terça-feira, 18 de julho de 2017

RACISMO PROFUNDO | O Governo esquece as vítimas da Amadora?



Mariana Mortágua | Jornal de Notícias | opinião

"Porque lhes bateram? O que é que eles fizeram?" serão provavelmente as primeiras perguntas de quem não conhece os pormenores da agressão policial contra seis jovens da Cova da Moura, na Amadora. A questão reflete, ela própria, o olhar enviesado da sociedade sobre o fenómeno da atuação da Polícia nos bairros ditos "problemáticos". A resposta é simples: independentemente da situação em concreto, nada justifica nunca o abuso da força, a agressão ou a tortura.

O real motivo da violência está nos polícias, agressores, e não nos jovens da Cova da Moura, vítimas. Os testemunhos são claros: "Os polícias disseram que nós, africanos, temos de morrer. Chamavam pretos, macacos, que iam exterminar a nossa raça". Ficam então a nu os motivos: racismo e xenofobia, agravados pelo absoluto sentimento de impunidade por parte dos agentes.

Foquemo-nos na impunidade. Estes jovens não foram agredidos por um polícia racista em concreto. O testemunho de Flávio Almada, uma das vítimas, é claro: "de tudo o que nos fizeram o que mais me assustou foi perceber que não havia um único agente de confiança que nos pudesse ajudar. Houve troca de turnos até. Nunca nos deixaram fazer um telefonema para a família". Falamos portanto de uma esquadra inteira, participante ou cúmplice de tortura motivada por ódio racial.

Mas não ficamos por aqui. O Ministério Público, que agora acusa 18 polícias dos crimes de tortura, sequestro, injúria e ofensa à integridade física qualificada, também afirma que os relatórios e autos de notícia e testemunho foram falsificados para proteger os agressores. O INEM, tendo registado, segundo as últimas notícias, a verdadeira causa dos ferimentos, também não deu sequência ao caso (segundo se sabe). A Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) arquivou o inquérito à conduta policial.

Nós sabemos que este caso não é único, é prato do dia em muitos bairros. E é isso mesmo que estes factos agora comprovam. Da agressão pela Polícia à cumplicidade de todas as intuições envolvidas nas várias fases do processo, o Estado falhou em grande. Viola direitos que devia proteger e organiza a ocultação do crime.

Este não é um problema ou um caso localizado. É um problema do Estado. Torna-se por isso bizarro - e inaceitável - que nenhum membro do Governo tenha ainda vindo a público pronunciar-se e dar a estes jovens garantias de segurança durante um inquérito inédito.

Que diríamos perante uma equipa de cirurgiões que voluntariamente infetasse os seus pacientes? Ou de uma cantina pública que substituísse sal por veneno? Seis cidadãos, inocentes, foram brutalmente agredidos por quem deveria garantir a sua segurança. Não é suficiente para termos um caso nacional e garantias do poder político? Ou isso está vedado quando as vítimas são jovens, negros e da Cova da Moura?

* Deputada do BE

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