domingo, 19 de novembro de 2017

"Evita-se estudar Fátima para sustentar uma mentira histórica" – Licínio Lima





O centenário das aparições em Fátima tem gerado um dos principais momentos da investigação sobre a maior questão religiosa de Portugal. Após os livros em que os autores eram crentes e elaboravam obras piedosas sobre os acontecimentos da Cova da Iria em 1917 sem qualquer distanciamento, ou num período seguinte, em que sendo fervorosos detratores tiveram igual procedimento, a mais recente vaga de estudos - superior a meia centena de publicações - traz novas leituras sobre o fenómeno. O mais recente intitula-se Senhora da República, de autoria do especialista em religião Licínio Lima. Uma investigação que deverá ter continuação porque, como diz o autor, "é fundamental perceber como é que Lúcia, pastorinha de Aljustrel, se transforma de repente na mulher mais influente no Vaticano".

O título Senhora da República é um contrassenso. É uma provocação?

Parece um título provocatório. Mas não é. A Igreja quis que a Senhora de Fátima fosse Republicana. E declarou-o através de Salazar, em 1917, quando os monárquicos viam nas aparições de Fátima a salvação da coroa. O homem governante disse que a Igreja não discutia regimes políticos, fossem eles quais fossem. O mais importante seria lutar pela liberdade da igreja do que pela substituição de um regime por outro. Os bispos aplaudiram, pois tais palavras eram sustentadas pelo princípio do Ralliement, de Leão XIII, que havia dito exatamente o mesmo. A Igreja tinha ordens do Vaticano para obedecer ao regime republicano, embora anticlerical e disposto a acabar com a religião. Por isso a Senhora teria de ser Republicana.

Inicia o livro com a afirmação de que Fátima conta com o apoio do Vaticano. O que quer dizer?

Bento XV, o papa que em 1917 comandava a Igreja, teve dois gestos de génio: restaurou a diocese de Leiria em 1918, colocando um bispo a pensar só nas aparições, e beatificou Nuno Álvares Pereira, o Santo Condestável do século XIV. Com esta beatificação, enviava um sinal agradável aos republicanos, ateus, mostrando que a Igreja elevava aos altares os crentes defensores da identidade de uma nação, restauradores da soberania do povo; por outro lado, enviava uma mensagem à Igreja apelando a que os crentes deveriam estar empenhados na defesa dos valores nacionais. Ora, para o povo, a religião estava inscrita no ADN. A Igreja viu naquele gesto o apelo à luta, pela identidade nacional que os livres-pensadores, na sua maioria afetos a lojas maçónicas, queriam aniquilar. A beatificação é o sinal do Vaticano para que a batalha de Aljubarrota se deslocasse para a Cova da Iria.

Considera o 13 de agosto de 1917 uma data fundamental para a afirmação de Fátima por reunir fiéis sem a presença dos pastorinhos. É o momento em que a construção do milagre fica sem retorno?

Fátima começa a afirmar-se a 13 de agosto, dia em que a Senhora não apareceu. O administrador de Ourém, pensando que sem os videntes o povo deixaria de se deslocar à Cova da Iria, pegou nas crianças e levou-as para sua casa. Apesar da ausência das crianças, ninguém arredou pé e cerca de cinco mil pessoas saíram de lá satisfeitas, dizendo que tinham visto qualquer coisa. O 13 de agosto é a afirmação de que o fenómeno acontece sem depender de três crianças.

Esta investigação é um manifesto contra a maçonaria?

A maçonaria hoje é um movimento filosófico diferente daquele que se apresentou no século XIX e princípios do século XX. Já ninguém pede a um povo para se transvestir mentalmente do dia para a noite. A maçonaria detinha desde 1834 os meandros do poder político em Portugal. Mas se até 1910 admitia o catolicismo como religião oficial do Estado, a partir da revolução de 5 de Outubro adotou uma postura anticlerical, de perseguição à religião. Este livro é, sim, um manifesto contra os políticos que ignoram o sentir do povo. Porque Fátima é um grito do povo contra políticas sem história ou alma. Fátima foi um acontecimento político.

A intervenção do cónego Formigão foi no sentido de esclarecer os acontecimentos ou de os "corrigir"?

Formigão percebeu que Fátima era uma oportunidade para restaurar a Igreja e a sua influência. Era uma guerra contra a maçonaria. Nas primeiras crónicas no jornal A Guarda praticamente abafa os pastorinhos e refere-se às curas milagrosas na Cova da Iria por causa das suas descrições pobres e, por vezes, contraditórias. Prefere demonstrar que Fátima se ergue a partir do que o povo sentiu e não pelos pastorinhos.

A Igreja não aceitou de bom grado as aparições ao início. Porquê?

A Igreja teve receio de ser enxovalhada pelos intelectuais do tempo. Mas o padre Formigão e o bispo de Leiria, D. José Alves Correia da Silva, viram que valia a pena apostar no fenómeno para restaurar a Igreja. O fenómeno de Fátima seria impossível sem a coragem destes dois homens.

"Lúcia cometeu um erro", diz à p. 115. Um século depois qual é o perfil que fica para a história dessa pastorinha?

Acho que o maior milagre de Fátima é a sua própria mensagem. Uma mensagem que mostra a história em duas colunas: se numa se escreve a palavra crime é porque noutra foi escrita a palavra erro, ou, se quisermos, pecado. Ou seja, para haver paz a história tem de estar livre de pecado. Fátima terá de se centrar na sua mensagem e não nos videntes. Seria melhor deixar Lúcia em silêncio...

A teologia portuguesa não tem dado pouca importância ao estudo dos acontecimentos de 1917?

Os vários congressos sobre as aparições, sobretudo o de 1993 e os de 2010 dedicados a Francisco e Jacinta, aprofundam a teologia em volta de Fátima. Mas o olhar que fica por aprofundar é o olhar político. Continuamos com medo de estudar a Primeira República e preferimos manter a ideia de que a ditadura iniciada em 1926 se deveu a Salazar. Evita-se estudar Fátima para sustentar uma mentira histórica.

Acredita no "fenómeno" de Fátima?

Acredito que Salazar e Fátima foram gerados no ventre da irresponsabilidade da I República e amamentados pelo povo que desesperadamente gritava por mudança de rumo. Acredito que esse povo foi movido pela fé de três crianças, povo que estava com fome e via os seus filhos morrer na I Guerra Mundial. Em Fátima juntaram-se fé e razão de viver. Não quero saber se houve visões ou aparições.

João Céu e Silva | Diário de Notícias

1 comentário:

Anónimo disse...

"Não quero saber se houve visões ou aparições."

Isso já diz tudo sobre o artigo. Os comunistas portugueses até hoje não se conformam com Fátima. No fundo, para os vermelhos é até pior que tenha acontecido, POIS SENDO ASSIM NEGA PROFUNDAMENTE A IDEOLOGIA DOS MESMOS, MATERIALISTA E ATEÍSTA.

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