segunda-feira, 7 de maio de 2018

FRANÇA | O presente de Macron para os ricos


Surpresa, surpresa: o primeiro orçamento do presidente francês Emmanuel Macron reduz impostos sobre riqueza e encolhe investimento social.

Qualquer um que tinha dúvidas se o apelido “presidente dos ricos” se encaixava para o presidente Emmanuel Macron pode tranquilamente ter certeza nesse mês, após a publicação do primeiro orçamento elaborado pela equipe do presidente após sua posse.

Na última semana a Assembléia Nacional, dominada pelo partido de Macron, o Em Marcha!, aprovou um pacote de reformas majoritariamente planejado a favor das elites. O corte de 7 bilhões de euros em impostos incluiu a redução do imposto francês sobre a riqueza- um incômodo de longa data para a direita do país- em 70%, e e submetendo o imposto sobre ganhos de capital a uma nova taxa fixa de 30%.

O ministério da Economia e Finanças reteve suas pesquisas sobre o impacto das reformas antes da votação na Assembléia. Mas, na quinta-feira da semana passada, eles haviam caído na posse do presidente socialista da Comissão de Finanças do Senado e foram divulgadas. Sob as reformas de ganhos de capital, os cem contribuintes mais ricos da França ganharão um adicional de 582 mil euros por ano em média. Cada um dos mil maiores receberá um modestos 172 mil. O resto do país, por outro lado, pode esperar pouco ou nada. Quarenta e quatro por cento dos benefícios totais fluirão para o 1% mais ricos.

Enquanto o ministério afirmou que não poderia calcular precisamente os efeitos financeiros de cortar o imposto sobre a riqueza, a estimativa da Comissão Financeira do Senado colocou os ganhos para os cem maiores contribuintes do país em uma média de 1 milhão de euros. Essas são pessoas com sobrenomes como Peugeot e Rothschild; chefes de gigantes das telecomunicações, fabricantes de armas e marcas de luxo.

Mas os cortes de impostos foram apenas o início de um orçamento que faz parte dos amplos planos de Macron para liberalizar a economia francesa e, em suas próprias palavras, “celebrar aqueles que obtêm sucesso”. Após a aprovação de reformas trabalhistas favoráveis ​​aos negócios e a introdução de planos para conter os subsídios de desemprego neste outono, próximos a debate nesta semana, são cerca de 11,6 bilhões de euros em cortes de gastos destinados a acabar com a rede de segurança social do país.

O duplo padrão é gritante. Assim como o governo se prepara para desembolsar milhões dos cofres do Estado para os ultra-ricos, ele diz à população em geral que deve restringir os gastos públicos. Seu orçamento incluirá medidas como um corte de 1,7 bilhão de euros na ajuda habitacional, bem como a eliminação de 120 mil contratos de trabalho de curto prazo financiados pelo Estado. Os votos sobre essas medidas estão programados para as próximas semanas, com a Assembléia encerrando seu trabalho no final de novembro.

Os parlamentares começarão atacando o orçamento da Seguridade Social. Aqui, também, os mais ricos vão ganhar. Os deputados de En Marche propuseram a redução dos impostos previdenciários dos empregadores de 30% para 20% em relação às bonificações oferecidas aos empregados. Isso pode parecer uma medida arcana, mas tem valor simbólico. A reforma passou anteriormente em 2015, defendida pelo então ministro Macron. Os legisladores o revogaram no ano seguinte, após um clamor público sobre a crescente remuneração dos CEOs vinculados às opções de ações. Para a maioria parlamentar de Macron, preocupações como essas parecem ser notícias antigas.

Pesquisas de opinião sugerem o contrário. A popularidade de Macron já caiu abaixo do seu sucessor historicamente impopular, François Hollande, durante o mesmo período de sua presidência. Uma pesquisa da Odoxa divulgada depois que as medidas orçamentárias descobriram que 88% dos franceses achavam que beneficiariam os mais ricos. Enquanto isso, o índice de aprovação da Macron com o instituto de pesquisas Ifop continuou a cair em outubro, deslizando mais três pontos, para 42%.

A aprovação do presidente entre os banqueiros de investimento parece muito maior e mais estável. Na noite após a Assembléia Nacional aprovar seus cortes de impostos, Macron jantou com executivos de vinte e um dos principais fundos do mundo no jardim de inverno do Palácio Elysée. Eles saíram satisfeitos. “A sessão de ontem foi benéfica para os investidores presentes”, disse um porta-voz da Blackrock, que administra cerca de 5,5 trilhões de euros, “e reforçou a visão de que as oportunidades na França são as mais fortes em duas décadas”.

Enquanto isso, a oposição política significativa permanece alarmantemente limitada. En Marche está no controle firme da Assembléia Nacional. A oposição republicana de direita pode argumentar sobre pequenos detalhes, mas apóia amplamente as reformas orçamentárias. A Frente Nacional, de extrema-direita, e o Partido Socialista de centro-esquerda, ambos sofrendo com as turbulências internas, formalmente se opuseram aos cortes de impostos – mas causaram pouco impacto. Como é o caso da maioria das questões parlamentares, a crítica mais contundente e sustentada do orçamento veio do agrupamento esquerdista France Insoumise, liderado por Jean-Luc Mélenchon.

Mas a esquerda não conseguiu aumentar a oposição popular em massa às medidas de Macron e a rua permanece quieta. As manifestações apoiadas pela União contra a reforma da lei trabalhista atraíram centenas de milhares de manifestantes, mas não conseguiram causar muito impacto. E apesar de uma greve de um dia no setor público e de uma marcada presença da France Insoumise em Paris, no final de setembro, um movimento social mais unificado ainda está por surgir.

Ainda assim, opositores de esquerda do governo podem ter motivos para otimismo. Em 16 de novembro, os sindicatos pedem mais uma rodada de protestos em todo o país. Ao contrário dos três dias anteriores de manifestações contra a reforma da lei trabalhista, o próximo protesto conta com o apoio da Force Ouvrière, a terceira maior confederação trabalhista da França, e pretende se opor à política econômica de Macron em geral.

De qualquer forma, as reformas de Macron continuam a atrair uma profunda e sustentada falta de popularidade ao longo de seu mandato de cinco anos. Até agora, a força de En Marche no parlamento e a natureza dividida de sua oposição protegem o executivo de um significativo retrocesso.

Por Cole Stangler, Jornalista, vive em Paris e escreve sobre trabalho e política

Tradução por Alessandra Monterastelli (PV) | Fonte: Jacobin

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