terça-feira, 6 de novembro de 2018

Portugal | O crime não pode compensar


Mariana Mortágua | Jornal de Notícias | opinião

Foi durante a Comissão de Inquérito ao BES que Luís Horta e Costa, antigo administrador da ESCOM, explicou o paradeiro da comissão de €27 milhões que a sua empresa recebeu por ter sido intermediária na compra de dois submarinos pelo Estado português. Sabia-se que 5 milhões tinham sido entregues à família Espírito Santo e 16 milhões aos administradores da própria ESCOM. Foi com espanto que a Comissão ouviu de Horta e Costa que os outros 6 milhões tinham sido "investidos" a montar um esquema de ocultação e fuga ao Fisco, que envolvia fundos e contas bancárias offshore para todos os gostos. Faltava então saber como voltou o dinheiro a Portugal. Horta e Costa explicou: "Há uma lei aprovada aqui na Assembleia da República, e foi essa que a gente aproveitou".

A lei que permitiu ao clã Espírito Santo repatriar o seu capital sem outras consequências, a troco de uma pequena taxa de imposto, foi o Regime Especial de Regularização Tributária - RERT I, aprovado em 2005 pelo PS. Depois disso, não só Salgado como muitas outras personalidades e empresas puderam branquear as suas práticas de fraude e fuga ao Fisco através de mais dois RERT, um em 2010 e outro em 2012. Este último, aprovado já no tempo de Passos Coelho, foi o mais bem-sucedido. Pelo pagamento de uma modesta taxa de 7,5%, foi possível amnistiar 3445 milhões de euros, sem que sequer fosse exigida a repatriação desse dinheiro.

Por conta destes RERT o Estado perdoou mais de 3 mil milhões de euros relativos a mais de 7 mil milhões, cujos detentores foram amnistiados dos seus crimes e fraudes. Como se isto não fosse chocante e perverso quanto baste, quem fez estas leis delegou no sistema financeiro a responsabilidade de certificar os clientes que acederam a estas amnistias, e no Banco Portugal as funções de guardião da informação. O que é que isto quer dizer na prática? Quer dizer que a Autoridade Tributária (AT) não tem como investigar estas pessoas e empresas.

Quem usou um RERT poderá sempre usar esse certificado como um salvo-conduto que impede o Fisco de investigar, não só essa, mas outras operações não amnistiadas. O Fisco está de mãos atadas e trabalha às escuras.

O Bloco votou contra todos os RERT, criados pelas mãos, ora de PS, ora de PSD e CDS. Sabemos que dificilmente se podem alterar leis do passado. Mas isso não quer dizer que pactuemos com o regime de opacidade por elas criado. Porque não o queremos fazer apresentámos uma proposta para que a AT possa deter e controlar a informação relativa aos RERT, impedindo que estes sejam usados abusivamente para proteger outras fraudes. É o mínimo da decência exigida por quem não se resigna à ideia de que o crime compensa.

* Deputada do BE

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