Em meio a sanções dos EUA e a
furacões, novo governo precisa organizar fim do Estado todo-poderoso e da
duplicidade de moedas. Mas como fazê-lo sem comprometer igualdade e conquistas
sociais?
Felix Contreras, em Crônicas
de Havana, nova coluna de Outras Palavras
Na mesa de trabalho do novo
presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, um dos principais problemas é a
corrupção administrativa, que ele apontou no fim de maio como “o principal
inimigo da Revolução”. E acrescentou: “Não podemos conviver com esse fenômeno”.
Díaz-Canel tem nas costas outros
grandes problemas: os sistemas de controle deficientes, ou quase inexistentes;
a má seleção dos chefes, que não são feitas por sorteio ou curriculum, mas pela
bênção do partido único. Aos grandes obstáculos para o Plano de 2018 somam-se
agora os danos materiais das inundações no centro da ilha, logo que passou a
tormenta subtropical Alberto.
O turismo, segunda fonte de
ingressos de divisas (quatro milhões de visitantes ao ano), tem sido afetado
pelo “recrudescimento das medidas do governo norte-americano”, que põe pedras
no caminho de seus cidadãos interessados em viajar à ilha.
Mas há que lembrar que Cuba ainda
está se recuperando dos danos feitos pelos furacões Irma e Matthew, em 2016 e
2017, e pelos limites à importação de matérias primas para a produção nacional.
Um retrato dos problemas do turismo fica registrado neste pequeno detalhe:
quase nunca há guardanapos nos restaurantes e, quando há, os garçons levam para
casa como papel para o banheiro.
Quais são neste momento os
principais investimentos que se fazem? No turismo, na Zona Especial de
Desenvolvimento de Mariel, no transporte ferroviário, em energias renováveis e
no Sistema Elétrico Nacional. Há que lembrar que Cuba não tem recursos naturais
suficientes: seus rios são muito pequenos, tem pouco petróleo e sem a
tecnologia para sua extração. Seus produtos de exportação são charutos, rum e
níquel, e há cientistas que acreditam que a ciência e da técnica podem fazer
crescer as exportações.
A população não tem senso,
costume de poupança, joga e joga água e energia fora como se fossem lixo. O
país ficou muitos anos numa economia paternalista, pendurada da União
Soviética. Na rua ainda falam: ”Meu pai governo paga”. Lembre-se que hoje o
preço do gás, da água e da energia é quase uma brincadeira, um pagamento
simbólico, porque o Estado entra com subvenção.
Obviamente, subvenção usada como
ferrramenta política, num país onde a política de salário é um problema – o
salário médio é de 672 pesos cubanos, ou seja, 28 dólares. Pior, grande parte
das aposentadorias é quase de fome, o que explica a grande população de idosos
na rua ou oferecendo refeições.
Em 2016, o país entrou em
recessão pela primeira vez em 23 anos, ao ver sua economia decrescer 0,9%. A
ilha tem uma grande dependência energética dos combustíveis fósseis, por isso a
procura febril de novas alternativas de abastecimento, após a forte redução dos
envios de óleo cru que recebe subsidiado da Venezuela.
O problema com a água cresce dia
a dia, chove muito pouco, mas já começou o plano de dessalinizar da água do
mar, como parte da estratégia para enfrentar o déficit. O crescente problema da
água é produto da variabilidade do clima, que vai e vem num galope pelo Caribe.
Reformas
Mas, Cuba tem bons cientistas,
bom capital humano (tem 1,3 milhões de graduados universitários e boas
instituições, num mundo em que o conhecimento passou de saber a mercadoria). Há
muitos técnicos preparados para lidar com as características geográficas do
país (o financiamento da ciência é tema prioritário), e com consciência sobre
um futuro com menos chuvas, temperaturas mais elevadas e secas frequentes. É
preciso imaginar um 2100 com redução de 37% da disponibilidade do potencial de
águas.
Disso não sabem nada os turistas:
a política informativa a respeito é pouca, quase invisível, os muitos
brasileiros que visitam o país só têm a cabeça no mojito. Quando falo dessas
coisas com meus amigos paulistas, eles abrem os olhos como se eu falasse um
palavrão…
Muita gente acreditava que Raúl
Castro, o criador do plano de mudanças, deixaria a presidência depois de acabar
com a dualidade monetária – a existência de duas moedas, que causa enormes
danos. Foi uma vitória voltar a reconhecer a grande necessidade dos capitais
estrangeiros para o desenvolvimento econômico. Outro avanço foi colocar na
cabeça das pessoas um socialismo alternativo.
Foram dez anos de governo de
Raúl, com seu jeito lento, um pacote de transformações e uma atualização do
modelo econômico e social cubano. O programa de reformas aberto pelo
ex-presidente começou em 2008, pegou velocidade no começo de 2010 e tornou-se
oficial no VI Congresso do Partido Comunista em abril de 2011, com o nome Alinhamentos
da política econômica e social do Partido e a Revolução.
Mas a dualidade, a dupla moeda
teve, ainda tem e seguirá tendo forte presença no debate político e econômico
em todos os espaços da vida nacional. Em Cuba, há duas moedas: o peso cubano
(CUP) e o peso conversível em dólares (CUC, que vale 24 CUP). A unificação
monetária é a reforma mais importante e ineludível. Foi declarada objetivo
nacional em 2013, mas não se definem datas para estabelecer o cronograma da
mudança.
A sociedade cubana queixa-se da
morosidade. Raúl afirmava, em dezembro do ano passado, que a reforma da moeda
“já tomou tempo demais e não pode dilatar-se mais sua solução”. A principal
questão é: como mudar a política monetária e não ferir a igualdade social, uma
das grandes vitórias da revolução cubana?
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