quinta-feira, 19 de abril de 2018

OLIGARQUIAS DA CORRUPTELA NEOLIBERAL


Em homenagem aos camaradas Lúcio Lara e Jorge Silva, “Sapo”, heroicos combatentes das justas causas angolanas; as três fotografias em que aparece o camarada Lúcio Lara, foram tiradas pelo camarada “Sapo” num “longínquo” Primeiro de Maio, quando o MPLA era Partido do Trabalho e quando Angola era uma República Popular

Martinho Júnior | Luanda 

1- Terminou a VIII Cimeira das Américas na capital do Peru, Lima, com um balanço que revela o ambiente de luta que sem tréguas move a humanidade naquela parte do planeta.

A VIII Cimeira correspondeu fundamentalmente aos estímulos das oligarquias americanas agenciadas pelos Estados Unidos, acirrando-se dialeticamente contra os sectores progressistas das Américas, numa autêntica corruptela de democracia e incapaz de elas próprias terem hipótese de se defender de todo o tipo de acusações de corrupção em que se debatem, protagonizam e elas mesmo tornam públicas.

A Venezuela Socialista e Bolivariana, dilecto alvo da corruptela ao sabor da hegemonia unipolar, não foi convidada e o seu processo democrático está a ser posto em causa por todas as cumplicidades e conivências vassalas, pois o seu modelo, com toda a legitimidade participativa e de dimensão popular, é um pavor para a “representatividade” apropriada e moldada ao jeito dos interesses do império da doutrina Monroe e suas agenciadas oligarquias, ainda que elas tantas contradições internas demonstrem sem limites acarretar.

Cuba esteve pela segunda vez consecutiva e chamou mais uma vez a si o papel de assumida vanguarda progressista nesses contenciosos históricos.

Às oligarquias americanas interessa o pântano das disputas entre seus artificiosos quão corruptos clãs, marginalizando os processos de aprofundamento democrático-popular e inclusive o do voto popular pelo que, tendo a Venezuela ao longo dos últimos 20 anos multiplicado as iniciativas eleitorais, esse facto indesmentível e “insuportável”, é por si considerado pela corruptela como uma afronta, pois faz cair pela base qualquer veleidade “democrática” da estrita conveniência dessas oligarquias fantoches.

Depois a Venezuela disseminou um conjunto muito alargado e profícuo de missões…

O Comandante Hugo Chavez, enquanto militar, soube aproveitar bem o termo “missões” para levar a cabo a imensidão de tarefas que há “civilmente” a realizar para fazer face ao subdesenvolvimento herdado do passado longínquo e do passado próximo, missões que na generalidade estão vocacionadas para a melhoria das condições de vida do seu povo, particularmente das classes mais desfavorecidas, exploradas pela gritante desigualdade injectada durante séculos.

Com as missões ao mesmo tempo abrem-se autênticas avenidas desburocratizadas capazes de mobilização e aglutinação de vontades e aspirações com metas, com objectivos, com prazos, com um inventário enorme de iniciativas que de fase para fase vão-se aperfeiçoando e multiplicando sem remissão...

Face a isso, as cristalizadas oligarquias americanas têm sentido um efeito de pânico, como se a terra fugisse debaixo dos pés, por que o espaço sócio-político onde têm vindo a empenhar sua base “de representatividade”, como nunca foi, não é, nem alguma vez será dinâmico, inteligente ou criativo (é típico dos que assumem a bárbara cultura do egoísmo capitalista), muito menos popular, é a percepção dum contínuo terramoto de baixa intensidade que não conseguem fazer parar e as sacode até às entranhas!

2- Os sectores progressistas aproveitaram a VIII Cimeira da América para questionar de forma lúcida, oportuna e directa o que se passa em relação à corrupção na América, tirando partido dos “fenómenos” de entidades como o presidente deposto no Peru, Pedro Pablo Kuczynski, da suja vulgaridade brasileira identificada com o estado dirigido por Temer, da figura de proa da Organização de Estados Americanos, Almagro, ou de Marco Rubio, da Florida, defensor agenciado e acérrimo do “lobby” de armamento que tutela a Associação Nacional do Rifle nos Estados Unidos, uma entidade que tem sido confrontada com o massacre recente em Parkland, que deixou um saldo de 17 mortos e 20 feridos, na sequência de muitos outros actos sangrentos similares ocorridos antes.


As oligarquias americanas desse modo confrontadas, começam a ser despidas de sua tradicional arrogância, uma “plataforma”psicológica e sócio-política cristalizada, utilizada até à exaustão para barricar a sua “representatividade”.

Da “representatividade” se ocupou o Vice-Presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, “do alto do seu pedestal”, fustigando em nome do Presidente Trump alvos como a Síria, Cuba e a Venezuela.

Em relação a Cuba e à Venezuela qualificou suas iniciativas do âmbito da democracia popular como “repressivas”, de modo a apresentar os Estados Unidos como o grande “libertador”, a máscara usada desde a proclamação da doutrina Monroe pelo império ao longo do processo histórico de há mais de dois séculos a esta parte.

Aproveitaram também os progressistas o facto de em paralelo se realizarem outras cimeiras de carácter social, entre elas a Cimeira dos Povos, que permite atacar a alienação e o diversionismo relativos à “sociedade civil”, aos “direitos humanos” e à “corrupção”segundo a ótica e as conveniências da aristocracia financeira mundial e suas agenciadas oligarquias.

Como as oligarquias mantêm ideologias cristalizadas, conservadoras ou mesmo ultraconservadoras, racistas ou xenófobas, desconexas em relação à multiplicidade cultural que se estende de forma tão rica e variada sob seus olhos míopes e sob sua hipocrisia histórica, também aí o terremoto se faz sentir, em especial quando as organizações de jovens dos estados progressistas, com Cuba na vanguarda, se fazem ouvir de forma acutilante, esclarecida e olhos nos olhos(os bois estão a ser chamados pelos seus próprios nomes)!

Mesmo com a arrogância da “exclusividade representativa”, mais uma vez também agora utilizada na VIII Cimeira das Américas, o capitalismo neoliberal e o que resta dele disfarçado de “proteccionismo”, está a ser confrontado até à sua perversa medula, tornando-se cada vez mais transparente a fronteira entre a que é da civilização e o que é da barbárie, inclusive quando se gladiam entre si os clãs de ocasião.


3- Agora que as vestes do imperador são as do proteccionismo, à escala global, ainda de forma aparentemente desarticulada, vão estalando as “lutas contra a corrupção”: deitam a mão a todo o tipo de diversionismos, subversões e farsas, a fim de se tentarem“defender”.

África reflecte essa “onda” a nível da União Africana e de muitos dos seus membros, inclusive alguns da África Austral (processos em curso no Zimbabwe, na África do Sul e em Angola).

Até que ponto se repetem a propósito, os mesmos cenários que ocorrem nas Américas?

Como os processos de “luta contra a corrupção” estão a ser levados a cabo por muitos dos implicados nela, assiste-se a confrontações de interesses à superfície das águas, para que nada seja alterado na profundidade causal do fenómeno sócio-político, psicológico, económico e financeiro, quer dizer: ainda que se possam reduzir os efeitos, a corrupção vai renascer sempre com uma geometria e com uma intensidade variável, pois as lutas não põem em causa, antes estimulam, os “mercados” neoliberais e por isso não se desperta para doutrinas, filosofias e ideologias em alternativa, sobretudo para as de carácter assumidamente socialista!

Em Angola notícias, análises e interpretações públicas relativamente à corrupção, são correntes, mantendo-se no entanto, salvo muito raras excepções, o mesmo tipo de abordagens doutrinais, filosóficas e ideológicas (em regra abordagens social-democratas, ou conservadoras, ou cristãs-democratas, ou neoliberais), típicas desses mesmos “mercados”, ou seja, não pondo em causa as razões de casualidade que na profundidade económica e social subsistem de acordo com os interesses das classes que ocupam por via da usurpação o vértice da pirâmide das desigualdades nacionais.

Pior ainda: têm levado para dentro do próprio MPLA, esvaziado cada vez mais do seu sentido histórico, esse tipo de ambientes e cenários, utilizando as catapultas e alavancas da tomada do poder!

Poderíamos citar “n” exemplos das batalhas que vão ocorrendo entre clãs de gladiadores nos pantanosos cenários correntes do capitalismo neoliberal que ostentam o capítulo da “mudança”, mas seleccionamos uma das últimas publicações do África Monitor, tendo em conta que a abordagem ocorre por dentro e à volta do “suculento bife” da Sonangol, a empresa estatal de petróleos de Angola, passo a transcrever:

“Manuel Vicente em plano ascendente

(Pesquisa e análise)

Manuel Vicente (MV), ex-presidente da Sonangol EP (SNL EP) e ex-vice PR, pela “mão” de José Eduardo dos Santos (JES), tem vindo a assumir, um papel de crescente influência junto da administração do PR João Lourenço (JL), na sequência de uma aproximação entre JL e MV, e de distanciamento em relação ao ex-PR e família.

Reconhecido como detentor de uma das maiores fortunas do país, e acusado pela Justiça portuguesa por branqueamento de capitais e corrupção de um magistrado, MV assumiu-se ao longo dos últimos meses como um dos principais conselheiros de JL, a título informal, sobretudo para questões petrolíferas, e económicas em geral. Apesar de, para efeitos públicos, estar dedicado aos seus negócios privados, o seu gabinete de trabalho situa-se num edifício próximo da Presidência da República, que visita com regularidade, para reuniões de trabalho com elementos da presidência e com o próprio PR.

Principal sinal da crescente influência de MV foi a sua interferência directa na destituição por JL de Isabel dos Santos na presidência da SNL EP, e sua substituição por Carlos Saturnino (CS), em Nov.2017. Por intercedência de MV, a escolha de JL para a SNL EP recaiu sobre CS, e não sobre António (“Toninho”) Van-Dúnem (AVD), ex-secretário do Conselho de Ministros, por quem JL demonstrou inicialmente preferência, e a quem chegou a pedir um plano de reforma da SNL EP.

A exoneração por IS de CS, gestor descrito como sendo da sua “máxima confiança”, (AM Intelligence 1077) de MV, da comissão executiva da Sonangol Pesquisa e Produção, em Dez.2016, havia sido interpretada em círculos políticos e empresariais como indirectamente visando a gestão de MV. O próprio CS se insurgiu, de forma inédita, contra a decisão da administração da SNL EP.

CS é quadro cuja ascensão nos meios empresariais angolanos foi promovida e está intimamente ligada a MV, com quem mantém uma relação próxima. Após a tomada de posse de CS, MV passou a comparecer em reuniões e eventos da SNL EP, merecendo tratamento de deferência. Também ligado de forma estreita a MV é José Lima Massano (JLM), nomeado por JL para o cargo de governador do Banco Nacional de Angola (BNA). A carreira de JLM no sector bancário está ligada sobretudo ao BAI, banco controlado pela SNL EP, e sob o qual MV exerceu forte influência enquanto presidente da petrolífera.

MV vinha, nos meses que antecederam as eleições de Ago.2017, evidenciando em círculos privados desagrado pela forma como IS se referiu de modo depreciativo à sua administração da SNL EP (AM Intelligence 1078), nomeadamente prolongando as suas estadias no estrangeiro a título privado e não marcando presença em eventos oficiais. No Comité Central do MPLA em que foram escolhidos os cabeças de lista para as eleições de 2017 – e a que MV faltou – foi-lhe atribuída a 24ª posição, não consentânea com o seu estatuto de ex-vice-PR.

Na cerimónia dos cumprimentos de fim de ano ao chefe de Estado, MV não fez o discurso de agradecimento ao PR José Eduardo dos Santos.

Foram também considerados parte de uma campanha de descrédito contra MV ataques do Jornal de Angola, em 2017, à construtora portuguesa Mota-Engil, que opera no país com o nome Mota-Engil Angola. O capital da companhia está repartido entre a Mota-Engil, maioritária, a Sonangol, o Banco Atlântico e uma empresa privada angolana. MV é referenciado em meios políticos e políticos e empresariais locais como sendo, de facto, o dono da referida empresa privada.

A forma dura como a administração de JL tem visado a gestão de Isabel dos Santos (IS) na SNL EP é também resultado da retaliação por MV em relação ao que considera terem sido ataques de IS à sua gestão e à sua pessoa, ao longo dos últimos anos. Foram remetidas pela SNL EP à Procuradoria-Geral da República, em Mar., indícios de crime pela anterior administração – detalhados em conferência de imprensa pública por CS, de forma particularmente acintosa em relação a IS.

A escalada de tensão entre ambas as partes é evidente em procedimentos de segurança que, quer IS quer CS, passaram a observar. A residência de ambos em Luanda está agora sob vigilância permanente de um corpo de segurança privada. As cautelas observadas por IS chegam ao ponto de evitar pernoitar em Luanda, preferindo chegar de manhã ao Aeroporto e partir à noite, depois de uma série de reuniões. Londres continua a ser o seu paradeiro mais frequente.

Em círculos independentes da sociedade angolana, é identificada uma confluência de interesses entre JL e MV em visar IS. Enquanto para o novo PR a exposição pública de IS como exemplo de nepotismo e aproveitamento de fundos públicos para benefício pessoal serve propósitos políticos – popularidade junto da opinião pública e fragilização do ex-PR, por forma a forçar o seu abandono da presidência do MPLA (AM Intelligence 1137), para MV a cooperação estreita com JL tem o duplo propósito de sedimentar a sua posição no seio do regime e manter a sua influência, ao mesmo tempo retaliando em relação a IS.

Outra evidência da importância atribuída por JL a MV é a defesa intransigente do ex-presidente da SNL EP no processo de que é alvo pela Justiça portuguesa - sob o argumento de que deve ser a Justiça angolana a tratar o processo - ao ponto de ameaçar, por canais privados, retaliação a interesses portugueses em Angola e mesmo na CPLP (AM Intelligence 1134).

Além do processo em Portugal, MV surgiu envolvido no processo da Cobalt, acusada pela Justiça norte-americana de pagamento de subornos em Angola. Enquanto presidente da SNL EP, MV foi também accionista da Nazaki Oil & Gas, parceira da Cobalt, e que contava também entre os seus accionistas com Hélder Vieira Dias “Kopelipa” e Leopoldino “Dino” do Nascimento, duas figuras próximas de JES.

Tem vindo a acentuar-se um desfasamento entre a atitude das autoridades em relação ao processo judicial que corre em Portugal contra MV, e o chamado “sentimento colectivo” (AM Intelligence 1136).   O protesto das autoridades tem dado lugar na sociedade a sentimentos de regozijo em relação ao procedimento da Justiça portuguesa.

Africa Monitor, # 1141, 12/4/2018”.


4- Como se não bastassem os cenários e os intérpretes apalhaçados do pântano em que têm tentado transformar o MPLA e o estado angolano, agora os gladiadores passaram também a exibir suas armas e truques e jogos operativos, nos meios noticiosos nacionais e internacionais, na Europa, nos Estados Unidos, onde quer que se aprouver, ali onde se encontrem seus interesses, ou mesmo os vínculos dos negócios que marcam sua passagem tão social-democraticamente “deslumbrada” quão perversa pela Terra!

Os processos judiciais que foram desencadeados em relação a alguns desses gladiadores em Portugal, são também assuntos do estado português em resultado da assimilação que decorre desde o 25 de Novembro de 1975, que também tem contaminado inevitavelmente a “geringonça”.

Tudo isso se passa à margem da legitimidade e dignidade dos interesses e aspirações do povo angolano e do povo português, demonstrando que é em tudo um “produto” injectado em sistemáticas doses pelo “mercado” capitalista neoliberal, por suas alienações, por sua hipocrisia, pelo seu egoísmo sem escrúpulos, pelas suas “correntes” eticamente decrépitas e avassaladas, pelo seu diversionismo de manchete: vale tudo para se continuar mais do mesmo e não haver garantidamente mudança alguma, pois os fantoches, quais palhaços ricos, ocupam os cenários sócio-políticos, conforme os enredos das inteligências económicas das potências da hegemonia unipolar e da vassalagem crónica dos governos portugueses a esse tipo de causas assimiladoras!

Aplicaram a máxima de Karl Marx, à sua maneira, ou seja à letra e a “camartelo”: “a propriedade é um roubo” e quantos deles, o fundamentalismo a isso obriga, não o fizeram em relação ao estado angolano e ao seu mais suculento manancial de petróleo e diamantes, como inveterados “marxistas do mercado”?

É neste ambiente asfixiado, com odor a enxofre e tocado por uma doença crónica, que estamos a expor uma ferida que já vem de longe!...

Quantos dos guerrilheiros, por exemplo, quando chegaram às cidades trocaram suas famílias camponesas da guerrilha por famílias urbanas, com mulheres que tanto têm a ver com a assimilação colonial e capazes de abrir as portas em direcção ao neocolonialismo, ao enviarem-se a si e aos rebentos paridos desses laços, estudar para as mais caras universidades dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha, da Suíça, da “melóia” e de outros vassalos da hegemonia unipolar, geração após geração, para tornar ainda mais pérfida a ignomínia e rutilante a empreitada?!...

Martinho Júnior - Luanda, 17 de Abril de 2018

Ilustrações:
Dois logotipos das Cimeiras do Peru;
Três fotos gentilmente oferecidas pela companheira Avane Teixeira, viúva do camarada Jorge Silva, “Sapo”

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