sábado, 21 de julho de 2018

Timor-Leste | Impasse que perdura


Depois de mais de um ano de tensão política e dois meses após as eleições antecipadas em Timor-Leste, os solavancos políticos continuam por resolver. O impasse entre o Presidente da República e o primeiro-ministro timorenses sobre a nomeação de nove membros do VIII Governo permanece.

De um lado Francisco Guterres Lu-Olo, Presidente da República e ainda presidente da Fretilin (agora na oposição), do outro a Aliança de Mudança para o Progresso (AMP), formada pelo Congresso Nacional da Reconstrução Timorense (CNRT) – de Xanana Gusmão – o Partido Libertação Popular (PLP) – de Taur Matan Ruak, primeiro-ministro – e o Kmanek Haburas Unidade Nacional Timor Oan (KHUNTO).

Francisco Guterres Lu-Olo tem recusado dar posse a alguns dos membros nomeados pelo primeiro-ministro Taur Matan Ruak, por terem “o seu nome identificado nas instâncias judiciais competentes” ou possuírem “um perfil ético controverso”.

A decisão tem estado a causar tensão entre a Presidência e o Governo e a AMP, particularmente Xanana Gusmão, líder da coligação, que já foi nomeado duas vezes e ainda não tomou posse.

O impasse mantém-se em relação a nove nomes, sete dos quais do Congresso Nacional da Reconstrução Timorense (CNRT): Francisco Kalbuadi Lay, Virgílio Smith, Tomás do Rosário Cabral, Jacinto Rigoberto Gomes de Deus, Hélder Lopes, Amândio de Sá Benevides, Sérgio Gama da C. Lobo. 

Os dois outros são António Verdial de Sousa e José Manuel Soares Turquel de Jesus, ambos do KHUNTO.

Numa primeira cedência do Governo, o primeiro-ministro eliminou da lista de nomeados dois dos nomes inicialmente propostos – que estão atualmente envolvidos em processos já nos tribunais: Gastão de Sousa, proposto como ministro do Planejamento e Investimento Estratégico (MPIE) – cuja responsabilidade será assumida por Xanana Gusmão – e Marcos da Cruz, vice-ministro da Agricultura e Pescas, que foi substituído por Rogério Mendonça de Aileu.

Mas quase um mês depois do primeiro grupo de ministros ter tomado posse, continua sem haver fumo branco que indicie como se resolverá o impasse. E a tensão de um lado e de outro só tem vindo a aumentar, apesar de, publicamente, chefe de Estado e Governo manterem uma aposta no diálogo.

Lu-Olo, foi eleito com o apoio do CNRT – na altura em que CNRT e Fretilin votavam quase em conjunto no parlamento e membros dos dois partidos dividiam o executivo. 

Hoje CNRT e Lu-Olo – ou pelo menos Xanana Gusmão e Lu-Olo – estão mais distantes do que noutros tempos, com o líder histórico timorense a escrever ao presidente com duras críticas sobre a sua posição relativamente à tomada de posse.

Numa dura carta, Xanana Gusmão, ameaçou desencadear um processo de destituição do Presidente da República se mantiver a “rejeição sistemática e não fundamentada” de membros do Governo propostos pelo primeiro-ministro.

A ameaça é, pelo menos para já, de difícil concretização já que a medida dificilmente teria o apoio de dois terços dos 65 deputados, ou seja, 43: número que as bancadas que apoiam o Executivo não alcançam.

Mesmo que se unissem todas as bancadas do parlamento contra a Fretilin – partido do Presidente da República e que controla 23 lugares no parlamento – ficariam aquém desse número, somando apenas 42 cadeiras.

Ainda assim, o texto causou mossa à relação e fez aumentar a tensão, especialmente depois de Xanana Gusmão juntar à ameaça críticas irónicas à ação de Lu-olo.

“Permita-me, Excelência, que comece por o cumprimentar, desejando-lhe tudo de bom”, escreve Xanana Gusmão na carta.

“Expresso-lhe este sentimento, porque estou extremamente preocupado com a sua saúde mental, psicológica e política, neste conturbado processo onde se impõe medirem-se as competências, à luz de uma Constituição que os Senhores é que escreveram, entendem com mestria e interpretam com uma sagacidade incomum, inacessível a vulgares cidadãos como eu”, escreve Xanana Gusmão.

Um texto que suscitou duras críticas e que em nada ajudou a resolver o impasse. Lu-Olo mantém a sua posição que não mudou depois de várias reuniões com Taur Matan Ruak e que levou mesmo as bancadas da AMP a negarem um pedido de autorização de Lu-Olo para uma visita de Estado a Portugal – que a Constituição exige – por o responsabilizarem pelo impasse.

Xanana Gusmão voltou à carga e considerou inaceitável que dirigentes do Congresso Nacional da Reconstrução Timorense (CNRT), e das restantes forças políticas da coligação governamental Aliança de Mudança para o Progresso (AMP) estejam a ser acusados de “ladrões e corruptos”.

“Sentimos isto sobretudo no CNRT. Sentimo-nos totalmente afetados e, por isso, não fui duas vezes à posse, em solidariedade com os meus quadros do partido, já que nos conhecemos”, afirmou Xanana Gusmão.

O CNRT enviou também ao presidente certidões criminais de todos os membros  que não fossem empossados, emitidas pelo Tribunal Distrital de Díli, que mostram que nenhum é arguido em qualquer processo.

As certidões narrativas detalham todos os registos de processos em que os sete estiveram envolvidos, confirmando que nenhum é atualmente arguido em qualquer processo judicial “pendente ou arquivado”.

Com o país em duodécimos desde janeiro, a pressão para que o impasse se resolva continua a aumentar. O Governo já teve que solicitar um levantamento extraordinário do Fundo Petrolífero para financiar as contas do Estado até agosto – sobravam nos cofres apenas 20 milhões – e continua sem ministro de Finanças – é um dos nove por empossar – para ‘assinar’ o Orçamento para o resto do ano.

E enquanto a situação persiste a economia do país – que depende quase na totalidade do Estado – vai definhando, com os investidores externos preocupados com a situação e os nacionais preocupados sobre o quanto terão que fazer para esticar a liquidez. 

António Sampaio-Exclusivo Lusa/Plataforma Macau - 20.07.2018

Sem comentários:

Mais lidas da semana