segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

PORTUGAL | Pacto para os cidadãos

Domingos de Andrade | Jornal de Notícias | opinião

Há sempre bolor na abertura simbólica do Ano Judicial. Que nem a habitual afabilidade de Marcelo Rebelo de Sousa conseguiu dissimular este ano. É o momento em que fica sempre evidente a distância entre quem circula pelos corredores dos agentes da Justiça e os cidadãos, a quem a justiça deve servir. E é pena. Porque à boleia de um pacto hermético para supostamente melhorar a ação do Direito poderiam ter germinado discursos para efetivamente mudar algo. Coisas pequenas.

Comecemos pelo Pacto, concertado em pequeno comité representativo de magistrados, funcionários, solicitadores e advogados. O acordo revela um passo importante para começar a tratar de um dos setores mais vitais para o desenvolvimento da sociedade, mas que é dos que mais enquistaram nos 43 anos de democracia. E esse é o sinal positivo. Ter havido discussão e entendimento nalgumas áreas.

São 89 medidas, ainda à espera que o poder político lhes abra a porta, das quais meia dúzia refletem, muito parcialmente, as reais preocupações dos cidadãos. Que são fáceis de elencar: da dilatação dos prazos, à morosidade da investigação, dos procedimentos burocráticos labirínticos, ao segredo de Justiça, acabando na perceção de que a Justiça serve melhor os que mais meios têm para litigar, contratar, contornar.

Os problemas reais que a Justiça enfrenta vão ainda mais longe. E são sub-reptícios. Dos juízes que, ou pela pressão das inspeções, ou pelo amontoar de casos, ou pelo simples cansaço da profissão, despacham processos como se fossem papéis em pilha sem pessoas e vidas e histórias envolvidas. Que fazem cópia de umas sentenças para as outras como se fossem uma e a mesma coisa, deixando inúmeras vezes as vítimas e os arguidos de casos anteriores. Dos magistrados que se embrulham no excesso de processos nos tribunais administrativos e fiscais, numa avalancha que ganha dimensão com o aumento de conflitos entre os cidadãos e o fisco.

Não são questões irresolúveis ou magnos problemas. Mas fazia sentido que cada um deles estivesse em cima da mesa, com clareza, com concretização. Ou corre-se o risco de os cidadãos olharem para o Pacto como um encontro reservado, onde a solução para os problemas que enfrentam acabará por se enredar nos entraves da Constituição e que serviu apenas para resolver as questões de classe e de carreiras.

É pouco.

* Diretor-executivo do JN

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