Projeto do golpe está derrotado
junto à sociedade. Chances de reverter os retrocessos crescem. Porém, esquerdas
fazem cálculos eleitorais pequenos, desperdiçam possibiliade real de
mobilização e abrem espaço para Bolsonaro
Antonio Martins | Outras Palavras | Vídeo: Gabriela Leite
Saiu neste domingo uma nova pesquisa
Datafolha sobre as intenções de voto para a Presidência. Os números
revelam quatro grandes tendências, que à primeira vista seriam claramente
favoráveis a uma mudança de rumos – ou seja, a reverter a agenda de retrocessos
imposta ao país desde o golpe de 2016. Porém, esta grande oportunidade pode ser
perdida: as forças que deveriam estimular esta virada estão sem estratégia
clara ou presas a um cálculo eleitoral mesquinho, que desperdiça a potência
revelada pela pesquisa.
Vamos às tendências. A primeira é
a imensa impopularidade do golpe de 2016. Ela está expressa na rejeição a
Michel Temer, o político que simboliza a quebra da ordem democrática e a
guinhada ultra-conservadora que se seguiu. Veja os
números: Temer tem 82% de rejeição – ou seja, de pessoas que julgam seu
governo ruim ou péssimo. Apenas 3% o apoiam. A própria Folha de
S.Paulo, que apoiou a posse do ocupante ilegítimo do Palácio do Planalto,
admite: ele é “o presidente mais impopular da História”.
Não se trata apenas de rejeição
pessoal, ou ligada às múltiplas denúncias de corrupção que pesam contra Temer.
Há um sentido político na tendência. Outras pesquisas recentes demonstraram que
a grande maioria dos brasileiros rechaça – apesar da mídia – o núcleo da agenda
de retrocessos. Sete em cada dez são
contra as privatizações, revelou o mesmo Datafolha em
dezembro de 2017. 69% rejeitam a
contra-reforma da Previdência, que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, quer
votar às escondidas, no apagar das luzes deste ano. Um percentual ainda maior –
81% – recusa a
contra-reforma trabalhista, aprovada pelos deputados e senadores, sem debate
algum, em 2017. Dado suplementar: a crise de legitimidade das instituições é
geral, segundo o mais recente Datafolha.
67% dos entrevistados não confiam no Congresso. Apenas 14% confiam plenamente
no Supremo Tribuna Federal; e 16% na imprensa.
Segunda
tendência: a impopularidade da agenda de retrocessos repercute na fraqueza
dos candidatos que defendem tais políticas. O poderoso Geraldo Alckmin não
passa, no melhor cenário possível, de 7%. Álvaro Dias, que tenta posar de
alternativo, tem 4%. Rodrigo Maia, no máximo 2%. Henrique Meirelles e Afif
Domindos, nem isso: entre 0% e 1%, a depender dos adversários.
A terceira tendência é
contraditória. No campo político que poderia expressar uma virada, há densidade
eleitoral, mas ainda não há viabilidade política, devido ao ambiente de golpe.
A força popular de Lula é impressionante. Depois de dois meses encarcerado,
como preso político, ele permanece com 30% das intenções de voto. Se puder
disputar, vencerá com folgas qualquer adversário, no primeiro ou no segundo
turno. Ciro Gomes (PDT) vem a seguir, com 6% dos votos. Manuela Dávila (PCdoB)
oscila entre 1% e 3%. Fernando Haddad e Jacques Wagner (PT) têm, ambos, 1%.
Guilherme Boulos (PSOL) tem 1% em alguns cenários.
Exceto Lula, os candidatos que se
dizem favoráveis a rever a agenda de retrocessos ganham dos conservadores
clássicos. Porém, perdem de longe para Marina Silva (que oscila entre 14% e
15%) e Jair Bolsonaro (17% a 19%, a depender do cenário). O ex-capitão expulso
do exército representa uma direita extra-institucional e golpista. É rejeitado
pela maior parte dos conservadores (que temem a instabilidade provocada por
ele). Mas sua resilência, apesar dos ataques que tem sofrido, revela que é um
postulante com chances reais, precisamente porque disputa a parcela da
sociedade que se sente traída e desamparada pelas velhas instituições.
Diante deste quadro, e do cenário
de ruptura democrática em que vivemos, há, para quem deseja resistir aos
retrocessos, duas alternativas. A primeira é não-convencional – como costumam
ser as saídas possíveis, em tempos de exceção. Significa ir além do mero
cálculo eleitoral. Implica definir um programa claro – em cujo centro estaria a
reversão da agenda conservadora imposta à sociedade – e articular uma
mobilização nacional, suprapartidária e extrapartidária, em favor da virada.
É fácil? Evidentemente, não,
porque a lógica eleitoral, nas democracias contemporâneas, convida a abandonar
o debate de ideias e a concientização política, em favor do marketing e da mera
conquista de postos no aparelho do Estado. Mas é possível? Sim, por dois
motivos. Vivemos – no Brasil e em muitas partes do mundo – uma situação
atípica, em que as fórmulas e lógicas tradicionais já não funcionam e a
população está disposta a buscar o novo. Além disso, a sentimento de rejeição
ao golpe não arrefeceu. Voltou a tomar as ruas há menos de três meses, nos
protestos gigantescos contra o assassinato de Marielle Franco. Poderá reunir
multidões novamente, se estiver em jogo um projeto maior que o mero apoio a
candidaturas eleitorais.
Uma saída não-convencional
implicaria que Lula, Ciro, Manuela e Boulos estabelecessem uma espécie de
pacto.. Embora mantendo as próprias candidaturas, estilos, projetos específicos
e alianças, priorizariam um ponto, em suas campanhas: a reversão da agenda de
retrocessos, rejeitada por 82% dos brasileiros. Em dado momento, haveria uma
unificação. Prevaleceria a candidatura que tivesse melhores condições de
vitória – eleitorais e políticas.
O outro caminho é o convencional,
que tem sido trilhado até agora. Nele, o PT insiste em afirmar que sua única
opção é Lula. Ao mesmo tempo, continua acreditando que, no caso provável de
impedimento autoritário do candidato, um outro postulante, indicado por ele,
chegará ao segundo turno – e vencerá Bolsonaro. É uma tática despolitizada e
eleitoreira, muito semelhante à adotada em 2014, quando o partido optou por
atacar Marina, para favorecer a chegada de Aécio – mais frágil – ao segundo
turno. Resultou no pesadelo em que estamos mergulhados.
Neste mesmo script, Ciro também mantém
sua candidatura e, segundo a lógica eleitoral de sempre, busca viabilizá-la com
acenos à direita – ao DEM e PP. Boulos e Manuela continuam enfadonhamente em
campanha, mesmo conscientes de que já não têm nem chance eleitoral, nem
condições de ampliar, na eleição, seu espaço político. A resultante é a
despolitização – e pode ser ainda mais grave, com a eleição de Bolsonaro ou de
um candidato midiático, tirado do bolso do colete à última hora pelo
conservadorismo clássico.
Há tempo e condições para evitar
este cenário desolador e catastrófico. É preciso pensar e agir fora da lógica
tradicional. Mas não será esse, exatamente, o sentido de toda Política digna
deste nome?
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