seu procedimento. O que então usa é futebol e discussão de futebol, de modo que o acontecimento seja a discussão do acontecimento. Este trabalho de produção de senso comum é construído como uma banalidade banal, baseada na distração.

Mas há também um contraponto, a banalidade perturbante (a exploração da emoção de vizinhos sobre o desaparecimento da mulher de Grândola). Afinal, a perturbação é uma regra muito usada. Assim, o Correio da Manhã torna-se parte de um processo judicial para criar manchetes, usando o que ainda está em segredo de justiça – qual é então o limite? Não há, acabou.

A terceira questão que quero tratar é o comentário pelos jornalistas, que se fez parte da luta política. Já era assim, bem se pode dizer, veja-se o comentário económico na TV: é monopolizado por defensores da solução austeridade. Não há lugar para alternativas, mesmo quando o fracasso da financeirização entra pelos olhos dentro. Outro exemplo, este do comentário que se arvora em juízo, as colunas de “setas”, uma arrogância que descamba em ajustes de contas e são o resultado de um “estilo matarruano”. O julgamento é sumário: tal acto político é “imbecil”, tal iniciativa é “asinina”, tal proposta é uma “náusea”, tal ideia é “estúpida”, tal dirigente política é “troll” – cada uma destas expressões foi de facto escrita por editorialistas e directores nos últimos meses.

Portanto, tudo inevitável? Nem pensar. Há vida para além do twitter. A comunicação social sempre se reinventou perante a evolução do seu próprio meio: os jornais sobreviveram à rádio e a rádio sobreviveu à televisão. A televisão pode sobreviver à internet e continuará ao lado dos jornais e rádios. Mas não precisava de limitar o jornalismo a uma função de pivot de continuidade.

Esse jornalismo está a obrar para a sua própria destruição – no dia em que a informação só for vista como entretenimento ou como análise crispada, passou a ser outra coisa. Tem, mas parece que aceita que acabou.

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