sábado, 4 de fevereiro de 2017

O MEDO COMO PROCESSO DO TERROR



A violência e a coacção pertencem à história do homem, mas a força indomável do querer sonhar é-lhes paralela.

Baptista Bastos – Jornal de Negócios, opinião

As decisões de Donald Trump têm preocupado seriamente o nosso mundo, pelo que extravasam da normalidade política e pelo que assumem de grande ameaça. Trump é um resultado, como o foram e têm sido outros que com uma certa displicência, direi moral, de tempos a tempos, assolam aquele país e o mundo. Recordo o terror causado pela Comissão de Actividades Anti-americanas, na década de 60 do século passado, que determinou a fuga daquele país de grandes nomes da cultura, como Charles Chaplin, Joseph Losey, muitos outros mais. Aquela comissão tivera como membros gente da estirpe de Richard Nixon e uma imprensa decapitada na honra e na dignidade. Durou uns anos largos a "caça às bruxas", que dizimou grande parte da cultura norte-americana, que teve de fugir das perseguições e da cadeia, instalando-se em França e no Reino Unido. Ainda há pouco tempo, o filme "Trumbo" revelou as atrocidades de uma política persecutória, que tinha posto de parte alguns dos maiores nomes da cultura norte-americana, como Dalton Trumbo, acusados de serem comunistas. É uma história miserável e sinistra do que a organização do medo e do pânico pode fazer a um país. Mas há muitíssimos mais casos. E o cinema norte-americano, honra lhe seja feita, tem revelado a imensidão do crime.

O senador Joseph McCarthy foi o oficiante desse inominável crime, associado a Roy Cohn, judeu e homossexual desabrido. Ambos puseram os Estados Unidos sob as coordenadas do terror, a que só a coragem de alguns americanos conseguiu pôr cobro. Recordo alguns episódios indignos, que calo por nojo e amor à verdade, e muitos outros de pujança moral e força da nobreza de carácter. Eu era muito novo, vinte anos, quando os tristes episódios ocorreram. N' O Século Ilustrado, e com o apoio do chefe da redacção, Redondo Júnior, escrevi o que pude sob as medonhas circunstâncias. Quero recordar o nome de José Vaz Pereira, que nos cineclubes também cruzou armas, numa altura muito perigosa da vida portuguesa. Recordo que as cadeias estavam repletas de presos políticos, que as guerras coloniais haviam começado, que milhares de jovens portugueses fugiam às guerras impostas.

Donald Trump é, inequivocamente, produto de um tempo semelhante. E o medo que instila, as perseguições que começou a fazer, o poder que lhe oferece o dinheiro que possui, não são suficientemente fortes para obstarem à verdade dos factos e à grandeza dos que se lhe opõem. Como todos aqueles que se julgam donos de tudo, ele tem cometido erros de carácter inomináveis. E ameaça continuar. A barreira que começou a construir, ao longo de parte da fronteira com o México, é um indício das suas intenções. A ideia não é nova, nem original. O Muro de Berlim também foi tombado, o que parecia impossível. "Não há machado que corte a raiz ao pensamento", disse-o um grande poeta português. A violência e a coacção pertencem à história do homem, mas a força indomável do querer sonhar é-lhes paralela.

Os acontecimentos nefastos que, diariamente, são tornados públicos correspondem, também, à ideia de que todos os homens são lugares no mapa e que tudo se modifica e altera. Trump é apenas um episódio, nefasto mas episódico. Podem crer.

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