domingo, 11 de junho de 2017

Israel | UMA HISTÓRIA DE OCUPAÇÕES



Não é apenas a cinquentenária ocupação dos territórios palestinos que faz parte da trajetória do Estado sionista

Bruno Huberman* | Outras Palavras

Nesta semana, completa-se 50 anos da mais famosa ocupação israelense: a dos territórios palestinos de Cisjordânia e Faixa de Gaza como decorrência da Guerra dos Seis Dias de 1967. No entanto, a história do Estado sionista é uma de diversas violentas ocupações e desocupações de territórios de seus vizinhos árabes, conforme mostra o gráfico acima do Visualizing Palestine.

A primeira e mais significativa aconteceu em 1948, quando Estado de Israel foi criado sobre 78% do território palestino. Essa conquista foi atingida após a vitória do movimento sionista na Guerra Árabe-Israelense de 48-49 e de um amplo processo de limpeza étnica da população nativa palestina.

Em 1967, a ocupação mais famosa. Uma guerra que durou seis dias apenas porque os israelenses, após derrotarem em questão de horas as forças egípcias em um ataque preventivo e ocuparem toda a Península do Sinai, desejavam expandir as suas fronteiras. Os líderes israelenses decidiram então avançar sobre Jordânia e Síria, levando à ocupação da Cisjordânia e das Colinas do Golã sírias em decisivas e sangrentas batalhas. Como resultado, Israel mais do que dobrou o tamanho do país.

A desocupação da Península do Sinai viria acontecer apenas em 1982, como resultado do Processo de Paz com os egípcios de 1979. O Egito foi o primeiro país árabe a reconhecer o Estado sionista. Isso ocorreu por uma mudança significativa na política egípcia após a derrota de 1967, que marcou o início do declínio do nacionalismo árabe liderado por Gamal Abdel Nasser. O seu sucessor, Anwar al Sadat, foi o primeiro a ameaçar a Fortaleza Israel no ataque surpresa da Guerra do Yom Kippur, de 1973. A campanha, embora frustrada pela reação dos militares israelenses, aumentou o capital político dos egípcios, que conseguiram reconquistar a Península do Sinai após mais de uma década de ocupação israelense.

A ocupação do Sul do Líbano por 18 anos é uma história menos conhecida. Ela se deu pela forte presença de militantes da Organização pela Libertação da Palestina (OLP), entre eles Yasser Arafat, na fronteira da nação árabe com Israel. Em meio à guerra civil que tomava o Líbano, os israelenses invadiram e ocuparam o sul do país para expulsar os guerrilheiros palestinos. Entre as consequências dessa incursão israelense, está o Massacre de Sabra e Shatila: o genocídio de refugiados palestinos por milicianos maronitas sob o auspício das forças ocupantes israelenses. Israel viria a se retirar do território libanês apenas em 2000 após anos de conflito com o Hezzbollah, o movimento político e guerrilheiro libanês que surgiu após a invasão de Israel e que hoje é um dos mais importantes partidos políticos do país.

Por fim, existem aqueles que vão afirmar que Israel desocupou a Faixa de Gaza, em 2005, ou que se retirou de parcelas da Cisjordânia em meio ao processo de paz com os palestinos. No entanto, embora os soldados israelenses não necessariamente patrulhem cotidianamente todo o território palestino, isso não significa que houve uma desocupação. Israel mantém o controle sobre todas as fronteiras e sobre o espaço aereo, subterrâneo e marítimo palestinos, além de manter sob vigilância remotamente todos os palestinos por meio de câmeras de monitoramento, satélites, drones e outros dispositivos. Israel, na prática, decide sobre a vida de todos os seis milhões de palestinos de Cisjordânia e Faixa de Gaza. A “autonomia” palestina, supostamente concedida nos Acordos de Oslo, não passa de uma ilusão.

*Bruno Huberman é jornalista e doutorando em Relações Internacionais pelo Programa San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP)

EUA | Trump cancela visita a Londres devido a eventuais protestos



O Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou hoje à primeira-ministra britânica, Theresa May, que não vai aceitar um convite de Estado para visitar o país enquanto os protestos nas ruas forem previsíveis, revelou hoje o Guardian.

De acordo com o jornal britânico, que cita uma fonte presente na sala quando Theresa May recebeu o telefonema de Trump, esta é uma das razões para haver pouca discussão pública sobre a visita do Presidente dos Estados Unidos, que aceitou "de imediato" o convite feito pela primeira-ministra britânica quando esta visitou Washington, em janeiro.

Na altura, durante uma conferência de imprensa, May disse que convidou Trump a visitar o país em nome da Rainha, e o convite foi "aceite de imediato", acrescentou a chefe do Governo britânico.

Os meios de comunicação noticiaram então que o encontro devia realizar-se em junho ou julho, mas de acordo com o jornal britânico The Guardian, Trump telefonou a May dizendo que não quer ir enquanto não houver um apoio do público à sua presença.

Ainda segundo o jornal, a primeira-ministra britânica ter-se-á mostrado surpreendida.

A possibilidade de Trump ir a Londres levantou polémica no Reino Unido, provocando a reação, entre outros, do presidente da Câmara dos Comuns, John Bercow, que expressou a sua "forte oposição" a um discurso do líder norte-americano no Palácio de Westminster.

Lusa | Notícias ao Minuto | Foto: Getty Images

FRANÇA | Partido Socialista fala em "queda sem precedentes da esquerda"



O secretário-geral do Partido Socialista francês, Jean-Christophe Cambadélis, admitiu hoje que a primeira volta das eleições legislativas ficou marcada pela queda "sem precedentes" da esquerda no seu conjunto e "principalmente" da sua própria formação.

Numa declaração à imprensa após serem conhecidas as primeiras projeções de voto, Cambadélis disse esperar que a segunda volta, no próximo domingo, não sirva para ampliar a maioria já estimada para o partido do Presidente Emmanuel Macron, A República em Marcha, mas sim para outorgar um maior pluralismo na câmara baixa.

Se se confirmar a maioria absoluta para o partido do Presidente, que poderá alcançar entre 390 e 430 dos 577 assentos, a França ficará com uma Assembleia Nacional "sem verdadeiro poder de controlo e sem um debate democrático digno desse nome", afirmou o socialista.

"Não é saudável nem desejável que um presidente eleito à segunda volta pela rejeição da extrema direita beneficie do monopólio da representação nacional", considerou Cambadélis, para quem a democracia francesa "não pode permitir-se estar doente".

Lusa | Notícias ao Minuto

FRANÇA | Projeções dão vitória esmagadora para Macron na primeira volta das legislativas



Nos instantes que se seguiram ao fecho das urnas (19.00 de Lisboa) as sondagens, designadamente as da estação France 24 apontam para uma maioria absoluta esmagadora do REM, partido do presidente Macron

Fechadas as urnas às 20.00 (menos uma hora em Lisboa) as primeiras projecções apontam para uma enxurrada da votação do partido de Emmanuel Macron (REM) que parece ter garantido a maioria absoluta.

Estas primeiras projecções de votos, conjugadas com a previsível repartição de mandatos dão o seguinte quadro:

- REM, 32%, correspondentes a 390 a 430 mandatos (muito acima dos 289 do limiar da maioria absoluta)

- LR (conservadores), 21,5%, correspondentes a 85 a 125 mandatos

- FN (extrema-direita), 14%, correspondentes a 3 a 10 mandatos

- FI (esquerda radical), 11%, correspondentes a 11 a 21 mandatos

- PS, 10,2%, correspondentes a 20 a 35 mandatos

Duma primeira leitura destas estimativas resulta que Les Republicains (LR) serão a principal força da oposição. A Frente Nacional (FN) consegue representação parlamentar mas não deverá ter lugares suficientes para constituir grupo parlamentar (15 deputados), tal como a França Insubmissa (FI). Já o PS, parece conseguir ficar ao nível dos dois dígitos e ter a quase de certeza de constituir grupo parlamentar.

Algumas destas previsões terão que ser afinadas à luz do crivo dos resultados finais que determinarão quem é desde já eleito (mais de 50% de votos) e quem vai disputar a segunda volta dentro de oito dias que poderá ter duelos a dois, a três ou mesmo a quatro (basta ter mais de 12,5%), onde todas as alianças e acordos de desistência mútua são possíveis.

Rui Cardoso | Expresso | Foto: CHRISTOPHE PETIT TESSON / POOL

REINO UNIDO | JEREMY CORBYN REVELA QUE OUTRA ESQUERDA É POSSÍVEL





Avanço dos trabalhistas ingleses, e de seu líder rebelde, envia um sinal. Sociedades estão cansadas de partidos acomodados – mas dispõem-se a enfrentar o neoliberalismo e lutar por mudanças estruturais

Antonio Martins | Outras Palavras

Num tempo sombrio, de retrocessos em todo o mundo, golpes e vitórias da direita (Trump, Temer, Macri, Duterte e muitos outros), surgiu na quinta-feira (8/8)um fato extraordinário, que é preciso examinar com atenção. Jeremy Corbyn, o líder rebelde do Partido Trabalhista britânico obteve resultado extraordinário nas eleições parlamentares do Reino Unido, realizadas ontem. Não chegou a vencer, mas resgatou seu partido, que muitos consideravam moribundo, e provocou um terremoto político. Obteve este êxito com uma nítida guinada à esquerda e um programa de alternativas reais e robustas ao neoliberalismo. O Parlamento, que tinha ampla maioria conservadora, agora está dividido. A primeira-ministra conservadora Thereza May, que convocou eleições antecipadas esperando alcançar uma vitória esmagadora, é considerada por todos a principal derrotada e talvez não consiga formar um novo governo. É possível que haja novas eleições, em breve. O que mais importa examinar é como isso tudo foi possível.

A figura de Jeremy Corbyn – que está desafiando todas as regras de bom comportamento em que se quer enquadrar a esquerda – é central neste processo. Com 68 anos, ele tem um perfil incomum, entre os membros de um partido que estava acomodado há cinco décadas. Apoiou a revolução da Nicarágua e o governo de Chávez na Venezuela. Opôs-se, nas ruas, às guerras dos Estados Unidos contra o Afeganistão e o Iraque, apoiadas pela Inglaterra e por seu partido. Eleito para o Parlamento em 1983, foi sempre um dissidente trabalhista, por não aceitar a adesão dos dirigentes às políticas de “austeridade” e aos Estados Unidos.

Mas há dois anos, quando a liderança do partido ficou vaga após mais um fracasso eleitoral, Corbyn enxergou que algo estava mudando. Lançou-se à eleição, que é feita pelo voto direto dos militantes. Despontou como  um grande azarão, mas com uma ideia clara: era preciso reverter o corte de serviços públicos, o desmantelamento do Estado de Bem-Estar Social, o empobrecimento da maioria  em benefício dos banqueiros e da aristocracia financeira. Para assombro de todos, suas propostas mobilizaram o velho partido adormecido. Após uma campanha meteórica, Corbyn obteve 59% dos votos já no primeiro turno. O resultado deveu-se, especialmente, à adesão de jovens. Milhares deles, que estavam desacreditados da política institucional, ingressaram no Partido Trabalhista, para ajudar a abrir a janela de esperança sinalizada pelo candidato.

Esta vitória não impediu que a mídia e os caciques considerassem que Corbyn era inviável eleitoralmente e tentassem sabotá-lo. Uma coisa, diziam, eram os jovens entusiasmados. Outra, o conjunto dos eleitores – que, segundo se dizia, rejeitariam um programa dissidente. Em junho de 2016, uma grande maioria de parlamentares do Partido Trabalhista derrubou Corbyn, com um voto de desonfiança. Ele aceitou o desafio e retornou, com uma vitória ainda mais expressiva, assegurada pela base do partido. Ainda assim, continuava estigmatizado. Há apenas quatro meses, a circunspecta revista The Economist previa que, sob sua liderança, os trabalhistas caminhariam para a morte.

Em 19 de abril – há apenas sete semanas, portanto – a primeira-ministra conservadora convocou eleições antecipadas. Alegava precisar de força para negociar, em melhores condições, a saída do Reino Unido da União Europeia – o chamado Brexit. No fundo, acreditava no mito da morte dos adversários. À época, as pesquisas eleitorais sugeriam que teria 24 pontos de vantagem sobre os trabalhistas – e que Corbyn, humilhado, não teria outra alternativa exceto renunciar.

O que se viu foi exatamente o contrário. Corbyn foi capaz de passar da crítica às alternativas. Seu programa – Manifesto, como dizem os ingleses – é um sinal de que a oposição ao neoliberalismo pode traduzir-se em propostas muito concretas. Ele propõe o resgate do NHS – o legendário sistema de Saúde pública e gratuita que foi depredado nos últimos governos. Quer resgatar a Educação pública, elevando os salários arrochados dos professores, introduzindo novos métodos e diminuindo o número da alunos por sala de aula. Defende o fim da cobrança de mensalidades nas universidades – introduzida pelos conservadores e mantida pelos trabalhistas. Quer reverter o aumento progressivo da idade mínima para aposentadoria. Não tem medo de dizer: tudo isso exigirá mais impostos – para os ricos e as grandes empresas e em especial a aristocracia financeira.

Num tempo em que se recomenda à esquerda não questionar a estrutura de classes para não perder votos, Corbyn propôs um slogan divisivo: “Governar para muitos, e não para poucos”. Defendeu a reeestatização das ferrovias, do abastecimento de água dos correios. Justificou a medida com um argumento concreto, não ideológico: “são serviços públicos, sua propriedade não deve visar enriquecer ninguém, mas atender com qualidade a população. Questionou o alinhamento automático aos Estados Unidos. Lembrou que esta política obrigou a Inglaterra a apoiar a Arábia Saudita, o país mais implicado com os grupos extremistas que provocaram três grandes atentados terroristas na Inglaterra, só este ano. Anunciou que, se eleito, formaria um ministério em que pelo menos metade dos membros seriam mulheres.

Este programa radical, mas ao mesmo tempo muito concreto e pragmático, gerou um fenômeno político. Os eleitores sentiam que, depois de muitos anos, havia uma escolha real a fazer. Por isso, numa campanha curtíssima, a distância entre Thereza May, a primeira-ministra conservadora, e Jeremy Corbyn caiu muito rapidamente. Tudo sugere que, com mais duas semanas, o resultado seria o oposto. Mas o mais importante é: Corbyn revelou que outra esquerda é possível.

O resultado prático das eleições ainda é incerto. A bancada do Partido Trabalhista cresceu de modo expressivo: de 230 para 262 cadeiras no Parlamento. Os conservadores perderam 12 assentos: agora têm 318 – ou seja, já não são maioria. Tentarão chegar ao número mágico de 326 cadeiras aliando-se ao DUP, um partido religioso de direita ultraconservadora na Irlanda do Norte.

Mesmo que o consigam, terão composto um governo que já nascerá enfraquecido e mesmo desmoralizado. Theresa May queria um mandato forte para negociar o Brexit. Foi claramente derrotada neste intento. Como irá encarar agora os outros governantes da União Europeia, a quem desafiou? Há, ainda, a possibilidade de que ela não consiga entender-se com o DUP. Nesse caso, Corbyn será chamado pela rainha a tentar formar um governo. Como não tem maioria, novas eleições seriam provavelmente convocadas, em condições agora muito mais favoráveis para os trabalhistas.

Duas conclusões gerais emergem – e são muito positivas. Primeira: o muro neoliberal é um blefe. O discurso segundo o qual a esquerda precisa manter-se comportada, para não se inviabilizar, é falso. Corbyn pagou para ver, foi capaz de passar da oposição às propostas concretas e renovou o Partido Trabalhista.

Segunda: a rebeldia é possível – principalmente quando se acredita nos jovens, os mais atingidos pelo neoliberalismo. No Brasil, as últimas manifestações pelas diretas-já têm mostrado enorme presença das pessoas com menos de 25 anos, tanto da classe média quanto das periferias. É um sinal. Aqui, porém, estas pessoas não têm um instrumento político, uma forma de organização em que possam debater, permanecer mobilizadas, construir visões coletivas sobre o mundo, o país e sua cidade. Os partidos já não cumprem este papel. Não surgiu ainda nada como um Podemos ou como a rebeldia de Jeremy Corbyn no Partido Trabalhista britânico.

É uma enorme energia política desaproveitada. É um problema diante de nós, esperando uma resposta.

MINDANAO NA ROTA DA IIIª GUERRA MUNDIAL



Martinho Júnior | Luanda

1- De forma tão difusa conforme às conveniências e ao tradicional modus-operandi das redes wahabitas-sunitas intimamente associadas ao expansionismo da Casa Saud, o Estado Islâmico foi chegando às grandes nações insulares da Oceânia, evidenciando-se num dos seus pontos mais críticos e mais vulneráveis: Mindanao.

Cumprindo as tradições, na medida do que é possível esconder da cabeça do polvo, instalada em função do império britânico (ele próprio um expansionismo) no território central da Arábia Saudita (a região do deserto Nejd, onde foi instalada a capital do reino, Riyadh, pela Casa Saud), Donald Trump na sua primeira visita de estado ao exterior dos Estados Unidos não foi capaz de elucidar sobre esse perverso “enigma” fulcral no relacionamento bilateral, tão poderoso que tem continuado, na sua esteira, a rebocar os aliados da NATO, com a Grã-Bretanha e a França em lugar destacado.

Essa incapacidade de Trump, que continua a cheirar a viscoso petróleo, leva-o a, numa cortina de fumo, atacar o Irão xiita, tomando claro partido pelo caos e terrorismo de expansão planetária, parido pelo wahabismo-sunita, porque isso, por via dos interesses globais no petróleo, interessa tacitamente à aristocracia financeira mundial e é esse o jogo que ele está obrigado a fazer: quanto mais se distende esse caos e terrorismo mundo fora, mais os Estados Unidos justificam dentro e fora de suas fronteiras a intervenção, no exterior decerto para “dar trabalho” às suas 800 bases militares previamente espalhadas ao longo de mais de um século e nas Filipinas desde a guerra filipino-estado-unidense que em 1901 pôs fim à Primeira República das Filipinas, a efémera independência de então.

Na Arábia Saudita, a monarquia nada tem de democrática, todavia nunca os Estados Unidos puseram em causa o carácter desse estado, que além da expansão do caos e do terrorismo por razões alegadamente religiosas, por via de laços financeiros que estão muito por descobrir (que se misturam com os interesses da aristocracia financeira mundial, como se pode comprovar com o exemplo do Carlyle Group), tem sido determinante na política de preços do petróleo, cujo efeito é a desestabilização de países produtores do sul, tendo como alvo principal a Venezuela.

O expansionismo wahabita-sunita integra perfeitamente o expansionismo imposto pela hegemonia unipolar, um anacronismo da “civilização judaico-cristã”, ao sabor dos interesses no petróleo e no dinheiro e nas geoestratégias que esse processo impõe.

O corte de relações da Arábia Saudita como Qatar por financiamentos ao terrorismo, é mais uma nova forma de diversão; Bin Laden e a Al Qaeda foram gerados a partir da Arábia Saudita…

2- Só em 1946 as Filipinas saíram do estatuto de colónia e ganharam uma independência tão neocolonial, quanto o comprovam as bases militares estado-unidenses particularmente instaladas na ilha de Luzon, precisamente a norte da Grande Manila, a capital.

As sucessivas administrações dos Estados Unidos, habituadas à imposição, fizeram alinhar as Filipinas na tentativa de isolar a China a partir do mar, o que entrou em contradição com o facto de terem polvilhado de bases militares Luzon, “esquecendo-se” que o risco crónico para as Filipinas estava no sul, em Mindanao, onde a presença militar estado-unidense é rarefeita.

Confrontado com essa realidade, o Presidente Duterte tem dado sinais de afastar-se dos Estados Unidos, aproximando-se à China e Rússia, no preciso momento que o Estado Islâmico se manifesta como sempre de forma sangrenta, desta feita em Marawi.

Agora, mesmo que as Filipinas não alinhem ao “diktat” dos Estados Unidos em relação à China no Sudeste Asiático, a ameaça do Estado Islâmico serve perfeitamente para dar continuidade à presença militar do “aliado”, no quadro de sua imposição neocolonial.

O Presidente filipino tem demasiados problemas a resolver em Mindanao e seria um erro alinhar num conflito externo por efeito duma imposição neocolonial, mas as necessidades de defesa e segurança a sul podem levá-lo a moderar sua argumentação.

Por outro lado e de facto, uma parte da migração filipina que por razões de trabalho foi atraída à Arábia Saudita, uma parte dela proveniente de Mindanao, teve doutrinação wahabita-sunita, que transportou para as Filipinas, onde a religião muçulmana já estava instalada, por influência das fronteiras marítimas com a Indonésia e a Malásia desde o século XIV.

As Filipinas não têm petróleo mas sua força de trabalho é cobiçada noutras partes do mundo, pelo que tornou-se um veículo de desestabilização quando em contacto com a Arábia Saudita, país onde têm contribuído para as grandes obras que foram sendo levadas a cabo a partir dos recursos do petróleo.

Marawi é das cidades filipinas com maior densidade de mesquitas implantada na sua área urbana.

3- As Filipinas são um enorme país insular com cerca de 300.000 km2, densamente povoado (292 habitantes por km2) e só Mindanao tem um terço da superfície num arquipélago que se estende a 7.107 ilhas.

É também a grande ilha mais próxima de outros arquipélagos de outros países, entre eles a Federação Malásia e a Indonésia.

A Indonésia, o país com mais população muçulmana do mundo, tem mais de 12.000 ilhas e a parte insular da Federação Malásia é também próximo de Mindanao o que no conjunto, tendo em conta as características do comércio e dos contactos nessa imensa região, possibilitam “vasos comunicantes” que as redes do Estado Islâmico não desprezam em função de sua autossustentação e disseminação.

Por outro lado as Filipinas, com maioria de população católica, tem condições ideais para a erupção do fundamentalismo islâmico no densamente povoado Mindanao: o islamismo está em expansão, o que se junta a tendência para a separação do resto do país, conforme a luta de várias décadas da Frente Moro de Libertação Islâmica, que recentemente declarou o cessar-fogo.

É sintomático o fim da actividade armada da Frente Moro de Libertação Islâmica e a emergência a partir dela de dois grupos que se enquadraram no Estado Islâmico: o grupo Maute (Estado Islâmico de Lanao) e o grupo Abu Sayyaf.

4- O governo das Filipinas encarou com reservas o anunciado fim das hostilidades por parte da Frente Moro de Libertação Islâmica, que mais se assemelha a uma passagem de testemunho, entregando o combate a grupos mais radicais, que pouco a pouco se vão acoitando ao Estado Islâmico.

Em vias de perder na Síria e no Iraque, onde as derrotas se vão sucedendo, o Estado Islâmico que conseguiu mobilizar radicais em todo o mundo, está “de mãos-livres” em Mindanao, fazendo confluir alguns dos seus membros a partir da Malásia e da Indonésia, em reforço das suas redes filipinas.

Isso vai implicar o esforço dos estados de toda a região no sentido dar combate ao fenómeno da jihad.

5- Em Mindanao há grandes cidades como a histórica Zamboanga com mais de 800.000 habitantes, um dos locais onde chegou o Islão no século XIV antes do início da colonização espanhola (na altura integrada no sultanado de Sulu) e a cidade de Marawi (200.000 habitantes) é apenas uma cidade de média dimensão, mas um microcosmos fundamental para os interesses dos radicais no espaço da grande ilha.

Possui uma forte implantação islâmica (99,6% da população), está situada a norte do lago Lanao, que é o manancial de água interior mais importante de Mindanao, é capital de Lanao Sul, um centro de comunicações interiores importante e um ponto tradicional de recrutamento da Frente Moro de Libertação Islâmica.

É também um centro de educação, que faz gravitar a juventude com a Universidade do Estado de Mindanao e mais de uma dezena de instituições superiores ligadas ao Islão em estreita consonância com as mesquitas locais e com um Centro Islâmico de relativa importância.

A cidade está “naturalmente” na mira do Estado Islâmico para sua capital em Mindanao, num ambiente humano historicamente favorável, daí o simbolismo desta acção levada a cabo desde finais de Maio de 2017; ainda que perca mais esta batalha há todas as condições para o Estado Islâmico fazer prosseguir a jihad.

Sob o ponto de vista físico-geográfico o local de acção foi também criteriosamente escolhido, não só em função das áreas envolventes, mas por que a norte do Lago Lanao nasce o rio Agus, com aproveitamentos hidro-eléctricos.

Os grupos radicais que atacaram em Marawi isolaram o centro da cidade ao tomarem as pontes sobre o rio Argus, de forma a levarem por diante as suas acções imediatas de implantação da lei islâmica e de guerrilha urbana o mais tempo possível e obrigando à evacuação da cidade, desde pouco antes do Exército das Filipinas se dispor para o combate.

A “estreia” do Estado Islâmico em Mindanao, recorrendo aos radicais que abandonaram a Frente Moro de Libertação Islâmica, foi planificada tirando partido do efeito surpresa, do ambiente humano e histórico relativamente favorável e das características físico-geográficas da cidade de Marawi, bem como de sua localização geoestratégica em Mindanao.

Para as culturas islamizadas é uma nova guerra de (re)conquista de espaço, numa antiga colónia espanhola que as hostilizaram da Península Ibérica às Filipinas, daí a origem duma psicologia de motivação das vontades, que é utilizada pelos radicais contra as implantações Católicas, contrariando ao mesmo tempo o poder instalado no país.

Dada a situação de infiltração e jogo operativo clandestino, o risco está latente para Timor Leste, não muito longe dessa região e tendo em conta a evolução da situação interna na Indonésia.

A trágica evolução da situação nas Filipinas, com a colonização e com esta face de neocolonização, faz-nos lembrar quão heroica e acertada foi a decisão da revolução cubana, por que Cuba sofreu uma trajectória similar que teve fim com a ditadura de Fulgêncio Batista.

O Estado Islâmico pode perder esta batalha, mas em Mindanao há campo de manobra para continuar a jihad… pelo menos enquanto a hegemonia unipolar não se esgotar nas suas múltiplas contradições e durar a Casa Saud! 

Imagens: Áreas de influência Católica e Muçulmana; Instalações militares dos Estados Undos nas Filipinas; Implantação da cidade de Marawi na área de Lanao e a norte do lago; O Exército filipino em Marawi; Mesquita do Rei Faisal em Marawi.

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