sábado, 16 de dezembro de 2017

ANGOLA SOB OS IMPACTOS DO CAPITALISMO NEOLIBERAL!

Em saudação ao 11 de Novembro de 2017

Martinho Júnior | Luanda 

Em Angola os impactos do capitalismo neoliberal sob o rótulo de “mercado” têm sido de tal maneira impantes em Angola, particularmente desde 2002, que estão a descaracterizar por completo o estado, esvaindo-o!

É evidente que esse processo chega-nos por arrasto desde sensivelmente 1985, quando ocorreram as grandes transformações quer com o fim do MPLA – Partido do Trabalho, quer com a metamorfose da Segurança do Estado e o propositado fim das “gloriosas” (era assim que os dirigentes diziam nos discursos e comícios) FAPLA, instrumentos de poder “obsoletos” para os objectivos do impacto em vista: a implantação do capitalismo neoliberal!

As instituições, inclusive o próprio MPLA, “levam por tabela” meio adormecidas no caldo dum movimento de libertação identitário com a criação da própria nacionalidade, com tensões internas que se vão esbatendo e procurando romper com o sentido histórico de sua orientação.

Desse modo o MPLA parece sendo tomado por dentro por interesses que estão apostados em tudo (quer dizer desde logo em todo o tipo de “negócios” e com os horizontes próprios do curto prazo, senão mesmo imediatistas), menos na preocupação programática original!

Se compararmos o MPLA – Partido de Trabalho (em termos ideológico-doutrinários, de organização, de disciplina e de mobilização) e a “organização de massas” (?) que é hoje o MPLA, podemos confirmar quanto os “lobbies” característicos da selvageria a que chegou este “mercado aberto” (à imagem e semelhança dum filantropo-especulador que bolou as “Open Societies” e as “revoluções coloridas”), “lobbies” e “mercados abertos” que correspondem a estímulos e interesses de grupos, têm um comportamento de “cosa nostra”, ou de “casa alugada”: desalojaram aquela criatura que estava legitimamente instalada (por que forjada na luta), para se apoderar e usar da concha a seu bel-prazer (por que a forja foi o capitalismo neoliberal, tanto por via do choque, como por via da terapia)!

Ao “obsoleto” marxismo-leninismo abriram espaço para dar guarida a uma social-democracia que cada vez mais se tisna de democracia cristã, ao nível das ideologias do “Le Cercle”!...

Em resultado, na base verifica-se que os Comités são cada vez mais inertes, não só por causa das ideias vazias de hoje, mas por que só mobilizam quando a época das eleições se aproxima e isso por que os interessados do costume (entenda-se aqueles motivados pelas correntes surgidas do neoliberalismo, ou com ele)o espevitam na tentativa de concorrer aos lugares!

Para partidos como a UNITA, ou o CASA-CE, esse é um ambiente naturalmente dilecto, pois Savimbi até tinha sido um dos eleitos “freedom fighters” de Ronald Reagan, que “inaugurou” a aplicação do capitalismo neoliberal, essencial durante décadas aos pressupostos da hegemonia unipolar!

Eles, herdeiros como Samakuva ou Chivukuvuku,  estão à vontade e sentem-se em casa num ambiente desses, um ambiente de menor esforço, pois têm salvaguardado muitos aspectos fundamentalistas de sua própria génese e trajectória eminentemente etno-nacionalista!

As pessoas no decorrer das últimas três décadas passaram a valer assim muito mais pelo que "têm" (na maior parte dos casos ilegitimamente, ou mesmo ilegalmente), com a arrogância, a sobranceria, o mercenarismo e a desonestidade compatível (quanto se vão afastando do bom povo angolano), do que por aquilo que são, num processo em que a “coisa pública” tem servido cada vez mais como uma plataforma para fomentar o que é “privado” (por bastas razões alguém bem avisado fundamentava que “a propriedade é um roubo”), quantas vezes de forma ilícita ou mesmo criminosa, em prejuízo da cultura de respeito, honestidade e dignidade para com o estado angolano, de que muitos se passaram a servir ao invés de servi-lo!

Esse estado angolano enquanto fiel depositário dos interesses do povo angolano, tem vindo a vulnerabilizar-se e sistematicamente a fragilizar-se, por que tal como as outras instituições o estado fica, por esse caminho, cada vez mais refém de máfias constituídas em grupos familiares na reedição do velho processo de “assimilação” e as “parcerias público-privadas”, ou a distribuição indiscriminada de actividades sem concurso público, acabam por o sorver até ao tutano, por via duma empolada facturação em cada vez menos mãos!...

No resto, os “indígenas que se amanhem”, como por exemplo a comunidade de antigos membros da própria Segurança do Estado conforme à ASPAR, onde dou a minha pessoal contribuição de há 8 anos a esta parte!

Vivi o tempo em que na Segurança do Estado se havia implementado uma cultura de respeito, dignidade e rigor para com o estado angolano de que éramos fundadores, algo que vigorou desde o 11 de Novembro de 1975 até 1985!

Essa era também uma cultura de amor, de solidariedade, de internacionalismo e com um carácter inerente à lógica com sentido de vida!

Sem dúvida que durante essa década essa cultura não foi absorvida por todos no MPLA e foi um processo de luta contra os tráficos (processo 105/83) que acabou por ser uma charneira entre as opções da primeira década consubstanciadas na República Popular de Angola e o que se lhe seguiu: com a prisão e condenação dos oficiais da Segurança do Estado, o rigor foi-se diluindo e cedendo espaço à corrupção de forma irremediável e com a visibilidade que hoje se propicia!

Para mim são mais de 30 anos de luta nesse vazio, mais de 30 anos de “travessia de deserto” e por isso me parece justo continuar a afirmar conforme aos meus desaparecidos escritos na prisão de Bentiaba: “a história me absolverá” e, “quando um dia se fizer luz, que seja o MPLA e todo o povo angolano a tirarem os legítimos benefícios dela”!

Resgatar África e os seus povos das longas trevas coloniais e do passado de obscurantismo e ignorância, em busca de justiça e equilíbrio em benefício de toda a humanidade, é um caminho de luta irrevogável que consumirá a minha vida individual até ao fim, sabendo o muito que vai a ela sobrar!

É assim que me ouso ver ao espelho neste 11 de Novembro de 2017, numa profissão de fé por uma lógica com sentido de vida!

Confesso que vivi!

Martinho Júnior. - Luanda, 19 de Novembro de 2017

Foto: Monumento do Soldado Desconhecido, recém-inaugurado na Marginal 4 de fevereiro em Luanda, ao fim e ao cabo onde eu próprio também me revejo!

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