sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

SAHARA OCIDENTAL: A ÚLTIMA COLÓNIA DE ÁFRICA



O Sahara Ocidental está sob ocupação marroquina há mais de 40 anos e as instâncias internacionais têm adiado a resolução do problema em função de um labirinto de interesses políticos e económicos que têm impedido a realização de um referendo que permita ao povo saharaui pronunciar-se sobre o seu futuro. Dossier organizado por Pedro Ferreira.

Marrocos e o saque dos recursos do Sahara Ocidental

O veredito do Tribunal de Justiça da União Europeia de dezembro de 2016 é um marco na história que o povo saharaui tem empreendido na defesa dos seus recursos naturais. Mas a pilhagem persiste porque a lei continua a ser violada.

“Quaisquer que sejam os acordos de associação e liberalização comerciais entre a União Europeia e Marrocos, não podem incluir o Sahara Ocidental”, determinou o tribunal, o que representa uma vitória muito importante para os saharuis.

Recorde-se que o que o Advogado-geral do Tribunal de Justiça da União Europeia, Melchior Wathelet, já em setembro passado se tinha pronuniciado no mesmo sentido.

O Tribunal de Justiça da União Europeia veio assim dar razão a Melchior Wathelet, anulando o acórdão do Tribunal Geral que tinha decidido em sentido contrário, negando ainda provimento ao recurso de anulação interposto pela Frente Polisário contra a decisão do Conselho de celebrar o acordo de liberalização comercial.

Este desfechom é uma vitória para os saharauis que a celebraram entusiasticamente, uma vez que a União Europeia demonstrou que não respeita o Direito Internacional já que ela própria o violava. Para além de Marrocos, a França saiu também derrotada, enquanto Espanha é descredibilizada, bem como todos os Estados membros em especial os que interpuseram recurso.

Relembramos que em 19 de fevereiro de 2016, o Conselho da União Europeia interpôs um recurso contra a sentença emitida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia que em 10 de Dezembro de 2015 anulou o acordo agrícola entre a UE e Marrocos.

Resta ainda o Acordo de Pescas firmado entre a União Europeia e Marrocos, que levou a Frente Polisário pedir igualmente a sua anulação por incluir as águas territoriais do Sahara Ocidental e cuja sentença deverá ser conhecida nos próximos meses.

E, porque a exploração económica tem sido uma poderosa arma que se interpõe entre o cumprimento da lei e a realização do referendo de autodeterminação dos saharauis, bastaram apenas alguns dias para que Marrocos desafiasse o Tribunal de Justiça da União Europeia.

Em janeiro deste ano,o barco batizado com o nome “Key Bay” entrou no porto de El Aaiun. Há muitos anos que esta embarcação faz o transporte de peixe e óleo de peixe desde o Sahara Ocidental até à Europa.

Segundo a Western Sahara Resource Watch (WSRW) (link is external)- um observatório internacional de defesa dos recursos do Sahara Ocidental - , o “Key Bay” fez escala em Tan Tan uma cidade ao sul de Marrocos, possivelmente para fazer um carregamento rumando depois até El Aaiun, a capital do Sahara Ocidental, onde esse trabalho terá terminado.

O importador destes produtos feitos a partir dos territórios ocupados é provavelmente a Olvea, uma empresa francesa que se negou a responder a qualquer pergunta relacionada com este caso.

O navio em questão é fretado pela Sea Tank Chartering e pertence à empresa Gezina AS, que são duas empresas norueguesas e o seu envolvimento nestas operações ilegais já tinha sido denunciado nos órgãos de comunicação social escandinavos.

Na altura, o navio recolhia os certificados de origem em Tan Tan mas transportava a mercadoria partir de El Aaiun.

Em janeiro, enquanto o navio estava ancorado ao largo do porto de El Aaiun, a WSRW enviou uma carta ao fretador do navio pedindo-lhe para não entrar no porto.

Anteriormente, mais concretamente a 31 de dezembro, o Comité de Apoio da Noruega ao Sahara Ocidental enviou uma carta à Sea Tank, pedindo-lhe para não participar nesta rede de comércio que visa subtrair as riquezas naturais do Sahara Ocidental. A embarcação dirigiu-se então para sul mas manteve-se na costa marroquina.

Em 2010, o transporte de óleo de peixe para a Noruega foi alvo de um documentário feito pela cadeia sueca de televisão SVT, tendo recebido um prémio.

No debate político que se seguiu, o Governo norueguês declarou que os produtos não poderiam entrar na Noruega devido do acordo de comércio entre a EFTA e Marrocos, porquanto o Sahara Ocidental não faz parte do território marroquino

Alterar as rotas para continuar a pilhagem

Para continuar a contornar as determinações superiores, os operadores dos navios alteraram as rotas optando por seguir por França abandonando as águas territoriais dos países nórdicos.

Mas que fazer quando o tribunal diz o mesmo que a Noruega, ou seja, que o Sahara Ocidental não faz parte do acordo?

A Izquierda Unida Canaria (IUC) solicitou às autoridades competentes a inspeção do "Key Bay", que pretendia chegar ao porto de Las Palmas suspeitando-se que podia transportar recursos do Sahara Ocidental, em especial óleo de peixe numa tentativa de exportação ilegal para a União Europeia (UE).

Ramon Trujillo da IUC, foi alertado para a carga que este navio transportava pela WSRW. No entanto, a Autoridade Portuária de Las Palmas informou que o "Key Bay" é um petroleiro com  bandeira de Gibraltar que geralmente chega ao porto de La Luz, na capital da Gran Canaria, carregado com combustível e “cumpre todos os requisitos legais” para exercer a sua atividade.

Fontes da Autoridade Portuária confirmaram que o navio chegou na altura prevista tendo procedido à descarga do combustível em El Aaiun. E completou a informação anunciando um novo carregamento na capital da Gran Canaria numa operação acompanhada pelo transitário Viking Star, que não fornece informações sobre os seus clientes.

De acordo com a IUC, o navio poderá estar a desrespeitar o recente acórdão do Tribunal de Justiça da UE, que foi claro na proibição de incluir produtos saharauis no acordo de comércio comunitário com Marrocos.

A embarcação chegou a Las Palmas de Gran Canaria depois de carregar o óleo de peixe a 6 de janeiro em El Aaiun, capital do Sahara Ocidental, navegando depois para a Mauritânia de onde partiu para a Europa para que não se soubesse que estava a violar a lei, de acordo com informações prestadas pela WSRW.

Por seu turno, a IUC lembra em comunicado que a exportação de produtos saharauis por Marrocos significa, em conformidade com o direito internacional e a recente decisão europeia, a subtração ilegal de recursos de um território que está sob ocupação ilegítima e por essa razão as autoridades espanholas devem intervir para não permitir que esta situação continue.

Esquerda.net

“Estamos cercados por um muro de indiferença”

Anseiam pela liberdade mas por enquanto enfrentam a discriminação, a violência e a prisão. Lutam por um futuro diferente pautado pela dignidade e pelo respeito dos seus direitos. Sabem que o caminho tem muitos obstáculos mas isso não os faz desistir.

O povo saharaui não suporta mais sofrimento”

É muito duro viver num país ocupado, sofrendo diariamente violações dos direitos humanos, detenções, torturas e maus tratos . Este país está submetido a um bloqueio militar e informativo.

O Sahara Ocidental está sob colonização há 40 anos por causa dos interesses económicos dos países aliados de Marrocos, como a França e Espanha.

Na minha opinião, os meios de comunicação social podiam e deviam ter um papel fundamental para romper este bloqueio informativo e assim mostrar ao mundo o que está a acontecer nesta região do mundo mas esta é uma zona fechada aos jornalistas e aos observadores independentes e somos nós que desempenhamos esse papel e por essa razão somos vítimas da violência das autoridades marroquinas.

Gostaria de pedir às instâncias internacionais que se empenhem mais na resolução deste conflito porque o povo saharaui não suporta mais sofrimento”.  (Ahmed Ettanji, 28 anos, nasceu em El Aaiun, capital do Sahara Ocidental ocupado)

“Todas as famílias saharauis têm um membro que está preso ou desaparecido”

O que vou contar é tudo aquilo que se passou comigo desde os 7 anos quando andava na escola. Antes de entrar no estabelecimento de ensino obrigavam-nos a cantar o hino nacional marroquino e quando entravámos na sala de aulas o professor  tratava-nos de forma diferente em relação aos meninos marroquinos, porque tinha uma atitude racista em relação a nós. Por causa dessa situação começamos logo em crianças a pensar porque é que existe essa diferença  e aí nascem todas as dúvidas.

Na rua se uma marroquina discute com uma saharaui, a marroquina chama-lhe logo "saharaui, a suja da Polisário". As ruas estão sempre cheias de militares e policias à paisana. A partir daqui vamo-nos apercebendo que a nossa terra está ocupada. Percebes também que todas as famílias saharauis têm um membro da família que está preso ou desaparecido.

Quando passei para a escola secundária as coisas mudaram. Um dia o professor disse-me: "Se faltares à escola, não há problema, eu dou-te na mesma uma boa nota". Mas ele dizia isso para que eu não tivesse estudos e cultura, como fez Hassan II com os saharauis em 1988 e 1989 levando-os para o Norte de Marrocos. Se tivessem estudado, poderiam ter sido engenheiros ou jornalistas, mas Hassan II destruiu-lhes a vida hipotecando-lhes desde muito cedo o futuro.

Esta política é exercida por Marrocos com os saharauis desde que ocupou o Sahara em 1975. Desde essa altura percebemos que Marrocos não quer que os saharauis tenham cultura, nem estudos e nenhum cargo importante na sua terra.

Esta situação manteve-se até 2005, quando não podias dizer que eras saharaui nem mesmo perguntar por algum filho que estivesse preso. A partir desse ano, no entanto, as coisas mudaram e começaram as Intifadas, as manifestações e as concentrações e o regime marroquino teve de se habituar a viver com esta situação.

Eu fui preso conjuntamente com outros jovens seis dias depois da Intifada da Indepedência que ocorreu em maio de 2005. Fomos torturados de uma forma horrível. A mim, partiram-me o braço esquerdo. Nao me prestaram assistência médica. Continuaram a torturar-me de uma forma que não consigo explicar... Fui vendado e algemado, torturaram-me na esquadra. Pedi para me levarem ao médico porque precisava de uma operação, mas não deixaram.

Ainda na esquadra da polícia, continuaram a torturar-me e a interrogar-me. Fui julgado e condenado a quatro anos de prisão. Estive 25 dias na “Carcel Negra” e graças a muitas concentrações e apoios da minha família e do povo em geral, levaram-me para o hospital, onde fui operado para me colocarem uma peça de metal no braço. Passei dois meses no hospital com uma mão engessada e a outra alegamada à cama e por isso não me conseguia mexer.

Ao fim de nove meses de prisão e graças à pressão exercida por várias organizações internacionais que apoiam o povo saharaui, saímos em liberdade.

Desde esse momento vivo permanentemente vigiado e tentam intimidar-me, seja na rua ou no café. A casa da minha família também está vigiada bem como a de todos os meus compatriotas.

A situação mudou e El Aaiun passou a estar cercada, como se fosse uma zona militar. Por este, oeste, sul e norte...enfim em todo o lado. Até em frente às escolas há militares, os meninos de sete anos entram e saem da escola vigiados por militares. (Husein Endour, 37 anos, nasceu na cidade de El Aaiun)

“A colonização serve os interesses de alguns países”

Os meus sentimentos asfixiam-me e a esmagadora maioria das pessoas no meu país está como eu e sente o mesmo. E isso explica bem o domínio que o regime marroquino exerce sobre nós não nos deixando sequer crescer em termos demográficos. Pessoalmente, não sinto ódio nem vontade de vingança contra os marroquinos, mas estou naturalmente contra a ocupação Sahara Ocidental.

Penso que a descolonização ainda não se fez por falta de vontade política da comunidade internacional que não obriga as autoridades marroquinas a ter respeito pela liberdade do nosso povo por causa dos interesses estratégicos e económicos que alguns países membros do Conselho de Segurança da ONU têm com Marrocos.

O papel dos meios de comunicação social é muito importante para dar visibilidade à nossa causa. Se a nível internacional a opinião pública estiver bem informada sobre aquilo se passa terá capacidade para influenciar o curso dos acontecimentos levando a que os Governos dos seus países deixem de apoiar Marrocos. Neste momento, estamos ainda cercados por um muro feito de indiferença.

Sou ativista da causa saharaui e acredito que o futuro será bom se Marrocos cumprir os seus compromissos e deixar o povo decidir livremente através de um referendo justo e transparente.

Em relação à comunidade internacional lamento que ao fim de 26 anos de presença da MINURSO no Sahara Ocidental não se vejam ainda resultados positivos e também por isso os saharauis continuam em sofrimento seja porque muitos são obrigados a viver separados dos seus familiares ou porque se sentem indignados com o roubo dos bens da sua terra. Precisamos de ser respeitados e por isso peço que ajudem este povo que age com princípios. (Amina, 43 anos, nasceu e Ouarzazate e vive em El Aaiun)

“É preciso mostrar o rosto ensanguentado da monarquia totalitária marroquina”

A maioria dos marroquinos são utensílios da ocupação marroquina com os civis forçados a estar na linha da frente. Marrocos criou um estado de ódio mútuo entre marroquinos e saharauis

E isto acontece porque a França não tem garantidos os seus objetivos económicos e estratégicos, e também porque o status-quo existente até ao momento define o nosso futuro. Por outro lado, há ainda que ter em conta a falta de seriedade dos membros não-permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, mais concretamente o grupo de amigos dos responsáveis máximos da ONU para o Sahara Ocidental.

É bom que se saiba também que a maioria dos órgãos de informação têm medo de mostrar a realidade; daí a proibição de entrada de jornalistas e observadores que não estão comprometidos com a colonização.

A imprensa que não está prisioneira tem ajudado a mostrar o rosto ensanguentado da monarquia totalitário marroquina. Assim, precisamos de meios que consigam chegar ao interior dos centros de tortura e às prisões para que as práticas desumanas dos torturadores marroquinos contra os presos políticos saharauis não continuem a ser escondidas.

Em relação ao futuro, penso na paz e liberdade do povo saharaui e ao mesmo tempo na guerra que vai deixar tantos órfãos, viúvas e tragédias para os saharauis e para os marroquinos porque os únicos que tiram proveito desta tragédia são o rei e aqueles que gravitam à sua volta.

Perante a realidade que vivemos, espero que a comunidade internacional e as Nações Unidas façam uma autocrítica sobre a forma como têm tratado a questão do Sahara Ocidental, e não continuem reféns da enganosa publicidade e atitude de Marrocos - falsidades tais como a CORCAS e comités regionais dos " direitos humanos " - e, finalmente, a mentira do investimento e desenvolvimento no Sahara Ocidental. É preciso dizer que estas iniciativas são uma farsa destinada a prolongar a ocupação e a pilhagem dos recursos naturais do povo. (Sidi Mohamed Fadel Bakka, 42 anos, vive em El Aaiun)

Esquerda.net

NICOLAU NO PAÍS DAS MARAVILHAS



Há que dizer (escrever): Nicolau Santos no Expresso Curto é acontecimento positivo. Lá está ele de lacinho imponente mesmo quando não está. Se olharem aqui para o lado podem ver. No Expresso, a foto do Nicolau mal o representa porque está deslaçado. Por isso aqui no PG recorremos ao Nicolau laçado. Não o imaginamos de outro modo. É o mesmo que com o BB, o Baptista Bastos (olá meu querido!). O adorno é parte integrante das suas personalidades. Ora tomem lá, seus desleixados, quando deixam o laço fora dos colarinhos.

Adiante que se faz tarde: e para ler o que há? Há Nicolau, há temporal climatérico. Medonho. Perderam-se vidas. A estupidez dos humanos não tem par. Vão ver o mar revolto e depois o mar agarra-os e leva-os. Não valeu de nada os avisos em barda na comunicação social para que nos afastássemos do mar (ainda em vigor). Bem, até valeu. Que se saiba foram para aí uma dúzia de pessoas arrastadas para o mar mas só uma ou duas é que não foram resgatadas… com vida. Isto até agora. Aconteceu ontem lá mais para o norte de Portugal. Que descansem em paz… os que em vida foram tão estúpidos e morreram por atracão ao feérico e bravo mar que os tragou num ápice. Com a natureza não se pode facilitar. É lição que vem no nosso ADN desde os primórdios. Só a estupidez se sobrepõe a ela, à lição.

Sobre o conteúdo do Expresso Curto, do Nicolau, vão ler. Nicolau no país das maravilhas…

Bom dia, bom fim-de-semana, boa semana que se irá iniciar na próxima segunda-feira… e por aí adiante. Passem bem.

MM / PG

Bom dia, este é o seu Expresso Curto

Nicolau Santos - Expresso

“Portugueses, só vos faltam as qualidades”

Bom dia, este é o seu Expresso Curto, servido depois de um enorme temporal que assolou todo o país e que promete continuar pelo dia de hoje. E há pelo menos uma pessoa desaparecida no mar.

Felizmente que hoje em dia temos o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), que decreta avisos azuis, vermelhos, laranjas, amarelos e verdes para nos alertar para tudo o que de mau a Natureza nos pode dar, ao mesmo tempo que nos faz recomendações como as nossas avós: evite circular com o mau tempo, use roupa quente, luvas e gorros com o frio, vista camisas leves e beba muita água no Verão. Sentimo-nos sempre um bocadinho infantilizados quando ouvimos os avisos do IPMA. Já os avisos da Marinha são mais pertinentes: evite os passeios à beira-mar e as fotografias radicais. Pois, neste caso houve dez pessoas que não escutaram o conselho e foram até à linha da água para fazer um ritual a Yemanjá em Ílhavo. Correu mal porque não estamos no verão brasileiro. Quatro foram arrastadas por uma onda e uma senhora de cerca de 40 anos encontra-se desaparecida.

Talvez por isso, mas também porque ontem ao fim da tarde foi inaugurada uma das maiores retrospetivas da sua obra na Fundação Gulbenkian (que hoje abre ao público) não pude deixar de me lembrar da forma como José de Almada Negreiros, “Poeta d’Orpheu, futurista e tudo”, termina o seu “Ultimatum futurista às gerações portuguesas do séc. XX”: “O povo completo será aquele que tiver reunido no seu máximo todas as qualidades e todos os defeitos. Coragem, Portugueses: só vos faltam as qualidades”.

E noutro texto, “Manha e falso prestígio, os dois males de que sofre a vida portuguesa”, Almada zurze sem dó nem piedade: “Entretanto, a nossa querida terra está cheia de manhosos, de manhosos e de manhosos, e de mais manhosos. E numa terra de manhosos não se pode chegar senão a uma terra de falsos prestígios. É o que há mais agora por aí em Portugal: os falsos prestígios”. O texto foi publicado no Diário de Notícias em 3 de Novembro de 1933. E sim, não vou escrever o óbvio.

Almada era assim. Abrasivo, implacável, polemista (o muito glosado Manifesto Anti-Dantas é talvez o melhor exemplo), cujo talento extravasou para múltiplas atividades. Há 24 anos que não havia uma mostra antológica da sua obra visual. São mais de 400 peças, que percorrem os 50 anos de trabalho da figura de proa do modernismo português. Pelo olhar das netas, Rita e Catarina de Almada Negreiros, o Expresso visitou “José de Almada Negreiros: Uma maneira de ser moderno”, e propõe uma viagem pela Lisboa do artista.

O(s) mundo(s) de Almada são o tema de capa da revista E deste sábado. Mas não pode deixar de ir à Gulbenkian.

E se quiser conhecer melhor o seu pensamento, então é indispensável que leia “Almada Os Painéis A Geometria E tudo”, um conjunto de entrevistas que o jornalista António Valdemar fez a Almada, com epicentro nos Painéis de São Vicente de Fora, “um dos temas fundamentais, polémicos e mais absorventes da cultura portuguesa”.

Já agora também não pode deixar de ir visitar a exposição de um grande amigo de Almada e um artista genial, infelizmente desaparecido aos 30 anos: Amadeo de Souza Cardozo. Está no Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado e invoca a exposição individual que Amadeo realizou de 4 a 18 de dezembro de 1916 na Liga Naval Portuguesa. Almada, aliás, não faz a coisa por menos: “Amadeo de Souza Cardozo é a primeira descoberta de Portugal na Europa no século XX. O limite da descoberta é infinito porque o sentido da descoberta muda de substância e cresce em interesse – por isso que a descoberta do caminho marítimo prá Índia é menos importante que a exposição de Amadeo de Souza Cardozo na Liga Naval de Lisboa”.

E como estamos com a mão na massa fica já com outro encargo para o fim de semana: ir também visitar a exposição de Moita Macedo que se encontra exposta no Museu Arpad Szenes – Vieira da Silva. Dos quadros aos objetos pessoais e à poesia vamos de surpresa em surpresa na descoberta de um grande pintor e poeta, pai de cinco filhos, um dos quais, Paulo Macedo, é o atual presidente da Caixa Geral de Depósitos. Só é pena a exposição ser pequena. No andar de cima pode ver várias obras de Vieira da Silva e Arpad Szenes, bem como outros quadros da coleção de Jorge de Brito. Numa parede está um alerta: para preservar a coleção de Vieira da Silva, o Estado português tem de atuar, comprando-as, porque pouco a pouco tem sido retiradas várias obras do museu pelos herdeiros de Jorge de Brito e presumivelmente vendidas para o estrangeiro.

OUTRAS NOTÍCIAS

Um facto histórico: pela primeira vez na história de Angola após o restabelecimento definitivo da paz, em 2002, e a instauração de eleições multipartidárias, o Presidente José Eduardo dos Santos não será o cabeça da lista do MPLA às próximas eleições legislativas, marcadas para agosto. João Lourenço é o cabeça de lista, seguido de Bornito de Sousa, José Eduardo dos Santos e Fernando Dias dos Santos. Entre as surpresas contam-se a entrada na lista de Vicente Pinto de Andrade, um histórico nacionalista crítico do MPLA e a exclusão do filho do presidente Filomeno dos Santos.

Uma notícia verdadeiramente surpreendente: François Hollande, o ainda Presidente da França, arrisca-se a ser o mais forte candidato à substituição de Donald Tusk à frente do Conselho Europeu. A questão vai ser debatida hoje em La Valetta, onde se reúnem informalmente os líderes europeus para preparar o Conselho Europeu de 25 de Março, em Roma, que celebrará os 60 anos da integração. E o que recomenda Hollande para tal cargo? Pois, o perfil elevado que manteve em matéria de política externa e de apoio aos Estado Unidos no combate ao Estado Islâmico. Ele há cada uma…

Um Expresso Curto sem Donald Trump já não sabe ao mesmo.

Depois de ontem se ter desentendido fortemente com o primeiro-ministro australiano durante “o pior telefonema do dia”, agora é Ted Malloch, o provável nomeado por Trump para embaixador junto da União Europeia, que é contestado por “ter apostado no colapso da moeda única dentro de meses”, além de outras declarações pouco simpáticas para a União Europeia. Os eurodeputados Manfred Weber, líder do Partido Popular Europeu, e Guy Verhofstadt, presidente da Aliança dos Democratas e Liberais pela Europa, escreveram a Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, e a Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, pedindo-lhes para rejeitarem Malloch.

Mas há mais Trump, claro. O homem ameaça cortar os fundos a uma universidade que retirou o convite para intervir a um orador de extrema-direita; oferece ajuda militar ao México para combater os “bad hombres” (esperemos que sejam os traficantes de droga); e resolveu lançar umas farpas a Arnod Schwarzenegger, que agora apresenta o programa televisivo que Trump liderou durante dez anos, dizendo que as audiências foram um desastre. Schwarzenegger é que não se ficou e num vídeo publicado no Twitter replicou: “Ei Donald. Tenho uma ideia fantástica. Porque não trocamos de empregos? Tu tomas conta da tv, porque és um perito em audiências. E eu tomo conta do teu trabalho, para as pessoas poderem dormir descansadas outra vez.”

E ainda mais Trump. O presidente norte-americano vai suspender a regra fiduciária que obrigaria os gestores de activos a trabalharem para o melhor interesse dos clientes e ordenar uma revisão da lei Dodd-Frank para o sector financeiro. Promete!

Na Holanda, os votos das eleições legislativas de 15 de março vão ser contados à mão, uma medida do governo para prevenir a fraude eleitoral, numa altura em que há “indícios do interesse da Rússia” no processo eleitoral. O governo quer manter a confiança do público no sistema eleitoral e acredita que uma votação eletrónica está sujeita a ataques informáticos que descredibilizam o processo. Ainda chegamos à votação por braço no ar…

Em Inglaterra, no afã de justificar o Brexit, o Governo de Theresa May encomendou um livro branco para comparar os direitos dos cidadãos da ilha com os da União Europeia. A dado passo o documento indica que os britânicos têm direito a 14 semanas anuais de férias pagas! É um erro ou uma gralha pois na realidade, os britânicos que trabalham cinco dias por semana têm direito a 5,6 semanas (28 dias úteis) de férias pagas. Na redes sociais já circulam piadas de quem diz estar desejoso de vir a poder solicitar todas as férias que a saída da União Europeia supostamente lhes vai conceder.

Boa notícia! A Tanzânia escolheu o consórcio constituído pela portuguesa Mota-Engil e pela turca Yapi Merkezi para construírem cerca de 400 quilómetros de linha férrea que vai ligar o país ao Burundi e ao Ruanda. O contrato vale mil milhões de euros. Mais uma lança em África!

Outra boa notícia (mas pode ser só ficção): Scott Ross, produtor de filmes como “Titanic” ou “Apollo 13”, tem um projecto de 100 milhões de dólares para criar de raiz um estúdio de animação em Portugal: o Playground. E já apresentou ao Governo aquela que será a “Pixar do século XXI”. Grande cena!

Ah, não é só por cá que os bancos são uma dor de cabeça. Em Espanha, o Banco Popular terminou o exercício de 2016 com um resultado negativo de 3.485 milhões de euros devido ao registo de provisões, depois de um prejuízo de 3.580 milhões registado no último trimestre do ano passado.

Em matéria futebolística, o Benfica teve uma semana aziaga. Depois de ter perdido com o Vitória de Setúbal por 1-0 e ter agora o FC Porto apenas a um ponto de distância, também não conseguiu contratar o central do Sporting, Sebastián Coates, que o jornal desportivo mais bem informado sobre o Benfica dava como garantido no clube da Luz. Afinal, Sebastián Coates vai continuar a representar o Sporting. O defesa central assinou contrato até 2022 ficando com uma cláusula de rescisão de 45 milhões de euros. E o extremo Gelson Martins renovou até 2022, tendo uma cláusula de rescisão de 60 milhões de euros. Desta vez Bruno de Carvalho não deixou fugir as pérolas.

Quanto ao árbitro do importante FC Porto-Sporting, sábado às 20H30 no Dragão, será Hugo Miguel que, segundo a Tribuna do Expresso Diário, é “filho de árbitro, futebolista fraquinho, bom guarda-redes e homem caridoso”. Nada o recomenda para a função mas como se diz às senhoras grávidas, que tenha uma boa hora (e meia, no caso)…

FRASES

“Houve uma campanha negra dirigida contra mim”. Maria de Belém, jornal i. Pois foi. Quando uma pessoa perde é sempre por causa dessas campanhas. E desta vez, a avaliar pelos resultados das presidenciais, deve ter metido vudu a sério.

“A expressão ‘terrorismo islamita’ causa-nos uma profunda mágoa. Semelhante expressão não pode ser utilizada, não é justo. Porque Islão e terrorismo não podem ser associados”. Recep Tayyip Erdogan, presidente turco, dando uma “chazada” à chanceler alemã Angela Merkel, que utilizou a expressão numa conferência de imprensa conjunta. Compreende-se: um democrata como Erdogan fica sempre magoado com estas injustiças.

“O nosso entendimento não é o de nacionalizar o Novo Banco, é de o manter na esfera pública, se não existir nenhuma proposta de compra que seja vantajosa e proporcional ao valor que o Governo atribui à instituição bancária em causa”. Carlos César, líder parlamentar do PS. Hummm, se for assim, o Novo Banco vai manter-se durante bastante tempo na esfera pública…

“Portugal é um país estranho. Um país onde as políticas económicas são decididas, e implementadas, sem ligação à realidade. A concertação social, coisa que muita gente elogia como se fosse a última Coca-Cola do deserto, é uma delas”. Camilo Lourenço, colunista, Jornal de Negócios, que sofre de fortes problemas de azia desde há um ano e que não bebe Coca-Cola para apaziguar as dores.

O QUE ANDO A LER. E A OUVIR

O que ando a ler já sabe: a biografia de Estaline que o Expresso está a publicar. Ainda só vou no segundo volume, após o suicídio da mulher do ditador soviético, cuja paranoia securitária vai subir em flecha a partir desse facto. Também vou no segundo volume da saga de Elena Ferrante. Estou naquele ponto em que Lila se prende de amores por Nino, apesar de ser casada, quer-me parecer que a coisa vai acabar mal, ou não se passasse a história em Nápoles, terra de grandes mafiosos. E também estou a meio de “A Gorda”, de Isabela Figueiredo. Confesso que estou a ficar desiludido. Por isso, recomendo o primeiro livro dela “Caderno de memórias coloniais”. É um murro no estômago e não se consegue parar de ler.

Quanto a ouvir, estou verdadeiramente apaixonado pela Nina Simone, que só agora descobri. Já comprei pelo menos quatro CD’s (sou daqueles que ainda compra CD’s). E entretanto vi no Netflix “What happened Miss Simone?”, que explica o trajeto da cantora e aquilo que a leva a passar dos blues de amor e do jazz para as canções de intervenção, numa altura em que o movimento negro nos Estados Unidos se batia pelos seus direitos cívicos. Um belo retrato.

E pronto, sai mais um Expresso Curto para a mesa do canto. Agora, o cafezinho servido aqui só regressa na segunda-feira. Até lá, seguindo as indicações do IPMA, agasalhe-se e não saia de casa. Se sair, leve gabardine e guarda-chuva, que deve abrir quando estiver fora do carro. Use galochas de plástico mas se por acaso estiver de sapatos e estes se molharem, corra para casa e troque as meias encharcadas por umas secas e de lã. Vai ver que se fizer tudo direitinho ainda vai trabalhar para o IPMA. Haja Deus!

Mais lidas da semana