quarta-feira, 13 de junho de 2018

BRASIL | Eleições: Três tendências e um grande erro


Projeto do golpe está derrotado junto à sociedade. Chances de reverter os retrocessos crescem. Porém, esquerdas fazem cálculos eleitorais pequenos, desperdiçam possibiliade real de mobilização e abrem espaço para Bolsonaro

Antonio Martins | Outras Palavras | Vídeo: Gabriela Leite

Saiu neste domingo uma nova pesquisa Datafolha sobre as intenções de voto para a Presidência. Os números revelam quatro grandes tendências, que à primeira vista seriam claramente favoráveis a uma mudança de rumos – ou seja, a reverter a agenda de retrocessos imposta ao país desde o golpe de 2016. Porém, esta grande oportunidade pode ser perdida: as forças que deveriam estimular esta virada estão sem estratégia clara ou presas a um cálculo eleitoral mesquinho, que desperdiça a potência revelada pela pesquisa.

Vamos às tendências. A primeira é a imensa impopularidade do golpe de 2016. Ela está expressa na rejeição a Michel Temer, o político que simboliza a quebra da ordem democrática e a guinhada ultra-conservadora que se seguiu. Veja os números: Temer tem 82% de rejeição – ou seja, de pessoas que julgam seu governo ruim ou péssimo. Apenas 3% o apoiam. A própria Folha de S.Paulo, que apoiou a posse do ocupante ilegítimo do Palácio do Planalto, admite: ele é “o presidente mais impopular da História”.

Não se trata apenas de rejeição pessoal, ou ligada às múltiplas denúncias de corrupção que pesam contra Temer. Há um sentido político na tendência. Outras pesquisas recentes demonstraram que a grande maioria dos brasileiros rechaça – apesar da mídia – o núcleo da agenda de retrocessos. Sete em cada dez são contra as privatizações, revelou o mesmo Datafolha em dezembro de 2017. 69% rejeitam a contra-reforma da Previdência, que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, quer votar às escondidas, no apagar das luzes deste ano. Um percentual ainda maior – 81% – recusa a contra-reforma trabalhista, aprovada pelos deputados e senadores, sem debate algum, em 2017. Dado suplementar: a crise de legitimidade das instituições é geral, segundo o mais recente Datafolha. 67% dos entrevistados não confiam no Congresso. Apenas 14% confiam plenamente no Supremo Tribuna Federal; e 16% na imprensa.

Segunda tendência: a impopularidade da agenda de retrocessos repercute na fraqueza dos candidatos que defendem tais políticas. O poderoso Geraldo Alckmin não passa, no melhor cenário possível, de 7%. Álvaro Dias, que tenta posar de alternativo, tem 4%. Rodrigo Maia, no máximo 2%. Henrique Meirelles e Afif Domindos, nem isso: entre 0% e 1%, a depender dos adversários.

A terceira tendência é contraditória. No campo político que poderia expressar uma virada, há densidade eleitoral, mas ainda não há viabilidade política, devido ao ambiente de golpe. A força popular de Lula é impressionante. Depois de dois meses encarcerado, como preso político, ele permanece com 30% das intenções de voto. Se puder disputar, vencerá com folgas qualquer adversário, no primeiro ou no segundo turno. Ciro Gomes (PDT) vem a seguir, com 6% dos votos. Manuela Dávila (PCdoB) oscila entre 1% e 3%. Fernando Haddad e Jacques Wagner (PT) têm, ambos, 1%. Guilherme Boulos (PSOL) tem 1% em alguns cenários.

Exceto Lula, os candidatos que se dizem favoráveis a rever a agenda de retrocessos ganham dos conservadores clássicos. Porém, perdem de longe para Marina Silva (que oscila entre 14% e 15%) e Jair Bolsonaro (17% a 19%, a depender do cenário). O ex-capitão expulso do exército representa uma direita extra-institucional e golpista. É rejeitado pela maior parte dos conservadores (que temem a instabilidade provocada por ele). Mas sua resilência, apesar dos ataques que tem sofrido, revela que é um postulante com chances reais, precisamente porque disputa a parcela da sociedade que se sente traída e desamparada pelas velhas instituições.

Diante deste quadro, e do cenário de ruptura democrática em que vivemos, há, para quem deseja resistir aos retrocessos, duas alternativas. A primeira é não-convencional – como costumam ser as saídas possíveis, em tempos de exceção. Significa ir além do mero cálculo eleitoral. Implica definir um programa claro – em cujo centro estaria a reversão da agenda conservadora imposta à sociedade – e articular uma mobilização nacional, suprapartidária e extrapartidária, em favor da virada.

É fácil? Evidentemente, não, porque a lógica eleitoral, nas democracias contemporâneas, convida a abandonar o debate de ideias e a concientização política, em favor do marketing e da mera conquista de postos no aparelho do Estado. Mas é possível? Sim, por dois motivos. Vivemos – no Brasil e em muitas partes do mundo – uma situação atípica, em que as fórmulas e lógicas tradicionais já não funcionam e a população está disposta a buscar o novo. Além disso, a sentimento de rejeição ao golpe não arrefeceu. Voltou a tomar as ruas há menos de três meses, nos protestos gigantescos contra o assassinato de Marielle Franco. Poderá reunir multidões novamente, se estiver em jogo um projeto maior que o mero apoio a candidaturas eleitorais.

Uma saída não-convencional implicaria que Lula, Ciro, Manuela e Boulos estabelecessem uma espécie de pacto.. Embora mantendo as próprias candidaturas, estilos, projetos específicos e alianças, priorizariam um ponto, em suas campanhas: a reversão da agenda de retrocessos, rejeitada por 82% dos brasileiros. Em dado momento, haveria uma unificação. Prevaleceria a candidatura que tivesse melhores condições de vitória – eleitorais e políticas.

O outro caminho é o convencional, que tem sido trilhado até agora. Nele, o PT insiste em afirmar que sua única opção é Lula. Ao mesmo tempo, continua acreditando que, no caso provável de impedimento autoritário do candidato, um outro postulante, indicado por ele, chegará ao segundo turno – e vencerá Bolsonaro. É uma tática despolitizada e eleitoreira, muito semelhante à adotada em 2014, quando o partido optou por atacar Marina, para favorecer a chegada de Aécio – mais frágil – ao segundo turno. Resultou no pesadelo em que estamos mergulhados.

Neste mesmo script, Ciro também mantém sua candidatura e, segundo a lógica eleitoral de sempre, busca viabilizá-la com acenos à direita – ao DEM e PP. Boulos e Manuela continuam enfadonhamente em campanha, mesmo conscientes de que já não têm nem chance eleitoral, nem condições de ampliar, na eleição, seu espaço político. A resultante é a despolitização – e pode ser ainda mais grave, com a eleição de Bolsonaro ou de um candidato midiático, tirado do bolso do colete à última hora pelo conservadorismo clássico.

Há tempo e condições para evitar este cenário desolador e catastrófico. É preciso pensar e agir fora da lógica tradicional. Mas não será esse, exatamente, o sentido de toda Política digna deste nome?

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