quinta-feira, 5 de julho de 2018

Portugal | Não há contratação colectiva com políticas de direita


PS, PSD e CDS convergem na elaboração e execução de uma política de direita contrária ao interesse dos trabalhadores e ao serviço do capital, com repetido agravamento das condições de vida e trabalho.

Armando Farias | AbrilAbril | opinião

Sendo certo que o provérbio «diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és» remonta aos tempos bíblicos, o que para os fiéis bem pode figurar no episódio da traição de Judas a Cristo, é também notório que a expressão popular mantém plena actualidade se aplicada aos vendilhões dos templos modernos.

Evidentemente, essas não eram cogitações que ocupassem o espírito do então presidente da Confederação da Indústria Portuguesa (CIP) quando, há precisamente uma década atrás, lançou, com genuína sinceridade, a declaração, que citamos ao lado, sobre o Ministro do Trabalho do Governo do PS/José Sócrates. E para que não subsistissem quaisquer dúvidas sobre a seriedade da afirmação, o «patrão dos patrões», perguntado pela jornalista que o entrevistava se estava a fazer ironia, fez questão de esclarecer que não senhora, tratava-se de um juízo objectivo decorrente do empenho pessoal do ministro em levar por diante as alterações laborais requisitadas pelas confederações patronais ao governo, enumerando algumas dessas malfeitorias.

Interrogado sobre se o banco de horas e outros mecanismos de «flexibilidade» eram uma maneira das empresas deixarem de pagar trabalho extraordinário, o presidente da CIP foi taxativo: «no fundo é para acabar com o conceito de horas extraordinárias. Trabalhar mais duas horas além do horário passa a ser regular».

Seguidamente, desafiado a comparar Vieira da Silva com Bagão Félix, antecessor com a mesma pasta no Governo PSD/CDS, o tal do ar angelical e mansas falas que em 2003 introduziu o famigerado código do trabalho, Van Zeller foi igualmente categórico: «O Dr. Bagão Félix não era especialista neste tema, era um generalista» e este ministro, Vieira da Silva, e a sua equipa «… são especializados, isto é mérito de especialistas». E prosseguiu, sentenciando que «a forma como organizaram tudo conduziu a uma melhor finalização e a uma discussão final muito curta. Quando a proposta final apareceu já estava tudo discutido» (tudo cozinhado, foi o que foi).

Para que ficasse perfeitamente claro que no sistema capitalista o papel que o grande patronato reserva ao Ministro do Trabalho é que este submeta os direitos dos trabalhadores, aniquilando-os ou diminuindo-os, aos interesses dos grupos económicos, o presidente da CIP não se conteve em mostrar quem «manda», rematando, sem disfarçar alguma arrogância, com a seguinte afirmação sobre as alterações à legislação laboral: «Foi uma vitória nossa sem dúvida nenhuma. Antes bastava uma ou duas pessoas para empatar uma equipa inteira. Agora já não».

Os eixos da ofensiva anti-laboral

Esta introdução ao tema que aqui nos trás hoje tem uma dupla finalidade. Por um lado, lembrar que os governos do PS, e em particular o ministro Vieira da Silva, têm um largo currículo na definição e elaboração de legislação anti-laboral, consubstanciada no ataque aos direitos e na regressão das condições de vida dos trabalhadores, currículo que é reconhecido pelas insuspeitas confederações patronais.

Por outro lado, evidenciar que existe um fio condutor nessa ofensiva, articulando quatro eixos principais:

- a precarização da relação laboral, por via da liberalização e embaratecimento do despedimento individual, da generalização das formas precárias de trabalho e do alargamento do período experimental;

- a desregulação da organização do trabalho e a desregulamentação dos horários, a par da introdução dos bancos de horas e de outros regimes incluídos no pacote das chamadas flexibilidades e adaptabilidades;

- a diminuição dos rendimentos do trabalho, seja pela contenção salarial, seja por outras vias de aumentar a exploração dos trabalhadores, como o aumento do trabalho não remunerado;

- a imposição de regras que visam fragilizar o direito à contratação colectiva, nomeadamente o regime da caducidade, a possibilidade de adesão individual às convenções colectivas de trabalho; a eliminação do principio do tratamento mais favorável aos trabalhadores, a generalização do contrato individual de trabalho, a redução do direito de greve, através do alargamento dos serviços mínimos a vários sectores de actividade.

Não surpreende, portanto, que a apreciação da CIP tenha, também ela, um mesmo fio condutor. Se o anterior presidente daquela organização patronal se regozijava por Vieira da Silva fazer melhor trabalho que um governo de direita, o actual presidente, António Saraiva, não se mostrou menos agradado com a escolha do mesmo homem para Ministro do Trabalho no actual Governo do PS/António Costa.

De facto, em entrevista ao programa «Terça à Noite» da Renascença, emitido em 24 de Novembro de 2015, António Saraiva dizia ter ficado “descansado” com a escolha de Vieira da Silva para Ministro do Trabalho porque, confidenciava Saraiva, «é um nome que me tranquiliza pela prática, pelo conhecimento, por aquilo que já trabalhámos anteriormente no Governo Sócrates».

O Acordo subscrito pelo Governo de António Costa na Concertação Social confirma as opções de classe do PS ao serviço do grande capital

Quem não podem estar tranquilos são os trabalhadores, face ao longo historial de convergências do PS com o PSD, o CDS e o grande capital. Os sucessivos ataques aos direitos e à contratação colectiva só foram possíveis porque independentemente de quem estava, em cada momento, no governo – PS, PSD ou CDS, separados ou coligados – todas eles convergiram, sempre, na Assembleia da República contra os trabalhadores.

Voltando à citação de Francisco Van Zeller: «Vieira da Silva fez melhor do que um Governo de direita», diremos que é tolice polemizar sobre quem, no «arco da governação» protagonizado pelo bloco central de interesses, é mais de direita. O que está em causa não são as embalagens, mais ou menos embelezadas com as cores preferidas, mas sim, as opções políticas que cada uma dessas forças políticas prossegue. E, aí, o teste do algodão não engana: entre PS, PSD e CDS não há nenhuma diferença significativa, todos eles optaram por convergir na elaboração e execução de uma política de direita.

Política de direita que, sendo contrária aos interesses dos trabalhadores e destinada a servir os interesses do grande capital, aqueles partidos aprofundam continuadamente, fazendo suceder medidas atrás de outras medidas, num repetido agravamento das condições de vida e de trabalho. Foi assim com os pacotes laborais das décadas de 80 e 90, depois com o Código do Trabalho de Bagão Félix, no inicio deste século, mais tarde com os «acordos» de concertação social (usando, nesta sede, a excrescência que dá pelo nome de UGT1), e tem sido sempre assim, depois da Revolução de Abril, ao longo de mais de 40 anos de recuperação capitalista.

O actual Governo do PS, ao insistir em manter a caducidade da contratação colectiva, posição que é acompanhada com a recusa em introduzir o princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador, sabe que está a reforçar os mecanismos de chantagem e pressão que o patronato exerce sobre os trabalhadores, a fim de aumentar a exploração e continuar a liquidação de direitos. As ideias enunciadas quanto ao «aperfeiçoamento» dos mecanismos de arbitragem e do reforço da mediação, prévios à decisão sobre a caducidade, não são solução, como não é solução submeter os direitos dos trabalhadores à discricionariedade das decisões de colégios arbitrais.

Ao contrário do que o governo e as confederações patronais têm afirmado, não há nenhum dinamismo da negociação colectiva. Apesar das 208 convenções colectivas de trabalho e das 84 portarias de extensão publicados em 2017 a situação é inaceitável, pois uma grande parte dessas convenções resultam da fragmentação operada nos últimos anos, com diminuta expressão numérica dos trabalhadores abrangidos.

Como os dados da CGTP-IN mostram (Relatório de Actividades de 2017), mesmo continuando suspensa a publicação de avisos de caducidade decididas pelas associações patronais, o bloqueio da contratação colectiva mantém-se, com apenas 821 mil trabalhadores abrangidos pela renovação da contratação colectiva em 2017, muito longe do total de assalariados que, sem os trabalhadores da Administração Pública, é de cerca de 3,3 milhões. Está-se, portanto, com um nível médio de cobertura da ordem dos 25% do total de assalariados, quando em 2007 era de 50,3%.

A baixa cobertura da contratação colectiva tem efeitos nocivos em toda a esfera da relação laboral. A realidade mostra como se aprofundou a exploração e se degradaram as condições de trabalho em 2017:

i) o salário médio liquido mensal foi de 856 € e cerca de 30% dos trabalhadores tinham salários inferiores a 600 €;

ii) 47% dos trabalhadores trabalhavam por turno, ao serão, por noite, sábado ou domingo, ou numa combinação entre estes tipos de horários, envolvendo 43% de mulheres e 50% de homens, quando, há 20 anos atrás, eram 26% dos TPCO, 23% mulheres e 29% homens;

iii) alargou-se a precariedade dos vínculos laborais, sendo que 80% dos novos contratos celebrados nos três primeiros trimestres de 2017 assentam em vínculos precários.

Os trabalhadores da Administração Pública foram igualmente atingidos por uma ofensiva legislativa que pôs termo ao vínculo tradicional de emprego público, substituindo o regime de nomeação pelo regime de contrato de trabalho em funções públicas enquanto modalidade principal de constituição da relação jurídica de emprego público.

Esta alteração consubstancia uma fragilização do vínculo de emprego público, a que acrescem outras medidas como sejam o enfraquecimento do sistema de protecção na doença, a alteração do regime de pensões e a imposição de um sistema de avaliação pouco objectivo e bastante penalizador, além de sucessivos anos de congelamento de salários e progressões na carreira.

Apesar de fortemente golpeada, a contratação colectiva não será destruída

Pese embora os graves retrocessos no plano social que decorrem da ofensiva desencadeada pelo patronato e caucionada pelas medidas dos Governos que estão ao serviço do capital económico e financeiro, a situação seria hoje muito pior, se não fossem as lutas de resistência dos trabalhadores para defender os seus direitos e interesses, particularmente quanto à contratação colectiva.

A CGTP-IN, com os seus sindicatos, os seus milhares de activistas e dirigentes sindicais, assumiu um papel determinante na condução de muitas e poderosas lutas sindicais a nível das empresas e locais de trabalho, dos sectores, das regiões e no plano nacional, em que participaram, de forma determinada, centenas e centenas de milhar de trabalhadores e trabalhadoras. Foi, assim, possível obter a actualização dos salários, manter e em muitos casos melhorar os direitos sociais, aprofundar a unidade e a solidariedade entre os trabalhadores.

Amanhã, dia em que a Assembleia da República vai debater a legislação laboral, os trabalhadores lá estarão, em mais uma jornada de luta, para protestar e denunciar uma nova convergência dos deputados do PS, do PSD e do CDS para a aprovação de mais um pacote de medidas anti-laborais, entre as quais aquelas que visam perpetuar a precariedade, a desregulamentação e alargamento dos horários de trabalho, bem assim como o boicote patronal à negociação e contratação colectiva.

Luta que continuará, por uma política de esquerda, de valorização do trabalho e de progresso social. É nesse quadro que a contratação colectiva mantém todas as potencialidades, como sempre teve, de fixar os direitos alcançados pela luta reivindicativa e preservá-los para o bem-estar dos trabalhadores e das suas famílias.

1. Excrescência ou excremento, deverá ter sido o pensamento do ministro Augusto Santos Silva quando, no final de 2016, foi apanhado pelas câmaras de televisão a brindar o ministro Vieira da Silva, exaltando mais um “acordo” fabricado na concertação social pelos suspeitos do costume: «Ó Zé António, és o maior! Grande negociante... Era como uma feira de gado!».

Na foto: Membros do Governo com representantes das confederações patronais, na assinatura do acordo laboral em Lisboa, 18 de Junho de 2018. A CGTP-IN recusou a assinatura do acordo, que qualificou de «declaração de guerra aos trabalhadores»CréditosPaulo Vaz Henriques. Fonte: Portal do Governo. Legenda do AbrilAbril

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