domingo, 8 de abril de 2018

O soldado português da I Guerra Mundial a quem mudaram o nome e vale um filme

Imagem do filme de Gonçalo Galvão Teles e Jorge Paixão da Costa, com o ator João Arrais a interpretar o jovem Aníbal Milhais
A história de Aníbal Milhais dava um filme e cem anos depois foi o que aconteceu. Baseado na sua ida à guerra e no facto de ter salvado vários companheiros, o filme Soldado Milhões explica o ato solitário que lhe mudou a vida

Sem fazer comparações, quando o filme Soldado Milhões começa e os bombardeamentos enchem a sala de cinema, o espectador pode lembrar-se de um filme de Steven Spielberg, O Resgate do Soldado Ryan. O som permite imaginar como seria estar nas malditas trincheiras da I Guerra Mundial, tal como a poeira e os estilhaços que parecem sair do ecrã, o que acontecia também no princípio da superprodução de Hollywood, com o desembarque nas praias da Normandia durante a II Guerra Mundial, filmado com muito realismo.

Aníbal Milhais surge no ecrã - a estreia do filme é só na próxima quinta-feira - entre outros soldados que aguardam a partida de Lisboa para a frente de batalha e só no final do filme é que recebe o cognome Soldado Milhões, num hábil trocadilho feito pelo comandante Ferreira do Amaral - que ficou para a história - quando o transmontano de Valongo chega são e salvo à retaguarda após um confronto violento com o inimigo. Ninguém já o espera, pois os restantes elementos do seu destacamento tinham escapado devido à coragem de Aníbal Milhais, ao enfrentar sozinho o ataque alemão enquanto a debandada portuguesa acontecia. Surpreendidos por ele estar vivo, é abraçado pelos amigos e o comandante profere a frase: "Tu és Milhais mas vales Milhões!"

Quem é este herói da 2.ª Divisão do Corpo Expedicionário Português que sobrevive e deixa viver alguns dos colegas na Batalha de La Lys no momento de maior carnificina entre o exército português? O filme Soldado Milhões será a melhor forma de tomar conhecimento da sua história pessoal, mesmo que rodeado da ficção necessária para um épico deste género, porque se pode regressar no tempo e imaginar o que seria o cenário em que Milhais se destacou dos outros ao manter-se com a sua metralhadora Lewis, a que os portugueses chamavam Luísa, voltada contra os atacantes e fugir ao único destino que lhe estava reservado: a morte.

Não morreu e essa vitória sobre o que lhe estava destinado irá alterar a sua vida por inteiro. Mesmo anos depois servirá de homem-propaganda ao regime e a própria terra natal fará dele o herói a que nunca conseguirá fugir apesar de se querer manter um homem normal.

A história de Milhais tem sido contada desde que teve a sorte de nesse regresso, entre a frente de batalha e a retaguarda onde estava o destacamento a que pertencia, salvar um militar escocês que se estava a afogar num pântano. O médico agradeceu ter sido salvo e também informou o exército aliado de que Milhais o salvara, bem como a outros soldados britânicos, evitando o que provavelmente redundaria no esquecimento nacional. E lá vieram as medalhas, entre as quais a Ordem Militar da Torre e Espada do Valor, Lealdade e Mérito, além de condecorações estrangeiras.

Seis anos após o regresso, o Parlamento muda o nome da sua terra para Valongo de Milhais, tal era a fama dos seus atos em todo o país. 54 anos depois é descerrado o seu busto em Murça, na Praceta Herói Milhões, além de outras homenagens. Cem anos depois dessa madrugada de 9 de abril de 1918, o país recorda novamente os feitos do maior herói português que esteve na I Guerra Mundial. Se a história de Aníbal Milhais já foi contada de todas as formas, até pela sua baixa estatura - pouco mais de metro e meio -, ou até por poder ter sido responsável por matar vários soldados portugueses com fogo amigo devido ao nevoeiro e às fardas parecidas com as dos alemães, o que este filme traz de novo é a possibilidade de se imaginar a aventura sofrida de muitos milhares de portugueses em terras da Flandres, sem equipamento e armamento corretos, devido a interesses políticos da época.

Soldado Milhões é um filme de Gonçalo Galvão Teles e Jorge Paixão da Costa, realizadores que dividiram a responsabilidade da direção, sendo o segundo coautor do argumento com Mário Botequilha. Em nenhum houve dúvida sobre o título, pois a designação Soldado Milhões diz tudo. O argumento divide a história em duas partes, uma durante esses dias em que o Corpo Expedicionário esteve em combate, outra com a vivência de Milhais no regresso a Valongo. O paralelismo da vida irreal da guerra e a real de Milhais, que persegue um lobo que ataca ovelhas na companhia da filha, gera um stress que permite ao espectador perceber o que terá vivido o Soldado Milhões.

João Céu e Silva | Diário de Notícias

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