sábado, 23 de junho de 2018

OCDE reconhece avaria no «elevador social»



A OCDE descobriu que a receita da social-democracia e da democracia cristã, pregada há 100 anos, é falsa. Isto é, o dito «elevador social» movido a educação, segurança social e emprego, sob o jugo do capital, não eleva ninguém!

OCDE «descobriu» que o «elevador social» das principais sociedades capitalistas (da OCDE a 24 países) está «avariado»1. Isso mesmo: «avariado»! 

A OCDE descobriu que «(…) a situação económica das pessoas em Portugal se transmite fortemente entre gerações (…)». Que «(…) em Portugal pode levar aproximadamente cinco gerações para que crianças nascidas em famílias na parte baixa da distribuição de rendimento alcancem o rendimento médio (…)».

Mas não estamos mal acompanhados. Se cá demora cinco gerações a chegar à «classe média», estamos perto da média da OCDE (4,5 gerações), no mesmo patamar que os EUA, Inglaterra e Itália, e melhor que a França e Alemanha, que demoram seis gerações! O que não deixa de ser interessante para os que, diariamente, atribuem, explicam, todos os males e desgraças do país pelos feitios, vícios, temperamentos, idiossincrasias (e outras fantasias), da «raça portuguesa»!

A OCDE descobriu, nestes tempos tumultuosos que atravessam as sociedades capitalistas, que a receita da social-democracia e da democracia cristã, pregada há 100 anos (talvez melhor, desde que irrompeu o «espectro do comunismo» na Europa2 e, mais assumidamente, depois da revolução russa de 1917), é falsa.

Isto é, o dito «elevador social» movido a educação, segurança social e emprego, sob o jugo do capital, não eleva ninguém! É certo, há excepções para confirmar a regra. A OCDE valida, assim, certamente depois de laboriosos estudos e complexos cálculos matemáticos, ao arrepio da sua ideologia, o que os comunistas há muito afirmam: na sociedade de classes do capitalismo, cada classe reproduz a sua classe.

Diz a insuspeita OCDE: «(…) 55% dos filhos de trabalhadores manuais crescem para se tornarem trabalhadores manuais.»; «Ao mesmo tempo, filhos de gerentes têm cinco vezes mais possibilidades de se tornarem gerentes do que filhos de trabalhadores manuais».

E podia dizer mesmo mais: que os filhos do Belmiro têm todas as possibilidades de serem novos belmiros, os filhos do Amorim, novos amorins, tal como os Espírito Santo foram/são filhos dos espíritos santos... (mesmo se o Belmiro e o Amorim são das tais excepções).

Não é por acaso que tanto falam e tanto gostam das (grandes) «empresas familiares», das ditas «dinastias empresariais». O capitalismo não só produz (e «alimenta-se» das) desigualdades (sociais e territoriais), como as reproduz, agravando-as mesmo.

Mas a OCDE descobriu também os remédios, isto é, os mesmos velhíssimos remédios das velhíssimas receitas atrás referidas da social-democracia e da democracia cristã (aliás, medidas propostas por muitos socialistas utópicos): a educação!

Que agora, segundo a OCDE, deve ser focada na educação pré-escolar e na qualificação dos adultos. Mas há (oh!) inovação: «A falta de mobilidade na parte baixa [do rendimento] em Portugal pode estar relacionada com o elevado nível de desemprego de longa duração (DLD) e a segmentação do mercado de trabalho». Logo, segundo a OCDE reforçar «novos e serviços de emprego e PAMT (Políticas Activas do Mercado de Trabalho) aos mais necessitados».

Remédios que, como é sabido, têm dado resultados extraordinários: cada vez há mais DLD, e só não há mais porque a reforma ou a reforma antecipada retiram muitos dessa estatística. 

Notável a perspicácia OCDEza. Mas há dilemas e questões difíceis sobre que a OCDE terá ainda de reflectir: os do fundo não sobem porque são DLD ou são DLD porque são do/estão no fundo? E então, os do fundo, empregados e desempregados de curta duração, não sobem porquê? Uma coisa é certa, os do topo, não chegam a DLD, porque nem a empregados chegam... são ricos a tempo inteiro e de longa duração!
     
A OCDE não explica como «as suas receitas» são concretizadas, compatibilizadas com as suas orientações de políticas económicas, financeiras e orçamentais que desencadeiam cortes nos orçamentos da educação e da saúde, nos apoios sociais, a desvalorização do trabalho e dos trabalhadores, despedimentos e desemprego, a instabilidade profissional e maior precariedade.

Como se compatibilizam «as suas receitas» com as ditas e celebradas «reformas», sempre presentes nos relatórios e recomendações da mesma OCDE (e FMI, e CE, e etc.) dirigidas aos países seus associados!

Aliás, é notável a desfaçatez com que aborda «as reformas» da legislação laboral do anterior governo PSD/CDS: «(…) reformas do mercado de trabalho, reduzindo as diferenças na Legislação de Protecção do Emprego [juro, que é assim que está escrito!!!] entre trabalhadores temporários e permanentes, ao mesmo tempo que estimulando a mobilidade profissional.». Então não foi!

Reduziram, sim senhor: passaram milhares de permanentes a temporários e, logo, reduziram «as diferenças» para todos os que passaram a precários; enviaram milhares de trabalhadores para o desemprego e, logo, um futuro de DLD ou de trabalho precário, ou de biscates e, logo, estimularam «a mobilidade profissional».

E quando todos os trabalhadores tiverem vínculos precários, é certo: acaba-se a dita «segmentação do trabalho». Descaramento. Mas a avaliação («rigorosa», «científica») da OCDE não se fica por aqui: «As reformas ampliaram a rede de segurança proporcionada pelos benefícios aos desempregados, fortaleceram o seu quadro de activação e aumentaram a oferta de programas de treinamento de curto prazo e a contratação de subsídios para os desempregados».

Para lá do «português ocde», a mentira pura e simples. Então não foi! Reduziram a indemnização por despedimento, que foi facilitado, reduziram a abrangência temporal do subsídio de desemprego e, logo, ampliaram a «rede de segurança» e os «benefícios» dos desempregados!

Passaram milhares de trabalhadores de uma actividade laboral regular e estável para a precariedade e o desemprego, isto é, para o activismo do corre-corre para os centros de emprego e a via-sacra das visitas a empresas (sem trabalho) para obter um carimbo e, logo, fortaleceram o «seu quadro de activação»! Descaramento absoluto.  
                
E, para cúmulo, a OCDE, de vez em quando, manda-nos o Álvaro, o ex-dito ministro Álvaro, o autor da tal «Legislação de Protecção do Emprego» de que a OCDE tanto gosta, aconselhar-nos a fazer mais das ditas «reformas». Mas ele não precisa de vir, e pode assim poupar dinheiro à OCDE em viagens e alojamento.

Como sabemos, o primeiro-ministro A. Costa, do Governo PS, tem em curso, com a ajuda do grande patronato, um esforço sério para consolidar a dita reforma que o próprio Álvaro, ministro da Economia do governo PSD/CDS, fez. Legislação em que o primeiro-ministro A. Costa não quer mexer, no essencial, porque está de acordo.

A OCDE também não explica porque é que o «elevador» está cada vez mais avariado, apesar da manutenção e reparações a esmo por conselho e por conta dos peritos da OCDE, e de outros da mesma laia. Terá alguma coisa a ver com troikas e companhia, de dentro e de fora?

Nós percebemos bem as preocupações da OCDE. Como explica o Público, que se farta de reproduzir e insistir nas suas páginas (o que outros media também fazem) sobre as vantagens das receitas da OCDE, «Como os perigos decorrentes da estagnação social não são nada negligenciáveis, nomeadamente porque reforçam o risco de aparecimento de movimentos extremistas e populistas que põem as democracias em risco (…)» (Público, 16JUN18).

De facto, como dizia, citando ou por conta própria, o Eng. António Guterres, nos inícios da sua carreira de primeiro-ministro, nos tempos idos de meados da década de 90 (ainda longe do pântano onde mergulhou para ressurgir fénix renascida como Comissário da ONU, antes de ser eleito Secretário-Geral: «Se nós não tratarmos dos pobres, um dia, os pobres tratam de nós».
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1. Na tradução literal do comunicado da OCDE (15JUN18) em português, escreveu-se «quebrado»: «Um elevador social quebrado»
2. «Anda um espectro pela Europa - o espectro do Comunismo», Manifesto Comunista, 1872)

PORTUGAL | O parolo do Norte


Domingos de Andrade* | Jornal de Notícias | opinião

A cadeira faz mais vezes o homem do que o homem a cadeira. Mas esta máxima da sociologia do poder aplica-se pouco a Rui Rio. E o problema maior é que, no caso do líder do PSD, nem a cadeira faz o homem, nem o homem a cadeira. Vamos por partes.

O grupo parlamentar foi escolhido a dedo por Pedro Passos Coelho. E eleito em legislativas. Rio não escolheu ninguém e foi escolhido por uns poucos. Mais contra o outro candidato do que a favor dele. Da eutanásia, ao imposto sobre combustíveis, passando pelos professores e acabando em críticas ao Governo, os deputados dizem uma coisa, Rio outra. Para fadar o caminho do PSD numa ideia, numa opinião, numa votação, no sucesso ou insucesso de uma proposta, basta que o líder do PSD se pronuncie, para que os deputados façam o contrário.

Em tudo o mais Rio perde. Quando passa meses para apresentar uma ideia, uma boa ideia, a da natalidade, e a deixa cair porque ela mal resiste às contas. E aos deputados. Quando dedica uma semana aos problemas da Saúde e não sobra ideia nenhuma. Quando, contrariando a sua máxima de ser ele a gerir o tempo, não resiste a comentar a fervura dos dias não comentando e deixando o comentário para os seus deputados que hão de comentar o contrário do que pensa para ele vir comentar que não comenta. Leia devagarinho. Porque é mesmo assim.

Mas Rui Rio, que faz questão de deixar correr que tem equipas multidisciplinares a trabalharem em projetos para o país, que acredita resistir até às eleições escolhendo depois a dedo os seus deputados, mas esquecendo que a oposição dos próprios será mais feroz fora do Parlamento, tem um problema ainda maior. Parágrafo.

É olhado como um parolo do Norte. Mesmo para os parolos do Norte do partido que o derretem na praça pública. E o Norte, para uma parte da política do Sul, é uma terra longe onde chove muito e as florestas ardem. O PSD não vai longe.

*Diretor-executivo do JN

O novo governo de Timor-Leste e o quase milagre da multiplicação dos corruptos


António Veríssimo* | opinião

Taur Matan Ruak, novo primeiro-ministro de Timor-Leste, foi ontem (22) empossado, assim como parte dos ministros e secretários de estado que constituem o VIII governo constitucional. A posse de outros membros do governo propostos pelo PM ficou adiada por recusa do PR Lu Olo devido a alguns nomes de propostos estarem conotados e/ou condenados por corrupção, assim como alguns que ainda estão a ser investigados pela justiça e que fizeram parte de governos anteriores, de Xanana Gusmão.

O procedimento do PR Lu Olo foi inteiramente transparente e protetor dos interesses do estado e da república timorense, tendo contribuído de modo iniludível para a importância do combate à corrupção existente em Timor-Leste. Mas assim não entendeu Xanana Gusmão, que em protesto não compareceu na cerimónia de posse e tornou pública a sua decisão contestatária.

Também muitos timorenses e outros que observam ou de algum modo estão ligados a Timor-Leste não entenderam nem entendem que Taur Matan Ruak, primeiro-ministro, tenha aceite integrar no seu governo potenciais corruptos já condenados ou outros que estão a ser investigados por esse mesmo crime devido a indícios existentes. Tanto mais que Taur sempre bramiu com insistência e vigor a “espada” da luta contra a corrupção.

Quanto à atitude contestatária de Xanana Gusmão devido à decisão de recusa presidencial observa-se normalidade, porque Xanana sempre demonstrou conviver amenamente no âmbito da corrupção tantas vezes apontada em governos do seu primado e dos quais foram produzidos pela justiça timorense alguns condenados. No que toca diretamente à sua pessoa foi facto que quando foi perspetivada a ação da justiça em o investigar é que a situação não foi pacífica, culminando com a expulsão de magistrados portugueses e outros do país. E depois disso “a montanha pariu um rato”.

Timor-Leste consta de índices internacionais que o apontam como país de elevada corrupção. Por isso existem organismos de combate à corrupção e pessoas de bem que estão atentas e ativas nessa "guerra". Compreende-se absolutamente correta e exigível a decisão do presidente da república timorense, Lu Olo. A não se combater com frontalidade e veemência o fenómeno que tanto prejudica países e povos, ao aceitar potenciais e/ou comprovados corruptos já anteriormente condenados, qualquer pessoa entende com clareza que o pão pode voltar a ser retirado da boca do povo por esses criminosos. Juntar essas pessoas num governo ou na administração pública, em cargos de decisão e poder, será quase o mesmo que assistirmos a um nefasto “milagre”. Neste caso, não da bíblica multiplicação dos pães mas sim da multiplicação de corruptos. AV = MM

PM nomeado informa Presidente de Timor-Leste que Xanana Gusmão não toma posse hoje


Díli, 22 jun (Lusa) - O primeiro-ministro nomeado informou hoje que o número dois do próximo Governo, Xanana Gusmão, não vai tomar posse hoje, em protesto contra a decisão do Presidente de Timor-Leste excluir alguns dos propostos membros do executivo.

Em causa - segundo uma carta que Taur Matan Ruak enviou hoje ao Presidente da República, Francisco Guterres Lu-Olo e à qual a Lusa teve acesso - a decisão prende-se com "reservas" manifestadas sobre "algumas das personalidades propostas para integrarem o VIII Governo Constitucional".

"Atendendo à necessidade de se obterem esclarecimentos adicionais sobre os processos judiciais em que as mesmas alegadamente se acham envolvidas, venho por este meio informar que concordamos que a cerimónia de posse tenha lugar hoje, só com ausência do presidente do CNRT, como ministro de Estado conselheiro do primeiro-ministro, o qual estará presente na segunda fase da tomada de posse do VIII Governo", escreve Taur Matan Ruak.

A carta surge em resposta a uma carta que Lu-Olo enviou a Taur Matan Ruak, confirmando que só tencionava dar posse a parte do elenco governativo proposto pelo primeiro-ministro nomeado.

ASP // JMC


Exclusão de nomes propostos para o Governo timorense gera polémica na coligação


Díli, 22 jun (Lusa) - A exclusão pelo Presidente timorense de mais de uma dezena de membros propostos para o próximo Governo está a causar "profundo mal-estar" e fortes críticas na coligação que apoia o executivo, informaram fontes partidárias à Lusa.

Alguns dos principais líderes da Aliança de Mudança para o Progresso (AMP) defendem o cancelamento da tomada de posse de uma parte do executivo prevista para hoje, disseram várias fontes ouvidas nas últimas horas pela Lusa e que solicitaram o anonimato.

"O assunto está a ser debatido pelos nossos líderes. A eles cabe a decisão final sobre o que fazer", confirmou um alto responsável do Congresso Nacional da Reconstrução Timorense (CNRT), o maior partido da AMP.

"Vamos encontrar a melhor solução possível para este país. Temos que pensar no futuro deste país", disse outros um dos responsáveis máximos da AMP.

Em causa está a decisão do Presidente da República só dar posse hoje a 30 dos mais de 40 elementos propostos pelo primeiro-ministro nomeado, Taur Matan Ruak, para integrar o VIII Governo constitucional, segundo a lista a que a Lusa teve acesso.

De fora ficam alguns dos pesos pesados do executivo, incluindo Francisco Kalbuadi Lai, que seria número três no Governo e que é secretário-geral do CNRT.

Por nomear encontram-se vários outros ministros propostos pela AMP, incluindo o da Administração Estatal, o do Planeamento e Investimento Estratégico, o das Finanças, entre outros, todos eles escolhidos pelo CNRT. De fora está também o nome proposto para ministro da Saúde.

Alguns deputados pediram hoje suspensão do mandato, os quais, segundo fontes da AMP, estavam na lista de membros propostos para o Governo, nomeadamente António Verdial (KHUNTO) e Virgilio Smith (CNRT).

A AMP é integrada pelo CNRT, pelo Partido Libertação Popular (PLP), liderado por Taur Matan Ruak, e pelo Kmanek Haburas Unidade Nacional Timor Oan (KHUNTO).

Outra das surpresas é a ausência de Filomeno Paixão, que esta semana pediu a exoneração como número dois das Forças de Defesa de Timor-Leste (F-FDTL) - estava proposto para ministro da Defesa - e que o próprio Presidente disse na quinta-feira à Lusa que seria um bom titular da pasta.

As primeiras reações à lista, na quinta-feira, foram de "muito descontentamento", especialmente no topo do CNRT.

Fontes do PLP e do CNRT confirmaram que hoje de manhã, horas antes da tomada de posse prevista para as 16:30 locais (08:30 em Lisboa), a posição "não se tinha alterado".

Até ao momento a Presidência não deu qualquer explicação para o facto de não tomarem posse todos os membros propostos por Matan Ruak.

Uma fonte do gabinete de Lu-Olo disse apenas que a tomada de posse deverá ser feita "em fases".

O decreto com a lista dos membros propostos para o próxim Goveno e que deviam tomar posse hoje foi já publicado no Jornal da República.

ASP // JMC | Na foto: PR de Timor-Leste, Francisco Guterres Lu Olo

Portugal já enviou processo de Manuel Vicente para Angola


O processo do ex-vice-Presidente da República de Angola, Manuel Vicente, já foi transferido para a Justiça angolana, anunciou, em Luanda, a secretária de Estado da Justiça de Portugal, Anabela Pedroso.

A governante portuguesa, que segundo a comunicação social angolana está em Luanda "em visita de trabalho", não adiantou a data em que o processo de Manuel Vicente foi entregue às autoridades de Luanda. De acordo com a agência de notícias Angop, Anabela Pedroso disse quinta-feira (21.06) aos jornalistas angolanos que, na condição de membro do Governo, podia informar que o processo já transitou da Procuradoria-Geral da República portuguesa para Angola.

"Pelo que eu acabei de saber, a Procuradoria-Geral da República portuguesa já enviou o processo, naquilo que tinha que fazer, para Angola", anunciou a secretária de Estado, em declarações emitidas pela televisão angolana Zimbo. "[O processo] já seguiu, já está neste vosso país", vincou.

O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu em maio enviar o processo que envolve o ex-vice-Presidente angolano Manuel Vicente para julgamento em Luanda, um caso que há vários meses estava a causar mal-estar entre os dois países.

A Casa Civil do Presidente da República de Angola anunciou a 11 de maio, em comunicado, que o chefe de Estado angolano, João Lourenço, transmitiu a vontade de reforçar a cooperação bilateral com Portugal na conversa telefónica que manteve no mesmo dia com o homólogo português, Marcelo Rebelo de Sousa. A conversa telefónica foi "aproveitada para se referirem à decisão tomada ontem pelo Tribunal da Relação de Lisboa", aludindo à transferência para Luanda do processo que envolve o ex-vice-Presidente da República.

Processo abalou relações Portugal-Angola

Em janeiro, o Presidente angolano afirmou que as relações entre Portugal e Angola vão "depender muito" da resolução do processo de Manuel Vicente e classificou a atitude da Justiça portuguesa até então como "uma ofensa" para o seu país. "Lamentavelmente [Portugal] não satisfez o nosso pedido, alegando que não confia na Justiça angolana. Nós consideramos isso uma ofensa, não aceitamos esse tipo de tratamento e por essa razão mantemos a nossa posição", enfatizou João Lourenço.

Para a defesa do ex-governante angolano, as questões relacionadas com Manuel Vicente deviam ser analisadas pela justiça angolana, apontando mecanismos previstos no Direito Internacional e nos Direitos internos em matéria de cooperação judiciária entre países da CPLP.

O TRL considerou a 10 de maio que a aplicação da lei da amnistia aos factos imputados ao ex-vice-Presidente angolano, Manuel Vicente, no processo Operação Fizz, "não põe em causa a boa administração da justiça". Segundo a decisão, a que a agência Lusa teve acesso, a potencial aplicação pelas autoridades judiciárias de Angola da lei da amnistia aos factos imputados ao antigo governante "faria parte do funcionamento normal de um mecanismo do sistema jurídico angolano e não põe em causa a boa administração da justiça".

Além do argumento de que a boa administração da justiça "não se identifica sempre e necessariamente com a condenação e o cumprimento da pena", os juízes Cláudio Ximenes e Manuel Almeida Cabral entendem, por outro lado, que, caso haja condenação, também a reinserção social justifica a continuação do processo contra o ex-presidente da petrolífera Sonangol em Angola.

O TRL deu razão ao recurso da defesa determinando que o processo contra Manuel Vicente prossiga em Angola, num caso em que o Ministério Público português lhe imputou crimes de corrupção ativa, branqueamento de capitais e falsificação de documento.

Na decisão, os juízes tiveram em conta a resposta do procurador-geral da República de Angola de que não haveria possibilidade de cumprir uma eventual carta rogatória para audição e constituição de arguido e que Manuel Vicente, depois de cessar funções como vice-Presidente, "só poderia ser julgado por crimes estranhos ao exercício das suas funções decorridos cinco anos sobre a data do termo do mandato".

Agência Lusa | em Deutsche Welle

Angola: "É preciso vontade política para negociar o futuro de Cabinda"


Em Lisboa, ativistas afirmam que o atual momento político em Angola é propício para falar sobre Cabinda com o Governo. Mas que ainda é preciso "vontade política" por parte das autoridades.

As mudanças em curso em Angola, que visam a reforma do Estado, são uma "oportunidade de ouro" para se encontrar uma solução aceitável que permita definir o futuro político do enclave de Cabinda. A proposta é lançada pelo deputado independente Raul Tati, que participou esta quinta-feira (20.08), em Lisboa, num debate sobre o futuro do enclave.

Mudou-se o rosto, mas o dossier sobre o futuro do enclave continua nas mãos do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), o partido no poder. "É preciso encontrar uma solução para o conflito de Cabinda", afirma o deputado Raul Tati. O professor da Universidade Católica de Angola desafia os cabindas a não repetir o que aconteceu nos últimos 43 anos de governação de José Eduardo dos Santos.

"Nós não podemos ficar de mãos cruzadas, na expetativa que o Governo resolva [o problema de Cabinda]. Temos de continuar a luta. Temos de continuar a criar e a provocar o Governo, neste momento liderado pelo Presidente João Lourenço, para que olhe para o problema de Cabinda", afirmou Tati.

Ambiente propício

Recentemente, o novo Governo de Angola, liderado por João Lourenço, admitiu a grave situação de instabilidade que se vive no enclave, situado entre os dois Congos. O deputado independente considera que a atual conjuntura de reformas do aparelho do Estado constitui uma oportunidade ímpar para que seja definido o futuro do território. E considera que "o ambiente político é propício" e que "também as perspetivas são animadoras".

Mas o académico acrescenta que "o Presidente ainda não deu nenhum sinal positivo que nos possa entusiasmar em relação a uma vontade política de ir ao encontro dos cabindas para resolver esse problema. Ainda não temos isso, pelo menos do ponto de vista oficial".

O deputado independente, apoiado pela bancada parlamentar do maior partido da oposição angolana, a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), afirma que as eleições autárquicas em si não devem resolver a questão de Cabinda.

Ele explica que "uma coisa são as reivindicações autonómicas que sempre tiveram lugar em Cabinda e outra coisa é a questão das autarquias que se forem bem orientadas – por exemplo estamos a pensar criar em Cabinda uma autarquia supramunicipal tal como está na Constituição – podia talvez dar uma luz para aquilo que nós pretendemos, dentro daquilo que se pode esperar em termos de soluções graduais para o nosso problema".

Para o jornalista e ativista angolano Sedrick de Carvalho, autor do livro "Cabinda – Um território em Disputa", este também é um momento favorável para a autonomia, se houver um diálogo aberto.

De acordo com o ativista, "há movimentos nesse sentido para que haja o diálogo aberto". "João Lourenço não tem como fugir a esse debate. Então, acredito que vai ser obrigado a dialogar e, sobretudo, a dialogar com quem faz uma luta pacífica pela independência ou autonomia de Cabinda", avaliou Sedrick de Carvalho.


"Direito do povo de Cabinda"

O Governo de João Lourenço deve estar predisposto a negociar com justiça. Este é o que deseja o povo de Cabinda, segundo José Marcos Mavungo, ativista dos Direitos Humanos. "No fundo, a grande questão é que o povo de Cabinda tem o direito à autodeterminação. É um direito natural que nem Angola tem direito de negar, nem o próprio povo de Cabinda deve negar isto. Temos vindo a lutar [no sentido de] criar as condições para que haja um diálogo transparente e inclusivo", disse.

Mavungo respeita as opiniões de vários quadrantes sobre autonomia ou independência. O que importa, sublinha, é que o Presidente João Lourenço tenha coragem política para definir o rumo deste processo político, sob pena de poder transformar-se num problema fatal para Angola.

"E nós achamos que Angola não podia apenas ter um novo presidente, mas tinha que ter-se a vontade de rever a governação destes últimos 43 anos, examinar os erros que foram cometidos e tirar lições para se dar um novo passo, não só em termos de governação mas até em relação à própria lei".

Sedrick de Carvalho, José Marcos Mavungo, Raul Tati e o advogado e ativista Arão Bula Tempo, que participou via teleconferência, foram oradores num debate sobre o futuro de Cabinda. A mesa-redonda, com o objetivo de promover a reflexão também ao nível académico, é uma iniciativa conjunta da Plataforma de Reflexão Angola e do Núcleo de Estudantes Africanos (NEA) do Instituto Universitário de Lisboa.

João Carlos (Lisboa) | Deutsche Welle

Aumenta pressão contra imprensa angolana


O MPLA, partido no poder em Angola, acusou recentemente a TV Zimbo de "instigação à desobediência". O Serviço de Investigação Criminal (SIC) também vai processar o jornal "Crime" por difamação. E ainda há mais casos.

Em abril deste ano, o diretor do jornal "Liberdade" foi ouvido pela Procuradoria-Geral da República (PGR), num processo que envolve Bornito de Sousa, atual vice-presidente da República. Em causa está uma entrevista publicada pelo semanário que acusava o então ministro da Administração do Território (MAT) do desvio de milhões de kwanzas destinados às autoridades tradicionais.

"As vozes contrárias ao Governo sempre foram intimidadas", lembra o diretor do jornal, Escrivão José. "Quando fazemos matérias jornalísticas e de investigação recebemos algumas ameaças, dado o trabalho que temos vindo a fazer, e agora recebemos este processo", afirma.

Ainda assim, o jornalista diz que o semanário vai continuar a desempenhar o seu papel: informar. "O jornal vai continuar a fazer o seu trabalho. Por isso é que constituímos esse projecto, para dar voz aos que não têm voz. E estamos prontos para enfrentar a justiça do nosso país, mas garantimos aos nossos leitores que o jornal Liberdade sempre informou com verdade e vamos continuar nesta senda", assegura.

Zimbo acusada de "instigar desobediência"

Este não é o único caso de alegada pressão contra a imprensa angolana. Na semana passada, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) acusou a televisão privada Zimbo de "instigação à desobediência". Em causa está o conteúdo do programa "Fala Angola", que retrata os problemas sociais do país.

O segundo caso envolve o Serviço de Investigação Criminal (SIC), que vai processar criminalmente o jornal "Crime" por ter publicado na sua última edição que a execução de um alegado delinquente, a 1 de junho, tenha sido uma espécie de "queima de arquivo". Ou seja, teria informações sobre um suposto desvio de milhões de kwanzas por parte do SIC. 

Em declarações à DW África, o jornalista Jorge Neto diz não ter dúvidas sobre a pressão exercida sobre os profissionais da imprensa em Angola.

"O caso do jornalista Mariano Brás, por exemplo, foi um vídeo que se tornou viral nas redes sociais e o jornalista, no exercício da sua profissão fez uma investigação, apurou algumas causas e trouxe o assunto à baila numa perspectiva que as autoridades nem sequer tinha noção", refere.

No Tribunal Provincial de Luanda decorre um processo crime movido pelo antigo procurador-geral da República João Maria de Sousa, que acusa os jornalistas Mariano Brás e Rafael Marques de injúria e ultraje a órgão de soberania. A sentença será conhecida a 6 de julho.

Manuel Luamba (Luanda) | Deutsche Welle

Ataques em Moçambique são financiados por "radicais islâmicos", diz investigador


Investigador Fernando Jorge Cardoso defende que ataques contra civis no norte de Moçambique são financiados por "radicais islâmicos", mas afasta cenário de criação de um "movimento endógeno de longo prazo".

Fernando Jorge Cardoso, especialista em estudos africanos do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL e coordenador de estudos estratégicos da organização não-governamental Instituto Marquês de Valle Flôr, defendeu esta quinta-feira (21.06) que os ataques contra civis na região de Cabo Delgado (norte de Moçambique) são financiados por "radicais islâmicos" com o objetivo de desestabilizar, mas afastou o cenário de criação de um "movimento endógeno de longo prazo".

"Não tenho a mínima dúvida que neste momento há financiamento de radicais islâmicos, através do Médio Oriente, interessados na instabilidade no leste africano e que cada vez têm mais ligação ao longo do litoral leste de África", comentou o especialista.

Insatisfação dos jovens

Segundo Fernando Jorge Cardoso, "há alguma insatisfação, particularmente de parte da população jovem na zona litoral, que vê a perspetiva de grandes investimentos a serem realizados, mas que não viu até agora nenhuma possibilidade de melhoria do nível de vida". Mas, assinalou, "isso, por si só, não leva à morte de pessoas e ao vandalismo sobre civis", referindo-se aos ataques, nos últimos meses, na região de Cabo Delgado.

 Para Fernando Jorge Cardoso, "há claramente um movimento de desestabilização que encaixa nessa insatisfação e que é financiado do exterior".    

No entanto, o investigador não acredita que haja "condições no interior de Moçambique para a criação de um movimento endógeno de longo prazo". 

O objetivo é chamar a atenção

Os ataques, comentou, são preocupantes, por atingirem civis e por "desestabilizarem toda uma área, particularmente na zona norte litoral, perto das grandes jazidas de gás, que estão prestes a começar em exploração".

O objetivo, continuou, é "desestabilizar, chamar a atenção e criar uma visibilidade maior e dar a aparência de que este movimento 'jihadista' não foi aniquilado, apesar de tudo o que está a acontecer ao designado Estado Islâmico e à Al-Qaeda". 

O especialista ressalvou que os ataques estão a ocorrer numa extensão de 100 quilómetros da costa leste moçambicana, num país com 2.750 quilómetros de litoral. 

"Não deixa de ser grave e preocupante e afeta sem dúvida a exploração de gás, mas as grandes companhias que lá operam estão habituadas a este tipo de movimentação. Não acredito que este tipo de movimentos seja capaz de parar o desenvolvimento da exploração de gás", acrescentou.

Estabilidade no país

Fernando Jorge Cardoso sublinhou também que estes ataques "nada têm a ver com os conflitos anteriores - que ainda não estão totalmente resolvidos, mas estão quase - entre a FRELIMO [no poder] e a RENAMO [principal partido da oposição]", comentando que as aquelas forças "não veem com bons olhos, de forma alguma, para o que se está a passar".

As autoridades suspeitam que os crimes sejam da responsabilidade de células de um grupo que atacou a polícia e matou dois agentes na vila de Mocímboa da Praia em outubro de 2017 e que desde então tem invadido aldeias remotas, saqueando-as e provocando um número incerto de mortes e deslocados.

Só na mais recente vaga de violência, desde 27 de maio, morreram pelo menos 29 habitantes, 11 supostos agressores e dois elementos das forças de segurança, segundo números das autoridades e testemunhos da população.

Restaurar a estabilidade no norte do país

A Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados de Moçambique (CDHOAM) instou as autoridades moçambicanas a restaurarem a estabilidade nos distritos daprovíncia de Cabo Delgado alvo de ataques atribuídos a grupos armados de inspiração islamita. 

O presidente da CDHOAM, Ricardo Moresse, afirmou, citado esta quinta-feira pela Agência de Informação de Moçambique (AIM), que as autoridades devem atuar com celeridade para estancar a violação flagrante dos direitos humanos em Cabo Delgado.

"Quanto mais cedo se controlar a situação, melhor ainda, porque não há dúvidas de que estamos perante uma violação dos direitos humanos e é preciso controlar esta situação o mais cedo possível", disse Moresse. 

Os autores dos ataques, prosseguiu, devem ser responsabilizados pelos seus atos, dentro de um processo legal justo.

"Não importa de quem sejam os ataques, o mais preocupante é que estão acontecer e o pior é que são sem rosto", acrescentou o presidente da CDHOAM. 

Agência Lusa, ar | em Deutsche Welle

Novo ataque terá deixado mortos e destruição no norte de Moçambique


Segundo fonte ouvida pela agência de notícias Lusa, desta vez o alvo foi a aldeia de Maganja, na província de Cabo Delgado. Ataque terá provocado a morte de pelo menos cinco pessoas e destruído cerca de 120 casas.

Um grupo armado atacou na noite da última sexta-feira (22.06) uma aldeia remota do norte de Moçambique, Maganja, onde matou cinco pessoas e incendiou 120 casas ao mesmo tempo em que saqueava a povoação, disse à agência de notícias Lusa uma fonte das autoridades.

A aldeia fica situada no distrito de Palma, a cerca de cinco quilómetros do perímetro atribuído à construção de empreendimentos ligados à exploração de gás natural.

Ainda de acordo com a fonte ouvida pela Lusa, o grupo entrou na aldeia de Maganja pelas 23h de sexta-feira, roubou arroz, outros produtos alimentares e alguns animais, como cabritos. As vítimas foram assassinadas com golpes de catana e disparos de armas de fogo.

Rede de ataques

Suspeita-se que os autores fazem parte do mesmo movimento, composto por diferentes células, que tem atacado residentes de povoações no meio do mato, sem eletricidade nem infraestruturas, da província de Cabo Delgado, desde outubro de 2017.

Só na mais recente vaga de violência, desde 27 de maio, morreram pelo menos 29 habitantes, 11 supostos agressores e dois elementos das forças de segurança, segundo números das autoridades e testemunhos da população recolhidos pela Lusa.

Antes da incursão na noite de sexta-feira, em Maganja, o ataque anterior tinha acontecido na noite de terça-feira na aldeia remota de Litandakua, posto administrativo de Chai, distrito de Macomia - mais de 100 quilómetros em linha reta a sudoeste, na mesma província, Cabo Delgado.

Agência Lusa | em Deutsche Welle

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