Coisas de Portugal e do mundo nesta
manhã chuvosa em todo o país. É o Curto do Expresso. Por Rui Gustavo. Acontece
que não estamos nem aí mas sim a mirar o racismo intolerável que existe em
Portugal.
Para cúmulo sabemos que temos deputados, o legislador, que fabrica
leis racistas, temos juízes e uma justiça(?) racista, temos o racismo em quase
tudo, talvez por via da cola do colonialismo de séculos. Cola que estará no ADN
até de jovens, que o herdaram dos país, dos avós, do Vasco da Gama. Racismo em
Portugal, ao contrário da lenda que corre de que em Portugal não há racismo,
que os portugueses não são racistas. Mentira. Governos, o Estado, deputados,
partidos políticos, empresários, etc. são racistas. Com todo a propriedade
podemos afirmar que comprovadamente Portugal e os portugueses são racistas!
“Olha, olha. Olha p’ra este, deve
ter acordado com os pés de fora!” Exclamarão alguns dos que são capazes de ler
esta entrada para o Curto. “Não somos racistas. Em Portugal não há racismo. Até
tenho um amigo mulatinho! E gosto muito de pretinhas!” Dito por potenciais
racistas à laia de quem lava a cara com água suja, conspurcada pelo racismo doentiamente saloio que bem lá no fundo transportam e se manifesta.
Um nome:
Joana Gorjão Henriques, a
jornalista que despe o racismo em Portugal. No jornal Público tem publicado um
manancial sobre o tema. Também em livro. Hoje nas “Manhãs TSF” falou com
Fernando Alves e soube a pouco. Deuses! O que ela sabe, o que ela aponta, o que
denuncia! Se quer saber só tem que pesquisar. Atrás do nome desta destruidora
do mito de que “os portugueses não são racistas”, de que “não existe racismo em
Portugal” ficamos a saber o Estado ‘horribilis’, o sistema que dá grandeza ao
racismo. E, como dito antes, temos no legislador, nos deputados, o racismo
escarrapachado nas leis que deitam cá para fora sem ponta de vergonha. Olhando
para a cor da pele de tantos portugueses que são atirados para a exclusão por
motivos vincadamente racistas. Uma vergonha para todos nós. Ou parece que não e
que a solução é dizer “vai lá para a tua terra” aos africanos portugueses cuja cor
de pele é escura e não é por frequentarem a praia. Os chamados “pretos” mesmo
que sejam “castanhos” ou até nem isso.
Afinal, lendo e ouvindo Joana
Gorjão Henriques, no Público ou em livro, até aqui na Internet, apetece
perguntar: porque é que os portugueses são racistas mas usam o mito de que não
o são? Porque temos no Parlamento deputados que não abraçam o tema e dão fim às
leis racistas? Porque existe no setor da justiça tanto racismo? Porque se
empurra para a exclusão, para as diversas exclusões de que são vítimas, para a
criminalidade, tantos jovens devido ao racismo que está impregnado nos
portugueses? Tanto que há para perguntar, reconhecer errado e corrigir…
Bom dia, abomináveis racistas que
se julgam e dizem não ser. Tenham vergonha e arrepiem caminho. Sigam para o
Curto, se quiserem. Está interessante, mas é o Expresso, tenham isso presente.
E hoje é muito Expresso neste Curto. (MM | PG)
Bom dia este é o seu Expresso
Curto
Como negociar com príncipes
Rui Gustavo | Expresso
Hoje, numa sala anónima do
Ministério da Educação, o futuro de milhares de crianças e dos respetivos
pais estará em cima da mesa de negociações. De um lado, o ministro Tiago
Brandão Rodrigues, que já terá assegurado a sua presença “nove meses depois” da
última aparição; do outro, os sindicatos dos professores, a começar, logo às
9h30 pela Fenprof do já veterano Mário Nogueira. Em causa, acima de tudo,
o
descongelamento da
carreira dos professores prometida pelo Governo até 2023 e exigida, na
totalidade, pelos docentes. O que os separa? “Nove anos, quatro meses e
dois dias” contabilizados pelo negociador Mário Nogueira que não aceita a
proposta governamental de descongelar “apenas” dois anos e dez meses da
carreira. Tempo é dinheiro e nas contas do Governo o degelo vai custar
1.477 milhões de euros e nas do sindicato 900 milhões.
O problema sai da sala do Ministério porque o sindicato, ainda antes das
negociações, já anunciou uma greve para o final do ano letivo - altura das
avaliações, renovação das matrículas e constituição das turmas. Não é
muito difícil imaginar o efeito
dominó do
que sair da sala de reuniões da 5 de outubro. Só há negociação quando as duas
partes ganham mas desta vez vai ser precisa muita habilidade negocial para
ninguém perder a face.
No livro “Como negociar com príncipes”, François de Callières, diplomata e
secretário do gabinete do rei Luís XIV, defendia a importância da diplomacia
para a resolução de conflitos, argumentando que negociação “é cooperação e
não competição” e que o principal objetivo dos governantes deve ser o de
não recorrer à guerra “enquanto não tiver lançado mão e esgotado a via da razão
e da persuasão”. Callières não foi ouvido na altura e só trezentos anos depois
“A Arte de Negociar”, como também é conhecida, teria algum sucesso. Algum.
Se costuma andar de comboio, provavelmente estará a ler este Curto numa estação
à espera do comboio que nunca mais vem. É que hoje há greve da CP porque
os trabalhadores estão contra a alegada
intenção da
empresa de pôr a circular comboios com um agente único a bordo. Mesmo que
tenha comprado bilhete, não tem direito a devolução do dinheiro ou a comboio.
As negociações entre o Governo e os sindicatos, não só este, mas qualquer
governo, são uma espécie de tormento de Sísifo, o rei condenado a empurrar uma
pedra até ao alto de uma montanha para ter de a empurrar outra vez no dia
seguinte. O mito grego pretendia demonstrar o absurdo da existência humana. Se
finalmente ouvirmos Callières, talvez a pedra fique no topo por algum tempo.
OUTRAS NOTÍCIAS
Devia dizer outras negociações:
Jorge Jesus e Bruno de Carvalho estão a negociar a rescisão do contrato entre o
treinador e o Sporting. De acordo com os
desportivos de hoje, Jesus
já terá acordo com os sauditas do Al-Hilal onde irá ganhar sete milhões de
euros num ano. A assinatura do contrato está dependente do acordo de rescisão
com o Sporting que ainda ontem, num longo
comunicado traduzido
pela
Tribuna,
garantia que nunca despediu Jesus e elogiava os jogadores e treinadores do
Vitória de Guimarães que se mantiveram no clube apesar de terem sido atacados
pelos adeptos, numa situação semelhante à ocorrida em Alcochete.
Em três anos depois de ter saído com estrondo do Benfica, Jesus ganhou uma Taça
da Liga e uma Supertaça e devolveu competitividade ao clube. A saída é marcada
pelos absurdos acontecimentos de Alcochete quando a equipa foi atacada pelos
próprios adeptos antes de um treino. 23 dos cerca de 50 atacantes foram
detidos e estão em prisão preventiva. Os outros terão sido identificados, mas
não foram, sequer, detidos pela polícia.
Não é a primeira nem será a última vez que temos de escrever isto: 48
migrantes morreram na madrugada de domingo quando a embarcação em que navegavam
se virou ao largo da Tunísia. O barco tinha capacidade para 70 pessoas, mas
seguiam a bordo mais do dobro. A contabilidade mortal não deve ficar por
aqui.
Na Turquia, nove pessoas morreram quando a lancha em que viajavam se
virou ao largo da província da Anatólia. Seis eram crianças. Até quando?
Hoje, no Tribunal de Sintra, prossegue o julgamento de 17 agentes da PSP
acusados de agredirem vários jovens da Cova da Moura, um bairro degradado
às portas da capital. Os polícias são igualmente acusados de ofensas racistas e
de proferir frases como “Sangue de preto, que nojo”. Na
primeira sessão,
os policias que prestaram depoimento não só negaram todas as acusações como
garantiram que se limitaram a defender a esquadra de uma invasão. Versão oposta
à da principal vítima que diz ter sido abordado e imediatamente agredido por
polícias sem qualquer motivo e que os amigos e familiares que foram à esquadra
para saber deles acabaram igualmente agredidos.
A acusação tem factos graves, como detidos algemados a noite inteira e
obrigados a dormir no chão, ameaças e ofensas sem qualquer justificação que, a
serem verdade, serão uma mancha grave no uniforme da PSP. Mas também tem
fragilidades (uma oficial chegou a estar acusada quando nem esteve no
local) e o facto de os polícias acusados terem aceitado falar mostra que
estarão de facto convencidos de que não cometeram qualquer crime. Mas para
já, a Justiça tem dado mais força à versão das alegadas vítimas: os
procuradores do MP e o juiz de instrução consideraram que há indícios
suficientes para um julgamento. Por negociação entre o Estado e o povo, a
polícia, não só a PSP mas todas as outras forças, são os únicos que num país
normal podem exercer a violência de forma legal. Repito: legal.
Dias depois de Donald Trump ter adiado a cimeira com o líder norte-coreano Kim
Jong-un, foi a vez de Bashar al-Assad, líder da martirizada Síria, a
anunciar que
vai encontrar-se com o presidente da Coreia que de pária passou a
diplomata num estranho piscar de olhos.
As autoridades britânicas
atribuem ao
estilo musical “drill” a responsabilidade pela onda de esfaqueamentos que matou
dezenas de jovens em Londres e nos arredores. Nos vídeos publicados no
youtube, os grupos deste estilo de rap “niilista” falam de, de facto, de
esfaqueamentos, ataques, morte e outras liberdades criativas, mas dizem estar a
ser usados como bodes expiatórios. Trinta vídeos foram retirados do youtube.
Miguel Oliveira
venceu o
Grande Prémio de Itália em Moto GP2. A notícia está na primeira página de
praticamente todos os jornais de hoje. O melhor relato pode ser ouvido
aqui.
Obrigado, Brasil, por existires.
FRASES
“É preciso fazer voz grossa a Bruxelas”
Assunção Cristas, líder do PP, sobre o corte dos fundos comunitários a Portugal
“Mais do que voz grossa, é preciso argumentar”
Jerónimo de Sousa, líder comunista, sobre o mesmo corte.
“Tenho a esperança, mais, tenho a convicção de que estamos a fazer tudo para
que não se repita o que aconteceu no ano passado”
Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, sobre a época dos fogos que se avizinha
“Olho para o sinal, está vermelho, não aparece nada”
Utente da CP há duas horas à espera do comboio que não aparecia
"A Itália e a Sicília não podem ser o campo de refugiados da Europa Os
bons tempos para os clandestinos chegaram ao fim: preparem-se para fazer as
malas"
Matteo Salvini, novo ministro do
Interior italiano
O que eu ando a ler
“Ali. A Life”
Jonathan Eig
Muhammad Ali é o maior pugilista da história apesar de ter tido várias derrotas
no currículo enquanto muitos lutadores que conseguiram acabar a carreira sem
derrotas não passam de uma página no livro da história do boxe. É que há homens
maiores do que a vida. Muhammad - cujo bisavô era escravo, o avô um assassino
condenado e o pai um alcoólico que batia na mulher e chegou a atacar um dos
filhos com uma faca – mudou de nome porque quis matar a herança de escravo
(nasceu Cassius Marcellus Clay, já agora), recusou alistar-se no exército
americano e a combater no Vietname porque “nunca nenhum vietcong me chamou
preto” (tradução livre) e por causa disso perdeu o título mundial e foi
proibido de combater durante vários anos. Além de ser um lutador
transcendental, inventou o trash-talk - luta verbal pré-combate que consiste em
perturbar e provocar o adversário o mais possível de preferência com piada. E
Ali tinha. No fim da vida, minado pela doença de Parkinson, já era uma figura
consensual quando acendeu a chama dos jogos olímpicos de Atalanta. Aos eleitos
tudo se perdoa. O livro é escrito por Jonathan Eig que entrevistou mais de 500
pessoas para poder contar todos os combates de Ali. Dentro e fora do ringue.
O que eu ando a ver
“Ilha dos Cães”
Wes Anderson
Fábula no sentido literal de Wes Anderson (só entendemos o que os cães dizem
porque os humanos falam em japonês que só é traduzido de vez em quando), o
filme de animação non-stop (bonecos reais filmados e não desenhados) conta a
história de Atari, o filho adotivo do presidente da Câmara ditador Kobayashi,
que ordenou o exílio forçado de todos os cães da cidade de Megasaki a pretexto
de uma gripe canina e do excesso de população. Atari é o único que não esquece
o seu cão e parte para a ilha que dá título ao filme (na verdade é uma ilha de
lixo) em busca de Spots. Outrora resignados, os cães veem no puto o exemplo que
precisam para mudarem (ou tentarem que é o que realmente interessa) o destino
malvado. Para além do argumento inteligente, e da pandilha de astros nas vozes
(Edward Norton, Bryan Cranston, Bill Murray, Frances McDormand, Scarlett
Joahansson, Yoko Ono, sim essa Yoko Ono) o filme é um regalo visual e cada
plano é um quadro cuidadosamente pintado pelo cineasta a quem já me tinha
rendido desde “Os Tenenbaums – uma Comédia Genial”. O filme deve estar quase a
sair de cena. Tal como eu, pelo menos por agora.
Siga os próximos capítulos das nossas vidas em
www.expresso.pt e no Expresso Diário,
às seis em ponto da tarde.