sábado, 4 de fevereiro de 2017

Angola. ENSINO SUPERIOR: FINANCIAMENTO E ACESSIBILIDADE 3




M. Azancot de Menezes* - Jornal Tornado

Ainda sobre o estudo inédito acerca do ensino superior em Angola, por M. Azancot de Menezes, a que o Jornal Tornado teve acesso, segue hoje a continuação da publicação iniciada em Dezembro último

M. Azancot de Menezes propôs-se discutir as políticas de propinas à luz do princípio da equidade e analisar medidas de política educativa relacionadas com a acessibilidade do sistema. Tendo, no âmbito desta pesquisa, aplicado questionários a mil estudantes de 18 Instituições de Ensino Superior (IES), em 2013, a seis Regiões Académicas das Províncias de Benguela, Huíla, Luanda, Malanje, Kuanza-Sul e Uíge.

Na edição do dia 30 de Dezembro de 2016 fizemos uma introdução ao estudo (Ensino Superior: Financiamento e acessibilidade 1), com uma breve contextualização do País, e explicitando quais foram as regiões académicas abrangidas. Dando seguimento a esta publicação, para melhor esclarecimento do assunto, o Jornal Tornadosolicitou ao autor que fizesse uma breve alusão aos pressupostos teóricos do estudo e aos resultados gerais da investigação empírica. Tendo formulado quatro blocos de perguntas ao investigador, cujas respostas iniciais foram dadas na edição de 17 de Janeiro (Ensino Superior: Financiamento e acessibilidade 2), e as restantes estão na edição de hoje:

Jornal Tornado: No seu estudo disse que recorreu ao Plano Nacional de Formação de Quadros (PNFQ) de Angola, e referiu-se a “modelos de financiamento do ensino superior” e à “acessibilidade”. Em que medida é que os dados e informações do PNFQ foram importantes para o estudo? Por outro lado, para que todos nós possamos acompanhar com mais interesse o seu raciocínio enquanto investigador, quer fazer o favor de explicitar melhor a significação desses dois conceitos?

Azancot de Menezes: Com certeza, tenho o maior prazer, mas, antes de responder às suas perguntas, gostaria de clarificar o meu posicionamento inequívoco em matéria de educação. A educação produz “externalidades” e por isso justifica o financiamento público através do Estado.

Como assim?!

A educação produz mais-valias, com efeitos sociais, externos ao indivíduo. Claro que o estudante tem o seu benefício, pessoal, contudo, há efeitos para a sociedade no seu todo, ou seja, origina “externalidades” que se tornam benefício de toda a comunidade. Esta leitura parece-me de toda a clareza porque o investimento nos recursos humanos, nomeadamente na educação, é determinante para a luta contra a exclusão social e a pobreza. Permita-me fazer um breve parêntesis para ilustrar de forma simpática e em termos históricos a relação educação / externalidades.

Um autor de referência internacional, Jürgen Schriewer da Universidade de Humboldt de Berlim (Alemanha) publicou um escrito muito interessante intitulado “Formas de Externalização no Conhecimento Educacional”, um documento publicado nos Cadernos Prestige (Problems of Educational Standardisation and Transitions in a Global Environment). Segundo este autor, citando Arinori Mori (1872) – o primeiro Encarregado de Negócios do Japão Imperial nos EUA, no âmbito da disseminação global da ideologia educacional, refere que foram formulados os efeitos sociais a longo prazo de um sistema educativo construído com base em determinados princípios.

Esse novo sistema tinha como alcance o progresso da sociedade em múltiplas dimensões: âmbito económico, material, político, científico e moral. Segundo Schriewer, invocando Herbert Passin, um autor que escreveu sobre a sociedade e a educação no Japão, o «aumento do nível de educação de toda a população conduziria, por um lado, no que respeita à política externa, a um poderio económico, político e militar», por outro lado, ao nível interno, «a uma visível redução da força policial e de um sistema judiciário assente em princípios de coerção e represálias», ou seja, já nesse tempo era visível esta visão das “externalidades” considerada pelos investigadores sociais de hoje como absolutamente fundamental.

Muito bem, Dr. Azancot de Menezes! Estamos esclarecidos! Regressemos ao PNFQ, aos «modelos de financiamento do ensino superior» e à «acessibilidade», se faz favor.

O PNFQ é um documento orientador da capacidade técnico-científica concebido com o objectivo de corresponder, de forma sustentável, às necessidades que decorrem das prioridades definidas pela estratégia de desenvolvimento de Angola. Através deste documento, com uma margem de erro diminuta, consegue-se projectar para o período 2013-2020 o balanço de necessidades da oferta educativa interna nos domínios estratégicos do ensino superior (cursos das áreas científicas consideradas no estudo).

Dos vários resultados desta minha pesquisa, que mereceram a aprovação de Rui Brites, um dos grandes metodólogos portugueses, docente no ISEG (Universidade de Lisboa), apurou-se que os estudantes inquiridos estão inscritos em 73 cursos de todas as áreas científicas. Se tivermos em atenção o PNFQ, por exemplo, no curso de engenharia electrotécnica e electrónica, até 2020, estimou-se que em Angola há um défice na ordem dos 2150 engenheiros, contudo, os resultados do estudo mostram que é um dos cursos menos frequentados, com apenas 0.1% de frequência!

Refiro-me apenas a este caso, mas há mais situações de incongruência. O que eu quero tentar demonstrar é que as estatísticas sobre a frequência dos cursos seleccionados pode indicar que não tem havido cumprimento das orientações políticas de educação superior ou não há articulação entre a tutela e as IES, uma situação que, a existir, deve merecer especial atenção do Estado e das Instituições de Ensino Superior, pois, se não houver articulação, para além de gastos financeiros desnecessários, corre-se o sério risco de mergulhar para o desemprego estrutural.

Numa outra perspectiva ou de forma cumulativa, como a escolha dos cursos por parte dos estudantes pode depender de várias variáveis, como a origem social e económica dos estudantes ou dos seus pais, pode ter sucedido que os diferentes cursos foram seleccionados de forma desigual por essas razões, um assunto muito interessante que foi tratado em detalhe no estudo e que nos conduz, precisamente, às questões da acessibilidade e equidade, temáticas brilhantemente abordadas pelo grande sociólogo francês Pierre Bourdieu.

Relação dos cursos frequentados

Pelos estudantes inquiridos em 18 IES angolanas (2013)

Curso
N
%
Administração e Gestão de Território
5
,6
Administração e Marketing
8
,9
Análises Clínicas
 9
1,0
 Arquitectura
 3
,3
 …
 …
 …
 Sociologia
 33
3,8
 Total
858
 100,0

Nota de edição
Os primeiros artigos deste estudo foram publicado a:

*Secretário-Geral do Partido Socialista de Timor (PST) e Professor Universitário

*M.Azancot de Menezes, Díli – também colabora no Página Global

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