quinta-feira, 19 de julho de 2018

Fracasso do Governo


Ana Alexandra Gonçalves* | opinião

O actual Governo quando falha, e tem fracassado em áreas como a Saúde e a Educação, fá-lo de forma clamorosa. O que é um sucesso para o ministro das Finanças, ao ponto de ser recompensado a nível europeu, representa também um desastre para quem necessita de cuidados de saúde ou para quem frequenta o ensino. O sucesso de uns - apresentado como o sucesso de todo um país - está muito longe de ser o sucesso da maioria.

Serão sobretudo estas escolhas a poder colocar um ponto final na famigerada "geringonça" - a esquerda não pode compactuar com a destruição do SNS e da Educação e o PS está a fazê-lo.

Por conseguinte, Augusto Santos Silva, está muito longe de acertar no que quer que seja quando dá mostras de optimismo quanto à reedição da geringonça, mais aprofundada, crê o ministro dos Negócios Estrangeiros. Não haverá nem "geringonça", nem "geringonça 3.0" se a destruição da Saúde e Educação continuarem, em nome de contas públicas sãs aos olhos europeus, alimentando um ou outro ego, e fingindo que a reposição de rendimentos e a ausência de cortes são suficientes para se parecer de esquerda. 

De um modo geral, serão estes fracassos do Governo, escamoteados por sucessos apresentados como incomensuráveis, a ditar um possível fim da solução governativa em vigor.

*Ana Alexandra Gonçalves | Triunfo da Razão

ELES COMEM TUDO | TC deixou passar prazo de multas a partidos? "Não há vergonha"


Joaquim Jorge mostra-se indignado com o facto de o Tribunal Constitucional ter deixado prescrever multas a partidos e políticos.

"Não há vergonha". É assim que Joaquim Jorge, fundador do Clube dos Pensadores, reage à notícia de que o Tribunal Constitucional (TC) deixou passar o prazo para aplicar coimas, estimadas em 400 mil euros, referentes a irregularidades detectadas nas contas de 2009 dos partidos. Em causa estão multas a partidos e a 24 dirigentes financeiros. 

Conforme deu conta a TSF esta semana, uma das razões para os atrasos foi que o TC, temendo a inconstitucionalidade da lei dos financiamentos dos partidos políticos e das campanhas, optou por, no início de 2017, suspender o processo de aplicação das coimas até que os deputados aprovassem a nova lei. 

Com a demora das votações no Parlamento em dezembro, e o veto de Marcelo  em janeiro, a legislação final acabaria por ser publicada apenas em abril deste ano.

“Digam lá se não é porreiro ser militante de um partido? E fazer parte de partidos: associações de cidadãos que pretendem obter o exercício e benefícios do poder?”, questiona Joaquim Jorge, acrescentando que “os senhores que estão no poder ainda não perceberam que a descredibilização é total" e que a “credibilidade da acção política está pelas ruas da amargura e vale zero”. O biólogo vai mais longe e diz mesmo que “é repugnante” constatar que “dizem uma coisa e fazem outra”.

Joaquim Jorge não se conforma com o facto de que o cidadão comum que tenha uma multa ou dívida tem de pagar, caso contrário sujeita-se a uma multa, mas o mesmo não acontece com os partidos. “Porque é que os partidos não funcionam como todas as outras instituições que têm que cumprir com o seu dever? Porque é que os partidos vivem num mundo à parte?”, questiona, num artigo de opinião remetido ao Notícias ao Minuto.

O fundador do Clube dos Pensadores critica ainda aquilo que considera ser uma “certa dependência” entre os partidos e o Tribunal Constitucional, que é composto por 10 juízes designados pela Assembleia da República.

“Nós precisamos de ter gente na política livre de preconceitos e maus hábitos de pensar e de agir”, defende, dizendo-se “cansado, farto e exausto de tanta roubalheira à descarada”. “E de fazerem de mim totó”, acrescenta.

Joaquim Jorge conclui que “Portugal é um país faz de conta, em tudo, até na sua democracia” e começa a dar razão aos jovens quando estes dizem que o melhor é não votar.

“A política portuguesa não é digna de confiança”, lamenta ainda, defendendo que “o país precisa de uma redefinição ética, cívica e moral, acabar, de uma vez por todas, com os privilégios e exceções dos políticos”.

Melissa Lopes | em Notícias ao Minuto

Tancos ou “Onde Está Wally?”


O ministro da Defesa, ao não confirmar nem desmentir o anúncio da recuperação do material roubado em Tancos, permite concluir que apenas um cabo, um sargento e um capitão serão responsabilizados.

AbrilAbril | editorial

Deu uma nova «brisa à vela» do caso de Tancos. Não é a primeira vez e talvez não seja a última. Tudo o que importa já foi escrito: do não se saber exactamente o que tinha sido surripiado até ao aparecimento de uma lista; do estado das instalações até à mudança de instalações; da suspensão de comandantes (figura estranha) até à sua reconfirmação e recente nomeação para o curso para oficial general; do conhecimento há muitos anos do estado das instalações a que anteriores responsáveis políticos e militares não passaram cartão; da falta de efectivos para cuidar das guardas e da existência de efectivos para irem frequentar formação para combater incêndios; do gravoso desaparecimento (com informação aos aliados e tudo) até à conclusão de que afinal não era assim tão grave porque era material com defeito; do milagroso telefonema a dar conta do achado, com prémio, e o natural regozijo – sim, porque ninguém quer que material daquela natureza, mesmo com defeito, ande por aí –; do incompreensível resgate do material por parte das Forças Armadas sem «passar cavaco» ao Ministério Público, que tinha aberto processo e constituído equipa para investigar o crime; da dificuldade deste mesmo Ministério Público e da Policia Judiciária em acederem ao referido material localizado, até às noticias recentes que dizem que, afinal, parece haver material em falta; das declarações que, perante tal questão, dizem que compete ao Ministério Público esclarecer já que o processo está em segredo de justiça.

Por fim, o décimo apelo do Presidente da República para que tudo seja esclarecido e mais uns soundbites do PSD e do CDS-PP que, quando no Governo, nada fizeram para cuidar do estado de degradação das instalações, já para não falar (não vem aqui ao caso) do seu contributo para a degradação mais geral das Forças Armadas, em vários planos.

Como se verifica, sem sermos exaustivos, de tudo já se escreveu e disse. A única coisa que falta referenciar é quem levou o material do paiol de Tancos, havendo, contudo, quem desde o início tenha dito, com convicção, que tudo não passaria de um problema de inventário.

O apuramento do que ocorreu e de quem praticou o crime em nada bule com o apuramento dos responsáveis que, ocupando determinado tipo de cargos ao longo dos anos e tendo conhecimento das debilidades nada fizeram, potenciando o que veio a ocorrer. Teria sido pedagógico. Mas esta é, porventura, uma opinião estranha nos tempos que correm. Instalou-se a política de uma mão lava à outra. A frontalidade deu lugar à frugalidade. Os valores propiciadores da coesão passaram a ser de geometria variável.

Daí que, a partir das afirmações do ministro da Defesa Nacional na Comissão parlamentar de Defesa, não confirmando nem desmentido, antes pelo contrário, as afirmações feitas pelo chefe do Estado-Maior do Exército na conferência de imprensa em que anunciou a recuperação do material roubado, e refugiando-se na investigação do Ministério Público, possamos concluir que todas responsabilidades ficarão nos ombros dos militares já castigados: um cabo, um sargento e um capitão!

O assunto é sério mas a época da silly season não ajuda. Até lá o melhor é redescobrir os livros de «Onde está Wally?».

Na foto: O ministro da Defesa, Azeredo Lopes, na cerimónia de despedida do grupo de 108 militares do Regimento de Artilharia N.º 4, da Brigada de Reacção Rápida, que partiram para a Lituânia para integrar a força Light Artillery Battery/Assurance Measures 2016, bateria disponibilizada para a NATO. 29 de Junho de 2016. CréditosMário Cruz / Agência Lusa

LER NOVO | O Lado Oculto – Antídoto para a propaganda global, por José Goulão e outros


O Lado Oculto – Antídoto para a propaganda global” é o novo semanário electrónico de informação internacional por assinaturas que será lançado dentro de um mês.

É uma publicação que irá cobrir informação de todo o mundo que não tem lugar nos meios de comunicação de largo consumo.

Serei o director e responsável editorial de uma equipa que integra outros jornalistas com carreiras consolidadas em alguns dos principais órgãos de comunicação internacionais.

Para manifestar o interesse em receber o Número 0, no dia 24 de Agosto, com as indicações necessárias para se tornar assinante, basta enviar o seu endereço de e-mail para: assinantes@oladooculto.com

Saudações gratas de José Goulão

- em Facebook

Parece que não há nada a fazer, tirem os cavalinhos da chuva


Expresso Curto fora de horas. Sim. Pois. Talvez não. O tema de abertura é interessante e o autor de hoje, Ricardo Marques, dá-lhe umas cores que podem causar dores mas também sorrisos e comentários do estilo “somos muito parvos”, nós, os eleitores. Outros dirão: “mas estes chulantras andam a brincar com a gente”. Pois. Sim. Talvez. Alguns andam. Outros não… mas dão cobertura aos que andam na brincadeira. Certo é que andamos a sustentar as mordomias desses avacalhados que aparentam abundar na AR. Pois. Sem dúvidas. Pagamos e já nem bufamos. Onde já vimos isto? Ah! Foi quando o Salazar nos distribuiu a pílula dourada que nos fez suportar a repressão, a exploração, a fome, a guerra e outros terríveis males da ditadura colonialista. Sim. Pois. Não sendo igual há pormenores que são pares desses tempos de ditadura. Pois. Portanto, porque parece não haver nada a fazer, tire os cavalinhos da chuva porque nesta chuveirada de democracia poluída ainda adoecem ou fenecem. Ah, pois.

Vão lá, sem mais. Ler o Curto ‘muita fixe’, melhor que o Soares, que o jornalista do Expresso matraqueou para nós. Obrigadinho e boas festas aos animais que não mordem mas também não abanam a cauda em submissão. Esses é que são íntegros e fazem muita falta neste país de carneiros mal paridos e amorfos. Pois.

Ora tomem lá (os memés) que já almoçaram (os que tiveram o que comer). Bumba. (MM | PG)

Bom dia este é o seu Expresso Curto

Pim-Pam-Pum, cada voto aprova um

Ricardo Marques | Expresso

Sente a cabeça pesada, o corpo dorido e não há maneira de conseguir concentrar-se e começar a dar algum sentido ao dia? Está como se tivesse bebido duas garrafas de vinho, três litros de cerveja e 27 shots de absinto ao jantar?

(Isto é um mero exercício especulativo. Lembre-se: o álcool deve ser consumido com moderação)

Calma. Não há motivo para preocupação. Está apenas a sofrer de ressaca legislativa. Ao contrário da ressaca normal, a legislativa não pressupõe qualquer ação da sua parte, antes pelo contrário - o que ajuda a explicar que se sinta tão mal e, como eu, provavelmente não tenha saído do sofá.

O que se passa é que os 230 representantes do povodedicaram-se durante o dia de ontem a uma espécie de October-Fest-Queima-das-fitas de votações: mais de uma centena de diplomas para despachar, do leite com chocolate às explicações, porque estamos quase em agosto e já cheira a silly season. É, eles vão de férias e nós ficamos com a pior parte.

Portanto, prepare-se para um dia inteiro a tentar perceber o que se passou na festa, a procurar uma explicação para a nova realidade legal e para o quadro político e seus possíveis cenários, isto tudo ao mesmo tempo em que dá por si a lamentar que, tal qual pedras e palavras, os dias não voltem para trás.

Como sempre sucede na manhã seguinte, tudo parece estranho e nubloso. Não se sabe para que lado é a esquerda e onde fica a direita, nem se a geringonça ainda é um bloco central na política portuguesa ou se uma nova maquineta emerge ao centro, num bloco coeso capaz de deixar partido o tradicional esquema entre a esquerda e a direita.

Deixo-lhe aqui um pequeno resumo e aproveito para lhe desejar boa sorte.

Conta quem lá esteve que a esquerda inteira, o grupo mais popular do liceu, aprovou um novo regime para o alojamento local, mas depois chateou-se e parte dela, da esquerda - a que não inclui o PS, mas apenas os partidos que apoiam o Governo do PS - votou contra o novo pacote laboral.

Provavelmente porque o PSD e o CDS, e mais o rapaz do PAN- aquele que está sempre sozinho nas festas todas, menos nas touradas, porque a essas ele não vai - se abstiveram. Ou se calhar foi ao contrário, e eles abstiveram-se porque os outros votaram contra e estas coisas, já se sabe, são muito complicadas.

De qualquer modo, e sem grande surpresa, passado um bocado todos os da esquerda viram o PS e PSD a dançarem juntos a canção da descentralização. Do Estado.

Não do estranho estado a que isto parece ter chegado.

OUTRAS NOTÍCIAS

Sem querer desvalorizar a demanda que está prestes a iniciar, atrevo-me a enumerar mais alguns assuntos de que provavelmente pode ouvir falar durante o dia de hoje. Além de um surtido de sugestões avulsas.

Começamos com o que parece ser uma boa notícia? Pois bem, a partir de hoje, como pode ler aqui, nos créditos à habitação com taxa variável indexada à Euribor "quando do apuramento da taxa de juro resultar um valor negativo, deve este valor ser refletido nos contratos de crédito”. O termómetro desce abaixo de zero e a carteira fica mais quentinha.

Conheça os vencedores dos prémios Gulbenkian deste ano. A cerimónia de entrega é amanhã.

Arranca às 10h00, a escaldante 37.ª Concentração Internacional de Motos em Faro. Este ano, a concentração - que proporciona sempre inesquecíveis momentos televisivos - começou a ser falada mais cedo, muito devido à operação da PJ que levou à detenção de dezenas de elementos do grupo Hells Angels. Ontem ficou a saber-se que 39 suspeitos investigados por vários crimes violentos vãoficar em prisão preventiva e, como tal, longe do Algarve e de um evento com segurança reforçada.

No Brasil, acelera o caso do Dr. Bumbum, cirurgião plástico brasileiro que marcava cirurgias pelo WhatsApp, e que esta semana desapareceu depois de levar uma paciente ao hospital – onde a mulher acabou por morrer. Ontem, ao Globo, a Miss Bumbum do Distrito Federal garantiu que o médico, Dennis Furtado, tinha bebido vinho e champanheantes de a operar. Uma novela para seguir, a partir daqui.

Sem qualquer prova de que exista outro líquido na história que se segue, além de água, claro, o El Pais revela a incrível aventurados novos submarinos da marinha espanhola. O caso permite concluir uma coisa: lá, como cá, não há navio como este para trazer problemas à tona. Primeiro não flutuavam, agora não cabem no cais. É a sina ibérica.

A Catalunha, que há coisa de um ano mergulhou a fundo numa grave crise, mantém-se no topo da atualidade política em Espanha. Ontem, o primeiro-ministro Pedro Sanchez revelou um novo plano para a região: um referendo a um novo estatuto de autonomia.

Em Cuba, está a ser preparada uma nova constituição que, entre outras coisas, proíbe a discriminação com base na identidade de género, reconhece a propriedade privada e institui a figura do Presidente da República, com mandato limitado a um máximo de dez anos. E não a eternidade.

Fica um artigo muito interessante sobre a complexa proximidade entre os nacionalistas cristãos americanos, que adoram Putin e Deus, e os russos, e que tem pelo meio um pequeno almoço nacional de oração. É a América sempre a surpreender.

Claro que isto tem tudo, e mais uma espia russa, a ver com Donald Trump e com o estreito cabo em que decidiu começar a caminhar em Helsínquia. Putin estava com ele ao inicio, mas quando a mão russa desapareceu o funâmbulo presidente dos EUA ficou sozinho lá em cima. À mercê de toda a espécie de ataques. Os jornais americanos não o largam

Surpreendente, e com uma dimensão muito mais trágica do que o episódio brasileiro, é o problema instalado nas zonas rurais da Índia, onde milhões de pessoas começam a entrar nas redes sociais. Nos últimos tempos, tem aumentado o número de linchamentos e ataques motivados por vídeos e notícias falsos que circulam no WhatsApp. O "The New York Times" conta em pormenor um dos casos.

Fique um pouco na página do diário norte-americano e leia o relato de um voo comercial histórico, e até há pouco tempo impensável, entre as capitais da Etiópia e da Eritreia.

Arrisco-me só a sugerir que permaneça no ar mais uns minutos - será tempo suficiente para ler um artigo sobre o regresso do ibis-careca, um pássaro negro e não muito bonito. O que é importante é saber que está de volta aos céus da Europa. Há um detalhe nesta história: há uns anos havia 12 destes pássaros na Síria, mas a guerra reduziu o grupo a um único animal que, entretanto, desapareceu.

Por falar em pássaros, fica uma nota do dito noticiário local: a GNR de Bragança apreendeu 18 pintassilgos que tinham sido capturados ilegalmente por dois homens, de 52 e 72 anos, em Castelãos, Macedo de Cavaleiros. Os detidos vão hoje a tribunal.

No resto da imprensa, o JN garante que há “Ambulâncias paradas por falta de técnicos do INEM”, o Público assegura que o “Abate de animais pelas câmaras vai mesmo acabar em outubro”, a Sábado descreve “O Assalto à PT” e a Visãorevela “Esquemas suspeitos na reconstrução de Pedrógão”.

É impossível perceber o que pensam os pássaros, pintassilgos ou ibis ou quaisquer outros, quando lá de cima olham para o solo. É bem mais fácil, contudo, saber o que pensa do mundo um sapo preso no fundo de um poço: imagina-o, ao mesmo tempo, grande e pequeno. Uma pérola de sabedoria oriental que pode encontrar no início de um longo artigo sobre o crescimento do comércio online nas zonas rurais da China. Prepare-se para uma escala completamente diferente.

Há duas semanas o Financial Times publicou um impressivo artigo de Chris Newens sobre as festas de San Fermim, em Pamplona, uma espécie de tragédia anunciada que anualmente leva mais de um milhão de pessoas aquela localidade espanhola - e que alimenta uma industria de turismo de alto risco. Com os touros na rua, chegou a hora de espreitar os vídeos. Prepare-se para dois minutos e 26 segundos de loucura absoluta.

E haverá por essa imprensa fora notícia mais louca do que a do barco russo Dimitrii Donskoi, desaparecido há 113 anos e alegadamente com uma milionária carga de ouro a bordo, e agora descoberto na Coreia do Sul?

Provavelmente só a história de um OVNI em Monsanto. Intrigado? Então clique aqui e parta à descoberta de um trabalho multimédia do Expresso sobre o restaurante panorâmico que fez sonhar Lisboa. O que falhou?

Na cimeira da CPLP, que terminou em Cabo Verde, a pergunta é parecida: e se tivesse falhado?. Se tivesse falhado, a Guiné Equatorial - país onde ninguém fala português e menos gente ainda pode falar contra o regime - assumiria a presidência durante os próximos dois anos. Como não falhou, será Angola.

A história do maior não-falhanço do ano continua a escrever-se e a caminhar inexoravelmente para as mãos de Hollywood. Os rapazes tailandeses resgatados da grutaderam a primeira conferência de imprensa e o mundo, que não largou a televisão até os ver a salvo, virou-se de novo para o ecrã. Foi assim o relato dos dias em que a chuva os prendeu debaixo da terra.

Assinala-se hoje o Dia da Reserva Natural do Estuário do Tejo. Aproveite para descobrir um pouco da reserva e, quem sabe, inspire-se para as semanas de descanso que estão mesmo ao virar da folha do calendário. Se está mesmo a contar os dias para as férias, e até já tem voo marcado para a próxima semana – do género encontrei uma promoção óptima - pode dar jeito ler aqui sobre a greve na Ryanair.

Na mesma semana em que se soube que a CP vai acabar com o Alfa da manhã, entre Lisboa e Porto, os deputados do PS eleitos por Leiria decidiram viajar na Linha do Oeste. O serviço de agenda da Agência Lusa diz que partem às 13h10 das Caldas da Rainha e que chegam a Entrecampos às 15h26. Às 15h30, e passo a citar a agenda, “caso o comboio chegue a horas”, entregam no Ministério do Planeamento propostas para a modernização da via. O Governo antecipou-se e, qual TGV, anunciou ontem um concurso para obras para “os próximos meses”.

São duas horas e 16 minutos para fazer, de comboio, os 75 quilómetros entre as Caldas e Lisboa.

Parece muito? Imagine que de bicicleta leva 10 dias a fazer Paris-Lisboa. Como é que sei? Um grupo de ciclistas, quase todos portugueses, parte hoje de Villejust - ou melhor, já partiu, há coisa de duas horas - para uma viagem de homenagem aos emigrantes. Chegam cá a 29, domingo.

Em França ficam os profissionais. O Tour está sensivelmente a meio e a etapa de hoje é de montanha. O El Mundo tem uma página muito engraçada para seguir a prova, cheia de bonecos, gráficos e cores.

É bem provável que a sede do Google esteja um bocado assim, a rebentar com gráficos, bonecos e cores - mas em tom de emergência. Provavelmente mais pela multa que a Comissão Europeia anunciou ontem (4,34 mil milhões de euros, como pode ler aqui) , do que pelo processo que o Benfica interpôs na Califórnia (o clube queixa-se de ter sido atacado por um hacker e considera que a empresa, como outras também processadas, é co-autora do crime).

Falar do Benfica sem falar do Sporting é como falar do Google sem falar do Facebook. E falar do Facebook sem falar de Bruno de Carvalho é como falar do Sporting sem falar das eleições. Isto complica-se quando se fala das eleições no Sporting e não se pode falar de Bruno de Carvalho (Jaime Marta Soares não aceitou a candidatura do presidente deposto), ainda que Bruno de Carvalho tenha dito que sim, que vai mesmo a votos nas eleições do Sporting a 8 de setembro.

Já se ouvem os acordes finais. Lembra-se desta? Os Kussondulola foram preciosos para dar o título a este Expresso Curto, mas não vão estar no Super Bock Super Rock. Se quer conhecer tudo, e mais alguma coisa, sobre o festival que hoje começa, nada como ler quem sabe do que escreve. Um guia com o selo de qualidade Blitz.

A propósito de festivais, e é mesmo a última, o Correio da Manhã diz em manchete que o “Estado avalia pureza da droga em festival”. Isso mesmo: quem for ao Boom, em Idanha-a-Nova pode testar as substâncias estupefacientes que levar…

O QUE ANDO A LER

A ser verdade que não se deve julgar um livro só pela capa, há uma série de regras a seguir quando chega um exemplar novo.

Desde logo, é um erro ficar apenas pelo título: “O Budismo tem razão - A ciência e a filosofia da meditação e da iluminação”.

É importante ler também as letrinhas pequeninas. No caso concreto, aquelas em que António Damásio, o neurocientista português, surge, na capa, a garantir que não só concorda com o autor, como o aplaude.

E quem é o autor? Robert Wright. Quem? Exatamente. Também não sabia, mas parece que trabalhou numa série de jornais americanos e ingleses, é professor universitário e alguns dos seus livros anteriores foram finalistas em prémios importantes.

Depois é preciso ter sorte e, ao abrir uma página ao acaso, a 181, e encontrar uma coisa assim:

“Certo dia, um homem de 59 anos perguntou à mulher onde estava a sua mulher. Fred não estava brincar (…) Fred sofria de delírio de Capgras, que consiste em estar convencido de que alguém (normalmente um parente; por vezes um amigo intimo) e um impostor - e um impostor muito bom, uma réplica exata, pelo menos no exterior. Mas não no interior. Aquela pessoa pode parecer-se na perfeição com, por exemplo, a sua mãe, mas falta-lhe aquilo a que poderíamos chamar ‘a essência da sua mãe’”.

Ainda não cheguei a este capítulo. Não devo demorar muito. Um livro que me garante que a mente humana foi concebida para, com frequência, nos enganar sobre nós próprios e sobre o mundo é bem capaz de ser a melhor coisa que me aconteceu este verão. Isto se estiver a pensar bem, mas pode ser um tiro no escuro.

Neste dia, há 204 anos, nascia em Hartford, no Connecticut, um menino chamado Samuel Colt que cresceu e inventou uma coisa chamada revólver. Pim. Pam. Pum.

Esqueça-o e tenha uma quinta-feira pacífica. É tudo uma ilusão.

O mundo está no Expresso online e em versão atualizada no Expresso Diário, às seis da tarde.

O "sultão" Erdoğan entronizado nas suas funções


Recep Tayyip Erdoğan foi entronizado nas suas novas funções de Presidente da República da Turquia; novas, tanto porque foi reeleito, como porque agora reina a nova Constituição.

No seguimento de uma cerimónia faustosa no Palácio Branco, o “sultão” voou para o Azerbaijão e para o Chipre ocupado afim de mostrar que os limites do seu império não se limitam aos da Turquia.

Durante seus diversos discursos, o “sultão” saudou fazendo com a mão não o “V” da Vitória, mas, antes, o “sinal de rabia”, sinal de união dos Irmãos Muçulmanos desde a queda de Mohamed Morsi no Egipto, país onde ele é punível com 5 anos de prisão. A imprensa turca assegura que este símbolo teria sido inventado à época pelo próprio Erdoğan.

O “sultão” designou um gabinete restrito e confiou o Ministério da Economia ao seu genro, Berat Albayrak. Este último organizara, através da sua empresa Çalık Holding, o transporte por meio de 8.500 camiões-cisterna do petróleo roubado pelo Daesh (E.I.) [1].

Todos os ex-colaboradores do antigo Primeiro-ministro, Ahmet Davutoğlu, foram demitidos das suas funções.

Voltaire.net.org - em 13 de Julho 2018 | Tradução Alva

 [1] “A família Erdoğan e o Daesh (EI) (continuação)”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 8 de Novembro de 2016.

Trump, NATO e "agressão russa"


Pepe Escobar [*]

A histeria está num tom agudo. Após a cimeira da NATO em Bruxelas, o declínio definitivo do ocidente foi declarado como um facto consumado quando o presidente Trump se mostrou pronto para encontrar o presidente Putin em Helsínquia. 

Foi o próprio Trump que estipulou querer conversar com Putin por trás de portas fechadas, cara-a-cara, sem quaisquer ajudantes e, em teoria, espontaneamente, depois de a reunião preparatória entre o secretário de Estado Mike Pompeo e ministro russo dos Negócios Estrangeiros Sergey Lavrov ter sido cancelada. A cimeira terá lugar no velho Palácio Presidencial do século XIX em Helsínquia, uma antiga residência de imperadores russos.

Como um preâmbulo para Helsínquia, a espectacularblitzkrieg da NATO foi um show memorável; vários "líderes" em Bruxelas simplesmente não sabiam o que os atingira. Trump nem se deu ao trabalho de chegar a tempo para as sessões da manhã que lidavam com o possível acesso da Ucrânia e da Geórgia. Diplomatas confirmaram ao Asia Times que após a investida mordaz de Trump de "pagar mais ou não", a Ucrânia e a Geórgia foram convidadas a abandonar a sala porque o que seria discutido era estritamente uma questão interna da NATO.

Antecipando a cimeira, eurocratas entregaram-se a intermináveis lamentações sobre o "iliberalismo", desde Viktor Orban na Hungria ao sultão Erdogan na Turquia, assim como a choradeira pela "destruição da unidade europeia" (sim, é sempre culpa de Putin). Trump contudo não teria nada com isso. O presidente dos EUA confunde a UE com a NATO, interpretando a UE como rival, tal como a China, mas muito mais fraca. Quanto ao "acordo" dos EUA com a NATO, assim como com o NAFTA, isso é um mau negócio.

A NATO é "obsoleta" 

Trump está correcto em que sem os EUA a NATO é "obsoleta" – como se não existisse. Assim, essencialmente, o que ele fez em Bruxelas foi por a nu o caso da NATO como um esquema de extorsão, com Washington totalmente no direito de aumentar as apostas pela "protecção".

Mas "protecção" contra o que?

Desde o desmembramento da Jugoslávia, quando a NATO foi reposicionada no seu novo papel de imperialista humanitário global estilo Robocop, o registo da aliança é absolutamente deplorável.

Isso fica miseravelmente caracterizado pela perda de uma guerra sem fim no Afeganistão contra uns bandos de guerrilheiros pashtuns armados com réplicas de Kalashnikov; na transformação funcional da Líbia num terreno devastado por milícias e sede de refugiados destinados à Europa; e ter a NATO-Conselho de Cooperação Golfo perdido sua aposta numa galáxia de jihadistas e cripto-jihadistas na Síria, disfarçados como "rebeldes moderados".

A NATO lançou uma nova missão de treino no Iraque, não combatente, 15 anos após a operação Pavor e Choque. Sunitas, xiitas, yazidis e mesmo facções curdas não estão impressionados.

Há então a Iniciativa de Prontidão da NATO, a capacidade de deslocar 30 batalhões, 30 navios de guerra e 30 esquadrões aéreos dentro de 30 dias (ou menos) em 2020. Se não causar estragos através do Sul Global, esta iniciativa é supostamente criada para deter a "agressão russa".

Assim, depois de se interessar pela Guerra Global ao Terror, a NATO está essencialmente de volta à "ameaça" original; a iminente invasão russa da Europa Ocidental –- uma das noções mais ridículas que já houve. A declaração final em Bruxelas destaca-a, com ênfase especial nos itens 6 e 7.

O PIB somado de todos os membros da NATO é 12 vezes o da Rússia. E os gastos com defesa da NATO são seis vezes maiores do que os da Rússia. Ao contrário da incessante histeria polonesa e báltica, a Rússia não precisa "invadir" nada; O que preocupa o Kremlin, a longo prazo, é o bem-estar dos russos étnicos que vivem nas antigas repúblicas soviéticas.

A Rússia não pode ser uma ameaça e um parceiro energético 

E há a questão da política energética europeia – e isso é uma história completamente diferente.

Trump descreveu o gasoduto Nord Stream 2 como "inadequado", mas a sua afirmação de que a Alemanha obtém 70% da sua energia (via importações de gás natural) da Rússia pode ser facilmente desmascarada. A Alemanha obtém no máximo 9% da sua energia da Rússia. Em termos de fontes de energia da Alemanha, apenas 20% é gás natural. E menos de 40% do gás natural na Alemanha vem da Rússia. A Alemanha está rapidamente a transitar rumo à energia eólica, solar, da biomassa e hidráulica, as quais montam a 41% do total em 2018. E o objectivo é de 50% em 2030.

No entanto, Trump tem um ponto excelente quando, salientando que "a Alemanha é um país rico", ele quer saber por que os EUA deveriam "protegê-la contra a Rússia" quando os acordos de energia estão sobre a mesa. "Explique isso! Não pode ser explicado!", como consta ter dito quarta-feira ao secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg.

No fim, é claro, é tudo acerca de negócios. O que Trump realmente está a pretender é que a Alemanha importe shale gás dos EUA, três vezes mais caro do que o gás russo entregue por pipeline.

O ângulo da energia está ligado directamente à infindável novela dos 2% com gastos de defesa. A Alemanha actualmente gasta 1,2% do PIB com a NATO. Em 2024 supõe-se que atinja no máximo 1,5%. E isso é tudo. A maioria dos eleitores alemães, quer de facto que as tropas dos EUA fora do seu país .

Assim, o pedido de Trump de 4% do PIB em gastos de defesa para todos os membros da NATO nunca levantará voo. O seu tom agudo deveria ser considerado por aquilo que é: uma tentativa de "convite" para uma jornada de compras acrescida da UE e da NATO de hardware militar dos EUA.

Em suma, o factor chave é que a blitzkrieg de Trump em Bruxelas apresentou o seu caso. A Rússia não pode ser uma "ameaça" e um parceiro de energia confiável ao mesmo tempo. Por mais que os caniches da NATO possam estar aterrorizados com uma "agressão russa", os factos mostram que não vão aplicar o seu dinheiro na sua histeria retórica.

Está a ouvir agora? 

A "agressão russa" deveria ser um dos tópicos principais discutidos em Helsínquia. Na possibilidade – remota – de que Trump faça um acordo com Putin, a absurdo raison d'etre da NATO ficaria ainda mais desnuda.

Essa não é a agenda "profunda" dos Estados Unidos, é claro, daí a demonização ininterrupta da cimeira mesmo antes de ela acontecer. Além disso, para Trump, o jogador que aposta no Make-America-Great-Again, o resultado ideal seria sempre conseguir mais acordos de armas europeus para o complexo industrial-militar e de inteligência dos EUA.

Aterrorizados por Trump, nestes últimos dias diplomatas em Bruxelas transmitiram ao Asia Times temores quanto ao fim da NATO, o fim da Organização Mundial do Comércio, mesmo o fim da UE. Mas o facto que permanece é que a Europa é absolutamente periférica no Quadro Global.

Em Losing Military Supremacy , livro recente e inovador, o analista militar-naval Andrei Martyanov desconstrói em pormenor como "os Estados Unidos enfrentam duas superpotências nucleares e industriais, uma das quais dispõe de forças armadas de classe mundial. Se a aliança militar-política, em oposição à meramente económica, for formalizada entre a Rússia e a China, isso significará a derrocada final dos Estados Unidos como potência global".

O estado profundo dos EUA (seus burocratas influentes) pode revolver-se em perpétua negação, mas Trump – após muitas reuniões a portas fechadas com Henry Kissinger – pode ter entendido a "estratégia" suicida de Washington de simultaneamente antagonizar a Rússia e a China.

O discurso memorável de Putin em 1 de Março , como enfatiza Martyanov, foi um esforço para "coagir as elites da América se não à paz, pelo menos a alguma forma de sanidade, uma vez que elas estão completamente afastadas das realidades geopolíticas, militares e económicas das novas configurações de poder que agora emergiram no mundo". Estas elites podem não estar a ouvir, mas Trump parece indicar que ele está.

Quanto aos caniches da NATO, tudo o que podem fazer é assistir.

13/Julho/2018

[*] Jornalista.

O original encontra-se em http://www.atimes.com/article/trump-nato-and-russian-aggression/ 

Na foto: Jantar de ministros dos negócios estrangeiros durante a cimeira da NATO em Bruxelas – 11/7/2018. Reuniram-se para discutir a Rússia, o Iraque e o Afeganistão | Foto AFP / Yves Herman.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ 

Polémica com um ambientalismo ingénuo


Sim, é preciso salvar a Terra. Mas será tolo tentar fazê-lo condenando abstratamente a Humanidade e perdoando o sistema que a coloca contra a Natureza

John Bellamy Foster, na Montly Review | em Outras Palavras | Tradução: Inês Castilho

MAIS:
Publicado originalmente sob o título Marx, Value and Nature, este texto tem, na versão original 71 notas de rodapé. Como quase todas referem-se a publicações não disponíveis em português, optamos excepcionalmente por suprimi-las. Para consultá-las, basta acessar o artigo na Monthly Review

O filme de Raoul Peck O Jovem Karl Marx, de 2017, abre com uma silenciosa cena de pobres “camponeses proletários”, homens, mulheres e crianças sujos e maltrapilhos, catando madeira morta numa floresta. De repente são atacados por uma tropa de polícia montada armada com porretes e espadas. Alguns dos catadores são mortos; o resto é capturado. A cena corta para Karl Marx com 24 anos, na redação do Rheinische Zeitung [Gazeta Renana] de Colônia, onde era editor, escrevendo o artigo “Os Debates sobre a Lei do Roubo de Madeira”. Entre outubro e novembro de 1842, Marx escreveu uma série de cinco artigos com esse título – e foi isso, mais que qualquer outra coisa, que levou os censores prussianos para cima do jornal, de seu talentoso jovem editor e outros escritores. No filme, vemos o jovem Marx e seus comparnheiros debatendo o caminho que os levara a desafiar tanto o Estado prussiano quanto seus próprios patrocinadores industriais liberais. Marx era intransigente; não havia outro caminho possível. Como explicou mais tarde em seu famoso Contribuição para a Crítica da Economia Politica, de 1859, foi sua tentativa de refletir sobre a expropriação dos direitos de costume dos pobres sobre a floresta que primeiro o levou ao estudo sistemático da economia política.

A criminalização do usufruto da floresta era uma grande questão na Alemanha daquele tempo. Em 1836, ao menos 150 mil das 207.478 ações judiciais existentes na Prússia eram por “furto de madeira” e delitos relacionados. Na Renânia, a proporção era ainda maior. Esses processos resultaram em multas pesadas e prisões. Em Baden, em 1842, um em cada quatro habitantes foi condenado por roubo de madeira. Central para o argumento de Marx era o uso da “categoria de roubo onde ela não deveria ser aplicada”: não apenas recolher madeira morta, mas também catar folhas mortas e colher morangos silvestres (um direito de costume concedido às crianças) eram ações declaradas como sendo roubo, muito embora essas fossem formas há muito estabelecidas de apropriação tradicional pelos pobres. O “direito de costume” dos pobres à apropriação livre de madeira morta, insistia Marx, não se aplicava à árvore viva, “orgânica”, ou à “madeira cortada” – que podiam ser vistas como propriedade dos donos privados – mas apenas a aquilo que já estava morto. O usufruto da floresta pelos pobres estava sendo transformado “num monopólio dos ricos”, através de um processo de expropriação por “pequenos mercadores atrás de dinheiro… e juros sobre terras teutônicas”. Em resposta, Marx referia-se à “natureza elementar” do sistema florestal e, como indica o historiador Peter Linebaugh, fundamentava seu argumento num apelo à “bioecologia da floresta” e à “complexa sociedade” que ela mantinha, incluindo o modo como o direito dos pobres à madeira morta espelhava sua posição empobrecida mais geral e sua relação com a natureza.

Questões relativas à expropriação da terra/natureza e dos seres humanos nunca deixaram de ocupar Marx em seus trabalhos subsequentes, aparecendo em seus Manuscritos Econômicos e Filosóficos e em suas duas grandes discussões da “chamada acumulação primitiva” no Grundrisse e no Capital. No filme de Peck, o assalto da polícia florestal aos pobres é um pesadelo recorrente, no qual Marx vê a si mesmo correndo ao lado dos trabalhadores rurais sem-terra que estão sendo caçados pelas autoridades.
A apropriação e expropriação da natureza

A distinção crucial de Marx entre apropriação e expropriação, em torno da qual orbita sua crítica ecológica, bem como econômica do capitalismo, fica evidente em sua resposta a Pierre-Joseph Proudhon, como foi dramaticamente retratado em O jovem Karl Marx. Proudhon é retratado dando uma palestra na qual faz sua famosa declaração de que “propriedade é roubo”. Da plateia, Marx pergunta, “que tipo de propriedade, propriedade burguesa?” Proudhon responde, “propriedade em geral”. Marx observa que isso é “uma abstração”.

Para Marx, como ele indica num encontro posterior com Proudhon, no filme, a declaração deste último é logicamente insustentável, pois se a propriedade em geral é definida como roubo, e todos os títulos de propriedade são, portanto, inválidos, levanta-se então a questão: o que é roubo? Era necessário, na visão de Marx, distinguir apropriação, ou propriedade em suas muitas e diversas formas históricas, de expropriação, isto é, apropriação sem um equivalente (nos termos de Marx, também sem troca e sem reciprocidade). A teoria política clássica, de John Locke a Hegel e Marx, localiza a base da sociedade civil e do Estado na apropriação – o termo ativo para propriedade ou direito à posse através do trabalho.

Como Marx explicou em A Miséria da Filosofia e nos Grundrisse, todas as sociedades humanas repousam sobre a livre apropriação da natureza, que é a base material do trabalho e da produção. Esse é outro modo de dizer que todas as sociedades dependem da propriedade. Não pode haver existência humana sem a apropriação da natureza, sem produção, e sem propriedade de algum tipo. “Toda produção é apropriação da natureza por parte de um indivíduo dentro e através de uma forma específica de sociedade. Nesse sentido, é uma tautologia dizer que a propriedade (apropriação) é uma pré-condição da produção.” Para Marx, declarar que “propriedade é roubo”, como fez Proudhon, era portanto contornar a questão fundamental – o desenvolvimento de várias formas de apropriação na história humana, das comunais a formas mais extremas de mercantilização privada. Essa abordagem possibilitou a Marx desenvolver uma poderosa crítica da sociedade capitalista, tanto econômica quanto ecológica. A concepção de Proudhon não deixava saída para a humanidade; já que alguma forma de apropriação era a base universal da sociedade e da própria vida, declarar que a propriedade em geral era roubo, independentemente de formas particulares de propriedade, era um beco sem saída para movimentos revolucionários.

Aqui pode ser traçado um paralelo com a noção de alienação como objetificação, de Hegel, em cuja filosofia poderia ser transcendida pela unificação de sujeito e objeto, mas apenas em pensamento — isto é, no conhecimento absoluto da filosofia hegeliana. Para Marx, que rejeitava a solução idealista, a objetificação era inerente à existência humana, uma vez que os seres humanos eram seres materiais, sensuais e objetivos, que retiram seu sustento de fora de si mesmos. Daí que, na visão de Marx, não era a objetificação, mas antes a “mediação alienada” intrínseca à produção da mercadoria capitalista que estava sujeita à transcendência, e isso tinha de acontecer na realidade material, não simplesmente em pensamento. De modo semelhante, os seres humanos, como seres materiais objetivos, não podiam ser libertados da apropriação da natureza, isto é, da propriedade em todas as suas variadas formas, que era uma condição objetiva de sua existência. O que era possível, contudo, era a libertação revolucionária da humanidade das formas mais alienadas, expropriativas do metabolismo social humano com a natureza.

Essas mesmas questões reemergem hoje em debates sobre o significado e método do que é amplamente denominado ecossocialismo. Para Raj Patel e Jason W. Moore, em seu livro  A History of the World in Seven Cheap Things [Uma História do Mundo em Sete Coisas Baratas], “apropriação” em geral, como em Proudhon, é definida como “um tipo contínuo de roubo”. Tanto aqui quanto no livro anterior de Moore, Capitalism in the Web of Life [Capitalismo na Rede da Vida], o foco é na “apropriação do trabalho” em todas as suas formas – sendo que ele se referia a “trabalho” no sentido físico (isto é, a medida de energia transferida quando uma força externa é aplicada a um objeto e o move). Nesse sentido naturalista, podemos falar do “trabalho” de um rio ou de um poço de petróleo, nos mesmos termos que os de um ser humano.

A apropriação, ou propriedade, concebidas por Patel e Moore como roubo de “trabalho”, são pois universais e inescapáveis, associadas ao próprio movimento físico. Tal apropriação da natureza externa, nos diz Moore, suplanta a exploração do trabalho na produção.

Ninguém, é claro, iria duvidar que a apropriação da natureza está na base de toda a produção humana. Seres humanos são objetivos, seres materiais; como qualquer criança sabe, nós, como todos os outros seres vivos, não podemos existir sem a apropriação livre da natureza. De fato, toda a produção material humana, como Marx enfatiza, nada é além da mudança na forma daquilo que a própria natureza cria. Mas argumentar, como fazem Patel e Moore, que a apropriação humana da natureza em geral (isto é, do seu “trabalho” ou energia) é “uma espécie de roubo contínuo”, e que esse é o centro da crise ecológica, é atribuir implicitamente todo o problema à própria existência dos seres humanos – uma posição misantrópica.

Tal perspectiva, comum à maioria do pensamento ambiental mainstream, afasta-se necessariamente da crítica à mediação alienada da relação humana-social metabólica com a natureza, e das formas específicas de expropriação capitalista da natureza e seus efeitos sobre os ecossistemas. Na perspectiva marxista clássica, é precisamente porque a história humana criou um modo de produção (capitalismo) que aliena as relações metabólicas entre seres humanos e natureza, criando assim uma fissura metabólica e a ruptura das condições de reprodução ecológica, que podemos ter a esperança de restaurar o metabolismo essencial – através de uma reversão revolucionária do capitalismo e da criação de uma nova realidade material, coevolutiva. Esta é a principal mensagem ecológica de Marx.

Na visão do materialismo histórico clássico, a livre apropriação da natureza (o uso dos dons gratuitos da natureza) não deve ser condenada como roubo. De fato, “trabalho real efetivo”, para Marx, “é a apropriação da natureza para satisfação das necessidades humanas, atividade pela qual o metabolismo entre a humanidade e a natureza é mediado”. A preocupação também não deveria ser primordialmente, como na sociedade burguesa, o simples fato da natureza ser “barata”. Antes, é a expropriação da natureza no sentido da apropriação da terra ou recursos sem reciprocidade (manutenção das “condições de reprodução”) pelo capital que constitui roubo nessa esfera. Na visão de Marx, isso reflete a “lei de ‘expropriação’, não de ‘apropriação’” que sustenta o capitalismo. É associada, nesses aspectos ambientais, com a violação capitalista sistemática daquilo que um químico alemão do século 19, Justus Von Liebig, chamou de “lei de reposição” natural-material (ou “lei de compensação”), necessária para a reprodução ecológica. A relação destrutiva do capitalismo com o reino ecológicio depende desse roubo a que Marx se refere como “os poderes integrantes da natureza” – roubo não no sentido de que esses elementos não são “pagos”, como diz Moore, mas antes na violação da lei de reposição.

Como Erysichthon na mitologia grega, o capital requer cada vez mais rodadas de expropriação somente para avançar, até o ponto de devorar tudo que existe – incluindo, em última análise, a si mesmo. A dialética da expropriação e exploração, levando por fim ao exterminismo, encontra-se assim no centro da crítica do capital do materialismo histórico clássico. Para Marx, não era a apropriação da madeira morta da floresta por camponeses-proletários, mas antes a expropriação alienada do capital de toda a madeira (e toda a terra) para alimentar sua ânsia insaciável de acumulação, que constituía a realidade essencial da espoliação do mundo material: uma “tragédia da mercadoria”, não uma tragédia dos comuns.

Se a exploração do trabalho é a força por trás da valorização e da acumulação capitalista, segue-se que ele não pode continuar esse processo contraditório, numa escala sempre crescente, sem novas rodadas de destruição criativa nas fronteiras do sistema – a expropriação do ambiente natural, junto com a expropriação do trabalho social reprodutivo, da comunicação humana, do conhecimento, e mais. No Capital e em seus últimos escritos, Marx apontou tentativas, sob o capitalismo, de acelerar o tempo de rotatividade na produção de madeira com árvores de crescimento mais rápido, e na produção de carne pela reprodução do gado, argumentando que isso necessariamente pressionava as leis naturais (e no caso do gado, promovia crueldade com os animais).

Para Marx, a fissura metabólica – a mediação alienada entre a humanidade e a natureza – era produto do “roubo” ou expropriação do solo, e por conseguinte da natureza, dificultando assim “o funcionamento da eterna condição natural para a fertilidade duradoura do solo”. Isso por sua vez demandava a “restauração sistemática” desse metabolismo, numa sociedade futura de produtores associados capazes de governar “o metabolismo humano com a natureza de maneira racional… concretizando isso com o mínimo dispêndio de energia”, e desenvolvendo mais integralmente seus poderes humanos individuais e coletivos.

Valor e Natureza

Com a ascensão do ecossocialismo, suscitado pela fissura planetária, aprofundaram-se e multiplicaram-se as críticas ecológicas ao sistema capitalista. Mas, como em qualquer período de avanço teórico desenfreado, isso produziu perspectivas e posições completamente diferentes, resultando em novos debates sobre a concepção, o escopo e o propósito da crítica do valor de Marx. Ambientalistas de esquerda e políticos ecologistas, tais como Stephen Bunker, Alf Hornborg, Zehra Tasdemir Yasin and Giorgos Kallis, procuraram descartar ou desconstruir a teoria do valor inteira, argumentando que a natureza em geral, a energia e espécies individuais criam valor no sentido abstrato, que não é restrito ao trabalho humano – ou que, no caso de Hornborg, o valor econômico é simplesmente normativo. Essa análise vem frequentemente de teóricos que trabalham fora do campo da economia política crítica, os quais tendem a confundir conceitos de uso de energia, de valor de uso, de valor intrínseco e de valor normativo com o sistema econômico de valor da mercadoria baseado no trabalho abstrato sob o capitalismo.

Na crítica de Marx ao processo de valorização capitalista específico, historicamente, valor é a cristalização do trabalho abstrato socialmente necessário – “trabalho como gasto da força de trabalho”. Essencial para essa crítica é o reconhecimento de que valores de uso natural-material, enquanto componentes de cada e toda mercadoria e base de toda a riqueza real, são excluídos do cálculo de geração de valor do capitalismo, na medida em que nenhum trabalho é incorporado em sua produção. Como o próprio Marx colocou nos Grundisse, “o puramente material natural, uma vez que nenhum trabalho humano está objetificado nele… não tem valor [econômico] sob o capitalismo”. Esse caráter contraditório da produção de mercadoria capitalista, manifestado na oposição entre valor de uso e valor de troca, posiciona a estreita forma do cálculo capitalista de valor em oposição à real riqueza, que tem suas fontes em ambos, o valor de uso material-natural e trabalho humano concreto.

Dado que o valor de uso não desempenha papel direto na lógica interna de valorização sob o capitalismo, isso dá origem, tanto na economia clássica como na neoclássica, à noção de “doação gratuita da Natureza ao capital”. A exploração e acumulação capitalista, como explica Marx, depende em última análise da usurpação, pelo capital, dos dons na natureza por si mesmos, assim monopolizando os meios de produção e riqueza em sua totalidade. Essa alienação da natureza tem sua contrapartida na alienação do trabalho – ou seja, na emergência de uma classe sem base de existência, exceto a venda de sua própria força de trabalho.

Compreendida deste modo, a forma do valor de mercadoria construída historicamente sob o capitalismo não é aquela em que participam diretamente a energia ou as abelhas, mas, ao contrário, um produto das relações de classes sociais humanas. Ver natureza ou energia, não apenas o trabalho socialmente necessário abstrato, como geradores do valor de mercadoria, serviria apenas para naturalizar e universalizar o processo de valor capitalista, omitindo seu caráter específico social e histórico e sua relação com a alienação e exploração do trabalho. Mesmo a economia neoclássica – junto com a economia ecológica de Nicholas Georgescu-Roegen – atribui todo valor agregado, na economia, ao trabalho ou serviços humanos, e nada à natureza ou energia. O capitalismo, assim, exclui a natureza (incluindo a natureza corpórea dos seres humanos) de sua forma de valor – uma contradição fundamental e de muitos modos fatal do sistema.

Em contraste com os ataques frontais à teoria de valor de Marx descritos acima, a abordagem mais sutil de Moore parece primeiro conforme à teoria de valor marxista, atribuindo valor ao trabalho. Mas, num exame mais detalhado, sua análise de fato rouba de todo significado a própria abordagem de Marx, e enfraquece qualquer crítica ecológica (ou econômica) coerente do capitalismo. Como Moore coloca, seu “argumento vem de uma certa desestabilização de valor como ‘categoria econômica’”. Diferentemente da critica da valorização capitalista de Marx, que reconhecer que sob o capitalismo todo valor é a cristalização do trabalho socialmente necessário, e que faz uma dura e rápida distinção entre valor e riqueza, Patel e Moore, em A History of the World in Seven Cheap Things, procuram apagar completamente essas distinções.

Eles declaram, portanto, que “valor é uma cristalização específica das ‘fontes originais de riqueza’: trabalho humano e extra-humano”. Aqui Marx é citado contra si mesmo, apresentando sua famosa definição de riqueza como base de uma definição de valor, apagando dessa forma uma distinção absolutamente crucial que separa Marx da economia burguesa. De fato, o centro da crítica marxista repousa sobre a distinção entre valor de uso e valor de troca e entre riqueza e valor.

Da mesma forma, em Capitalism in the Web of Life Moore procura transformar a noção de Marx de “lei de valor”, que foca em quid pro quo como base da troca de mercadorias capitalista, em seu oposto, em relação à “ecologia mundial” como um todo. Para Moore, a “lei de valor” está centrada na ausência de um quid pro quo (em termos de troca) entre capital e Natureza Barata – uma ausência que se torna então a base fundamental, em sua análise do “valor expansivo”, da valorização capitalista – em contradição total com a própria análise de Marx. Assim, ele afirma que o valor, em sua forma expansiva abrangente (incluindo o valor do não-trabalho), deriva primariamente da apropriação do trabalho/energia em geral, da qual a exploração do trabalho é simplesmente um epifenômeno.

Para Moore, portanto, o segredo da acumulação é “a lógica unificada do capitalismo de apropriação de ‘trabalho’ humano e extra-humano que é transformado em valor”. Nessa visão, a ecologia/economia e toda a interação humana com a natureza equivalem à apropriação dos “quatro baratos”: força de trabalho, comida, energia e matérias primas. A força de trabalho é assim apresentada como não mais significativa do que a comida, a energia e os recursos naturais, quanto à lei de valor. (Em seu último trabalho com Patel, Moore expandiu a moldura de quatro para sete baratos [cheaps], acrescentando natureza, trabalho, dinheiro, vidas e o trabalho de cuidar, e abandonando força de trabalho e matérias primas). Essa formulação complicada, contudo, inibe efetivamente qualquer crítica coerente da produção de valor capitalista, quanto mais qualquer entendimento significativo das crises ecológicas engendradas pelo sistema capitalista.

O argumento de Moore relativo aos quatro (ou sete) “baratos” tem base em sua concepção mais elástica daquilo que constitui valor sob o capitalismo e na civilização em geral, com o que ele visa apresentar nada menos que uma “nova lei de valor”, abrangendo a exploração do trabalho, bem como a apropriação da natureza/energia física. “Leis de valor”, escreve ele, são fenômenos “que formam e mantêm coesa uma civilização”. Elas são produto, em grande parte, da apropriação do “trabalho” físico, isto é, a energia do universo. Tais “relações de valor expansivas”, como ele chama, “levam uma vida dupla”, estendendo-se além do processo de trabalho e produção de valor apropriado, bem como além do fenômeno do trabalho humano não remunerado, para incluir todo o “trabalho extra-humano” envolvido na ecologia do mundo capitalista. Esses domínios mais amplos de “trabalho/energia não remunerados” associados à “zona de apropriação” superam de longe a exploração do trabalho na determinação das dimensões gerais e expansivas de valor de uma dada civilização.

“A lei do valor”, argumenta então Moore, “longe de ser redutível ao trabalho social abstrato, encontra suas condições necessárias de autoexpansão por meio da criação e subsequente apropriação da Natureza Barata”, isto é, apropriação da rede da vida em geral. De novo, somos deixados num nível de obscuridade equivalente ao do “propriedade é roubo” de Proudhon. É dito que a “lei de valor” está em última análise baseada na “apropriação do ‘trabalho não remunerado da natureza’” (juntamente com o trabalho doméstico não remunerado das mulheres e outras formas de trabalho humano não remunerado). “O trabalho/energia acumulado na formação dos combustíveis fósseis” e a exploração da força de trabalho numa fábrica são “momentos inscritos na lei de valor”. A atmosfera é “colocada para trabalhar” absorvendo gases de efeito estufa, pelo que também é “não remunerada”, assim contribuindo para a valorização capitalista.

Aqui a lei de valor expansivo de Moore, baseada num “mundo de trabalho não pago” no qual a “lei de valor no capitalismo é a lei da Natureza Barata”, esbarra com um problema não resolvido, uma vez que essa concepção é virtualmente sem fronteiras, abarcando não só o ambiente planetário mas todo o universo. Como lhe é forçoso admitir, nesse sentido um “mundo de trabalho não remunerado” simplesmente “não pode ser quantificado”. Embora ele declare que “valor não funciona a menos que a maioria do trabalho não seja valorizado”, isso fica sendo uma simples tautologia, já que o “trabalho” referido inclui todas as coisas sujeitas às leis do movimento da física, na medida em que, em última instância, relaciona-se à economia – da agricultura de subsistência a uma colmeia a uma cachoeira a um isótopo radioativo a uma reação nuclear. “Carvão e petróleo”, escreve ele, “são exemplos dramáticos desse processo de apropriação de trabalho não remunerado”.

É essa apropriação universal “não remunerada” do trabalho/energia da terra, como condição eterna da existência humana, que Patel e Moore descrevem como “roubo contínuo”, o qual leva a cada vez mais dispendiosos “baratos” no final. Contudo, embora o capital possa acabar possuindo poderes naturais pelos quais não paga, como não paga pela habilidade de pensar do trabalhador, só resta confusão da tentativa de tratar tal apropriação da capacidade de trabalho da natureza, no sentido da física, como quantificável e de alguma forma equivalente à produção de valor econômico nas relações sociais capitalistas. Nem ajuda muito caracterizar uma catarata, ainda que seja usada para gerar eletricidade, como “não remunerada”.

Na “nova lei de valor” de Moore, tudo na existência material, seja trabalho social remunerado, trabalho social não remunerado, ou o não remunerado trabalho/energia do universo, importa principalmente na medida em que é aproveitado no processo de valorização capitalista. O trabalho/energia operado pelo sol, e o do sistema terrestre que durante milhões de anos levou à formação de depósitos de carvão e petróeo – mais o trabalho físico que o carvão e o petróleo desempenham na produção atual, como fontes de energia de baixa entropia – tudo entra na determinação da lei de valor da mercadoria expandida, que ele afirma poder explicar a “transformação do trabalho da natureza no valor [econômico] da burguesia”. A física, a ecologia, a economia – são todas lançadas como uma coisa só, apagando distinções fundamentais, cruciais para a crítica ecológica (e econômica) de Marx. De fato, “a relação capital”, para Moore, “transforma o trabalho/energia da natureza em… valor”.

Os pontos de vista discutidos acima também negam completamente a teoria de valor do trabalho sob o capitalismo (como em Bunker, Hornborg, Yasin e Kallis) ou a estendem a ponto do absurdo, em busca de “uma única lógica de riqueza, poder e natureza” sob o capitalismo (como em Moore). Em contraste, argumenta-se aqui que a relação metabólica entre seres humanos e natureza é alienada e contraditória, colocando uma cunha entre as as leis antagônicas do movimento (e lei de valor) do capitalismo e o sistema terrestre. Crises ecológicas não surgem simplesmente, ou mesmo principalmente porque a economia mundial (ou a ecologia mundial) se apropria, sem pagamento, do trabalho externo da natureza, nem porque a Natureza Barata está se tornando Natureza Dispendiosa, minando a base do capitalismo. Entendida adequadamente, uma crise ecológica, ou crise de desenvolvimento humano sustentável, não pode ser quantificada em dólares e centavos, ou em termos de Natureza Barata, muito menos “natureza não remunerada”.

Ao contrário, no coração da fratura metabólica de hoje, como argumenta Marx, está a lógica do sistema alienado de acumulação capitalista, no qual todas as fronteiras naturais são tratadas como meras barreiras a ser superadas, abrindo fissuras antropogênicas nos ciclos biogeoquímicos fundamentais que constituem todo o sistema terrestre total. Crises ecológicas propriamente ditas não são, assim, crises de valor econômico, mas de ruptura e destruição das condições de reprodução ecológica e desenvolvimento humano às expensas das futuras gerações humanas e espécies vivas em geral. Percebida dessa maneira, a principal contradição ecológica reside na expropriação da natureza como oferta grátis ao capital, levando à “dilapidação dos poderes da terra”. Isso é o que Marx quis dizer quando falou que o solo era “roubado” de suas condições de reprodução, gerando em consequência uma fissura no metabolismo entre a humanidade e a Terra.

Não é tanto com a apropriação do trabalho/energia da natureza como condição inerente da produção e da sociedade humana, e por certo da própria vida, que deveríamos estar mais preocupados – embora o aumento da produtividade ambiental seja central – mas sim com as fissuras ecológicas, sempre em expansão, impostas ao sistema terrestre pela lógica antagônica do capital. Colocado de outra forma, não é o mero fato da apropriação gratuita do trabalho/energia física pelos seres humanos (uma condição objetiva de existência) que é a fonte maior de nossas contradições ecológicas, mas sim a gananciosa expropriação da natureza pelo capital e a própria fissura metabólica – isto é, a ruptura historicamente específica do sistema de mercadoria das condições elementares e ciclos biogeoquímicos de reprodução natural das quais dependem, em última instância, a existência humana e a de inúmeras outras espécies.

Contra a Expropriação da Terra

Um dos insights mais profundos de Marx foi de que as “forças produtivas” sob o capitalismo tornaram-se “forças destrutivas”. A própria “produtividade do trabalho”, sob o capitalismo, levou ao “progresso aqui, retrocesso ali”. Ele atribuiu esse retrocesso especificamente à degradação das “condições naturais” para “a exaustão das florestas, minas de carvão e ferro, e assim por diante” – estendendo-se aos efeitos negativos das mudanças climáticas regionais. A começar de  seus primeiros trabalhos, ele concebia a expropriação e alienação da terra/natureza como contrapartida necessária, uma condição até mesmo primordial, da expropriação e alienação do trabalhador. Nos Manuscritos Econômicos e Filosóficos observou que o capitalismo, ainda mais que o feudalismo, antes dele, enraizava-se na “dominação da terra como de um poder alienado sobre o homem”. A expropriação e a remoção dos seres humanos das condições naturais de produção, através do confisco capitalista da terra, criaram as condições alienadas para a exploração dos trabalhadores. Pelo mesmo gesto, riquezas privadas eram ampliadas em todo lugar pela destruição da riqueza pública (o Paradoxo de Lauderdale).

“A chamada acumulação primitiva”, Marx continuou a explicar no Capital, “significa a expropriação dos produtores imediatos”, envolvendo a dupla expropriação dos produtores diretos e da terra. A imposição dessas condições (marcada pelo cercamento histórico dos comuns), o crescimento do proletariado, e a alienação do trabalho e da terra produziram a destrutividade indispensável ao sistema capitalista. Como observou Max Weber durante sua viagem ao Território Indígena (hoje Oklahoma) em 1905, “quase com a velocidade da luz, tudo o que se encontra no caminho da cultura capitalista está sendo esmagado”. Como Liebig e Marx, antes dele, Weber apontou para a cultura capitalista, neste sentido, como um sistema de roubo, Raubbau (ou Raubsystem), que destruía a terra e os recursos naturais juntamente com quaisquer formações econômicas pré-capitalistas que aparecessem em seu caminho. Contudo, esse Raubsystem não era atribuído à noção de que a propriedade (apropriação) era roubo, mas às formas históricas especificas de expropriação capitalista da humanidade e da natureza.

A expropriação da terra tem sido invariavelmente acompanhada pela expropriação dos humanos como seres corpóreos, através de inumeráveis formas de trabalho escravo e servidão, sempre presentes nas fronteiras lógicas e históricas do sistema, ajudando a tornar o capitalismo possível. Tal expropriação é sempre uma parte essencial do sistema, determinando seus parâmetros. O sistema do capital, disse Marx numa frase famosa, “vem pingando da cabeça aos pés, por todos os poros, com sangue e sujeira”. O papel da escravidão, do genocídio e de todo tipo de servidão humana, incluindo o roubo vil da própria terra, foi crucial tanto para as origens do capitalismo como para sua contínua reprodução antagônica. Hoje, a exploração bruta (ou superexploração), através da arbitragem global do trabalho de massa dos trabalhadores no Sul global, está dando origem a um “planeta de favelas” e à guerra imperialista imposta à periferia, juntamente com a contínua expropriação do trabalho não remunerado das mulheres.

Durante o tempo que Eric Hobsbawm chamou “a Era do Capital” – período de maior vitalidade do sistema, proveniente da Revolução Industrial – era possível focar principalmente nas características progressistas do capitalismo, abstraindo-se, de alguma forma, da expropriação. A crítica de Marx, então, centrou não na expropriação como tal, mas na exploração do trabalho, e foi no trabalho proletarizado, nesse sentido, que ele colocou suas esperanças de uma transição revolucionária. Hoje, contudo, a despeito de alguns desenvolvimentos tecnológicos notáveis – apenas parcialmente atribuídos ao sistema – estamos vendo um colapso dos principais mecanismos de acumulação capitalista, com tudo o que é sólido mais uma vez se desmanchando no ar. As taxas de exploração são hoje tão intensas que apresentam problemas de absorção do excedente associados à “superprodução dos meios de produção”. Assim, na era neoliberal, o capitalismo, em sua tentativa de superar as condições materiais da própria existência, buscou colocar toda a realidade dentro da lógica da valorização, via financeirização – refletindo o que Karl Polanyi chamou de concepção “utópica” da sociedade de mercado.

Nesta nova era de pilhagem e despossessão, a luta tem cada vez mais se deslocado para o lucro sobre a expropriação, a captura de todos os fluxos monetários, bens e propriedades individuais, onde quer que elas existam. A apropriação de terras é um fator dominante na maior parte do Sul global. O mercado de carbono foi introduzido ostensivamente para lidar com as mudanças climáticas, criando, ao contrário, mercados para lucrar em cima delas. O próprio Sistema Terrestre está sendo destruído como um lugar habitável pela humanidade. O trabalho está sendo desconstruído, tornando-se cada vez mais precário e inseguro. Nessas circunsâncias, o ditado sardônico de Marx, “Acumulem, acumulem! Isso é Moisés e os Profetas!” é mais do que nunca a meta do sistema, mesmo que todas as formas de vida, como as conhecemos, estejam em perigo.

Reduzir o problema ecológico do capital a uma questão meramente de Natureza Barata, como se tudo fosse simplesmente uma questão de internalizar as contribuições da natureza ao mercado – uma visão ideologicamente justificada por várias teorias do capital natural e serviços ecológicos – seria um grave erro. Antes, na raiz da emergência ambiental contemporânea, está a absoluta incompatibilidade de um sistema de acumulação de capital com a existência humana e o sistema da Terra. Se o capital tem sido imensamente bem sucedido ao explorar o trabalho humano, suas crises resultantes da superacumulação e absorção do excedente têm agora como contrapartida a visível desconstrução do planeta como lugar para habitação humana, conforme os oceanos se enchem de plástico e a atmosfera, de carbono. O impulso renovado para a expropriação do planeta, nessas circunstâncias, não é um sinal da vitalidade do capitalismo, mas da ameaça de sua dissolução.

O movimento ecológico mundial surgiu num período da história geológica hoje comumente denominado Antropoceno, provocado pela Grande Aceleração – o período de uma fissura antropogênica que aumenta rapidamente, em ciclos biogeoquímicos, geralmente datado em 1945, com o advento da bomba atômica, ou no início dos anos 1950, com os testes nucleares da bomba de hidrogênio sobre o solo, e a consequente precipitação radiotiva nuclear. A resposta à crise do Antropoceno, contudo, precisa ser muito mais revolucionária do que a do movimento Verde surgido nos anos 1960 e que procurava simplesmente preservar o meio ambiente e combater a poluição, raramente questionando o sistema social. Hoje, não pode mais ser negado racionalmente que a valorização capitalista é um processo inerentemente destrutivo, inimigo não só do trabalho livre e criativo dos seres humanos, mas também da terra como local para habitação da humanidade e muitas outras espécies.

A famosa “destruição criativa” do capitalismo, a permitir-se que continue, ameaça de aniquilação “a cadeia de gerações humanas”. Neste século, a batalha contra a expropriação da terra deve unir-se à luta contra a expropriação de seres humanos, desafiando em última análise a dialética da expropriação e exploração, e todo o “coração bárbaro” do capital. O futuro está com o desenvolvimento do movimento socialista/ecossocialista do século 21, a ser enraizado numa classe trabalhadora ambientalista diversa e abrangente. Precisamos da reconstituição revolucionária do interdependente metabolismo social com a natureza, trazendo-o sob o controle racional dos seres humanos – voltado não apenas à sustentabilidade ecológica e conservação de energia, mas também ao desenvolvimento integral das necessidades e poderes humanos, na sociedade e através dela. Nada mais dará conta disso.

*John Bellamy Foster - Professor de sociologia da Universidade de Oregon e editor da Monthly Review

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