terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

O que é a maçonaria e por que ela está rodeada de mistério e polêmica


Os mistérios envolvendo os maçons voltaram recentemente ao noticiário britânico, desde que o jornal The Guardian informou, no início do mês, haver duas lojas maçônicas que operam em segredo no Parlamento do Reino Unido, compostas por políticos ou jornalistas.

Além disso, o presidente do principal sindicato das polícias da Inglaterra e do País de Gales denunciou que os círculos maçons dentro da corporação estariam impedindo reformas voltadas à promoção de minorias, como mulheres e negros.

Essas notícias reabriram o antigo debate sobre a suposta influência das elites dirigentes da maçonaria, que chegou a ter entre seus membros o ex-premiê britânico Winston Churchill. Estima-se que, ao redor do mundo, haja 6 milhões de pessoas ligadas à maçonaria.

Ainda que originalmente a maçonaria tenha se constituído como uma sociedade secreta, hoje, ao menos no Reino Unido, tem optado por se defender publicamente das acusações.

A Grande Loja Unida da Inglaterra publicou anúncios publicitários de página inteira em diversos jornais britânicos, pedindo o fim da "discriminação" sofrida por seus membros, os quais se queixam da representação "tergiversada" feita deles.

David Staples, líder dos maçons ingleses e galeses, negou as acusações apresentadas no Guardian e disse que nenhum de seus membros era parlamentar ou político.

"Não somos uma sociedade secreta", afirmou ele à BBC, agregando ser "ridícula" a notícia sobre o veto de policiais maçons a reformas corporativas.

Cerimônias secretas

Staples também falou que a maçonaria inglesa levaria a cabo uma série de eventos a portas abertas para responder a perguntas da população sobre a natureza e o funcionamento da organização.

Assim, dizem querer combater o hermetismo tradicionalmente associado a maçons.

Peter, um jovem maçom de Londres, disse ao Guardian: "Meus colegas de trabalho sabem que sou membro de uma loja, e nunca me encontrei com nenhum irmão maçom que se negasse a tornar pública sua filiação ou que escondesse o que fazemos".

Cada loja se reúne oficialmente quatro vezes ao ano, em cerimônias de acolhida a novos membros que podem ter uma hora de duração.

Mas o que ocorre nesses eventos sempre foi um segredo bem guardado.

"A melhor maneira de explicar é que é como se fosse uma peça de teatro, em que todo o mundo tem um papel", disse à BBC um integrante da maçonaria britânica, pedindo anonimato.

"O venerável mestre (um dos mais altos cargos nas lojas) é o ator principal, com a maioria das falas. À medida que você vai às cerimônias, tem de aprender coisas - há perguntas para as quais precisa aprender as respostas."

Mas o que é dito nessas cerimônias nunca é revelado ao mundo exterior.

De um lado, as maçonarias não veem com bons olhos que seus membros discutam política ou religião; de outro, porém, um dos requisitos para entrar para as lojas é, historicamente, a crença em um poder superior.

"(A tradição maçônica) é baseada no Templo de Salomão", diz à BBC Anna, integrante de uma das poucas lojas maçônicas femininas britânicas. "É uma alegoria, levemente baseada na religião."

Dados sobre os maçons:

- Estima-se que haja 6 milhões de maçons no mundo;

- Eles se reúnem em templos que chamam de lojas (em inglês, lodge, ou alojamento, que é onde antigamente se agrupavam os pedreiros responsáveis pela construção de igrejas ou catedrais);

- As lojas são organizadas por região;

- Os maçons geralmente usam uma espécie de avental, por conta de seu aparente elo com os antigos pedreiros das catedrais (stonemasons, em inglês);

- Entre personagens históricos com elos com a maçonaria estão o político Winston Churchill e os escritores Oscar Wilde, Rudyard Kipling e Arthur Conan Doyle.

Separação por sexo

A maçonaria segrega homens e mulheres em lojas distintas.

Na Inglaterra, por exemplo, a primeira loja feminina foi criada em 1908, com um venerável mestre do sexo masculino. Depois, passou a ser integrada apenas por mulheres, com um veto à presença masculina. Elas também são proibidas nas cerimônias masculinas.

Segundo a maçom Anna, porém, "fazemos os mesmos rituais (que os homens), as mesmas cerimônias, ainda que estejamos completamente separados".

Mas essa separação por gênero é comumente alvo de críticas, inclusive entre os próprios maçons.

O maçom Peter, por exemplo, disse desejar que "a Grande Loja (britânica) se modernize completamente algum dia e permita que ambos os sexos se misturem".
"Seria magnífico para a organização", opina.

Outro maçom que pediu anonimato afirmou que "a maçonaria está impregnada de tradições, e seus rituais são peculiares, mas não mais do que na Igreja Católica".

Lealdade ou nepotismo?

Questionados sobre os motivos que os levaram a ingressar nessa irmandade, os entrevistados citaram a "veia social" das lojas, que contribuem com ações beneficentes comunitárias, e com o sentimento de lealdade e pertencimento fomentado pela maçonaria.

"Gosto de confiar nas pessoas, sou muito leal, então esse tipo de coisa (ser parte da comunidade) me atraiu", disse um deles à BBC. "Ao longo dos anos, você constrói relacionamentos, faz amigos e forma uma rede. (Mas) uso essa expressão com cuidado, porque essa rede não está lá para ser usada em seu benefício pessoal."

De fato, uma das características que se costumam atribuir aos maçons é a de que eles se valem de suas posições sociais e profissionais para favorecer outros membros e a própria organização. Os maçons, porém, afirmam que isso é um "mito".

"Acho que no passado provavelmente houve casos (de nepotismo e favorecimento), mas nunca soube de nenhum entre as maçons", afirmou Anna à BBC.

Além disso, em diferentes momentos da história, a maçonaria foi acusada de conspirar e influenciar nos bastidores da política.

Staples, o líder da Grande Loja britânica, afirmou que uma investigação de um comitê especial do Parlamento concluiu não haver "nada sinistro" na atividade da maçonaria do país.

O relatório desse comitê, porém, recomendou que seja exigido que maçons com cargos na polícia e demais órgãos públicos declarem publicamente seu pertencimento à irmandade.

Steve White, que acaba de deixar a presidência do sindicato policial britânico e que denunciou o suposto bloqueio de reformas por parte de maçons, opinou, em entrevista ao Guardian, que "o que as pessoas fazem em sua vida privada é assunto apenas delas. (Mas) se torna um problema quando afeta seu trabalho".

"Houve ocasiões em que colegas meus suspeitaram que maçons foram um obstáculo para reformas. Temos que nos assegurar que as pessoas estão tomando as decisões pelos motivos certos", disse.

Itália: regresso do fascismo


Ana Alexandra Gonçalves* | opinião 

Camus dizia que o bacilo do fascismo nunca desaparece. Em Itália parece ser exactamente isso que está a acontecer com o recrudescimento dos partidos de extrema-direita e com a resposta da extrema-esquerda e subsequentes confrontos.

Com eleições marcadas para o próximo dia 4 de Março e com a extrema-direita bem posicionada para alcançar um resultado histórico, poucos estarão preocupados, pelo menos fora de Itália. Uma vez mais, a UE assiste de camarote ao espectáculo do circo a arder, com o seu ar de superioridade num contexto de manifesta displicência.

Recorde-se que no início do mês um membro da extrema-direita disparou contra imigrantes africanos e os partidos da extrema-direita incluindo a Força Itália de Berlusconi ao invés de condenarem os ataques e por aí se ficarem, optaram por responsabilizar os imigrantes pelo sucedido, colocando o ónus nas vítimas ao mesmo tempo que prometeram deportações em massa.

Itália vive um clima de acesa crispação, com agressões entre membros dos partidos de extrema-direita que escolheram agora o caminho da vitimização e partidários da extrema-esquerda, relembrando os anos 60 ou até finais dos anos 80, e subjacente estará um descontentamento generalizado dos cidadãos relativamente à política - uma velha forma de empurrá-los para os extremos, à margem da democracia.

Aguardemos pelos resultados das eleições de 4 de Março, mas os cenários não são de todo promissores.  

*Ana Alexandra Gonçalves | Triunfo da Razão

PORTUGAL | Precariedade: promessas são para cumprir


Mariana Mortágua | Jornal de Notícias | opinião

Portugal vive em estranha contradição: ninguém defende a precariedade, pelo contrário, todos dizem querer combatê-la. E é precisamente pelas boas intenções que se ficam os falsos consensos. Da liberalização da lei laboral aos falsos estágios, as mudanças nesta área têm sido arrancadas a ferros.

Apesar das promessas eleitorais do PS, pouco se avançou no combate à precariedade no setor privado. Houve alguma recuperação do número de trabalhadores abrangidos pela contratação coletiva mas, no essencial, o código laboral é o mesmo que sustentava a política dos baixos salários promovida pela Direita, que o PS tanto critica. As medidas de penalização do uso excessivo de contratos a prazo, várias vezes anunciadas, ainda não viram a luz do dia. As empresas de trabalho temporário - modernas traficantes de mão de obra - continuam a lucrar com a precarização absoluta.

No setor público, no entanto, foi possível dar passos concretos em nome da decência. Depois de anos em que Mota Soares, ex-ministro do CDS, se negou a divulgar o número de precários no Estado, foi possível fazer esse levantamento e chegar a um acordo para o Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública (PREVPAP) - mesmo com o voto contra do PSD e CDS.

Chegaram então os números da triste realidade de um Estado que, para suprir funções permanentes, há anos que usa e abusa de dezenas de milhares de precários: contratos a prazo e recibos verdes, trabalho gratuito de desempregados em programas ocupacionais, recurso a empresas de outsourcing. Só nas autarquias, um em cada sete trabalhadores é precário, sempre a assegurar funções permanentes. Dessas 15 758 pessoas, metade são desempregados com contratos ocupacionais.

No combate à precariedade não há lutas mais importantes que outras. O Estado deve empenhar--se tanto em proteger os direitos laborais no privado como em ser um exemplo de boas práticas e não um manual de selvajaria laboral.

O PREVPAP abriu a possibilidade de dar um contrato com direitos a milhares de trabalhadores que há anos sustentam os serviços públicos. A expectativa que criou foi imensa e não pode ser defraudada.

Além dos atrasos, começam a surgir queixas de bloqueios ao processo a partir das autarquias (as poucas que aderiram, ainda) e organismos públicos. Por exemplo, a Universidade de Aveiro recusa-se a integrar 300 pessoas; a freguesia da Penha de França, em Lisboa, despediu mais de 20 trabalhadores com dez anos de casa; na Águas de Portugal, os trabalhadores contratados há anos através de empresas de prestação de serviços não estão a ser reconhecidos, em contradição com a lei.

O Governo tem de se comprometer com o sucesso do PREVPAP. Há milhares de pessoas à espera, este não é tempo para recuos e muito menos para deitar tudo a perder.

* Deputada do BE

AOS QUE SERVE A CARAPUÇA | Polícia acusada de racismo contra africanos e estrangeiros


O Comité Europeu para a Prevenção da Tortura considerou as forças policiais nacionais como uma das mais violentas da Europa Ocidental.

As polícias portuguesas são violentas e as pessoas de descendência africana, bem como, os estrangeiros são os que mais riscos correm de serem maltratados, concluiu o Comité Europeu para a Prevenção da Tortura.

O comité, que faz parte do Conselho da Europa, visitou algumas cadeias portuguesas em 2016 e entrevistou centenas de pessoas que tiveram contactos com as autoridades e considera que Portugal é dos países da Europa Ocidental onde se registam mais casos de violência policial, avança o Diário de Notícias.

Segundo o Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI), em 2015 foram recebidas 248 queixas de ofensas corporais contra a GNR e a PSP.

O relatório descreve como, durante a visita, a delegação foi confrontada com queixas de detidos nas esquadras de terem sido agredidos com chapadas, socos e pontapés no corpo e na cabeça, e, em outras ocasiões, pelo uso de bastões policiais.

Os observadores constaram que muitas das agressões ocorreram com cidadãos de descendência africana e com detidos estrangeiros para se conseguir uma confissão, o que, para o comité, significa que as forças policiais fazem descriminação racial. 

Um dos casos descritos foi de um cidadão do Bangladesh que terá sido amarrado numa cadeira e agredido a soco numa esquadra em Fevereiro de 2016. Garante que os agentes lhe apontaram uma arma e lhe disseram: "Mereces morrer". 

 O comité ficou satisfeito por muitos dos casos estarem a ser alvo de investigações por parte da Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI) e pela Polícia Judiciária, mas recomendou que as investigações fossem suportadas por exames médicos forenses. 

O comité sugere mesmo que o IGAI se torne mais autónomo para assumir as investigações criminais sobre a violência policial, uma vez que agora tem de pedir autorização a Ministério da Administração Interna para iniciar uma investigação. Para além disso, consideram que a entidade tem falta de recursos para actuar.

O Ministério da Administração Interna reagiu ao relatório garantindo que "a formação das polícias incorpora a prioridade dada aos direitos humanos e firme oposição a quaisquer práticas xenófobas ou racistas, contribuindo para a boa avaliação de Portugal como país inclusivo e tolerante." 

E garantiu ainda que "as violações à lei são investigadas pelas próprias forças de segurança, pela IGAI e transmitidas de imediato ao Ministério Público."

Susana Lúcio | Sábado

PRISÕES SEM VERGONHA | Falta de segurança no EPL alarmou delegação europeia


A desproporção de 220 guardas para 1260 presos na cadeia de Lisboa foi notada pelo Comité Europeu para a Prevenção da Tortura

O Comité Europeu para a Prevenção da Tortura acusa Portugal de manter os presos em condições desumanas e degradantes. Esta denuncia, que faz parte de um relatório que será publicado hoje, surge na sequência de uma série de visitas feitas em 2016 às prisões de Lisboa (EPL), Caxias, Leiria (para jovens), Setúbal, Monsanto (alta segurança), e aos hospitais prisionais psiquiátricos de Caxias e Leiria.

Na cadeia central de Lisboa, os observadores europeus encontraram, na zona das caves, "celas frias, escuras e húmidas com paredes em ruínas e ratos a entrarem nas celas através das casas de banho".

No EPL - que tem recebido muita atenção mediática por causa da greve dos guardas prisionais às horas extraordinárias (que termina até amanhã) e dos distúrbios provocados pelos presos no dia 10 - a delegação europeia constatou a enorme desproporção na relação de forças entre quem vigia e quem é vigiado. "A situação de pessoal é a mais dramática [das cadeias visitadas]. 220 guardas são responsáveis por 1260 prisioneiros, com turnos diários com 75 a 80 elementos e uns 60 vigilantes de serviço nos fins de semana". A falta de condições de segurança chamou a atenção. "Aquando da visita, a ala B tinha apenas quatro guardas ao serviço para 327 presos e em certas alturas do dia havia apenas dois guardas nessa ala". Algumas zonas da cadeia "não tinham vigilância alguma", como a cave da ala F ou as unidades das caves das alas D e E (recorde-se que foi na Ala E que se registou o motim no dia 10). O CPT alerta no relatório para a "potencial situação de perigo" que a desproporção entre guardas e reclusos pode criar.

A delegação europeia registou na altura que estava informada do recrutamento de 400 guardas prisionais (que entram ao serviço em março) mas ainda assim recomendou às autoridades portuguesas que dessem passos para contratar mais vigilantes.

No capítulo dos maus tratos a cadeia regional do Montijo surpreendeu a delegação que recebeu uma queixa detalhada por parte de um recluso de como os guardas dão "espancamentos de boas vindas" aos presos por crimes sexuais. Esse prisioneiro descreveu como, à sua chegada à prisão, foi levado para uma sala onde terá sido sujeito a repetidos pontapés e murros por parte de vários guardas. A delegação recebeu ainda outras queixas de maus tratos por parte dos presos em Caxias, EPL e na prisão juvenil de Leiria.

Encerrar unidade psiquiátrica

Depois de ter visitado os hospitais psiquiátricos prisionais de Caxias e de Santa Cruz do Bispo, a delegação do CPT recomendou ao Governo que este último "seja encerrado e os pacientes recolocados numa unidade hospitalar apropriada". Os elementos do Comité dizem mesmo ter ficado aterrados "com as condições em que os pacientes são mantidos e com a atmosfera prisional prevalecente".

O relatório critica ainda o excesso de população prisional em algumas prisões e aponta o exemplo da cadeia regional de Setúbal, onde num dormitório de 23m2 estavam nove presos em três conjuntos de beliches.

Num anexo ao relatório, o Ministério da Justiça (MJ) respondeu que está a tomar medidas para reduzir a população prisional como a prisão na habitação para crimes puníveis até dois anos. E referiu que a população desceu nas cadeias de Caxias (de 160% à data da visita para 145,5% a 31 de dezembro de 2017), EPL (de 150 para 111%), Porto (180% para 166%) e Setúbal (200% para 185%).

Ainda em relação ao EPL, a tutela respondeu que é uma das oito prisões que o Governo se propõe encerrar, juntamente com Caxias, Ponta Delgada, Setúbal, Leiria (regional), Viseu (regional), Odemira e Silves. Mas até lá a "requalificação" do Estabelecimento Prisional de Lisboa vai continuar e as suas caves estão quase desativadas.

Rute Coelho | Diário de Notícias

EUA | Colheita de fome



Nos EUA, uma das mais desiguais sociedades do mundo, mais de 46 milhões de pessoas recorrem diariamente ao Programa de Assistência Nutritiva Suplementar para não passarem fome. Além de pobres, são tratados com suspeita pelo bipartido que governa o país: os democratas queriam obriga-los a fazer testes para detectar consumo de drogas, partindo do princípio que gastam em droga o dinheiro que não têm para comer. Com Trump, sofrem um novo passo atrás. A proposta de alimentação a fornecer não contém um único produto fresco e não é passível de escolha.

Nos EUA, mais de 46 milhões de pessoas recorrem diariamente ao cartão do Programa de Assistência Nutritiva Suplementar (SNAP, na siga inglesa) para não passarem fome. A proposta de Trump, apresentada na semana passada, é que os beneficiários dos food stamps, como é conhecido o programa federal, não tenham mais a liberdade de escolher o que comem.

A medida, que precisa ainda da aprovação do Congresso, substituiria mais de metade do valor do SNAP por uma «Caixa da Colheita da América»: um pacote com «leite, cereais para o leite, massa, manteiga de amendoim, feijão, fruta enlatada e vegetais enlatados», tudo, fez saber a Casa Branca, «cem por cento cultivado e produzido nos EUA» e zero por cento fresco.

Esta foi a forma do governo do país mais rico do mundo dizer a 50 milhões de pessoas que não têm o direito de comer fruta nem vegetais frescos. A mensagem para os beneficiários do SNAP, dois terços dos quais são crianças, idosos ou pessoas com deficiência, é que não têm direito a tomar decisões sobre a sua própria alimentação porque os pobres só precisam de «leite, cereais para o leite, massa, manteiga de amendoim, feijão, fruta enlatada e vegetais enlatados». Toda uma declaração de guerra. Não à pobreza, mas aos pobres.

A proposta vem a coberto de uma campanha mediática que procura associar o SNAP à preguiça dos seus beneficiários, à compra de produtos indecorosos à pobreza honesta, como bifes de vaca, e à revenda dos alimentos comprados. Estatísticas do governo federal, porém, situam as situações de fraude no limiar dos três por cento e revelam que, entre os adultos em idade activa, 58 por cento trabalha e 82 por cento trabalhava até há um ano.

Querem tudo e lutam por tudo

É provável, no entanto, que a «Caixa da Colheita» seja mais uma cortina de fumo: em anos anteriores, os democratas propuseram testes de urina mensais para garantir que os beneficiários dos food stamps não consomem drogas e os republicanos sugeriram que o cartão não permita comprar bifes, só para citar alguns exemplos. Em ambos os casos, as propostas morreram no Congresso, mas serviram para criar um ambiente político propício ao desinvestimento público no SNAP.

A suspeita ganha força se considerarmos o corte de 218 mil milhões de dólares que Trump quer fazer em programas de assistência alimentar até 2028, incluindo um corte de 30 por cento no SNAP já em 2019. Deixando cair a proposta da «Caixa da Colheita», a poupança seria alcançada introduzindo novos e mais elevados requisitos para aceder ao SNAP. À semelhança do que está em cima da mesa do Medicaid (programa federal de acesso a cuidados de saúde para os mais pobres), para conseguir food stamps seria necessário, para além de auferir um rendimento muito baixo, fazer voluntariado, não rejeitar propostas de trabalho independentemente das condições, fazer prova de candidaturas de emprego, trabalhar mais do que 7 horas por dia e enfrentar um pesadelo burocrático.

De uma ou de outra forma, a guerra contra as camadas mais empobrecidas da classe trabalhadora estado-unidense está a entrar numa nova e temível fase em que até os direitos aparentemente mais simples e irreversivelmente adquiridos, como poder comer fruta e vegetais frescos, se revelam alvos a abater na liça da luta de classes.

*O Diário.info

*Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2308, 23.02.2018

EUA recusam-se a limpar os resíduos cancerígenos deixados na Base das Lajes


Americanos deixam terra arrasada nos Açores

Este assunto foi silenciado pelos media portugueses do continente

Depois de a base aérea norte-americana das Lajes, na ilha Terceira, a segunda mais populosa dos Açores, ter sido utilizada durante 75 anos, os EUA abandonam-na. Os habitantes locais pretendem que os EUA limpem a zona da poluição tóxica que cientistas afirmam ser cancerígena – mas Washington não concorda.

Madaíl Ávila, uma dos 55 mil residentes da ilha Terceira, afirma: "Ambos os meus pais morreram de cancro. Minha mãe de cancro de mama e o meu pai com um tipo diferente de cancro. Quando eu tinha 33 anos fui diagnosticada com cancro de mama". "É uma coincidência muito grande que haja tantos casos de cancro no seio da mesma família, bem como todos estes casos estarem geograficamente localizados na mesma área".

Os testemunhos de Ávila e outros moradores vizinhos da base aérea das Lajes que falaram com Ruptlydurante a visita da equipa de filmagem na pitoresca ilha rochosa poderiam ser descritos como anedotas anti-científicas de moradores ressentidos. Infelizmente são apoiados por estudos conduzidos pelos próprios norte-americanos e investigadores portugueses. 

"O que temos é um conjunto de locais com níveis extremamente elevados de poluição provocada por metais pesados, hidrocarbonetos e PCB ", diz Félix Rodrigues, professor de física da Universidade dos Açores e político local. "Em determinadas concentrações podem causar esterilidade, cancro, arritmia. Estes materiais entram na cadeia alimentar e acumulam-se nos corpos. Estamos diante de venenos que estão a ser escondidos debaixo do tapete".

Apenas um exemplo: Félix Rodrigues salienta que 88 mil litros de derrame de combustível foram registados na década passada e diz que o solo é 50 vezes mais contaminado do que o permitido pelas directrizes ambientais nos principais países ocidentais.

Norberto Messias, professor de saúde da Universidade dos Açores, diz que os moradores do município adjacente à base sofrem incidência de certos tipos de cancros várias vezes maiores, como por exemplo quatro vezes mais tumores dos olhos, do que a restante população dos Açores.

"Não temos material genético diferente, não temos uma cultura diferente, não temos hábitos alimentares diferentes, nós somos como qualquer outra pessoa portuguesa. A única coisa que nos diferencia é a poluição da base das Lajes. A minha convicção é que há uma relação", diz Messias, que conduz um estudo entre a população local.

Hotéis em vez de compensação 

Distando 4 000 km a leste de Nova Iorque e 1 500 km a oeste de Lisboa, a ilha Terceira foi o ponto de reabastecimento perfeito para a aviação aliada que atravessava o Atlântico, durante a segunda guerra mundial. A base aérea das Lajes foi oficialmente inaugurada em 1943 e usada pelas forças britânicas e americanas.

Após a formação da NATO, em 1949, as Lajes tornaram-se uma posição chave e um centro de comando dos EUA para as suas unidades aéreas e navais, desempenhando um papel importante em vários conflitos, incluindo a guerra de Yom Kippur entre Israel e os Estados Árabes em 1973 e a primeira Guerra do Golfo.

O fim da guerra fria e o desenvolvimento de reabastecimento no ar, tornaram as Lajes dispensáveis e, em Janeiro de 2015, o Pentágono anunciou que o número de pessoal estrangeiro na base seria reduzido para 165, muito abaixo do pico de 3.000 atingido em décadas anteriores. Economistas estimam que a mudança teria reduzido o PIB da Ilha Terceira em 6%, levando à emigração de 10 mil pessoas da mesma. A própria base apresenta agora um estado de abandono crescente, suas pistas desertas, zonas residenciais vedadas mas vazias no seu interior.

Orlando Lima, um trabalhador português de apoio à base, diz que o pessoal dos EUA também estava preocupado com o impacto da base na sua saúde e que, pelo menos uma vez, testemunhou uma Comissão a chegar às Lajes para investigar uma queixa de saúde feita por um dos seus ex-agentes, que disse ter contraído cancro terminal, em resultado de serviço ali prestado.

Na sequência do anúncio de 2015, os Açores produziram um plano de revitalização para a Terceira, pelo qual os EUA pagariam 167 milhões de euros (US$205 milhões) anualmente durante 15 anos, para facilitar a transição da sua partida. Desse dinheiro, 100 milhões de euros seria gasto anualmente para combater o legado ambiental.

Até agora, Washington nada concretizou.

Quando perguntado pela RT sobre a situação na Ilha Terceira, funcionários dos EUA recusaram-se a comentar directamente e remeteram-nos para os resultados de uma reunião da Comissão Bilateral Permanente (SBC), em Dezembro, do ano passado.

"A SBC foi informada sobre a situação actual das questões ambientais na ilha Terceira, no que diz respeito às actividades dos EUA na base das Lajes, incluindo o que diz respeito a dois locais prioritários (Portão Principal e área Tanque do Sul). Os Estados Unidos e Portugal pretendem acompanhar as questões e incentivar os técnicos especialistas a chegarem a uma conclusão sobre a melhor forma de proceder ( leia o resumo dos resultados da reunião).

Em vez de compensação, os funcionários norte-americanos propõem agora aumentar os voos civis dos EUA e "discutiram formas de incrementar o turismo através do Atlântico e criar condições de mercado para atrair hotéis dos EUA para entrarem no mercado de Açores."

"Posso garantir aos meus filhos uma vida boa aqui?" 

Sentindo-se traídos pelos norte-americanos e abandonados pelo próprio governo, meio oceano afastados de Lisboa, os terceirenses começaram a sua própria campanha pública para encorajar o governo português a colocar mais pressão sobre seus aliados da NATO ou ele próprio assumir os custos.

"O problema existe, não há dúvida que isso foi causado pela força aérea americana, e também sobre quem são os responsáveis e quem têm de pagar por isso," diz Marcos Fagundes, membro activo da campanha.

Felix Rodrigues, professor de física na Universidade do Açores tem pouca esperança de que Washington – particularmente sob Presidência do Donald Trump – pague e diz que a Terceira pode ser equiparada a dezenas de outros pontos do globo, onde bases americanas abandonadas continuam a contaminar a terra.

"Isto é um inferno que se repete em várias ilhas ocupadas pelos norte-americanos. É quase uma política de terra queimada, onde os problemas se acumulam, o governo local não reage e a população não tem capacidade para assumir uma posição," afirma F. Rodrigues.

Entretanto para Ávila, cujo cancro de mama agora está em remissão, qualquer decisão não é uma questão de política, mas de sobrevivência – para si e sua família.

"Quero criar os meus filhos num lugar onde tenha a garantia de que serei capaz de lhes dar uma boa qualidade de vida. E esta é uma dúvida que eu tenho: Estarei a fazer a coisa certa para a geração futura?" 

22/Fevereiro/2018

O original encontra-se em www.rt.com/news/419588-azores-cancer-base-us/ 

Esta notícia encontra-se em http://resistir.info/ 

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