sábado, 18 de agosto de 2018

Portugal | Os fogos e a mercantilização da terra


Tiago Mota Saraiva | jornal i | opinião

O conhecimento que fui adquirindo sobre questões relacionadas com os incêndios florestais faz-me escrever com mais dúvidas e pudor sobre o tema. Arrepia-me ouvir o tempo de antena que é dado a disparatadas intervenções de especialistas em “tudismo”, mas não haverá muito a fazer quando um dos canais de informação líder de audiências televisivas tem como diretor adjunto de informação José Gomes Ferreira, um dos gurus do “tudismo” luso por proferir as mais ignóbeis afirmações.

Não haverá quem tenha mais conhecimento para falar sobre o assunto? Certamente que sim. O que tenderá é a demarcar-se de uma narrativa de respostas fáceis: a culpa é do governo, dos incendiários, da Proteção Civil, dos bombeiros...

Pela parte que me toca, consigo identificar com toda a certeza um culpado: o ordenamento do território. Falta-nos desenho, planeamento e inteligência o que sobra em mercantilização da terra. Mas esta será uma ideia demasiado abstrata e que contraria a narrativa de respostas fáceis dos “tudistas”.

Também o território não urbano sofreu um processo agressivo de mercantilização. A sua função principal deixou de ser a de produzir de acordo com as necessidades do país para passar a ser a de criar receita ao seu proprietário. Não me entenda mal o leitor, entendo e defendo que mais gente deva poder viver e retirar rendimentos do solo não urbano, gerando consequentemente mais trabalho. O problema é que as políticas do Estado deviam servir para equilibrar rendimentos por forma a garantir uma paisagem de diversidade de culturas, para que a escolha dos proprietários não recaia sobre o que dá uma receita mais rápida com menos encargos. Não podemos pedir a quem vive da terra que plante algo que só lhe dará uma renda daqui a 50 anos - provavelmente fora do seu período de vida - sem lhe garantir um rendimento que lhe permita viver.

Desde os governos de Cavaco Silva que o país faz exatamente o oposto, apoiando as plantações de eucalipto. À receita rápida pela velocidade de crescimento juntou-se a subvenção. Naquele primarismo boçal que tão bem caracteriza aquela geração de governantes, fica sempre a dúvida se estariam mesmo convencidos de estar a descobrir o “petróleo verde” (como Mira Amaral lhe chamou) que os demais europeus não tinham vislumbrado.

Entendamo-nos, esta não é uma declaração contra esta ou aquela cultura, mas contra a monocultura e contra um Estado que abdica de planear a produção do país em função do seu território para permitir que o mercado use e abuse da sua terra.

*Escreve à segunda-feira

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