quinta-feira, 17 de agosto de 2017

PORTUGAL DEVASTADO: ROTINA OU TERRORISMO?



O vento sopra em todo o país, mas as chamas, tal como em 1975, poupam as zonas onde prevalecem grandes interesses económicos tendencialmente sem pátria.

José Goulão | AbrilAbril | opinião

O terrorismo tem mil caras. Lançar o terror contra pessoas comuns e quase sempre indefesas, ou atemorizar populações e devastar países usando os cidadãos apavorados como reféns são práticas que preenchem os nossos dias num mundo que, pela mão de dementes usando o poder acumulado por conglomerados do dinheiro, caminha para inimagináveis patamares de destruição.

Portugal tem tido a sorte de ser poupado pelo terrorismo, diz-se e repete-se, por vezes com inflexões de um misticismo bolorento próprio de pátrias «escolhidas» para auferir das mercês do sobrenatural. Uma interpretação com curtos horizontes e vistas estreitas, características cultivadas por uma comunicação social habilmente arrastada para realidades paralelas e que reduz o terrorismo dos nossos dias ao estereótipo do muçulmano fanático imolando-se com explosivos à cintura, ou atropelando a eito, não se esquecendo de deixar o cartão de identidade, intacto, num local de crime reduzido a destroços humanos e amontoados de escombros.

Assim sendo, deixa de ser terrorismo, por exemplo, o que a NATO fez na Líbia, o que Israel pratica em Gaza, os massacres que as milícias nazis integradas no exército nacional da Ucrânia «democratizada» cometeram, por exemplo, na cidade de Odessa.

Olhando em redor, porém, é imperativo que cada um de nós estilhace a dependência em relação a um conceito de terrorismo que corresponde a uma ínfima parte da gravidade do fenómeno global. Só assim alongaremos os horizontes e alargaremos as vistas que permitirão reflectir a sério, e profundamente, sobre a realidade que devasta Portugal e que, com uma irresponsabilidade e uma inevitabilidade próprias de uma cultura tecnocrática e desumana, chegou a ser conhecida como «a época dos incêndios».

Se quisermos reflectir livre e abertamente sobre o maior número possível de aspectos da situação com que nos confrontamos é imprescindível associar o poder destruidor e aterrador dos incêndios deste ano ao quadro político-social que vivemos em Portugal; e também à memória que em muitos ainda estará viva e que outros poderão consultar junto dos mais velhos ou das fontes de uma época que dista 42 anos. Chamaram-lhe o «Verão quente de 1975».

Pois nesse «Verão quente», assim baptizado não por causa do terrorismo incendiário mas de uma instabilidade política inerente às situações revolucionárias e também organizada, em grande parte, por conspiradores externos, internos e todos os outros manobradores integráveis no diversificado círculo dos contrarrevolucionários, multiplicaram-se as práticas terroristas.

Racismo e xenofobia | A MÃO QUE AFAGA O MONSTRO





Miguel Guedes | Jornal de Notícias | opinião

São duas as opções perante a catástrofe iminente. Podemos assistir serenos e impávidos ao desmoronar dos mais elementares alicerces da liberdade ou, então, desatamos a arregimentar o sofá ao eterno descanso, fazendo a nossa parte, partindo para o combate. São duas atitudes passíveis de entendimento: uma, a maioria silenciosa, abre a boca de espanto e exclama; a outra, minoria ruidosa, solta as palavras da boca e passa à demanda. Normalmente, é esta última que faz revoluções, alarga o passo da história e apressa o tempo que no relógio tarda a passar.

A eleição de Donald Trump convocou um Mundo em maioria silenciosa. O espanto globalizou-se e a onda de choque fez o seu caminho até ao momento em que o impacto se desvaneceu perante os dislates com que diariamente nos brindava em folha seca de Twitter. No fundo, voltou a ganhar a corrida dos primeiros nove meses de presidência com os mesmos métodos que utilizou para vencer a corrida presidencial até às eleições: conseguiu convencer-nos, novamente, a olhar para o acessório e não para o essencial do que representa, é e executa. Enquanto nos silenciámos maioritariamente para assistir à sua pantomina e estupidez, Trump foi moldando o Mundo à sua ideologia. E não admira que seja ele o pai adoptivo que todos os fascistas gostariam de adoptar. Racistas, neonazis, "alt-right", Ku Klux Klan. E assenta-lhe bem, como a obra assenta ao pai criador.

A forma desculpabilizadora como reagiu à violência terrorista de Charlottesville diz tudo sobre o perigo real que representa. Após marchas de ódio iluminadas a tochas, saudações, cânticos nacionalistas, bandeiras e fumos neonazis, depois da morte de uma pessoa que não se silenciava perante a atrocidade, após um dia que envergonhou e ensombrou a América e o Mundo, Trump condenou a violência "em vários lados". Em vários lados. Escolheu afagar o monstro, passou a mão pelo pêlo daqueles que ponderam a vida dos outros em função da cor, religião ou costumes. Precisamente porque parte de dentro dela para a implodir, Trump é o inimigo público n.º 1 da democracia no Mundo. E merece ter a sua cabeça a prémio, afixada em cartaz desde a sala oval até ao mais saloio saloon. Trump tem razão: nem todos os homens são iguais, ele é diferente.

Há um espelho no Pontal português e, infelizmente, é fiel. A radicalização extremista do PSD não pára de crescer e nem os acontecimentos em Charlottesville impediram Passos de vomitar demagogia sobre a política de imigração em Portugal. Depois de apoiar a xenofobia e racismo do candidato à Câmara de Loures, Passos Coelho escolheu estender o seu PSD num caixão indistinto, "qualquer um". Espera-se a "qualquer momento" que o líder do PNR também o caracterize como "um dos meus".

O autor escreve segundo a antiga ortografia

*Músico e jurista

BARBÁRIE EM NOME DA DEMOCRACIA



Martinho Júnior | Luanda

A “civilização judaico-cristã ocidental”, nos termos das premissas do capitalismo neoliberal, está esgotada e a “democracia representativa” que faz uso como bandeira de paradigma, não passa duma flâmula de conveniência, pompa e circunstância, a fim de encobrir a barbárie que é “congénita” da acumulação sem limites e sem moral do capital das famílias seculares de bancários que com estatuto de clãs dominam “behind the scenes” a partir das duas margens norte do Atlântico.

1- A aristocracia financeira mundial, emanação das casas bancárias de família formadas desde os alvores da Revolução Industrial e na trilha última que tem percorrido desde o que foi convencionado como “Guerra Fria”, apossou-se do miolo das decisões de domínio global em regime exclusivista, decisões que conduzem os processos de hegemonia unipolar, de tal modo que hoje, para garantir a perseverança desse domínio eivado da voracidade na procura de cada vez mais lucros e com mentalidade de saque, está intimamente implicada na metamorfose da ilusão que constitui a “civilização judaico-cristã ocidental”, na real barbárie feudal que esgota a humanidade e o planeta em pleno século XXI.

Afirmá-lo não é “teoria de conspiração”, pois esse domínio avassalador conforme à hegemonia unipolar, vai deixando pistas cada vez mais evidentes de como está a ser exercido à escala global, continental, regional e local, seja por via sócio-política (arregimentando as oligarquias nacionais), seja por via económica e financeira, seja por via da utilização de seus serviços de inteligência, como da panóplia de meios militares (oficiais e privados) e até na arregimentação dos meios de comunicação de massas sob sua tutela, ou sob sua esteira.

RACISMO A COBERTO DE TRUMP | EUA: o fim de semana em que a direita mostrou as garras



Reportagem em Charloteville: como os supremacistas brancos tomaram a cidade e acrescentram mais um dado tétrico a um cenário global tenso e difícil. Felizmente, houve resistência

Ricardo Senra, na BBC | em Outras Palavras

Quando propus minha ida neste fim de semana a Charlottesville, uma cidade universitária de 50 mil habitantes ao sul de Washington, nos Estados Unidos, minha ideia era conhecer os diferentes matizes da nova direita americana após a eleição de Donald Trump.

O protesto “Unite the Right”, ou “Unir a Direita”, até então não tinha muito espaço na imprensa. Alguns blogs chamavam atenção para o ato, alguns com elogios à celebração do orgulho e nacionalismo americano, outros com críticas à ideia de segregação que estes valores podem carregar.

Meu vagão no trem era heterogêneo. Famílias voltavam para a cidade com bebês para o almoço de domingo com os avós, estudantes vinham reencontrar pais e namorados, um ou outro jornalista fingia que estava ali por coincidência e achava que estava sendo discreto mexendo freneticamente em seu computador, tablet e celular (eu era um deles).

Quatro homens chamavam atenção na fileira ao lado. Carecas, fortes, cheios de tatuagens, vestindo calça bege e camisa branca, eles conversavam sobre algo sério – e me olhavam muito feio quando eu tentava ler seus lábios, que sussurravam e me deixavam pescar apenas palavras soltas. Uma delas foi “hate” – ou ódio.

Pois foi exatamente ódio o que eu encontrei nas horas seguintes.

Enquanto desfazia a mala, li no Twitter boatos de um possível ato-surpresa dos manifestantes, que haviam feito um acordo com a prefeitura para desfilar pela cidade só no dia seguinte.

Era sexta-feira à noite e eu corri para a Universidade de Virginia, ao norte do centro da cidadezinha de casarões preservados e praças com monumentos antigos. O campus estava escuro, vultos andavam de um lado para o outro em busca de algum sinal.

Um grupo de aproximadamente 20 homens subiu em passo acelerado em direção ao jardim interno. A 50 metros de distância, um grupo menor os seguia. Corri até eles pela penumbra.

O segundo bloco era formado por estudantes que escreviam para um site local. Anne, uma jovem de 20 anos, no máximo, me explicou: “São eles. Estão tentando nos despistar e andando em círculos”.

Em 15 minutos eu entenderia o que ela quis dizer com “eles”. Depois de circular todos os cantos do campus, um dos homens gritou: “Vamos!”

Eles começaram a correr. Sabiam que nós os seguíamos e não diziam nada. Corremos por quase 10 minutos até chegar ao alto de um vale.

“Eles” estavam lá embaixo. Centenas de homens e mulheres, incluindo algumas crianças, se organizavam em filas, rindo alto e brincando entre si enquanto acendiam tochas. Estava muito escuro e a luz das tochas de madeira tingia de vermelho o gramado, onde estudantes normalmente jogam beisebal e futebol americano.

Um homem com tom agressivo começa a falar no megafone. “Alinhem-se agora! Duas filas! Todos! Agora!”

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