quinta-feira, 19 de abril de 2018

Greves de professores alastram nos EUA



Mesmo nos EUA de Trump há trabalhadores em luta, e não são poucos. O movimento grevista de professores que neste momento alastra em vários Estados é uma resposta, combativa, quase espontânea, e com grande expressão de massas, à extrema degradação da situação nas escolas públicas.

A greve dos professores da Virgínia Ocidental que, no mês passado, terminou com uma estrondosa vitória dos trabalhadores, foi o catalisador das paralisações de docentes decretadas no Kentucky e no Oklahoma, Estados a que muito em breve se poderá juntar o Arizona.

Foi no Kentucky que, na sexta-feira passada, a greve começou. Os professores, que protestam contra cortes draconianos nos planos de pensões públicas, ultrapassaram os constrangimentos legais que proíbem a greve declarando-se doentes nesse dia. Igualmente ultrapassados foram os sindicatos federais e estaduais que, mais ou menos reiteradamente, procuraram demover da greve os professores. Com efeito, a greve de duração indeterminada, apelidada de «selvagem» mas que na verdade é apenas espontânea, foi organizada pela Internet sem o apoio da Associação Nacional de Educação ou da Associação de Educação do Kentucky. Ainda assim, o Departamento de Educação deste Estado informou que mais de metade das escolas continuavam fechadas na segunda-feira, dia em que milhares de professores se manifestaram em frente ao capitólio estadual, em Frankfurt.

Também segunda-feira, o Oklahoma, segundo Estado na lista dos piores salários docentes nos EUA, deu continuidade ao protesto. Rejeitando a aprovação pelo Congresso estadual, na quinta-feira passada, de um aumento de 6000 dólares anuais por trabalhador por oposição aos 10 000 reivindicados, mais de 30 mil professores deram início a uma greve ilegal que paralisou por completo várias centenas de escolas. No mesmo dia, cerca de 15 mil professores concentraram-se junto ao capitólio, na Cidade do Oklahoma, envergando camisas vermelhas e exigindo mais investimento na educação, manuais escolares novos, turmas mais pequenas e melhores condições materiais. Neste Estado, o subfinanciamento da Escola Pública é tão grave que vinte por cento dos estabelecimentos de ensino já só funcionam quatro dias por semana.

Também no Arizona cresce a pressão para uma greve de professores. Neste Estado, onde há turmas de 50 alunos e a maioria dos professores precisa de um segundo emprego para sobreviver, o subfinanciamento da Escola Pública atingiu um ponto crítico e nunca o fosso entre professores e governador foi tão profundo: o governador, Doug Ducey, propôs aumentos salariais de um por cento, abaixo da taxa de inflação de 2,2 por cento ao passo que os professores exigem aumentos salariais a partir de 20 por cento.

Todos os quatro Estados onde a luta dos professores está mais acesa, Virgínia Ocidental, Arizona, Oklahoma e Kentucky, são Estados onde Trump e o Partido Republicano arrancaram vitórias fáceis a Hillary Clinton e ao Partido Democrata. Estranhamente, a postura dos democratas, que têm insistido em menorizar e caricaturar os povos destes Estados como estúpidos, racistas e machistas sem salvação, contribuiu para soltar a luta dos trabalhadores dos freios do partido do burro, criando o espaço para o que é actualmente o maior e mais progressista movimento laboral dos EUA.

*Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2314, 5.04.2018

Portugal | A DESCENTRALIZAÇÃO


Henricartoon | por Henrique Monteiro

PORTUGAL | "No passado, era em nome da crise que se exigiam sacrifícios". E agora?


O secretário-geral comunista acusou o Governo de trocar a "crise" pelo "sucesso" económico para justificar restrições ao investimento público e reposição de rendimentos e direitos, enquanto o primeiro-ministro partilhou os louros com a maioria parlamentar.

"No passado, era em nome da crise que se exigiam sacrifícios que o povo ainda está a pagar. Agora, é o sucesso que serve de mote para fundamentar a continuação dos sacrifícios, aguentar mais uns anos de salários congelados, de serviços públicos degradados ou a meio gás, investimento muito aquém das necessidades para cumprir os critérios do fundamentalismo monetarista e, inexplicavelmente, ir além dele", lamentou o líder comunista, Jerónimo de Sousa, no debate quinzenal com o primeiro-ministro, no parlamento.

Na resposta, o primeiro-ministro, António Costa, rejeitou tratar-se de uma análise justa e distribuiu a responsabilidade pela melhoria da situação do país com os partidos à esquerda do PS, que apoiam parlamentarmente o Governo.

"Invocamos o sucesso porque é merecido. Não é só do Governo. O sucesso é também do PEV, do PCP, do BE, da bancada do PS, de todos aqueles que, no final de 2015, tiveram a coragem de dizer que havia uma alternativa, virar a página da austeridade e lançar uma nova política em Portugal", afirmou o líder do executivo.

O secretário-geral do PCP tinha questionado o primeiro-ministro sobre o atraso no compromisso de valorizar as longas carreiras contributivas, nomeadamente a segunda fase da despenalização por reforma antecipada prometida para 2018 e adiada para 2019, mas também as necessidades de investimento nos setores da saúde, transportes ou cultura, uma "política de unhas rentes".

Jerónimo de Sousa criticou ainda o "monstrengo da ameaça de perigos futuros, que agora também se agita", contrariando que "os perigos vêm, como a vida o provou, de o país ficar nas mãos dos interesses estrangeiros e sujeito às suas imposições", pois "foi a cedência a essas imposições por sucessivos governos que conduziu o país à grave situação a que urge dar resposta".

Face ao anterior Programa de Estabilidade (PE), António Costa referiu que o atual (2018-22) documento reforça em 350 milhões de euros as verbas para contratação de pessoal pelo Estado para os diversos serviços públicos, lembrando ainda que já há mais 7.000 profissionais de saúde entretanto e estão construídos ou em construção 113 novos centros de saúde e cinco hospitais, além do recente investimento no Metro de Lisboa de 210 milhões de euros.

"Não vou entrar no campeonato de qual dos dois deseja mais satisfazer mais rapidamente todas as necessidades. Concedo que temos os dois a mesma vontade. Agora, temos de prosseguir a par e passo, garantindo a irreversibilidade daquilo que já conquistámos nestes dois anos e meio", disse António Costa, recorrendo depois a uma metáfora futebolística para dizer que há "ainda uma segunda parte da legislatura para levar até ao fim".

Sobre a nova fase de despenalização das reformas antecipadas "de quem tem longas carreiras contributivas", o chefe do Governo sublinhou que o PE contempla um "reforço de 22,6 milhões de euros e mais 40 milhões de euros nos próximos anos para esta medida".

Jerónimo de Sousa começara o debate pela condenação do ataque de EUA, Reino Unido e França na Síria, considerando-o "um ato de agressão sob pretexto" de alegadas armas química por comprovar e em violação do direito internacional, já que "primeiro bombardeia-se, depois investiga-se", mas António Costa não comentou o assunto.

Lusa | Notícias ao Minuto

VENHA A NÓS | BE estranha "prioridade errada" de fim de cortes salariais nos gabinetes políticos


O BE estranhou hoje a intenção de o Governo terminar com o corte salarial de 5% nos gabinetes de políticos, considerando esta prioridade errada porque primeiro deveria ser eliminada a redução da duração do subsídio de desemprego.

O jornal Público noticiou hoje que, segundo a versão preliminar do decreto-lei da execução orçamental, o Governo quer acabar com o corte de 5% que está a ser aplicado aos salários dos membros dos gabinetes dos políticos, uma eliminação progressiva que começa em janeiro de 2019, e que só estará totalmente terminada no final desse ano.

Em declarações à agência Lusa, o líder da bancada parlamentar do BE, Pedro Filipe Soares, começou por ressalvar que se trata ainda de uma intenção e que falta verificar se será materializada em decreto-lei, mas considerou que, a confirmar-se, "esta prioridade está claramente errada" e por isso é "clara e inequívoca a estranheza" dos bloquistas em relação à escolha do Governo.

"Consideramos que só faz sentido chegarmos à discussão sobre a alteração dos cortes dos gabinetes ministeriais depois de eliminarmos, por exemplo, entre outros, os cortes no tempo de duração do subsídio de desemprego, respondendo à necessidade de quem está numa situação de enorme fragilidade", defendeu.

Pedro Filipe Soares disse estranhar esta prioridade para a eliminação dos cortes, recordando o caminho que já vem sendo travado desde 2015, com a eliminação de cortes nos salários da administração pública, cortes nos pagamentos de horas extraordinárias e cortes no pagamento do subsídio de desemprego.

O líder parlamentar do BE criticou, por isso, que "se hierarquize prioritariamente a eliminação de cortes nos gabinetes de políticos" e não "de outros cortes que foram feitos no exato momento em que estes foram criados, como o corte na duração do subsídio de desemprego, que afeta milhares de pessoas".

Questionado pela agência Lusa sobre se o partido tinha tido conhecimento prévio desta intenção do Governo, Pedro Filipe Soares foi perentório: "nós não tivemos essa informação previamente".

Esta questão já dividiu hoje o presidente do PSD e o líder da bancada parlamentar do PSD, Fernando Negrão, que disse hoje ver "com preocupação" a pretensão do Governo de pôr fim aos cortes salariais de 5% nos gabinetes dos políticos, depois de Rui Rio ter manifestado a sua concordância de princípio com a medida.

Já o líder parlamentar do CDS-PP, Nuno Magalhães, considerou contraditório, imoral e irresponsável que o Governo ponha fim a estes cortes, enquanto o PS defendeu o fim gradual dos cortes salariais aplicados aos membros de gabinetes políticos, considerando que a reposição de vencimentos deve abranger todos os trabalhadores na esfera do setor público, demarcando-se de perspetivas populistas.

JF (SMA/NS/ACL/PMF) // PNG | Lusa/Fim

OLIGARQUIAS DA CORRUPTELA NEOLIBERAL


Em homenagem aos camaradas Lúcio Lara e Jorge Silva, “Sapo”, heroicos combatentes das justas causas angolanas; as três fotografias em que aparece o camarada Lúcio Lara, foram tiradas pelo camarada “Sapo” num “longínquo” Primeiro de Maio, quando o MPLA era Partido do Trabalho e quando Angola era uma República Popular

Martinho Júnior | Luanda 

1- Terminou a VIII Cimeira das Américas na capital do Peru, Lima, com um balanço que revela o ambiente de luta que sem tréguas move a humanidade naquela parte do planeta.

A VIII Cimeira correspondeu fundamentalmente aos estímulos das oligarquias americanas agenciadas pelos Estados Unidos, acirrando-se dialeticamente contra os sectores progressistas das Américas, numa autêntica corruptela de democracia e incapaz de elas próprias terem hipótese de se defender de todo o tipo de acusações de corrupção em que se debatem, protagonizam e elas mesmo tornam públicas.

A Venezuela Socialista e Bolivariana, dilecto alvo da corruptela ao sabor da hegemonia unipolar, não foi convidada e o seu processo democrático está a ser posto em causa por todas as cumplicidades e conivências vassalas, pois o seu modelo, com toda a legitimidade participativa e de dimensão popular, é um pavor para a “representatividade” apropriada e moldada ao jeito dos interesses do império da doutrina Monroe e suas agenciadas oligarquias, ainda que elas tantas contradições internas demonstrem sem limites acarretar.

Cuba esteve pela segunda vez consecutiva e chamou mais uma vez a si o papel de assumida vanguarda progressista nesses contenciosos históricos.

Às oligarquias americanas interessa o pântano das disputas entre seus artificiosos quão corruptos clãs, marginalizando os processos de aprofundamento democrático-popular e inclusive o do voto popular pelo que, tendo a Venezuela ao longo dos últimos 20 anos multiplicado as iniciativas eleitorais, esse facto indesmentível e “insuportável”, é por si considerado pela corruptela como uma afronta, pois faz cair pela base qualquer veleidade “democrática” da estrita conveniência dessas oligarquias fantoches.

Depois a Venezuela disseminou um conjunto muito alargado e profícuo de missões…

O Comandante Hugo Chavez, enquanto militar, soube aproveitar bem o termo “missões” para levar a cabo a imensidão de tarefas que há “civilmente” a realizar para fazer face ao subdesenvolvimento herdado do passado longínquo e do passado próximo, missões que na generalidade estão vocacionadas para a melhoria das condições de vida do seu povo, particularmente das classes mais desfavorecidas, exploradas pela gritante desigualdade injectada durante séculos.

Com as missões ao mesmo tempo abrem-se autênticas avenidas desburocratizadas capazes de mobilização e aglutinação de vontades e aspirações com metas, com objectivos, com prazos, com um inventário enorme de iniciativas que de fase para fase vão-se aperfeiçoando e multiplicando sem remissão...

Face a isso, as cristalizadas oligarquias americanas têm sentido um efeito de pânico, como se a terra fugisse debaixo dos pés, por que o espaço sócio-político onde têm vindo a empenhar sua base “de representatividade”, como nunca foi, não é, nem alguma vez será dinâmico, inteligente ou criativo (é típico dos que assumem a bárbara cultura do egoísmo capitalista), muito menos popular, é a percepção dum contínuo terramoto de baixa intensidade que não conseguem fazer parar e as sacode até às entranhas!

2- Os sectores progressistas aproveitaram a VIII Cimeira da América para questionar de forma lúcida, oportuna e directa o que se passa em relação à corrupção na América, tirando partido dos “fenómenos” de entidades como o presidente deposto no Peru, Pedro Pablo Kuczynski, da suja vulgaridade brasileira identificada com o estado dirigido por Temer, da figura de proa da Organização de Estados Americanos, Almagro, ou de Marco Rubio, da Florida, defensor agenciado e acérrimo do “lobby” de armamento que tutela a Associação Nacional do Rifle nos Estados Unidos, uma entidade que tem sido confrontada com o massacre recente em Parkland, que deixou um saldo de 17 mortos e 20 feridos, na sequência de muitos outros actos sangrentos similares ocorridos antes.


As oligarquias americanas desse modo confrontadas, começam a ser despidas de sua tradicional arrogância, uma “plataforma”psicológica e sócio-política cristalizada, utilizada até à exaustão para barricar a sua “representatividade”.

Da “representatividade” se ocupou o Vice-Presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, “do alto do seu pedestal”, fustigando em nome do Presidente Trump alvos como a Síria, Cuba e a Venezuela.

Em relação a Cuba e à Venezuela qualificou suas iniciativas do âmbito da democracia popular como “repressivas”, de modo a apresentar os Estados Unidos como o grande “libertador”, a máscara usada desde a proclamação da doutrina Monroe pelo império ao longo do processo histórico de há mais de dois séculos a esta parte.

Aproveitaram também os progressistas o facto de em paralelo se realizarem outras cimeiras de carácter social, entre elas a Cimeira dos Povos, que permite atacar a alienação e o diversionismo relativos à “sociedade civil”, aos “direitos humanos” e à “corrupção”segundo a ótica e as conveniências da aristocracia financeira mundial e suas agenciadas oligarquias.

Como as oligarquias mantêm ideologias cristalizadas, conservadoras ou mesmo ultraconservadoras, racistas ou xenófobas, desconexas em relação à multiplicidade cultural que se estende de forma tão rica e variada sob seus olhos míopes e sob sua hipocrisia histórica, também aí o terremoto se faz sentir, em especial quando as organizações de jovens dos estados progressistas, com Cuba na vanguarda, se fazem ouvir de forma acutilante, esclarecida e olhos nos olhos(os bois estão a ser chamados pelos seus próprios nomes)!

Mesmo com a arrogância da “exclusividade representativa”, mais uma vez também agora utilizada na VIII Cimeira das Américas, o capitalismo neoliberal e o que resta dele disfarçado de “proteccionismo”, está a ser confrontado até à sua perversa medula, tornando-se cada vez mais transparente a fronteira entre a que é da civilização e o que é da barbárie, inclusive quando se gladiam entre si os clãs de ocasião.


3- Agora que as vestes do imperador são as do proteccionismo, à escala global, ainda de forma aparentemente desarticulada, vão estalando as “lutas contra a corrupção”: deitam a mão a todo o tipo de diversionismos, subversões e farsas, a fim de se tentarem“defender”.

África reflecte essa “onda” a nível da União Africana e de muitos dos seus membros, inclusive alguns da África Austral (processos em curso no Zimbabwe, na África do Sul e em Angola).

Até que ponto se repetem a propósito, os mesmos cenários que ocorrem nas Américas?

Como os processos de “luta contra a corrupção” estão a ser levados a cabo por muitos dos implicados nela, assiste-se a confrontações de interesses à superfície das águas, para que nada seja alterado na profundidade causal do fenómeno sócio-político, psicológico, económico e financeiro, quer dizer: ainda que se possam reduzir os efeitos, a corrupção vai renascer sempre com uma geometria e com uma intensidade variável, pois as lutas não põem em causa, antes estimulam, os “mercados” neoliberais e por isso não se desperta para doutrinas, filosofias e ideologias em alternativa, sobretudo para as de carácter assumidamente socialista!

Em Angola notícias, análises e interpretações públicas relativamente à corrupção, são correntes, mantendo-se no entanto, salvo muito raras excepções, o mesmo tipo de abordagens doutrinais, filosóficas e ideológicas (em regra abordagens social-democratas, ou conservadoras, ou cristãs-democratas, ou neoliberais), típicas desses mesmos “mercados”, ou seja, não pondo em causa as razões de casualidade que na profundidade económica e social subsistem de acordo com os interesses das classes que ocupam por via da usurpação o vértice da pirâmide das desigualdades nacionais.

Pior ainda: têm levado para dentro do próprio MPLA, esvaziado cada vez mais do seu sentido histórico, esse tipo de ambientes e cenários, utilizando as catapultas e alavancas da tomada do poder!

Poderíamos citar “n” exemplos das batalhas que vão ocorrendo entre clãs de gladiadores nos pantanosos cenários correntes do capitalismo neoliberal que ostentam o capítulo da “mudança”, mas seleccionamos uma das últimas publicações do África Monitor, tendo em conta que a abordagem ocorre por dentro e à volta do “suculento bife” da Sonangol, a empresa estatal de petróleos de Angola, passo a transcrever:

“Manuel Vicente em plano ascendente

(Pesquisa e análise)

Manuel Vicente (MV), ex-presidente da Sonangol EP (SNL EP) e ex-vice PR, pela “mão” de José Eduardo dos Santos (JES), tem vindo a assumir, um papel de crescente influência junto da administração do PR João Lourenço (JL), na sequência de uma aproximação entre JL e MV, e de distanciamento em relação ao ex-PR e família.

Reconhecido como detentor de uma das maiores fortunas do país, e acusado pela Justiça portuguesa por branqueamento de capitais e corrupção de um magistrado, MV assumiu-se ao longo dos últimos meses como um dos principais conselheiros de JL, a título informal, sobretudo para questões petrolíferas, e económicas em geral. Apesar de, para efeitos públicos, estar dedicado aos seus negócios privados, o seu gabinete de trabalho situa-se num edifício próximo da Presidência da República, que visita com regularidade, para reuniões de trabalho com elementos da presidência e com o próprio PR.

Principal sinal da crescente influência de MV foi a sua interferência directa na destituição por JL de Isabel dos Santos na presidência da SNL EP, e sua substituição por Carlos Saturnino (CS), em Nov.2017. Por intercedência de MV, a escolha de JL para a SNL EP recaiu sobre CS, e não sobre António (“Toninho”) Van-Dúnem (AVD), ex-secretário do Conselho de Ministros, por quem JL demonstrou inicialmente preferência, e a quem chegou a pedir um plano de reforma da SNL EP.

A exoneração por IS de CS, gestor descrito como sendo da sua “máxima confiança”, (AM Intelligence 1077) de MV, da comissão executiva da Sonangol Pesquisa e Produção, em Dez.2016, havia sido interpretada em círculos políticos e empresariais como indirectamente visando a gestão de MV. O próprio CS se insurgiu, de forma inédita, contra a decisão da administração da SNL EP.

CS é quadro cuja ascensão nos meios empresariais angolanos foi promovida e está intimamente ligada a MV, com quem mantém uma relação próxima. Após a tomada de posse de CS, MV passou a comparecer em reuniões e eventos da SNL EP, merecendo tratamento de deferência. Também ligado de forma estreita a MV é José Lima Massano (JLM), nomeado por JL para o cargo de governador do Banco Nacional de Angola (BNA). A carreira de JLM no sector bancário está ligada sobretudo ao BAI, banco controlado pela SNL EP, e sob o qual MV exerceu forte influência enquanto presidente da petrolífera.

MV vinha, nos meses que antecederam as eleições de Ago.2017, evidenciando em círculos privados desagrado pela forma como IS se referiu de modo depreciativo à sua administração da SNL EP (AM Intelligence 1078), nomeadamente prolongando as suas estadias no estrangeiro a título privado e não marcando presença em eventos oficiais. No Comité Central do MPLA em que foram escolhidos os cabeças de lista para as eleições de 2017 – e a que MV faltou – foi-lhe atribuída a 24ª posição, não consentânea com o seu estatuto de ex-vice-PR.

Na cerimónia dos cumprimentos de fim de ano ao chefe de Estado, MV não fez o discurso de agradecimento ao PR José Eduardo dos Santos.

Foram também considerados parte de uma campanha de descrédito contra MV ataques do Jornal de Angola, em 2017, à construtora portuguesa Mota-Engil, que opera no país com o nome Mota-Engil Angola. O capital da companhia está repartido entre a Mota-Engil, maioritária, a Sonangol, o Banco Atlântico e uma empresa privada angolana. MV é referenciado em meios políticos e políticos e empresariais locais como sendo, de facto, o dono da referida empresa privada.

A forma dura como a administração de JL tem visado a gestão de Isabel dos Santos (IS) na SNL EP é também resultado da retaliação por MV em relação ao que considera terem sido ataques de IS à sua gestão e à sua pessoa, ao longo dos últimos anos. Foram remetidas pela SNL EP à Procuradoria-Geral da República, em Mar., indícios de crime pela anterior administração – detalhados em conferência de imprensa pública por CS, de forma particularmente acintosa em relação a IS.

A escalada de tensão entre ambas as partes é evidente em procedimentos de segurança que, quer IS quer CS, passaram a observar. A residência de ambos em Luanda está agora sob vigilância permanente de um corpo de segurança privada. As cautelas observadas por IS chegam ao ponto de evitar pernoitar em Luanda, preferindo chegar de manhã ao Aeroporto e partir à noite, depois de uma série de reuniões. Londres continua a ser o seu paradeiro mais frequente.

Em círculos independentes da sociedade angolana, é identificada uma confluência de interesses entre JL e MV em visar IS. Enquanto para o novo PR a exposição pública de IS como exemplo de nepotismo e aproveitamento de fundos públicos para benefício pessoal serve propósitos políticos – popularidade junto da opinião pública e fragilização do ex-PR, por forma a forçar o seu abandono da presidência do MPLA (AM Intelligence 1137), para MV a cooperação estreita com JL tem o duplo propósito de sedimentar a sua posição no seio do regime e manter a sua influência, ao mesmo tempo retaliando em relação a IS.

Outra evidência da importância atribuída por JL a MV é a defesa intransigente do ex-presidente da SNL EP no processo de que é alvo pela Justiça portuguesa - sob o argumento de que deve ser a Justiça angolana a tratar o processo - ao ponto de ameaçar, por canais privados, retaliação a interesses portugueses em Angola e mesmo na CPLP (AM Intelligence 1134).

Além do processo em Portugal, MV surgiu envolvido no processo da Cobalt, acusada pela Justiça norte-americana de pagamento de subornos em Angola. Enquanto presidente da SNL EP, MV foi também accionista da Nazaki Oil & Gas, parceira da Cobalt, e que contava também entre os seus accionistas com Hélder Vieira Dias “Kopelipa” e Leopoldino “Dino” do Nascimento, duas figuras próximas de JES.

Tem vindo a acentuar-se um desfasamento entre a atitude das autoridades em relação ao processo judicial que corre em Portugal contra MV, e o chamado “sentimento colectivo” (AM Intelligence 1136).   O protesto das autoridades tem dado lugar na sociedade a sentimentos de regozijo em relação ao procedimento da Justiça portuguesa.

Africa Monitor, # 1141, 12/4/2018”.


4- Como se não bastassem os cenários e os intérpretes apalhaçados do pântano em que têm tentado transformar o MPLA e o estado angolano, agora os gladiadores passaram também a exibir suas armas e truques e jogos operativos, nos meios noticiosos nacionais e internacionais, na Europa, nos Estados Unidos, onde quer que se aprouver, ali onde se encontrem seus interesses, ou mesmo os vínculos dos negócios que marcam sua passagem tão social-democraticamente “deslumbrada” quão perversa pela Terra!

Os processos judiciais que foram desencadeados em relação a alguns desses gladiadores em Portugal, são também assuntos do estado português em resultado da assimilação que decorre desde o 25 de Novembro de 1975, que também tem contaminado inevitavelmente a “geringonça”.

Tudo isso se passa à margem da legitimidade e dignidade dos interesses e aspirações do povo angolano e do povo português, demonstrando que é em tudo um “produto” injectado em sistemáticas doses pelo “mercado” capitalista neoliberal, por suas alienações, por sua hipocrisia, pelo seu egoísmo sem escrúpulos, pelas suas “correntes” eticamente decrépitas e avassaladas, pelo seu diversionismo de manchete: vale tudo para se continuar mais do mesmo e não haver garantidamente mudança alguma, pois os fantoches, quais palhaços ricos, ocupam os cenários sócio-políticos, conforme os enredos das inteligências económicas das potências da hegemonia unipolar e da vassalagem crónica dos governos portugueses a esse tipo de causas assimiladoras!

Aplicaram a máxima de Karl Marx, à sua maneira, ou seja à letra e a “camartelo”: “a propriedade é um roubo” e quantos deles, o fundamentalismo a isso obriga, não o fizeram em relação ao estado angolano e ao seu mais suculento manancial de petróleo e diamantes, como inveterados “marxistas do mercado”?

É neste ambiente asfixiado, com odor a enxofre e tocado por uma doença crónica, que estamos a expor uma ferida que já vem de longe!...

Quantos dos guerrilheiros, por exemplo, quando chegaram às cidades trocaram suas famílias camponesas da guerrilha por famílias urbanas, com mulheres que tanto têm a ver com a assimilação colonial e capazes de abrir as portas em direcção ao neocolonialismo, ao enviarem-se a si e aos rebentos paridos desses laços, estudar para as mais caras universidades dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha, da Suíça, da “melóia” e de outros vassalos da hegemonia unipolar, geração após geração, para tornar ainda mais pérfida a ignomínia e rutilante a empreitada?!...

Martinho Júnior - Luanda, 17 de Abril de 2018

Ilustrações:
Dois logotipos das Cimeiras do Peru;
Três fotos gentilmente oferecidas pela companheira Avane Teixeira, viúva do camarada Jorge Silva, “Sapo”

Cuba elege primeiro presidente após 60 anos de governo dos irmãos Castro


O novo líder será o primeiro, desde a Revolução Cubana, com outro sobrenome e representando uma geração mais jovem do que aquela que pegou em armas para derrubar a ditadura de Fulgencio Batista (1952-1959) e desafiar os Estados Unidos (EUA), estabelecendo um regime socialista a 150 quilômetros de sua costa

A Assembleia Nacional de Cuba se reuniu nesta quarta-feira para escolher o próximo presidente da ilha caribenha que, nas últimas seis décadas, foi governada pelos irmãos Castro: Fidel, que morreu aos 90 anos, e Raúl, que prometeu se aposentar aos 86. O novo líder será o primeiro, desde a Revolução Cubana, com outro sobrenome e representando uma geração mais jovem do que aquela que pegou em armas para derrubar a ditadura de Fulgencio Batista (1952-1959) e desafiar os Estados Unidos (EUA), estabelecendo um regime socialista a 150 quilômetros de sua costa.

O novo presidente de Cuba assume em um momento delicado. A Venezuela, que fornece petróleo e sustentava o regime cubano; hoje enfrenta grave crise econômica, marcada pela hiperinflação, o desabastecimento e o isolamento internacional.

Com a mudança de governo em 2017, os Estados Unidos recuaram no processo de reaproximação; primeiro passo para o fim do bloqueio econômico; comercial e financeiro que continua impondo à ilha. O presidente norte-americano, Donald Trump, (eleito também com o voto dos cubanos; que imigraram para os EUA e que exigem a derrubada do comunismo na ilha); limitou viagens e investimentos (dos norte-americanos) em Cuba.

Raúl Castro

Raúl Castro diz que foi eleito presidente para “defender, manter e continuar aperfeiçoando o socialismo cubano, e não para destruí-lo”.

A eleição representa o fim de uma era, mas muitos observadores acham que; na prática, pouca coisa mudará na vida dos 11,5 milhões de cubanos: o Partido Comunista de Cuba (PCC); continua sendo o único e Raúl Castro seu chefe.

– O Partido Comunista é o órgão máximo de decisão política; de acordo com a Constituição cubana. Raúl Castro deixa a presidência do país; mas não o cenário politico – disse à Agência Brasil Erika Guevara-Rosas, diretora para as Américas da Anistia Internacional; uma organização de defesa dos direitos humanos. “Lamentavelmente, Cuba continua sendo um país que violenta, de forma massiva, as liberdades civis, políticas e de expressão.” Cuba é o único país do continente que não permite acesso oficial à Anistia Internacional. 

A expectativa é de que o cargo seja ocupado pelo atual vice-presidente, Miguel Díaz-Canel, de 57 anos, que nasceu depois da revolução, não usa farda, mas defende os ideais do Partido Comunista Cubano (PCC), onde atua desde jovem. “Sou como muitos neste país”, disse Díaz-Canel. “Formamos parte de uma geração que nasceu nos anos 60 e agradecemos muito toda a formação e as possibilidades brindadas pela revolução. Tivemos a oportunidade de participar dos processos de decisão nas organizações de base estudantis e da juventude”.

Reformas

Só houve uma sucessão presidencial na Cuba revolucionária e ela foi programada. Em 2006, Fidel Castro entregou o comando do país ao irmão caçula; primeiro interinamente, depois oficialmente. Fidel estava doente e morreu 10 anos depois. Nos últimos 12 anos, Raúl Castro adotou algumas medidas de abertura. Meio milhão de cubanos hoje trabalham no setor privado.

Desde 2013, quem quiser pode deixar o país, sem precisar de autorização para viajar ou ter que fugir de barco, numa perigosa travessia para a costa da Flórida. A compra e venda de imóveis e carros, mesmo limitada, foi permitida. E a Internet chegou à ilha, onde existem mais de 600 áreas publicas com conexão wifi.

Cenário internacional

No cenário internacional, Cuba participou da 7ª Cúpula das Américas em 2015. Foi a primeira reunião de líderes dos 35 países do Continente Americano com a participação do governo cubano; que até então tinha sido vetada pelos Estados Unidos. A notícia foi o histórico aperto de mão entre Raúl Castro e o então presidente norte-americano, Barak Obama; marcando a reaproximação dos dois países, depois de mais de meio século de guerra fria.

Apontada como responsável por disseminar revoluções comunistas na região; Cuba patrocinou o acordo de paz entre o governo colombiano de centro-direita, do presidente Juan Manuel Santos, e os rebeldes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Sete mil rebeldes entregaram as armas; depois de 50 anos de conflito, para formar um partido político, que este ano disputou as primeiras eleições legislativas.

Com a morte de Fidel em 2016, a pergunta era sobre o futuro do país. Raúl Castro propôs ao partido limitar a idade (70 anos) e o mandato (dois períodos de cinco anos) dos dirigentes do PCC; além de uma reforma constitucional. E anunciou que deixaria a presidência, por decisão própria, em abril deste ano.

Renovação

Para ex-combatentes da revolução, o sucessor de Raúl Castro representa a renovação da cúpula do regime comunista cubano, mas a continuidade de seus ideais. Alejandro Ferras Pellicer, de 94 anos, aposta nesta nova geração que, ao contrário da anterior, nasceu com direito à educação e que, segundo ele, estará mais preparada – intelectualmente e tecnologicamente – para lutar por uma sociedade mais igualitária.

Raúl Castro sinalizou, em mais de uma ocasião, que a ideologia não está em jogo – não importa quem seja o novo presidente de Cuba ou que pressões ele terá de enfrentar. “O substituto de Fidel só pode ser o Partido Comunista”, disse, quando os cubanos tentavam imaginar o futuro sem o pai da revolução.

O analista politico cubano Rafael Hernández acredita que o novo governo enfrentará pressões internas por mudanças, porque as expectativas de melhores condições de vida vêm de longa data e cresceram com o tempo. Segundo ele, apesar de Cuba enfrentar hoje uma conjuntura internacional menos favorável, a ilha não está na mesma encruzilhada dos anos 90, quando a União Soviética (principal fornecedora de petróleo a Cuba e financiadora de partidos comunistas no hemisfério internacional) se dissolveu em 15 repúblicas separadas – entre elas, a Rússia.  

– Nesses 60 anos, Cuba demonstrou ser capaz de sobreviver a várias crises; até à pior delas, nos anos 90, quando muitos pensavam que ficaria isolada e seria obrigada a mudar – disse, em entrevista à Agência Brasil, o analista político argentino Rosendo Fraga. “Com a saída de Castro, uma nova geração subirá ao poder. Mas a renovação será feita para manter o mesmo sistema em vigor”.

Correio do Brasil, com ABr – de Havana

Na foto: O novo líder será o primeiro, desde a Revolução Cubana

BRASIL | Cúpula do PSDB será investigada por roubalheira no Metrô paulistano


Rombo de perto de R$ 1 bilhão nas contas públicas de governos tucanos compromete Geraldo Alckmin. Ele será o candidato do PSDB à Presidência da República.

O Tribunal de Justiça de São Paulo aceitou a denúncia e tornou réus a cúpula do PSDB paulista. Nos governos chefiados por Geraldo Alckmin e José Serra, o rombo nas contas públicas gira na casa de R$ 1 bilhão.

Com isso, se tornaram réus o secretário de Transportes Metropolitanos de São Paulo, Clodoaldo Pelissioni; o atual presidente do Metrô, Paulo Menezes de Figueiredo; o chefe de gabinete do prefeito Bruno Covas, Sérgio Avelleda, e quatro ex-presidentes do metrô.

Os integrantes da cúpula do PSDB são acusados pelo Ministério Público pela compra e abandono de trens novos que ficaram sem utilização enquanto a construção da Linha 5-Lilás não era concluída. O Ministério Público pede a devolução de R$ 799 milhões como forma de ressarcir os cofres públicos pelos prejuízos causados.

Clodoaldo Pelissioni ocupou a Presidência do metrô entre março e setembro de 2015, quando assumiu a Secretaria de Transportes. Na ocasião, secretário estadual de Transportes Metropolitanos era Jurandir Fernandes, que também denunciado pelo Ministério Público.

Trens abandonados

Ação judicial por improbidade administrativa contra os gestores e ex-gestores foi aceita pelo juiz da 12ª Vara de Fazenda Pública, Adriano Marco Laroca, quase dois anos após a formulação da denúncia.

Os danos ao erário público teriam sido causados mediante a aquisição de 26 trens para a linha 5-Lilás do Metrô de São Paulo, em 2011, mesmo com as obras estão paralisadas desde o exercício anterior.

Os trens acabaram abandonados e vandalizados; além de ter sido constatado que eles não atendiam as especificações necessárias para funcionarem adequadamente.

Correio do Brasil – de São Paulo

Na foto: Alckmin está citado em mais de um processo que investiga corrupção ocorrida durante seu governo, no Estado de São Paulo

Brasil devagar, quase parando


Esse é o verdadeiro quadro incerto das expectativas. Um quadro construído pela irresponsabilidade de uma elite que jamais ofereceu a menor preocupação com os destinos de seu próprio País

Paulo Kliass* | Carta Maior

A edição do Plano Real em 1994 marcou o início de uma nova fase de coordenação dos instrumentos de política macroeconômica em nosso País. Após uma série de tentativas não exitosas de controle das altas taxas de inflação que marcou as décadas de 1980 e 1990, finalmente a dinâmica econômica e social passou a responder positivamente às mudanças do novo padrão monetário. A adoção da nova moeda fazia parte de um conjunto mais amplo de medidas de política econômica, dentre as quais o sistema de metas de inflação.

Com isso, o monitoramento e o controle do crescimento dos preços passam a ser realizados de forma mais institucional, tendo por instrumento prioritário a definição do patamar da taxa oficial de juros por parte da autoridade monetária. Em 1996, é instalado oficialmente o Comitê de Política Monetária (COPOM) no âmbito do Banco Central e constituído pelos integrantes da diretoria daquela instituição. Mais à frente, outra inovação de apoio ao sistema de metas de inflação deu-se com o estabelecimento da consulta formal do BC junto aos chamados “agentes do mercado”. Em 1999, o órgão regulador das instituições financeiras institui a Pesquisa de Expectativas de Mercado.

Trata-se da famosa Pesquisa Focus, que opera como verdadeiro misto de bússola e bíblia para os profissionais do mercado financeiro e também para a tecnocracia responsável pela implementação da política econômica, em especial a política monetária. A pesquisa tem frequência semanal e sua divulgação a cada início de período é recebida com a aura da verdade e de segurança a respeito do desempenho futuro da economia brasileira. Os jornalões são mestres em se saírem com as conhecidas frases do tipo “o mercado pensa”, “o mercado considera”, “o mercado espera”, “o mercado reage”, entre tantas outras tentativas de humanizar algo que nada mais é senão o mero interesse do financismo.

Banco Central e pesquisa dos amigos.

A metodologia da pesquisa é absolutamente voltada a enviesar os resultados pretendidos a priori. A própria página do BC exibe a forma de apuração das informações que servem para balizar as decisões da equipe econômica:

“Focus-Relatório de Mercado: apresentação de um resumo dos resultados da pesquisa de expectativas de mercado, levantamento diário das previsões de cerca de 130 bancos, gestores de recursos e demais instituições (empresas do setor real, distribuidoras, corretoras, consultorias e outras) para a economia brasileira, publicado toda segunda-feira”

Ora, os interesses de um pouco mais de uma centena de bancos e outras empresas que operam no mercado financeiro são expressos de forma sistemática e rotineira há quase duas décadas. Essas tais “expectativas” formam uma opinião a respeito de variáveis como crescimento dos preços e evolução da taxa de câmbio, por exemplo. E tais expectativas é que norteiam as orientações do governo sobre taxa de juros, taxa de câmbio e outras variáveis relevantes para o funcionamento da economia. Em resumo: o Estado brasileiro mesmo se arma uma armadilha para ficar refém das vontades e desejos do rentismo parasita.

Desde o êxito da estratégia colocada em marcha para promover o golpeachment que os “formadores de opinião” asseguravam que os problemas todos da economia seriam finalmente solucionados. Bastava tirar Dilma do Palácio do Planalto e colocar um time dos sonhos no comando da economia. Pouco importava se isso fosse destruir as bases de credibilidade institucional e jogar o Brasil nesse cenário de vale-tudo a que assistimos desde então. O importante era colocar dois banqueiros de absoluta confiança, um no Ministério da Fazenda e o outro no Banco Central.

Meirelles e Goldfajn seguiram à risca o manual da ortodoxia conservadora e aprofundaram a estratégia do austericídio, iniciada ainda por Joaquim Levy no início do segundo mandato da Presidenta. Ocorre que a combinação calamitosa de juros altos e cortes nas despesas públicas só fez acelerar o ritmo da recessão já encomendada. Ultrapassamos a casa de 14 milhões de desempregados, conhecemos a maior estagnação de nossa História e as falências multiplicaram-se por todos os cantos. Nunca antes o nosso PIB havia recuado mais de 8% em apenas dois anos seguidos.

Expectativas e espoliação do financismo.

Não obstante esse quadro catastrófico, as pesquisas realizadas pelo BC pareciam tratar de um universo paralelo. As taxas de juros continuavam nas alturas e as expectativas quanto ao futuro da economia eram sempre as mais otimistas possíveis. Afinal, os postos chaves estavam nas mãos de pessoas consideradas competentes. O problema da dominância do financismo foi sistematicamente deixado de fora da agenda governamental. Os ganhos do sistema financeiro não foram alterados e espoliação a que todos os demais setores da sociedade estão submetidos não se alterou sequer um milímetro.

Os dados mais recentes do próprio BC bem atestam essa insanidade. Em fevereiro de 2018, por exemplo, a taxa de juros cobrada nas operações de cartão de crédito nas instituições financeiras apresentou a média de 398%. Um verdadeiro crime praticado por uns poucos agentes da banca sobre dezenas de milhões de indivíduos. Os mais otimistas talvez tenham a reação de afirmar que isso já representa uma queda, pois um ano antes, em fevereiro de 2017, essa mesma taxa era de 537% ao ano. E o pior é que essa triste constatação é verdadeira.

O financês chama de “spread” essa diferença entre a taxa que o banco remunera seus depósitos e a taxa que ele cobra dos que tomam crédito e empréstimo. No ano passado, quando a SELIC estava em 13% ao ano, eles cobravam uma taxa 41 vezes maior nas operações com cartão de crédito. Em fevereiro desse ano, quando a SELIC estava em 6,5%, eles cobravam uma taxa 61 vezes maior nesse tipo de serviço. Ou seja, na prática, a rentabilidade do financismo aumentou ao longo do período de queda da taxa de juros. E o mais impressionante é que o BC assiste a tudo isso fazendo cara de paisagem. A função de órgão regulador do sistema financeiro foi esquecida, se é que em algum momento anterior ela foi exercida de fato.

Mas apesar de todo o esforço realizado pelo establishment e pelos grandes órgãos de comunicação, a realidade é que a população percebeu claramente o enrosco em que estamos metidos. O Brasil segue devagar, quase parando. O tão alardeado cenário de retomada do crescimento sustentável não passa de mentira ilusionista ou mera força de vontade. Se é verdade que saímos do fundo do poço, o fato é que recuamos tanto ao longo dos últimos 3 anos que o esforço de recuperação vai ser imenso e lento, caso o diagnóstico equivocado e as soluções conservadoras sigam os mesmos de sempre.

País paralisado e Lula líder nas pesquisas.

A pesquisa Focus continua chutando e errando muito. As opiniões dos especialistas do tal do mercado são forjadas pelo mesmo mundinho fechado do finacismo. Assim, aquele otimismo exagerado de um crescimento do PIB superior a 3% em 2018 vai sendo revisto a cada nova segunda-feira. Agora já se fala em algo inferior a 2,7%. Se é verdade que o desemprego tenha apresentado uma queda diminuta, esse fato deu-se exclusivamente às custas de postos criados no mercado informal. Além disso, é preciso lembrar que a tragédia monumental de mais de 12 milhões de pessoas sem posto de trabalho não será alterada sem uma mudança de orientação de política econômica.

Refém da estratégia do governo comandado pelos interesses do sistema financeiro, o País assiste passivamente à paralisia de suas atividades econômicas e às sucessivas tentativas de implementar a íntegra do projeto da maldade e do desmonte. Assim foi com a Emenda Constitucional 95, que congela as despesas públicas por 20 longos anos. O mesmo se deu com a aprovação da destruição da CLT e dos direitos dos trabalhadores. Essa foi a tentativa de votar a Reforma da Previdência. Nada diferente com a entrega da exploração do Pré Sal às multinacionais. Caminho idêntico foi o da liberalização da propriedade de terras ao capital estrangeiro. Assim tem sido com as privatizações já realizadas e as encomendadas, como Petrobrás e Eletrobrás.

O estrago realizado foi enorme e o compasso de espera pelas eleições de outubro contribui ainda mais para o seu aprofundamento. O Brasil patina e derrapa, mas avança muito pouco rumo a um futuro que volte a enfrentar as questões relevantes, como a necessidade de um modelo de desenvolvimento social e econômico de inclusão. Apenas um Referendo Revogatório no início do ano que vem será capaz de romper as amarras desse atraso que nos foi imposto pelos representantes do capital.

Os inúmeros candidatos da direita, tão carinhosamente chamados pela grande imprensa como sendo de “centro”, não conseguem se viabilizar eleitoralmente. Bolsonaro segue sozinho pela estrada da extrema direita, que a ele foi gentilmente pavimentada por parcela de nossas classes dominantes. Porém, esses diferentes interesses se unem para urdir todo o tipo de jogada e trapaça visando impedir a candidatura de Lula, que segue líder absoluto nas pesquisas. A intenção explícita é fazer de tudo para retirar o nome do ex Presidente da urna eletrônica. Pouco importa que ele seja o preferido da maioria da maioria da população.

Esse é o verdadeiro quadro incerto das expectativas. Um quadro construído pela irresponsabilidade de uma elite que jamais ofereceu a menor preocupação com os destinos de seu próprio País.

* Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.

http://www4.bcb.gov.br/pec/gci/port/expecmercado.asp?idpai=EXPECMERCADO

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