Na apresentação da sua nova obra,
o escritor diz que o executivo angolano tem dado “bons sinais”. Ondjaki lamenta
a recente execução sumária de um jovem em Angola e aborda o aumento da
delinquência juvenil no país.
As mudanças em curso em Angola,
suportadas pelo MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), partido no
poder, parecem estar a corresponder às expetativas criadas junto da população.
Quem o diz é o escritor angolano Ondjaki, que falou à DW África, em Lisboa, por
ocasião do lançamento da sua mais recente obra na Feira do Livro.
Aos olhos do escritor,
"estamos a viver um momento completamente diferente do que se vivia antes
de agosto de 2017. Penso que ninguém poderá dizer que não, é evidente que há
aqui uma viragem”.
Ondjaki não duvida que
"há uma tentativa de mudança, pelo menos do tecido político do próprio
partido e da governação". "O Presidente João Lourenço deixou isso
muito claro, que está a tentar fazer uma outra abordagem. Claro que, a sociedade
civil, os jornalistas, os escritores, etc., continuam atentos e exigentes. Isso
é interessante, é um bom sinal de começo", acrescenta.
"Esforço” no combate à
corrupção
Um dos desafios do executivo
liderado por João Lourenço visa o combate à corrupção. E, aos olhos de Ondjaki,
esse combate não se limita apenas a uma mera troca de pessoas no comando das
estruturas administrativas, governativas e partidárias.
Ainda que constate que "há
apontamentos que fazem crer que há um esforço" do governo, o escritor
angolano diz que este é um trabalho que tem de ser continuado e no qual "
têm de ser aprofundados os mecanismos de controlo".
Para já, há algumas mudanças a
assinalar: "o que mudou foi certo tipo de práticas e certo tipo de pressão
sobre instituições coletivas ou particulares. A questão não é só a iniciativa,
é mudar o paradigma, é mudar os hábitos e costumes. Isso leva tempo",
explica o escritor, acrescentando que espera "que este Governo e este
Presidente, tenham a capacidade, a coragem e a perseverança de continuar a
trabalhar" com vista à mudança.
Ondjaki, que foi uma das vozes
críticas aos desmandos do anterior regime do ex-presidente José Eduardo
dos Santos, considera, no entanto, que ainda é cedo para avaliar a governação
do seu sucessor João Lourenço. O escritor não duvida que estamos perante um
"governo com caraterísticas diferentes, mas diz também que ainda é cedo
para tirar conclusões. "É um governo que está mandatado, penso, para cinco
anos e, portanto, está no início, a metade do primeiro ano. Digamos, teríamos
que fazer uma avaliação muito breve. Mas, tem dado bons sinais. É um governo
que deriva de um mesmo partido, de uma certa mesma ideologia, mas que mudou
muito. Houve ali uma viragem", afirma.
Deliquência juvenil
Ondjaki admite que as políticas
preconizadas pelo Governo de João Lourenço terão reflexo positivo, a médio e
longo prazo, face aos problemas que afetam os jovens angolanos confrontados,
por exemplo, com a falta de emprego – o que os acaba por empurrar muitas vezes
para o mundo da delinquência e da criminalidade.
Para o escritor angolano, a
delinquência é, sem surpresa, uma questão "gritante" no país,
"dadas as condições de desigualdade extrema" que se vivem em Angola.
"E agora as pessoas começam também a manifestar-se de uma maneira um
bocado extremada – mandar matar. Não se pode dizer que é culpa de A, B ou C.
Não se pode polarizar essa situação. Toda a criminalidade é consequência de um
conjunto vasto de fatores. Agora, é óbvio que o Presidente e o Governo têm que
estar preocupados com a conjuntura do país, seja ao nível da criminalidade,
seja ao nível da saúde, seja ao nível da educação", afirma.
Ondjaki lamenta a
recente execução sumária por parte da polícia angolana de um jovem, supostamente
delinquente. "Acho que a Polícia sabe e nós também sabemos qual é o seu
papel. Há um manual de procedimentos, seja do ponto de vista jurídico, seja do
ponto da instituição que é a Polícia”, disse Ondjaki lembrando que a polícia
"é interessante" o facto de a "polícia ter vindo a público
reconhecer o modo de atuar daquele polícia em especial".
Novo livro
Na Feira do Livro de Lisboa, o
escritor apresentou o seu novo título "Há Gente em Casa", uma
incursão pela poesia, também com uma componente de apelo à reflexão crítica
sobre África.
À DW, o autor explica que esta
nova obra, publicada pela Caminho, e apadrinhada pelo mais antigo editor
lusófono, Zeferino Coelho, "é uma nova poesia (…), numa outra
direção". "Este livro tanto tem poemas que abordam questões sociais
recentes como também aborda a questão da escravatura", explica Ondjaki,
acrescentando que na contemporaneidade há outros tipos de escravatura, por
exemplo na tecnologia. "Há pessoas na Palestina, na Síria, que neste
momento estão a viver estados muito próximos do que seriam as condições
esclavagistas". Na opinião de Ondjaki, "há ainda muitas consequências
da escravatura para trabalharmos".
Apesar de ser mais difícil
traduzir poesia, o escritor admite que possa apresentar o seu novo livro também
na Alemanha.
João Carlos (Lisboa) | Deutsche
Welle
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