Manuel Carvalho da Silva | Jornal
de Notícias | opinião
Hoje, qualquer grupo
profissional, coletivo de empresa, ou setor de atividade que se mexa em defesa
dos seus direitos, bem como os respetivos dirigentes, correm o risco de
enfrentar, sem dó nem piedade, um coro de insultos. São de imediato alcunhados
de privilegiados e malandros e que apenas expressam interesses corporativos,
são desafiados a "quem não está bem que se mude" e, quantas vezes,
alvo de julgamentos de caráter. É assim com os professores, os trabalhadores da
Autoeuropa, dos aeroportos e da aviação civil, com os trabalhadores da
Administração Pública ou dos supermercados, com médicos, enfermeiros,
ferroviários, mineiros ou trabalhadores do Metro do Porto. E quando algum
desses coletivos, após a luta, consegue negociar e chega a acordo, tem uma certeza:
os resultados não são divulgados pelos grandes meios da comunicação social.
Esta última semana, os principais bombos da festa foram os professores.
O Governo tem a obrigação de
expor com verdade os seus argumentos, de honrar os compromissos que até agora
com eles assumiu, de interpretar com honestidade as propostas que lhe são
apresentadas. Essas são bases imprescindíveis para a construção de
interpretações comuns a assumir com os sindicatos sobre o cenário de partida.
Sem essa sintonia e sem boa-fé negocial, jamais haverá acordos.
Ora, na última semana, alguns
governantes incluindo o primeiro-ministro (PM) e dirigentes do Partido
Socialista deram um festival de manipulações, de meias verdades insidiosas e de
mentiras sobre aquilo que os sindicatos propõem. Esses posicionamentos anulam a
necessária reflexão sobre a escola pública e os seus desafios e sobre a
valorização da profissão de professor, de onde há muito está arredada a geração
com menos de 30 anos e da qual parece quererem fugir os melhores alunos das
nossas escolas. Além disso, municiaram a trupe de defensores do centrão e do
austeritarismo, alguns dos quais ressurgiram raivosos.
Com a Lei do Orçamento do Estado
para 2018, o Governo previu a negociação do prazo e do modo - o essencial das reivindicações
sindicais - de se efetivar a recuperação do tempo de serviço para efeito de
carreiras. E com a Resolução 1/2018 da Assembleia da República, aprovada por
todos os partidos, foi feita ao Governo a recomendação explícita de recuperar
todo o tempo. É verdade que o descongelamento e a contagem do tempo têm
impactos positivos nos salários e até no valor das pensões futuras, mas isso
não são atualizações salariais. O custo de 600 milhões de euros/ano de que
falou o PM não está provado. Além disso, uma parte bem significativa do valor
real em causa não só retornará aos cofres do Estado, pela via fiscal, como terá
na economia um impacto bem mais significativo que os imensos milhares de
milhões enterrados nalguma "recuperação da Banca".
Os professores e cada vez mais
trabalhadores têm de reivindicar e lutar; e de exigir regras e práticas que
garantam o direito de negociar. Ao comum dos cidadãos impõe-se observar que são
hoje primordiais para a garantia dos seus direitos as lutas dos médicos e de
outros profissionais da saúde, dos ferroviários, das polícias e de tantos
outros.
O "Acordo da
Concertação" que deu origem à proposta de Lei 220/2018 do Governo, que vai
ser debatida na Assembleia da República, tem bases negociais enviesadas e é um
acordo perverso com fundamentações dirigidas à resolução de problemas
concretos, mas com disposições que ou encanam a perna à rã, ou consolidam
caminhos que em contexto político e económico menos favorável provocarão novas
regressões.
Quando as reivindicações e
protestos não são interpretados pelos governos e pelos atores políticos (hoje,
é "corajoso" e "moderno" ignorar os trabalhadores e os
povos), a frustração de quem luta pode alimentar projetos políticos bem
retrógrados. Cada humilhação afunda a democracia.
Espero que a paixão ou o temor
sagrado de governantes portugueses face às "leis dos mercados" (cujo
poder ninguém ignora) não se sobreponha ao amor aos trabalhadores e ao povo. Na
Europa, a social-democracia tem-se evaporado no exercício dessa paixão e na
governação "moderna", mas parece que a loucura continua. Também vai
ser assim em Portugal?
*Investigador e professor
universitário
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